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É tempo dos defensores de direitos trabalharem em rede

Por Eduardo Amorim*

O mais trágico dos resultados precisa trazer aprendizados para quem sofre a derrota. A vitória de Bolsonaro, a formação de uma ampla bancada de extrema direita no Congresso Nacional e a ascensão de políticos extremamente conservadores em estados como o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais ainda vai começar a ser assimilada pelos defensores dos direitos humanos no Brasil.

Sem se deixar levar pelo discurso fácil de que fomos vencidos pelas redes sociais, um ponto que precisa ser consensual é que o debate do Direito à Comunicação terá de ser realizado com muito mais prioridade no próximo período. A ampla aliança democrática que se formou em torno das candidaturas de Fernando Haddad e Manuela D`Ávila não conseguiu romper uma narrativa que focou em grupos específicos do eleitorado e obteve assim a vitória.

Os números mostram que como em eleições passadas um grande percentual de brasileiros preferiu se abster e houve um crescimento bastante relevante do número de votos nulos, que vinham desde 2002 ficando nos 4% e no segundo turno de 2018 chegou a 7,44%. Somados com 2,15% de abstenções e 21,25% de abstenções, 42 milhões de pessoas não conseguiram escolher entre as propostas de Haddad e Bolsonaro.

Já antes do segundo turno, o futuro presidente tentava se despregar da imagem de defensor da violência contra grupos vulnerabilizados. Não foi diferente após sua vitória. “Como defensor da liberdade vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão, que cumpre seus deveres e respeita as leis. Elas são para todos, porque assim será o nosso governo, constitucional e democrático”, afirmou.

No entanto, a narrativa não condiz com momentos chave como a morte da vereadora Marielle Franco, que sensibilizou a população brasileira e ganhou do então candidato à Presidência da República um silêncio absoluto.

No dia da eleição do primeiro turno, o assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê também teve uma repercussão bastante grande. Perguntado pela imprensa sobre o crime cometido por um defensor da sua candidatura, Bolsonaro disse que não tinha como se responsabilizar por todos os seus eleitores e garantiu que a violência vinha “do outro lado”, lembrando a facada que sofreu na véspera do 7 de setembro.

Ao continuar dando vazão a uma narrativa de embate, Bolsonaro abriu espaço para o que se seguiu durante a campanha e pelo menos em quatro casos a violência chegou ao extremo da morte. Além de Moa do Katendê, pelo menos outras quatro pessoas morreram também em crimes atribuídos a eleitores do candidato do PSL.

Charlione Lessa Albuquerque, jovem de 23 anos, foi atingido por disparos à bala enquanto participava de uma carreata a favor de Fernando Haddad em Pacajus, no Ceará, na véspera do segundo turno. No Largo do Arouche, a travesti Priscila foi assassinada e testemunha relatou ao Brasil de Fato ter ouvido grupos de que “com Bolsonaro, a caça aos veados vai ser legalizada”.

O caso do Centro de São Paulo, infelizmente, não é isolado. Dois dias depois desse assassinato, Laysa Fortuna foi morta pelo mesmo motivo absurdo em Aracaju. No dia 21 de outubro, Kharoline foi assassinada em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo. Os LGBT começam a se organizar para enfrentar a violência.

Os cinco casos de assassinatos são os mais brutais destas eleições. Mas a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) documentou 141 casos de ameaças e violência somente contra jornalistas que cobriam as eleições. A maioria deles é atribuída a partidários de Bolsonaro.

Após a vitória de Bolsonaro, evidentemente houve comemoração em diversas cidades. Em Rodelas, no Sertão da Bahia, o grupo de eleitores do candidato do PSL fez questão de invadir a Aldeia Tuxá e provocar a população indígena. Apesar de ter tido apenas 27,31% dos votos dos baianos, os eleitores do PSL se empoderaram com a vitória do seu candidato e se sentem no direito de provocar em território majoritariamente petista.

O caso que relato por ter ido até o Sertão da Bahia para acompanhar o voto da minha esposa baiana pode parecer banal. Porém, pode explicar um outro trecho da fala de Jair Bolsonaro: “Nosso governo vai quebrar paradigmas: vamos confiar nas pessoas. Vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade para criar e construir e seu futuro. Vamos “desamarrar” o Brasil”.

O discurso do empreendedorismo pode vir a ser uma arma contra direitos como os conquistados por indígenas e quilombolas, que em áreas remotas do Brasil como o Sertão nordestino vêm lutando com suas vidas pelas terras demarcadas. Na beira do Rio São Francisco, a fronteira agrícola da fruticultura irrigada é um ponto chave, mas a defesa dos direitos dessas populações precisa ser feita em todo o Brasil, assim como o de diversas outras comunidades urbanas e rurais.

Se eu puder dizer alguma coisa para os indígenas que se sentiram ameaçados será no sentido de pedir para que resistam e fortaleçam sua organização em redes. A eleição trouxe pouquíssimas novidades positivas, mas na minha ótima a melhor notícia em meio ao caos foi o do fortalecimento da rede feminista no Brasil.

Mesmo criticado até mesmo dentro da esquerda, o movimento feminista conseguiu levar também para a política eleitoral ainda no primeiro turno um grande manifesto em torno do #EleNão. Silenciado pela imprensa, assim como as denúncias do Caixa 2 de Bolsonaro, mas que poderia ter tido no primeiro turno o mesmo resultado que teria a denúncia do crime relacionado ao envio de mensagens por WhatsApp na semana passada.

A organização em redes é fundamental, mas depende também da luta para criar um ambiente democrático de comunicação. Por isso, acredito que a organização dos movimentos que atuam em articulações em defesa do Direito à Comunicação deve estar articulada com todos esses movimentos, para que consigamos resistir e ampliar as lutas.

*Eduardo Amorim é jornalista, membro do Intervozes, Doutorando em Comunicação no Ppgcom-Ufpe e vice-presidente da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco

A Telebras, a Nação e a Geopolítica das Telecomunicações no Brasil  

Por: Brígido Roland Ramos e Clemilton Saraiva

A humanidade vem sofrendo rápidas e velozes transformações nas suas relações de interesses. Uma intensa batalha se trava de maneira surda e virulenta nas entranhas do cyber mundo, pois os negócios, ou seja, os interesses econômicos dependem da obtenção e envio de informações. A infraestrutura para levar e trazer os resultados destas novas configurações das relações econômicas, sociais e políticas, tão estratégicas para defesa e sustentabilidade do conceito de nação, são as estradas eletrônicas que um país precisa ter para manter a sobrevivência do modelo de Estado que dispõe.

Segundo Alvin Toffler, autor de Powershift: As mudanças do poder – Um perfil da sociedade do século 21 pela análise das transformações na natureza do poder, 1990, editora Record. O Poder, sob a ótica de Toffler, deve ser considerado como uma combinação de elementos que transformam uma sociedade (coesão), submissão às regras, dinheiro (a força do capital) e conhecimento (informação como ativo e valor).

Na linha de entendimento do autor, se avaliarmos o conceito moderno de desenvolvimento humano em ondas, considerando que o capital é sinônimo de riqueza e que isto posto a trabalhar gera produção, iremos observar que estes valores provocaram profundas transformações no modelo de sociedade em que vivemos. Acelerar a construção e ter controle desse novo conceito de estrada, segundo Toffler, tem similarmente a mesma urgência que construir rodovias e ferrovias no século XIX, quando se considerava que o destino de uma nação estava ligado às extensões dos seus sistemas rodoviários e ferroviários.

Diante deste entendimento há que se observar a magnitude e a importância da Telebras na gestão do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), instituído pelo Decreto nº 7.175, de 12 de maio de 2010, que visa criar oportunidades, acelerar o desenvolvimento econômico e social, promover a inclusão digital, reduzir as desigualdades sociais e regionais, gerar emprego e renda, ampliar os serviços de governo eletrônico, facilitar aos cidadãos o acesso aos serviços do Estado, promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação e aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras.

Quando o Estado traz para si a coordenação e o controle de um plano desta importância, eleva à categoria máxima a gestão da rede “neural” do desenvolvimento da nação brasileira. Para Toffler, quando somos capazes de ver e tocar um telefone ou um computador não percebemos as redes que os ligam com o mundo; pois estamos diante de um grande sistema nervoso que controla a sociedade moderna.

Rogério Santanna, Presidente da Telebrás, em 2010, afirmava que o Estado brasileiro precisava fazer a diferença usando a infraestrutura de rede de telecomunicações que já dispunha, a fim de democratizar o acesso à Internet no Brasil e contribuir para incluir milhares de cidadãos brasileiros na sociedade da informação. Santana acrescentava, à época, que tínhamos um monopólio privado na área de telecomunicações que não tinha nenhum interesse social no país. Fato que perdura e é responsável pela atual situação de baixa inclusão digital que afeta os setores educação, saúde e segurança pública. Assegurava, Santana, que a ação devia ser iniciada de imediato pela implementação de uma infraestrutura de fibras ópticas do governo brasileiro, capaz de atender às demandas urgentes relacionadas à qualificação da gestão pública e à transparência dos atos governamentais. A iniciativa permitiria, também, ampliar e qualificar o governo eletrônico, apoiar a política de inclusão digital, bem como introduzir a concorrência no mercado de serviços e proteger a soberania nacional.

Diante dessa perspectiva, naquela época as operadoras de telecomunicações abriram desde então uma verdadeira guerra contra a Telebrás, onde o pano de fundo são os interesses das empresas no controle estratégico e econômico das redes para prestação e oferta de serviços ao Estado brasileiro da ordem de 5 bilhões de reais. Na coordenação dessa guerra se encontra o SindiTelebrasil, “sindicato” que representa os grupos transnacionais que controlam as grandes operadoras do mercado de telecomunicações (redes, serviços e gestão de informação e conhecimento) que engloba americanos, europeus (Itália, Portugal e Espanha) e mexicanos, nações que possuem atividades e interesses integrados na mesma união política e geoeconômica.

Esses grupos agem de forma diversionista pois usam atualmente o argumento da segurança nacional contra a Telebrás frente ao contrato associativo estabelecido com a Viasat e o início de operação do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégias (SGDC), foto, quando lhes interessam, mas nunca destacam que a privatização do setor de telecom, iniciado em 1998, colocou a segurança nacional nas mãos dos mexicanos que passaram a ser os donos da Embratel(Claro) que controlou o Brasilsat I e II, satélites brasileiros que serviam às forças armadas brasileiras até o último ano.

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Ao tentarem escapar dos assuntos que causam desconforto aos seus interesses, as teles desviam o foco das atenções do assunto principal (assunto ingrato ao sujeito) para um outro assunto menos polêmico às mesmas, ou mais polêmico para outrem levando a “disputa” ou “competição” aos tribunais em um flagrante uso da justiça brasileira, por meio do ingresso de infindáveis ações e recursos judiciais, como forma de garotear, protelando e atrasando  o desenvolvimento dos objetivos da Telebrás de levar banda larga, internet para todos, para os mais de 5.500 municípios brasileiros, ser uma rede de governo e garantir a segurança nacional por meio da gestão conjunta do satélite brasileiro com as forças armadas do país.

Não estamos somente diante de disputas meramente comerciais, estamos diante de uma revolução silenciosa de valores e de modelo de gestão do Estado e de uma nova forma de soberania nacional e conceito de nação livre. O desenvolvimento de novas habilidades e a retenção de conhecimentos, oriundos dos velocíssimos conteúdos de informações que trafegam nas autoestradas eletrônicas da nova economia. Para Toffler, a informação é o mais fluido dos recursos, e fluidez cuja a produção e a distribuição dependem de trocas simbólicas e que funciona como um sistema nervoso sem regras bem definidas.

Ademais, Alvin Toffler afirma que o que importa para uma nação a longo prazo são os produtos das atividades mentais: pesquisa científica e tecnológica… educação da força de trabalho… aplicativos de computadores sofisticados… administração mais inteligente… comunicações avançadas… atividades financeiras eletrônicas. Por fim, estes são os atuais recursos-chaves do poder e armas importantes para produção do conhecimento, geradores dos novos modelos geopolíticos e econômicos das nações livres e soberanas.

*Brígido Roland Ramos, Engenheiro de Telecomunicações, formado pela UnB, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Distrito Federal – Sinttel-DF e Clemilton Saraiva, Formado em Direito pela Universidade Católica de Brasília e Pós graduado em Regulação de Serviços de Telecomunicações, Inatel, Autor de: O PAÍS, O PNBL, A TELEBRÁS E A ECONOMIA COGNITIVA, publicado em: https://obscom.intervozes.org.br/?p=25214  

Fonte das Ilustrações: Internet

Campanha convida cidadãos a lutar pela proteção de dados pessoais

O uso abusivo dos nossos dados não é uma batalha perdida. Para mudar a atual situação, é preciso que a sociedade pressione o Congresso

*Por Jonas Valente

Mais de 500 mil pessoas já baixaram o aplicativo “Pão de Açúcar Mais”, que garante descontos importantes em diversos produtos. Bom demais para ser verdade? O que teria feito uma rede tão grande abrir mão de parte das receitas deste jeito? A resposta é: os nossos dados pessoais. O objetivo do aplicativo é coletar o máximo de informações dos clientes, que podem ser tanto usadas pelo grupo quanto repassadas a fornecedores e empresas parceiras.

Os termos de uso e a política de privacidade do aplicativo afirmam que o programa pode também monitorar a navegação dos usuários em outros sites (por meio da instalação de cookies, arquivos de internet que armazenam temporariamente o que o internauta está visitando na rede). Segundo o texto, a empresa pode ainda alterar os termos a qualquer momento sem comunicar aos clientes. Os “termos”, aqueles que muita gente não lê e apenas assinala “eu concordo” quando instala algo deste tipo. Não são um acordo, mas uma imposição: se o usuário não aceitar as exigências, têm como única opção não ter o aplicativo e, por consequência, os descontos dos produtos.

Esse é mais um dos inúmeros exemplos da exploração abusiva (e muitas vezes ilegal) das informações de pessoas, fenômeno que cresce assustadoramente em nossa sociedade, inclusive no Brasil. Para além das redes de varejo, essa prática é adotada por plataformas (como o Facebook, que neste ano foi denunciado por negociar informações de jovens emocionalmente vulneráveis) e governos (como a tentativa do estado de São Paulo de privatizar a administração do bilhete único e a venda das informações de todos os passageiros cadastrados no programa).

Os dados pessoais são chamados de “novo petróleo” da economia por serem considerados fundamentais pelas empresas para seus negócios. Os diversos serviços “grátis” e descontos têm por trás um objetivo claro: ampliar a capacidade de controle sobre o que as pessoas fazem e como consomem. Enquanto corporações concorrem nesta corrida pela coleta e processamento da maior quantidade de informações possível, nós somos colocados à venda e ficamos totalmente desprotegidos.

Uma campanha pela proteção de dados

Para alertar cidadãs e cidadãos sobre esse problema, a Coalizão Direitos na Rede (que reúne dezenas de entidades da sociedade civil, pesquisadores e organizações de defesa do consumidor) lança, nessa semana, a campanha “Seus Dados São Você: liberdade, proteção e regulação”. A iniciativa vai promover diversas ações para pautar o tema e chamar atenção para a necessidade de construir regras que evitem esses abusos, em especial uma legislação para o assunto.

A mobilização se inicia hoje (19) no seminário de privacidade do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e terá novos eventos em diversas cidades. Ela também será tema de atividades durante a Semana pela Democratização da Comunicação, de 15 a 21 de outubro. Além de eventos, a campanha vai disseminar material nas redes sociais discutindo o assunto e denunciando casos de uso abusivo e ilegal de dados. Também serão feitas sugestões de como mudar esta realidade, para que possamos ter acesso a recursos tecnológicos sem violar nossa privacidade ou ficarmos à mercê dessas corporações, como por meio da aprovação de uma lei.

Não temos nada a esconder?

Um primeiro objetivo da iniciativa é mostrar que o controle sobre os dados é um direito. Há quem diga que não liga para o problema porque “não tem nada a esconder”. A questão não é sobre segredos, mas sobre o direito das pessoas de escolher o que divulgar e para quem. Todo mundo deixa o computador aberto no meio do trabalho? Ou aceita colocar todos os seus e-mails ou mensagens de Whatsapp na internet? Aceitamos “andar todos nus”?

O caráter privado dessas comunicações e recursos como senhas e afins existem exatamente porque muitos gostam de (e muitas vezes precisam) manter parte da sua vida para si. E a publicação de mensagens, fotos e vídeos já é possível em diversos espaços, como as redes sociais. A diferença é que isso deve ser uma escolha, e não uma imposição dos aplicativos, não? Não deveria o usuário poder dizer o que quer dividir, saber o que é feito com suas informações, aceitar ou não se estas vão ser usadas para recomendações automatizadas ou para publicidade personalizada?

Inês é morta?

Outro propósito é apontar que é possível uma situação diferente sim. A coleta massiva e o uso indiscriminado de dados não são uma realidade dada, mas um processo em disputa. Em conversas com amigos, não é difícil ouvir “ah, mas eles já sabem tudo sobre nós”. Este é o objetivo de plataformas, corporações e governos, mas a quantidade já coletada é pouco perto do que ainda podem acessar. Essa é a grande questão: as empresas estão fazendo de tudo para saber o que puderem sobre nós. E isso só ocorre porque no Brasil não há uma legislação de proteção de dados pessoais, que existe em outros países, como na União Européia e em oito nações da América Latina.

Garantir a proteção em lei

Nem todo mundo sabe que há propostas de lei sobre o tema em discussão no Congresso, sendo a mais importante delas o PL 5276/2016, enviado pelo Executivo após intensos debates e consultas. Aqui neste blog já publicamos antes análises sobre os projetos e a importância da sua aprovação. A Coalizão Direitos na Rede já se manifestou em defesa do PL 5276, apontando o que uma lei de proteção de dados precisa ter. A rede defende a garantia da coleta mínima e com consentimento, o uso apenas para a finalidade descrita no momento da permissão, o acesso aos dados pelas pessoas em qualquer momento do tratamento e a criação de uma autoridade que possa fiscalizar e punir abusos e ilegalidades, entre outros pontos.

Do outro lado, empresas de diversos setores, plataformas (como Facebook e Google) e operadoras de telecomunicações pressionam para assegurar em lei uma “farra dos dados”. Assim poderiam colher o máximo de informações, usar para o que bem entenderem sem pedir a nossa permissão, não ter qualquer obrigação de transparência com o usuário e ainda reduzir a capacidade de serem fiscalizadas e punidas se desrespeitarem a lei.

A Campanha Seus Dados São Você é lançada em um momento chave deste embate. A comissão especial criada para discutir o tema na Câmara está prestes a apreciar uma nova versão a partir dos projetos em análise, chamada na linguagem do Parlamento de substitutivo. Um primeiro esforço da campanha é garantir que a lei de dados pessoais seja votada e aprovada. O segundo, e mais importante, é impedir que ela prejudique cidadãs e cidadãos e, ao contrário, garanta a nossa proteção contra o avanço das corporações sobre nós e nossa vida.

Sua proteção depende também de você

Para conquistar uma vitória, a pressão deve ir além das entidades já envolvidas com o tema. É preciso que todas e todos com a preocupação sobre seus dados e o controle de suas vidas ajudem a pressionar os parlamentares e o governo. A Campanha traz este chamado: faça parte deste movimento. Mas como cada um pode ajudar? De diversas formas:

– Entre no site da campanha e saiba mais sobre o tema e sobre as propostas em discussão no parlamento;

– Siga a página da Coalizão Direitos na Rede no Facebook e o perfil no Twitter, compartilhe os posts, participe das mobilizações na rede (como o tuitaço marcado para quinta-feira, 21, a partir das 14h30);

– Se você faz parte de alguma organização, entre em contato com a Coalizão Direitos na Rede para saber como ajudar, organizar um debate ou contribuir de alguma forma;

– Fique ligado nas mobilizações sobre o Congresso e os parlamentares (que serão divulgadas nos perfis da Coalizão) pela aprovação da lei de dados pessoais.

Faça parte desta campanha. A mobilização de brasileiras e brasileiros já conseguiu garantir a aprovação do Marco Civil da Internet e barrar o limite de dados na internet fixa (as chamadas franquias). Agora chegou a hora de mostrar ao Parlamento que não aceitamos ser colocados à venda.

*Jonas Valente é integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes e doutorando no departamento de Sociologia da UnB, onde estuda plataformas digitais

Bolsonaro paga pela língua: violência não é liberdade de expressão

Ao afirmar que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada, Jair Bolsonaro atentou contra a dignidade humana e foi condenado pelo STJ

Por Júlia Lanz Monteiro*

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao condenar o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) por danos morais à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) reafirmou que o direito à liberdade de expressão não é o direito de falar o que bem entender, mas sim a convergência entre liberdade e responsabilidade. Inclusive quando se trata de parlamentares com a prerrogativa da imunidade.

A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 5º, caracteriza a liberdade de expressão como uma liberdade ampla, reconhecendo o direito à livre manifestação do pensamento e exigindo identificação de autoria para que quem abusar desta liberdade seja responsabilizado. Neste sentido, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo no STJ, votou pela responsabilização do parlamentar Jair Bolsonaro.

O deputado em questão, em dezembro de 2014, proferiu na tribuna da Câmara que não estupraria a deputada Maria do Rosário por que ela não merecia. Além disso, em entrevista para um veículo de comunicação, Bolsonaro explicou porque Maria do Rosária não merecia ser estuprada. “Não merece porque ela é muito ruim, muito feia, não faz o meu gênero. Jamais a estupraria, não sou estuprador, mas se fosse, não a estupraria porque não merece”, afirmou. Ele disse também que não temia ser punido pelas manifestações a respeito da colega parlamentar.

Como se não bastasse, Bolsonaro também postou um vídeo nas redes sociais com trechos da fala dele em plenário, juntamente com imagens de defensores da ditadura e de uma discussão ocorrida entre os dois parlamentares há mais de uma década. Até o momento que os advogados da deputada entraram com a ação, o vídeo estava com 290 mil visualizações na internet.

Liberdade de expressão é fundamental, mas não absoluta

O princípio utilizado pela ministra Nancy Andrighi para condenar Bolsonaro segue padrões internacionais segundo os quais a liberdade de expressão não pode ser compreendida isoladamente no sistema de direitos humanos. Também não é hierarquicamente superior a outros direitos. Órgãos reguladores de diferentes países têm sido claros e firmes em considerar que, para além da liberdade de expressão, a proteção a outros direitos deve entrar na balança.

Segundo o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, mas exige que qualquer limitação a ela imposta deva ser cuidadosa e restritivamente desenhada. Primeiramente, qualquer restrição deve ser prevista por lei. Em segundo lugar, toda restrição deve servir a um fim legítimo, de acordo com as justificativas previstas na letra das normas internacionais. Por fim, toda e qualquer restrição deve se provar necessária.

Referindo-se especificamente à liberdade de expressão, o filósofo italiano Norberto Bobbio fala em “direitos relativos”, no sentido de que sua garantia encontra, em certo ponto, um limite insuperável na garantia de um direito igualmente fundamental. Por isso mesmo, havendo conflito entre dois direitos fundamentais, é preciso adotar o chamado “sopesamento de direitos”: um equilíbrio ou contrapeso, visando a uma harmonização. A ideia é que um direito não seja totalmente sacrificado em relação aos demais.

Imunidade parlamentar não é impunidade

Durante a leitura de seu voto, a ministra Nancy Andrighi explicou a diferença entre o que é liberdade de expressão e o que é a imunidade concedida aos parlamentares. Andrighi lembrou que o artigo 53 da Constituição garante o direito da livre expressão por parte dos parlamentares no exercício da função. A ministra afirmou ainda que a prerrogativa não pode ser considerada absoluta, pois a inviolabilidade parlamentar deve ser limitada em razão do encontro de um direito fundamental com outros citados na Constituição. “A imunidade não é um privilégio pessoal de cada parlamentar, mas uma garantia para o desempenho de suas funções nesta qualidade”, concluiu a ministra.

No caso de Jair Bolsonaro, ao proferir as palavras em uma entrevista e ao postar o discurso na internet, ele não estava realizando uma função parlamentar e, com isso, não estava em sua prerrogativa institucional. Isso faz com que o caso se encaixe nas definições internacionais e em prerrogativas da Suprema Corte brasileira. Uma decisão anterior do STJ definiu que a palavra, o voto e a opinião não possuem inviolabilidade em casos de crimes contra a honra (como injúria e difamação) cometidos em situação que não seja do exercício do mandato, segundo a ministra Andrighi.

Após o voto da relatora, os ministros que a seguiram votaram por unanimidade pela condenação de Bolsonaro. Em poucas palavras, os demais ministros apoiaram a ministra Andrighi e destacaram trechos de seu relatório que reafirmam a diferença entre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar. Por fim, o ministro Moura Ribeiro reforçou que “desaforo não tem preço” e que o julgamento do STJ reconheceu isso.

Com esta decisão, o deputado federal Jair Bolsonaro deverá indenizar a deputada Maria do Rosário por danos morais no valor de R$ 10 mil e se retratar nas redes sociais. No processo sobre o mesmo caso que está em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), ele já é réu e deve ser julgado em breve por injúria e por incitação ao crime de estupro. O STJ julgou a ação civil de danos morais, o STF vai julgar a ação penal.

O STF definiu no Habeas Corpus nº 82.424-2/RS que “o direito à livre expressão não pode abrigar em sua abrangência manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal”. Com base nisso, aceitou a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) e também a queixa-crime da deputada Maria do Rosário pelo mesmo caso.

O site Huffpost consultou especialistas que explicaram o desenrolar do processo. Segundo elas, se Bolsonaro também for condenado pelo STF, dificilmente será impedido de se candidatar nas próximas eleições. Isso porque a Lei da Ficha Limpa não prevê inelegibilidade para condenação de crimes contra a paz pública, como é o caso de incitação ao crime, nem contra a honra, no caso de injúria.

Porém, existe a possibilidade remota de que o deputado tenha seus direitos políticos cassados, caso o STF decida que essa punição é válida quando acontece a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (quando se substitui o encarceramento por prestação de serviços à comunidade, por exemplo) e leve em conta que houve condenação criminal transitada em julgado.

Muito além de Maria

Apesar de emblemático, o caso de Maria do Rosário não é uma exceção. A violência de gênero que já acontecia fora da internet ganha novos contornos com o uso de ferramentas online. Segundo relatório de 2015 da Comissão de Banda Larga da ONU, 73% das mulheres que estão conectadas no mundo já foram expostas a algum tipo de violência online, como assédio sexual e ameaças físicas que podem se concretizar no “mundo real”.

De acordo com dados de 2014 do 9º Anuário Brasileiro da Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2013 o Brasil teve um caso de estupro notificado a cada 11 minutos. Considerando a subnotificação desse tipo de crime, é possível que a cada minuto uma pessoa seja estuprada no país. O medo de sofrer esse tipo de violência envolve principalmente as mulheres: pesquisa do Datafolha do ano passado concluiu que 90% das brasileiras temem ser estupradas.

As palavras têm poder. Assim, é extremamente necessário que o direito à liberdade de expressão, de suma importância para a vida democrática, seja conciliado com o respeito aos demais direitos humanos para garantir a dignidade das pessoas. A decisão do STJ é pela dignidade de Maria do Rosário.

Mas, acima disso, é pela dignidade de todas as mulheres que sofrem o machismo e o sexismo no cotidiano. É uma vitória de todas nós, mulheres, pois combate a impunidade e a banalização da cultura do estupro, tão presente em nosso país.

*Júlia Lanz Monteiro é integrante do Coletivo Intervozes e assessora parlamentar da deputada Maria do Rosário (PT-RS)

Governo decide unilateralmente alterar o Comitê Gestor da Internet

Atitude contraria o multissetorialismo nas decisões que impactam uso e gestão da internet pelo qual o Brasil é mundialmente reconhecido e respeitado

Por Marina Pita*

Um e-mail de Maximiliano Martinhão, secretário de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), informando a proposta de avaliar a necessidade de mudanças do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que ele coordena neste momento, chegou às caixas de entrada dos conselheiros da organização no domingo 6. Já na segunda-feira 7, os representantes do terceiro setor, academia e mesmo representantes dos empresários foram surpreendidos ao serem informados de que uma consulta pública sobre o assunto seria publicada no Diário Oficial da União já no dia seguinte, como, de fato, ocorreu.

A ação unilateral, sem qualquer processo de diálogo interno no Comitê, vai contra tudo o que o CGI.br defendeu e construiu nos últimos 20 anos e pelos quais é respeitado internacionalmente. Inclui-se aí a construção de diálogo multissetorial (multistakeholder, em inglês), ou seja, entre governo, empresas, academia, técnicos e sociedade civil para estabelecer as normas e os procedimentos para uso e desenvolvimento da rede.

A posição autocrática assumida pelo governo Kassab/Temer, como bem definiu a Coalizão Direitos na Rede em nota que repudia o processo iniciado unilateralmente pelo governo é, inclusive, uma ruptura com a postura que o Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores, assumiu em âmbito internacional, no sentido de solicitar a participação multissetorial em todos os processos, etapas e esferas de deliberação acerca da internet, incluindo a independência da IANA, que trata da raiz do sistema de nomes de domínio na internet, do Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Ora, não é evidente que a necessidade de consulta pública do próprio CGI.br e o modelo a ser utilizado, inclusive a plataforma mais adequada, deveriam ter sido discutidos por todos os conselheiros do CGI.br?

O problema não está em fazer uma consulta pública para discutir a necessidade, ou não, de atualizá-lo, uma vez que o último decreto que o regulamenta é de 2003 e, portanto, anterior à aprovação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e de seu decreto regulamentador que conferiu ao CGI.br atribuições importantes e cujo desenvolvimento será definidora do futuro da internet no Brasil. A questão está em como isso será feito.

E já o fato de ele acontecer a pedido de um governo ilegítimo é, por si só, algo temerário. Sem prévio debate interno no CGI.br e dos setores por ele representados é ainda pior. Dizer antidemocrático não seria exagero.

Pressão do empresariado

Há indicações de que esta consulta pública seja tratada apenas como formalidade para uma mudança já decidida entre um seleto grupo e que certamente não envolve você, usuário. Nos bastidores, sabe-se que há pelo menos três anos o setor de telecomunicações vem se mostrando descontente com seu menor poder de influência no CGI.br, alegando que seu poder econômico está sub-representado.

Também a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não ficou nada satisfeita ao perder a disputa em torno de quem dará as cartas na neutralidade de rede no País, durante o desenvolvimento do Marco Civil da Internet e sua posterior regulamentação.

É de dar calafrios as notícias de que está planejada a criação de novos assentos no conselho do CGI.br para o setor empresarial e para o governo. As pessoas que acompanham o processo do CGI.br por dentro indicam que há uma tendência de se criar uma cadeira para, por exemplo, o setor de conteúdos, mas com a pré-definição de que esta seria para a Motion Pictures Association na América Latina. Além disso, haveria mais uma cadeira para o setor de telecomunicações e outras para o governo. Fica a dúvida: como será a representação dos cerca de 200 milhões de brasileiros, da academia e dos especialistas?

Entre as questões sobre as quais o conselho do CGI.br vem publicando orientações e para os quais tem atribuição está o princípio da neutralidade de rede. Sabe-se que o CGI.br, mesmo com sua diversidade, vem sendo um importante bastião de defesa desse princípio que permite que os usuários da rede decidam, sem interferência dos detentores da infraestrutura, os conteúdos a serem acessados. Também o CGI.br teve um papel fundamental ao emitir nota para que uma decisão sobre a permissão de franquia de dados na banda larga fixa se dê apenas após aprofundado estudo sobre necessidade e impactos de tal medida no Brasil.

Pesquisas e projetos sob risco

Também pode estar sob risco o trabalho realizado por meio do Núcleo de Informação e Comunicação do Ponto BR (NIC.br) e do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), tais como registro de nomes de domínio, importantes projetos técnicos e de infraestrutura para a internet, medidas e políticas de segurança, realização de estudos sobre acesso e uso da internet no Brasil, bem como acerca da qualidade e velocidade da banda larga.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet (IGF) no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”, conforme denunciado também pela Coalizão Direitos na Rede. A pressão da sociedade civil para a retomada dos trabalhos do CGI.br surtiu efeito, e o novo conselho do CGI.br deve se reunir no próximo dia 18.

Assim, o que faz uma decisão como essa ocorrer de forma tão apressada e antidemocrática? Uma vontade de evitar que este conselho siga com os trabalhos já iniciados, antes da mudança nas cadeiras do conselho? Que tipo de transição seria esta que o governo aponta na consulta pública? Será uma vontade de alterar já esta gestão do conselho do CGI.br?

Diante dos fatos, diversos especialistas em internet no Brasil apontam para a necessidade de a condução do processo de consulta pública se dar de forma transparente, buscando representatividade entre os segmentos econômicos e sociais. Mas, avaliando a situação adequadamente, é fácil concluir que isso só pode ocorrer se este processo de consulta pública for cancelado e seus parâmetros, formato e acompanhamento forem previamente discutidos, como defende a Coalizão Direitos na Rede.

*Jornalista e membro da coordenação executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social