Semana pela Democratização da Comunicação tem atividades nos estados e ato para celebrar 25 anos do FNDC

A edição deste ano da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que se iniciou na última sexta-feira, dia 14, e prossegue até o próximo domingo, dia 23, está sendo mobilizada em um momento conturbado da democracia brasileira. Até por isso, a Semana DemoCom reforça a necessidade de ampliação da resistência e da luta por um comunicação efetivamente democrática, ao contrário do que tem sido implementado pela grande mídia no país. “Defender a liberdade de expressão em tempos de golpe” é o lema que orienta as ações que serão realizadas em todo o Brasil durante a campanha.

Organizada por entidades, coletivos e movimentos que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a Semana DemoCom visa a reflexão e o debate sobre o papel da comunicação no cenário brasileiro e a necessidade de se pensar uma política nacional decomunicação orientada para a pluralidade de ideias, conteúdos e informações.

A semana de mobilização no país também destacará os 25 anos de atuação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. O aniversário será celebrado num ato em defesa da democracia nas comunicações e no Brasil, marcado para a tarde desta terça-feira, 18, no Salão Negro da Câmara dos Deputados, em Brasília. Na atividade, acontecerá também o lançamento de uma campanha nacional de denúncias contra violações à liberdade de expressão.

O que é o Direito Humano à Comunicação?

O direito à Comunicação engloba conceitos como o da liberdade de expressão e o do direito à informação, indo ainda mais além: refere-se ao direito de todas as pessoas de terem acesso aos meios de produção e de difusão da informação, de ter condições técnicas e materiais para produzir e veicular suas próprias produções no campo da comunicação e de ter o conhecimento necessário para que sua relação com os meios de comunicação ocorra de maneira autônoma.

Isso significa que todas as pessoas devem ter condições para se expressar livremente, sendo elas próprias produtoras de informação, e para fazer circular essas manifestações, sejam elas opiniões ou produções culturais. É preciso que Estado e sociedade adotem medidas para garantir que todas as pessoas possam exercer esse direito plenamente, reforçando sua condição de sujeitos das próprias ações.

PROGRAMAÇÃO DA SEMANA NACIONAL PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

Distrito Federal

18/10, 16h – Ato pelos 25 anos do FNDC e em defesa da liberdade de expressão – Salão Nobre da Câmara dos Deputados – Brasília

20/10, 19h – Lançamento do Livro Golpe16, com a presença de blogueiros e ativistas da democratização da comunicação – Sindicato dos Bancários – Brasília

Paraná

19/10, 14h – Exibição do filme ‘Freenet’ – Reitoria da Universidade Federal do Paraná – Prédio Dom Pedro I – Anfiteatro 400 – Curitiba

Bahia

18/10, 8h20 – Aula aberta “Entre comunicação e democracia – informação e ideologia na atualidade” – Conceição do Coité

Prof. Moisés dos Santos

19/10, 19h30 – II Seminário de Radiodifusão Educativa: “Pela democracia na comunicação” – Conceição do Coité

Prof. Rogério Costa

20/10, 7h15 – Tecnologias Digitais e o Direito à Comunicação – UNIFACS – Campus SSA Shopping (ao lado do Ed. Prime) – Salvador

Participação: Thiago Emanoel (CBCom) e Talyta Singer (Professora/UFRB)

20/10, 18h – Ato pela Democratização da Comunicação – Praça Pública – Santo Amaro

31/10, atividades em Feira de Santana e na UESC (Ilhéus/Itabuna)

Pernambuco

19/10, 19h – Comunicação e Direitos Humanos (Encontro de Mídia e Direitos Humanos. Faculdade Joaquim Nabuco)

19/10, 19h – Debate sobre Democratização da Comunicação (Faculdade Mauricio de Nassau)

 20/10, 9h30 – Mesa sobre Democratização da Comunicação (AESO Barros Melo)

 20/10, 19h30 – Cine-Debate “Freenet” (Cine Olinda)

 21/10, 10h – Oficina de Leitura Crítica da Mídia (CAC – UFPE)

 26/10, 8h50 – Debate sobre a Democratização da Comunicação (CCSA – UFPE)

Rio de Janeiro

18/10, 18h30  – Roda de conversa no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RJ – Rua Evaristo da Veiga, 16, 17º andar.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Conselho Nacional do Congresso aprova relatório contra MP que extingue Conselho Curador da EBC

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional aprovou nesta segunda-feira, 10, relatório que contesta a Medida Provisória (MP) 744/2016, do governo federal, que extingue o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

A MP 744/2016 foi editada em setembro e trouxe como principais mudanças o fim do mandato fixo do diretor-presidente da empresa, a redução da diretoria executiva da EBC de oito para seis integrantes e a extinção do conselho curador. Já à época, os conselheiros consideraram a decisão do governo como “equivocada”, já que realizava as alterações por meio de uma MP – que tem força de lei desde a sua edição. Ou seja, a decisão foi unilateral, sem a oportunidade de debate prévio.

O relator da manifestação do CCS, conselheiro Davi Emerich, lembra que a iniciativa privada se consolidou na comunicação no Brasil por meio de modelos de negócio marcados por benefícios públicos. Para ele, o Estado brasileiro também foi tímido em organizar a participação pública na comunicação, prejudicando a estabilidade de suas próprias ações e a formulação de novos conceitos que pudessem colaborar com o desenvolvimento das sociedades. Segundo Emerich no relatório, “essa incompetência – às vezes até por motivação ideológica – se verifica principalmente quando se discute a necessidade de criação de modelos comunicativos radicalmente públicos, infensos ou pouco infensos às investidas do próprio Estado, do mercado e de outras esferas de interesses privados e corporativos”.

Emerich reforça que a lei que criou a EBC (Lei 11.652/2008) concedeu ao Conselho Curador a missão de zelar pela autonomia da empresa, impedindo interferências do governo ou do mercado sobre a programação da comunicação pública. Com o fim do colegiado, “as declarações de intenção feitas na lei perdem a materialidade”, frisa ele. O conselheiro destaca que, com a extinção do conselho, a empresa tende a responder às orientações e ordens do Executivo, e não da sociedade, como estabelece um princípio da lei de criação da empresa. O que a leva a uma condição de mera empresa estatal.

Walter Ceneviva, que acompanhou o relatório no que diz respeito à defesa da EBC, diverge quanto à atuação do conselho curador. Segundo ele, quando se lê os relatórios deste conselho, percebe-se que o mesmo “não cumpriu sua missão”. Avaliação esta que é contestada pelo conselheiro Nascimento Silva, que lembra que várias das críticas direcionadas ao funcionamento da EBC têm como fonte justamente a atuação do conselho curador da empresa. A crítica com base na leitura dos relatórios, segundo Nascimento, é uma demonstração de que o conselho curador vinha cumprindo seu papel, que inclui exatamente a emissão desses relatórios.

Audiência e interesse público

Uma das críticas levantadas por quem defende a extinção da EBC é a falta de audiência da TV Brasil. Essa ideia é rebatida pelo conselheiro Emerich, que é firme ao afirmar que a “medição de audiência é própria das empresas de fim comercial – o que não é o caso da EBC nem de outras empresas públicas de comunicação”. Para essas emissoras, segundo o conselheiro, o ideal é avaliar outro tipo de eficiência, como a capacidade de criar programas que possam promover novos debates (os quais as emissoras comerciais não têm interesse em realizar).

Como conclusão do relatório, Davi Emerich aponta para algumas exposições pontuais que devem ser encampadas pelo Congresso. “Talvez o mais prudente seja resgatar, por meio de um projeto de lei de conversão, as prerrogativas do conselho curador, instrumento hoje disponível para que as ações da EBC sejam acompanhadas e fiscalizadas pela sociedade em sua pluralidade”, destaca ele. O Conselho de Comunicação Social ainda sugere a criação de uma comissão temporária mista de senadores e deputados e a realização de audiências públicas para discutir, formular e propor um novo modelo de comunicação pública, tendo por base a EBC e sua experiência.

A comissão especial do Congresso Nacional que vai analisar a MP que extingue o conselho curador da EBC ainda não foi instalada. A MP já recebeu 47 emendas, a maioria pedindo a restituição da configuração original da empresa.

Outorgas da TV por assinatura

O CCS decidiu criar uma comissão para acompanhar o projeto de lei que admite a possibilidade de adaptação das outorgas do serviço de TV por assinatura para serviços de radiodifusão de sons e imagens (PL 2611/2015). O projeto não passou por nenhum debate público que pudesse esclarecer ou ampliar as informações sobre a questão e não leva em consideração o caráter de concessão pública da radiodifusão.

As outorgas de televisão por assinatura existem desde 1988. Algumas foram transferidas ao longo do tempo e acabaram na mão de grupos religiosos. Outras seguem sob o controle de grupos de mídia. Nenhuma conseguiu viabilizar operações de TV paga e todos os empresários envolvidos sonham em transformá-las definitivamente em serviços de radiodifusão.

O problema é que a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, discutida entre 2007 e 2011, estabeleceu que nenhuma das outorgas em questão seria renovada. Se aprovada em caráter definitivo, a proposta vai “anistiar” 25 outorgas ainda existentes e que deveriam ser extintas ao final do prazo de vigência.

A proposta, de autoria do deputado Marcos Soares (PR-RJ) – filho de RR Soares, proprietário de algumas dessas outorgas –, está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O conselheiro Nascimento Silva foi designado relator dentro da nova comissão do CCS.

Conselho de Comunicação Social (CCS)

O Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional é formado por membros da sociedade civil e representantes das empresas de mídia nacionais. O órgão tem por atribuição apresentar estudos e pareceres sobre projetos relacionados aos temas de comunicação social e da liberdade de expressão. Composto por 13 titulares e 13 suplentes, o CCS atua como órgão auxiliar do Congresso Nacional, conforme determina o artigo 224 da Constituição Federal.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Projeto de Lei pretende transformar outorgas de TV por sinal fechado em canais abertos

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (05), o Projeto de Lei 2611/2015, que altera a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, inserindo a possibilidade de adaptação das outorgas de TV por assinatura para serviços de radiodifusão de sons e imagens.

De autoria do deputado Marcos Soares (DEM-RJ), o PL 2611/2015 chegou a ser apensado às proposições analisadas pela Comissão Especial de Telecomunicações, mas acabou separado em funçãode um possível “atrito religioso”. O autor da proposta é filho do missionário RR Soares, fundador daIgreja Internacional da Graça de Deus e “proprietário” de algumas outorgas de TV por assinatura. Segundo informações do portal TeleSintese, a perspectiva de transformar canais de sinal fechado em canais de televisão aberta foi repudiada por deputados ligados à Igreja Universal.

O relator do projeto, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), deu parecer favorável à aprovação damatéria, por entender que “é franqueado às atuais TVAs [emissoras de TV por assinatura] uma adaptação plenamente plausível e viável do ponto de vista técnico e histórico, dadas as semelhanças com o serviço de radiodifusão”.

Entretanto, a proposta não passou por nenhum debate público que pudesse esclarecer ou ampliar as informações sobre a questão. Também não leva em consideração o caráter de concessão pública daradiodifusão.

Prazo de vigência

As outorgas de televisão por assinatura existem desde 1988. Algumas foram transferidas ao longo do tempo e acabaram na mão de grupos religiosos. Outras seguem sob o controle de grupos de mídia. Nenhuma conseguiu viabilizar operações de TV paga e todos os empresários envolvidos sonham em transformá-las definitivamente em serviços de radiodifusão.

O problema é que a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, discutida entre 2007 e 2011, estabeleceu que nenhuma das outorgas em questão será renovada. É justamente isso que os grupos detentores querem mudar. As autorizações vencem em 2018.

Se aprovada em caráter definitivo, a proposta vai “anistiar” 25 outorgas ainda existentes e que deveriam ser extintas ao final do prazo de vigência. A proposta segue agora para apreciação daComissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

MP anistia concessões vencidas

Essas movimentações abrem um debate sobre a pressa do governo federal em agradar alguns setores após o processo de impeachment. Na segunda-feira (3), o Diário Oficial da União trazia a Medida Provisória 747/2016, que altera as regras dos processos de renovação de outorga dos serviços de rádioe de televisão estabelecidas na Lei 5.785/1972.

A MP 747/2016 possibilita a regularização das concessões que se encontrem vencidas em um prazo de 90 dias, desde que o Congresso Nacional não tenha deliberado sobre a extinção das outorgas.

O texto diz que as emissoras de rádio e TV poderão funcionar em “caráter precário”, caso a concessãotenha vencido antes da decisão sobre o pedido de renovação. Sendo assim, a emissora terá uma licença provisória de funcionamento até a definição da renovação da outorga pelo Ministério das Comunicaçõese pelo Congresso Nacional.

Transferências de controle

A MP 747/2016 ainda dá anuência para a transferência direta (que ocorre quando a emissora muda de controle e de razão social), dependendo apenas da finalização do processo. Ou seja, a transferência só será deferida após concluída a instrução do processo de renovação no ministério.

No caso de transferência indireta (quando há mudança de controle, mas a razão social é mantida), determina que o novo controlador terá 90 dias para efetivar a alteração societária.

A Medida Provisória trata apenas de concessões e permissões, excluindo as emissoras comunitárias – que funcionam por autorização. A anistia já vinha sendo tratada no governo Dilma, porém havia a expectativa de que ocorresse uma negociação de contrapartida e que se estendesse o alcance da mesma também para os radiodifusores comunitários.

Radiodifusão comunitária

Para Samuel Possebon, jornalista da Converge Comunicações, existe confusão quanto aos critérios de contagem do tempo. A única punição pela perda do prazo é a perda de outorga, o que cria distorções. Além disso, há dificuldade para que o Ministério das Comunicações processe no tempo adequado todos os pedidos, o que, por sua vez, resulta em longas filas. “Tudo isso seria justificativa para a edição damedida provisória, mas a falta de isonomia com a radiodifusão comunitária é algo a ser explicado”, aponta ele.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Apresentadores e donos de rádio e TV novamente se dão bem nas eleições

Beneficiados pela exposição e cobertura favorável na mídia, candidatos ganham vantagem na disputa eleitoral. Quem perde é o povo e o jogo democrático

Por Ramênia Vieira*

O impacto da mídia sobre a agenda contemporânea, pautando temas que merecem – ou não – destaque na sociedade e influenciando a opinião pública é pra lá de conhecido. Nas eleições municipais de 2016, não foi nada diferente.

Da cobertura favorável a alguns candidatos à invisibilização de outros, os meios de comunicação foram decisivos para o resultado em muitas cidades. Mas isso não é novidade. O que, sim, vem se confirmando nos últimos processos e ficou explícito em 2016 é que candidatos comunicadores ou empresários ligados à comunicação tem conseguido uma ampla vantagem entre seus concorrentes, e alcançado postos de poder político em função de sua presença na mídia.

A maior cidade do país exemplifica bem essa influência. Em São Paulo, o prefeito eleito no primeiro turno, João Dória Júnior (PSDB), ganhou muitos pontos do eleitorado por sua facilidade em se comunicar com a população. Formado em jornalismo e publicidade, o empresário ficou conhecido nos últimos anos por apresentar um talk show em um canal de TV.

Nos últimos meses, antes da campanha, era figura carimbada em propagandas institucionais e promocionais da TV por assinatura Sky. Seu adversário, Celso Russomano (PRB), saiu na frente na disputa graças à exposição que tem, há bastante tempo, como “repórter” de programas de entretenimento e sobre defesa do consumidor.

Em Salvador, o prefeito Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), reeleito no primeiro turno com expressiva votação, é o herdeiro político e midiático de uma família de controla dezenas de veículos de comunicação, entre eles o Correio da Bahia, a Globo FM local, e a TV Bahia, afiliada da Rede Globo em Salvador e região.

Em Maceió, os dois candidatos que foram para o segundo turno na disputa pela prefeitura da capital de Alagoas fizeram uso dos meios de comunicação em benefício próprio. Enquanto Rui Palmeira (PSDB) é sobrinho de um dos donos da TV Pajuçara, afiliada da Record, o radialista Cicero Almeida (PMDB) foi operador de áudio, locutor e repórter policial, até chegar a apresentador de um programa policialesco.

Outro apresentador deste mesmo tipo de programa de viés sensacionalista, Amaro Neto (SD), também chegou ao segundo turno e disputa a Prefeitura de Vitória (ES).

Aliás, o “boom” de candidatos ligados aos policialescos chamou a atenção nas eleições deste ano. Mais do que os candidatos majores e coronéis da PM, que geralmente ganham destaque nessas programações, apresentadores e repórteres também chegaram a Prefeituras e Câmaras Municipais.

Jorge Kajuru (PRP), que iniciou sua carreira em programas esportivos e depois migrou para os noticiários baseados na narrativa policial, é outro exemplo. No pleito deste ano, ele conquistou a maior votação da história para a Câmara de Vereadores de Goiânia, com quase quatro vezes mais votos que a segunda colocada.

Interesses midiáticos

A forte presença de comunicadores de emissoras privadas entre políticos com mandato nos faz questionar a que interesses efetivos servem esses candidatos. A RBS, emissora afiliada à Rede Globo no Rio Grande do Sul, há muito tempo vem fornecendo de seu quadro de funcionários e colaboradores candidatos a vários cargos políticos.

São jornalistas, radialistas ou comentaristas de televisão que deixaram a carreira na mídia para se lançar a uma vaga, desde a Câmara de Vereadores até o Senado Federal. Dos três senadores que representam o Rio Grande do Sul hoje no Congresso Nacional, dois são ex-funcionários da RBS: Amélia Lemos (PP) e Lasier Martins (PDT).

A vinculação de apresentadores de rádio e TV com partidos políticos e o uso dos meios de comunicação de massa para fins eleitoreiros é mais uma lacuna da regulação do setor no Brasil. Além do controle direto de canais por deputados federais e senadores – prática proibida pela Constituição Federal de 1988 mas explicitamente em voga no País, contra a qual o Ministério Público Federal tem atuado –, a participação, no jogo político, daqueles que detêm o privilégio de entrar em nossas casas, é outra séria distorção da política brasileira.

A história mostra que, em uma disputa eleitoral, a visibilidade midiática é uma questão importante para o resultado das urnas. Assim, obviamente, aqueles que entram na briga pelo voto trazendo consigo uma trajetória de exposição na TV e rádio saem na frente. Os exemplos dessas eleições municipais comprovam que a falta de uma regulação democrática do setor beneficia aqueles que fazem uso desta exposição em benefício próprio. Daí a urgência de um processo de democratização das comunicações, que impeça o uso político de um espaço que é público.

Agenda secundarizada

Infelizmente, esta é uma pauta que segue fora das prioridades dos próprios partidos e candidatos prejudicados por adversários donos da mídia. Atualmente, poucas legendas – como o PSOL, PCdoB e PT – trazem a democratização das comunicações como eixo em seus programas partidários. E nem todos desses partidos abraçam a causa.

Vereador eleito em Recife pelo PSOL, Ivan Moraes, jornalista e militante dos direitos humanos, é um dos raros candidatos que defendeu o tema como um dos pilares de sua campanha.

No segundo turno no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo também não fugiu do assunto. Seu programa de governo propõe, por exemplo, a capacitação de agentes de comunicação enquanto impulsionadores de processos de desenvolvimento local e o estabelecimento de mecanismos democráticos e transparentes de investimento em publicidade oficial na mídia, de forma a ampliar o financiamento de pequenas empresas de comunicação.

Freixo também assume o compromisso de, se eleito, implantar na cidade o Canal da Cidadania. Previsto no decreto que regulamentou o sistema de TV digital no Brasil, o Canal tem quatro faixas de programação, destinadas à prefeitura, ao governo estadual e a associações de comunicação comunitária. Cada canal deve possuir, obrigatoriamente, um conselho local e um ouvidor.

São poucos, entretanto, os políticos que atuam em defesa de mudanças no sistema midiático e que saíram vitoriosos dessas eleições. Candidatas como Luiza Erundina (PSOL-SP) e Luciana Santos (PCdoB-PE) não avançaram nas urnas em suas cidades. O que comprova que segue sendo muito mais vantajoso eleitoralmente usar a mídia a seu favor do que trabalhar para que a mídia seja plural, de todos e todas.

*Ramênia Vieira é jornalista, integrante do Intervozes e repórter do Observatório do Direito à Comunicação.

Mídia, política e religião: mistura que ameaça a democracia

Alvos de ação do MPF, parlamentares donos de emissoras de rádio e TV são um símbolo da fragilidade da democracia brasileira e do conservadorismo político

Texto: Mônica Mourão | Colaboraram: Bráulio Araújo, Elizângela Araújo, Iara Moura e Ramênia Vieira

FIGURA 4.2 PROGRAMAÇÃO.

“Abri uma igreja em Lusaka (capital da Zâmbia) e os pastores haviam sido expulsos de lá. Com a carta do presidente Lula, não só os pastores puderam voltar, como o presidente Rupiah Banda (2008-2011) deu a eles uma concessão de rádio e televisão para que pudessem pregar o evangelho”. A frase acima foi uma das descobertas da mídia durante a reta final do segundo turno das eleições no Rio de Janeiro, quando a população da cidade vai escolher entre Marcelo Freixo (Psol) e Marcelo Crivella (PRB). O trecho foi retirado de um vídeo disponível no Youtube em que Crivella conta que entrou para a política forçado pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e comenta a temporada em que viveu na áfrica. O senador, bispo da Iurd e sobrinho do fundador dessa igreja, Edir Macedo, dono da rede Record, associa diretamente missão evangelizadora, política e mídia. O caso é emblemático de um cenário que está longe de se resumir à disputa eleitoral do Rio de Janeiro.

Políticos evangélicos donos da mídia

Em novembro do ano passado, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, autorizou procuradores de São Paulo a receberem uma representação, assinada por diversas entidades da sociedade civil, pedindo o cancelamento das outorgas de radiodifusão dadas a pessoas jurídicas que tenham entre seus sócios políticos em exercício do mandato. No total, 32 deputados federais e oito senadores são denunciados. Dos 32 deputados federais, nove fazem parte da bancada evangélica, o que corresponde a quase 30% do total. Desses nove, quase a metade faz parte também da bancada ruralista. Um deles, Beto Mansur (PRB-SP), é ficha suja, condenado por exploração de trabalho escravo. A bancada evangélica – ou bancada da bíblia – é conhecida por seu caráter conservador. Mas se engana quem generaliza esse posicionamento para todos os evangélicos.

A professora Magali Cunha, da Universidade Metodista de São Paulo, explica que o senso comum associa evangélicos a conservadorismo por serem os grupos com esse perfil os que têm mais visibilidade na mídia e na política. Segundo Magali, na radiodifusão, “não existem evangélicos progressistas ou de posição mais aberta em relação à teologia, à prática pastoral e à participação política. Esta é uma característica dos grupos mais conservadores e que os coloca em vantagem no tocante à visibilidade buscaram uma presença intensa nas mídias rádio e tevê, mais ainda no rádio. Os grupos mais abertos ou progressistas estão presentes em mídias alternativas e na internet, e não há uma denominação específica: são grupos os mais variados, vários deles articulados em experiências ecumênicas”, explica.

A imbricação política, mídia e religião fica bem evidente em alguns casos: o deputado Antônio Bulhões (PRB- -SP), além de concessionário de três emissoras de rádio, foi apresentador do programa “Fala que eu te escuto”, da Rede Record, e do “Retrato de Família”, na Record News, durante nove anos. Atualmente está em seu terceiro mandato como parlamentar. Ele é um Exemplo do quanto a visibilidade midiática aumenta as  chances de eleição, mas também da relação entre o crescimento de concessões para grupos evangélicos ou espaços “arrendados” para eles na televisão, crescimento da bancada da bíblia e avanço das agendas conservadoras no Congresso Nacional. “Este avanço começou a se configurar com o surgimento da bancada evangélica tal como a conhecemos em 1986, com a eleição do Congresso Constituinte. Naquela ocasião, houve um farto oferecimento de concessões ao chamado ‘centrão’, onde se localizou a maior parte da bancada. Foi dali que surgiram alguns dos empresários de mídia evangélica e a força de igrejas como a Iurd.

Para estes grupos, estar nas mídias é parte de uma estratégia de ocupação de espaços na esfera pública”, conta a professora Magali Cunha. Atualmente, segundo levantamento de grupo de pesquisa coordenado pelo professor Jorge Miklos, da Universidade Paulista, a bancada evangélica é formada por 199 deputados federais e quatro senadores. O cruzamento dos dados da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e de concessionários de radiodifusão é uma tarefa difícil pela falta de transparência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A Agência não disponibiliza um documento único com todas as rádios e tevês e os sócios e diretores.

Existem dois sistemas separados: Sistema de Controle de Radiodifusão (SCR) e Sistema de Acompanhamento de Controle Acionário (Siacco). O SRD não fornece o quadro societário das emissoras, que precisa ser buscado no Siacco. “Esse programa, entretanto, só poderá revelar o capital investido nessa empresa, as nomeações que compõem o quadro societário, quanto cada sócio investiu e o cargo que ele assume, em consultas individuais, dificultando a investigação”, explica Jorge Miklos. O professor coordenou a pesquisa de uma média de 4.500 rádios para cruzar os nomes dos deputados, senadores e seus familiares com as rádios e televisões brasileiras. Porém, houve uma diferença no resultado dos dados. “Por exemplo, o nome do deputado federal cassado Eduardo Cunha encontra-se no anexo do Ministério das Comunicações, mas não no da Anatel”, relata Miklos.

Eduardo Cunha, evangélico da Assembleia de Deus, teve uma representação protocolada contra ele na Procuradoria da República do Rio de Janeiro em dezembro de 2016. Naquele mês, a revista Época divulgou que Cunha consta nos registros do Ministério das Comunicações como sócio da Rádio Satélite. O deputado cassado afirmou para a revista que, apesar de ainda estar na lista de acionistas do Siacco, vendeu suas cotas em 2007, e as transações de compra e venda constaram de suas declarações de renda à Receita Federal. Mesmo que a informação dada pelo ex-deputado esteja correta, trata-se de uma ilegalidade: a definição de que empresa terá direito de explorar o serviço de radiodifusão depende da sua participação em uma licitação, seguida de aprovação pelo Congresso Nacional. Assim, Cunha não poderia simplesmente ter vendido sua outorga.

Bancada religiosa e direitos humanos

FIGURA 4.1.QueméQuem

O aumento da bancada da bíblia é patente: na legislatura de 2003-2006, era formada por 58 congressistas, um crescimento de 25% em relação à legislatura anterior. No Senado, passou de nenhum representante para três mandatos. “A maior parte dos congressistas evangélicos eram pastores vinculados à Assembleia de Deus e à Igreja Universal do Reino de Deus”, segundo Jorge Miklos.

O professor explica: “A Frente Parlamentar Evangélica expressa os interesses das igrejas evangélicas em geral, embora seja principalmente constituída de deputados pertencentes a igrejas pentecostais, que por sua típica agressividade em evangelizar, formam a maior parte da população evangélica brasileira”. Contudo, ele vê diferença nos posicionamentos dos deputados e senadores da FPE: “Os parlamentares evangélicos nem sempre votam em bloco, pois representam correntes distintas no campo religioso e no econômico. Só falam a mesma língua em questões de conteúdo moral. Sua relação com a bancada católica é marcada tanto pela união na defesa de interesses comuns como pela oposição às eventuais tentativas de suprematismo católico”.

Apesar de não formarem um bloco totalmente coeso, uma série de retrocessos nos direitos humanos está associada à bancada da bíblia, especialmente durante o período em que o pastor Marcos Feliciano (PSC-SP) foi presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

Para ficar apenas com casos mais recentes, atualmente, são deputados ligados às igrejas católica e evangélica que estão no comando dos trabalhos da comissão especial que analisa a proposta conhecida como “Escola sem Partido”. O deputado Marcos Rogério (DEM-RO) ocupa a presidência e Flavinho (PSB-SP) é o relator. Ambos defendem o PL 5069/2013, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo. Marcos Rogério foi repórter de televisão e radialista, atuando na Comunicação Social por mais de 12 anos. Como deputado, foi relator da cassação de Eduardo Cunha, apesar de, como ele, pertencer à Frente Parlamentar Evangélica.

Flavinho já foi ligado à comunidade católica Canção Nova e apoiou uma proposta para revogar a permissão do uso do nome social de travestis e transexuais em órgãos da administração pública. Ao se colocar contra a criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara, Flavinho disse que, em vez de empoderamento, as mulheres querem ser “cuidadas” e que as parlamentares feministas não sabem o que é ser “amadas”. Para o professor Jorge Miklos, “não é inconstitucional ou ilegal a presença da bancada evangélica no congresso nacional. Todos lá dentro foram eleitos democraticamente. O que é inconstitucional? Pautas que ferem a dignidade da pessoa humana, como prevê o Artigo 1º da Constituição Federal, e a pluralidade do povo brasileiro”.

Missas e cultos eletrônicos

Os grupos evangélicos conservadores não se contentam “apenas” com a concessão de emissoras de rádio e televisão. Também ocupam os espaços de outras emissoras, numa prática chamada de “arrendamento”. Ou seja, como se um horário da programação fosse um terreno, o “dono” (concessionário) o cede para que outra pessoa faça uso dele, mediante pagamento. A prática, contudo, é ilegal. “Isso ou é uma subconcessão, o que é vedado, já que a concessão de qualquer serviço (como de estradas) é sempre dada para aquela pessoa jurídica, e não para nenhuma outra, ou é publicidade. Se for publicidade, tem o limite de 25% da programação da tevê”, explicou o Procurador da República Sergio Suiama. Ele é responsável por um inquérito que investiga os casos de arrendamento praticados por Band, Record, Rede TV! e TV Gazeta, a partir de um estudo da programação feito pela Agência Nacional do Cinema (Ancine).

FIGURA 4.3. PROGRAMAÇÃO DA TV

De acordo com o levantamento, em 2016, 21% do total de programação veiculada pela tevê aberta brasileira foram de programas religiosos. Esse é o gênero número 1 ao se considerar o espaço total das emissoras pesquisadas pela Ancine, representando 1/5 da programação. Dentro da grade de cada uma, o percentual do gênero religioso é o seguinte: Band (16,4%), CNT (89,85%), Globo (0,58%), Record (21,75%), Rede TV! (43,41%), SBT (0%), TV Brasil (1,66%), TV Cultura (0,69%) e TV Gazeta (15,80%).

Curioso notar que a Record, única do grupo cujo concessionário é um bispo da Igreja Universal, não é a que mais veicula conteúdo religioso. Esse dado pode mostrar que, para as demais emissoras, o arrendamento é um negócio como qualquer outro, e não interessa o conteúdo veiculado. Vale ressaltar também duas importantes exceções: dois canais com as maiores audiências, Globo e SBT (numa disputa já longa com a Record pelo segundo lugar), não exercem essa prática: a primeira veicula, por conta própria, a missa católica aos domingos; a segunda é a única emissora que não transmite nenhum programa religioso. “A TV Globo, ao que consta, não recebe pagamento para veicular a Santa Missa. No caso dessas outras emissoras, a gente vê que uma boa parte da programação diária é paga pelas igrejas. Então é diferente a situação. Essas emissoras estão usando as igrejas como fonte de financiamento”, avalia Suiama.

A Ancine contabilizou também o percentual de publicidade veiculada em cada uma das emissoras: Band (3,20%), CNT (0,10%), Globo (0,10%), Record (0,10%), Rede TV! (5,29%), SBT (0,25%), TV Brasil (0,10%), TV Cultura (0,10%), TV Gazeta (43,61%). Quase todas, com a marcante exceção da TV Gazeta, cumprem o teto de 25% de tempo de publicidade comercial estabelecido pelo artigo 28 do Decreto 52.795/63, que determina o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão. Contudo, se o arrendamento para igrejas for considerado venda de espaço publicitário, CNT e Rede TV! Estariam infringindo o Regulamento. O caso visivelmente ilegal do Grupo CNT, que vende quase a totalidade do seu espaço, é alvo de ação ajuizada pelo Ministério Público Federal de São Paulo. Outra ação do MPF pelo mesmo motivo foi aberta contra a Rede 21 Comunicações S/A, ambas em 2014. As emissoras venderam 22 horas diárias de toda a sua grade à Igreja Universal. Segundo o MPF, os contratos firmados entre a Universal e as duas emissoras podem envolver R$ 900 milhões.

O Ministério Público solicita, nas ações, que as outorgas sejam invalidadas e que o Grupo CNT, a Rede 21 e a Iurd sejam condenados ao pagamento de indenização, em valor determinado pela Justiça, por danos materiais à União e por danos morais difusos. Além disso, o MPF pede que a Presidência da República e o Ministério das Comunicações sejam condenados a se abster de conceder futuras outorgas de radiodifusão aos dois grupos empresariais e à Universal.

Segundo a assessoria do Ministério Público de São Paulo, as duas ações seguem tramitando na Justiça Federal. A invalidação das outorgas do serviço de radiodifusão pode acontecer, mas depende ainda da decisão da Justiça. O caso das demais emissoras, cujo inquérito foi aberto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em maio deste ano, ainda está num estágio inicial. A partir da abertura do inquérito, foram solicitadas informações das emissoras e, agora, o MPF aguarda resposta do Ministério das Comunicações.

Segunda colocada no ranking dos programas religiosos, a Rede TV! foi a única que respondeu nossa reportagem. Através de sua assessoria, a emissora afirmou ser “laica em sua programação, transmitindo programas de diversas igrejas evangélicas, a missa da Catedral da Sé da Igreja católica, entre outras. Seus programas discutem abertamente temas de todas as religiões, do espiritismo, do candomblé e de qualquer outra motivação religiosa. Entende que como agente de comunicação não tem o direito, nem a vontade, de cercear ou discriminar qualquer manifestação religiosa, garantindo a mais ampla liberdade de expressão”. Ainda de acordo com a Rede TV!, a programação religiosa não prejudica a democracia: “Programas religiosos existem em todos os países democráticos, sendo vistos por milhões de telespectadores. No Brasil, as coproduções, religiosas ou não, são agentes fundamentais na garantia da pluralidade das comunicações. A RedeTV! respeita integralmente toda a legislação do setor”.

Laicidade, política e comunicação pública

Mesmo sendo uma televisão pública, a TV Brasil veicula programas religiosos da igreja católica e da evangélica. Em 2016, um deles, o evangélico Reencontro, além de fazer proselitismo religioso, serviu também de palanque político. A reclamação foi feita por telespectadores. Segundo o Boletim da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o programa entrevistou a candidata a vereadora e ex-deputada federal Liliam Sá (PROS- -RJ), no dia 21 de maio, para falar sobre o Rio de Janeiro. Ela já havia sido entrevistada no mês anterior, assim como um pré-candidato a prefeito de São Gonçalo (RJ) e um pastor que mencionou que a esposa seria candidata a vereadora. Liliam é ex-deputada federal. O apresentador abriu o microfone para a candidata apresentar suas propostas para a cidade: “a senhora voltando como vereadora para o Rio de Janeiro, para ajudar esse município, um dos mais importantes do Brasil, quais são os planos que a senhora tem em mente?”. O caso demonstra a desigualdade de possibilidades dos candidatos se comunicarem com o eleitorado, como publicamos em matéria especial do Observatório do Direito à Comunicação sobre políticos donos da mídia.

“O espaço de uma televisão não é propriamente igual ao de uma praça pública. Na praça pública, qualquer pessoa pode chegar e fazer uma pregação, o Estado não pode impedir um pastor, um pai de santo ou um padre de fazer uma pregação no meio da praça. Mas, no caso da televisão, não é um espaço público acessível a qualquer pessoa. O Estado tem que assegurar essa igualdade? A religião que não tem dinheiro para pagar também deveria ter espaço? Se o Estado fosse fazer isso, como ele iria fazer? Iria financiar todas as religiões? Qual seria o critério de financiamento?”. Os questionamentos do procurador Sergio Suiama dizem respeito a um dilema vivido atualmente pela comunicação pública no Brasil. Em 2011, a partir de reclamações de ouvintes e telespectadores à Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o Conselho Curador aprovou uma resolução que solicitava a suspensão dos programas religiosos nos veículos da EBC. Com a decisão, A Santa Missa e Palavras de Vida, produzidos pela Igreja Católica, e o evangélico Reencontro deveriam ter saído do ar. Contudo, a Justiça Federal de Brasília concedeu liminar mantendo a exibição dos programas.

Integrante do Conselho Curador da EBC cassado pelo governo ilegítimo de Michel Temer, a professora da UFPE Ana Veloso relembra o processo: “Nós recebemos várias manifestações, via Ouvidoria, de telespectadores e ouvintes que não estavam satisfeitos porque a EBC transmitia a missa”. A ação está no Supremo Tribunal Federal e ainda aguarda uma decisão de Justiça. “O Estado brasileiro é laico e a comunicação pública deve permitir a liberdade de expressão das diversas religiões e crenças. Então, além de a gente sugerir que esse tipo de programa fosse retirado do ar, e nossa fundamentação está na lei da EBC e na Constituição Federal, também sugerimos que a Empresa viabilizasse a produção de programas que primassem pela diversidade religiosa”, contou Ana Veloso. Os contratos de permissão dos programas religiosos são anteriores à constituição da EBC, em 2007.

O argumento da Arquidiocese do Rio de Janeiro e da Primeira Igreja Batista na Ilha da Conceição, de Niterói, que entraram na Justiça para manter a exibição dos programas, foi de que “a pluralidade máxima consegue-se com a ampliação dos programas religiosos, não com a supressão dos existentes”. Tentamos ouvir o arcebispo católico Dom Orani Tempesta, que defende a continuação das transmissões da Santa Missa, mas não obtivemos retorno da Arquidiocese do Rio de Janeiro até o fechamento desta reportagem. Dom Orani Tempesta foi o presidente do Conselho Nacional de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, durante o período de 2012 a 2014.

Apesar de não ter conseguido, até o momento, a retirada do ar dos programas que veiculam cerimônias religiosas, o Conselho Curador obteve uma vitória neste processo:a EBC publicou, em 2014, o resultado final de um pitching (espécie de concurso) para contratação de produtoras responsáveis por dois programas sobre diferentes religiões e crenças: Entre o Céu e a Terra e Retratos de Fé. O primeiro foi produzido pela Realejo Filmes e custou R$ 1,3 milhão e, o segundo, pela Aldeia Produções, no valor de R$ 910 mil. “A gente respeita a religião de todas as pessoas, mas a gente defende o Estado laico. Não podemos, numa emissora pública, privilegiar uma religião em detrimento de outra, porque isso se chama manutenção de privilégios”, reforçou Ana Veloso.

Intolerância religiosa

“Na minha vida dei um chute na heresia / Houve tanta gritaria de quem ama a idolatria / Eu lhe respeito meu irmão, não quero briga / Se ela é Deus, ela mesmo me castiga”. Os versos acima, compostos pelo bispo Marcelo Crivella, fazem parte da canção “Um chute na heresia”, lançada em CD do atual senador e postulante à prefeitura do Rio de Janeiro em 1998. Divulgados na última semana pela imprensa, os versos relembram um marcante episódio de intolerância religiosa. No dia 12 de outubro, quando católicos celebram o Dia de Nossa Senhora Aparecida, o bispo da Igreja Universal Sérgio von Helder chutou uma imagem da santa no programa O Despertar da Fé, transmitido pela Rede Record. O episódio aconteceu em 1995 quando, por coincidência, a Igreja Católica passou a ter seu próprio canal de televisão, a Rede Vida.

O bispo foi condenado por intolerância religiosa e vilipêndio a imagem. O Ministério das Comunicações chegou a se comprometer a investigar se o pastor infringiu leis do setor e foi considerado parcialmente responsável pelo episódio pelo então arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio de Araújo Sales.

Mas, na “guerra santa” midiática, os que não professam nenhuma crença também já foram alvo de discurso de ódio. Em caso mais recente, a Band teve que assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público Federal comprometendo-se a exibir 72 vezes um vídeo produzido pelo MPF cujo objetivo é conscientizar a população sobre a laicidade do Estado brasileiro. A assinatura do TAC, feita em 2016, é resultado de um processo aberto pelos procuradores contra a emissora após declarações preconceituosas do apresentador José Luiz Datena no programa Brasil Urgente contra cidadãos ateus, no dia 27 de junho de 2010. O apresentador teria associado práticas criminosas à “ausência de Deus”: “Porque o sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites, é por isso que a gente vê esses crimes aí”.

Para Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), a veiculação desse tipo de conteúdo estimula o preconceito. José Luiz Datena, o repórter Maurício Campos e a Rede Bandeirantes foram condenados a pagar R$ 135.600,00 à Associação. Outro caso que acabou parando na Justiça diz respeito a uma ação foi movida, em 2004, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) de São Paulo e o Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro Brasileira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert). Naquela ocasião, a Justiça entendeu que a Rede Record e a Rede Mulher descumpriram o artigo 215 da Constituição de 1988, uma vez que deixaram de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e não protegeram as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras. As duas emissoras haviam produzido e veiculado conteúdos ofensivos contra as religiões de matriz africana.

Para a professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Stela Guedes Caputo, apenas quando é cometida alguma violência contra um terreiro ou uma pessoa de religião de matriz africana é possível conseguir alguma abordagem positiva da mídia. No entanto, Stela considera a inclusão dos terreiros fundamental para se compreender o Rio de Janeiro e o Brasil: “Qualquer mídia e discussão política que exclua os terreiros não é democrática. Se uma criança de candomblé não pode andar na rua sem medo, não vivemos numa democracia”.

Que religião se vê na TV?

Apesar do crescimento do número de evangélicos, que aumentou mais de 61,45% nos últimos dez anos, o Brasil ainda é majoritariamente um país católico. De acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do país se divide entre 123.280.172 católicos; 42.275.440 evangélicos; 3.848.876 espíritas; 588.797 umbandistas, candomblecistas e pessoas de outras religiões afro-brasileiras; 5.185.065 cidadãs e cidadãos de outras religiões e 15.335.510 sem religião. Para a professora Magali Cunha, “os grupos religiosos são segmentos sociais como outros e podem participar do espaço público, inclusive da política. Isto é saudável numa democracia. A concessão de radiodifusão para grupos religiosos deveria obedecer aos mesmos processos de concessão para outros segmentos sociais, com as mesmas exigências de comprometimento”.

No entanto, como o interesse político e econômico influencia fortemente a aprovação de concessões de rádio e tevê, essa distribuição acontece de forma desigual. Segundo Stela Guedes, as religiões afrodescendentes são tratadas de forma negativa tanto pela mídia corporativa quanto pela mídia da Igreja Universal. “Lutar contra isso é muito difícil, porque os terreiros são unidades independentes e muito pobres, sem condições de ter meios de comunicação próprios como as igrejas católica e evangélica”, afirmou Stela, que é candomblecista e faz parte do grupo de pesquisa Kererê (“miúdo”, em iorubá).

Assim, enquanto milhares de pessoas de outras religiões não têm espaço na mídia, a Igreja Universal tem um verdadeiro conglomerado. De acordo com informações dos próprios veículos da Iurd, a Folha Universal é a publicação impressa de maior distribuição do Brasil, com tiragem semanal média de 1,6 milhão e circulação em todo o país. Dados de 2014 encontrados no site da Universal apontam que a Rede Aleluia, composta por emissoras de rádio e televisão, atinge 75% do território nacional. É formada por 64 emissoras, espalhadas por 22 estados. O missionário da Assembleia de Deus Cosme Felippsen acredita que o problema não é o fato de grupos religiosos serem detentores de outorgas de radiodifusão, mas o conteúdo que transmitem em suas pregações. “O pessoal demoniza as religiões de matriz africana, e isso é uma das faces do racismo. As igrejas cantam contra orixás e outras entidades”, conta. Felippsen critica sua igreja, considerada por ele uma das mais “machistas, homofóbicas e racistas”, porém ainda se identifica com ela por ser o espaço que frequenta desde os três anos de idade, quando sua mãe se converteu. Porém, lembra que é um erro associar todos os evangélicos ao conservadorismo: “Existe um grupo forte de comunidades de fé que se reúnem no Ato Aula Pública Evangelho e Desobediência Civil. São evangélicos de esquerda que se encontram para discutir política. É a contracorrente dentro do movimento”. Cosme Felippsen deixa o recado contra a intolerância: “O problema é que, às vezes, a gente generaliza tudo”.

Para a professora Magali Cunha, o que ocorre hoje é que os grupos religiosos tiram vantagem das concessões e dos arrendamentos da mesma forma que outros segmentos o fazem, uma vez que não há regulação. Segundo ela, “o mesmo ocorre com ‘abusos’ da presença religiosa em outras frentes do espaço público, na política partidária, em que não há regulação e freios para que estes grupos não ultrapassem o sentido democrático de sua participação”.

*A reportagem procurou a Igreja Universal do Reino de Deus através da única forma de comunicação que disponibiliza em seu site, um formulário para envio de email. Não obteve resposta até o fechamento da matéria.