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Do sequestro ao extermínio: os difíceis momentos da comunicação pública no Brasil

Texto: Gésio Passos*

“Alguém aqui presente assistiu um programa da EBC? Então tem que ser fechada. Não pode gastar um bilhão por ano e ninguém assistir”. Questionado pela imprensa, no dia 30 de novembro de 2018, um mês após a eleição, o presidente eleito Jair Bolsonaro reafirmou sua intenção em extinguir a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), empresa pública criada pelo governo Lula em 2008 com a missão de implementar o sistema público de comunicação federal. Mesmo que falsa, já que o orçamento da EBC nunca ultrapassou os R$ 600 milhões, essa não foi a primeira declaração do novo mandatário de extrema direita sobre o futuro da emissora. Antes mesmo do período eleitoral, em fevereiro de 2018, em entrevista para a rádio Jovem Pan, Bolsonaro se posicionou contra a empresa pública. Dez anos antes, durante a votação na Câmara dos Deputados sobre a Medida Provisória de criação da EBC, ele havia se abstido da votação, contrariando a orientação do seu antigo partido, o Partido Progressista (PP), que era base de apoio ao governo petista.

Durante toda a campanha eleitoral do ano passado, outros candidatos da direita também se colocaram publicamente contra a EBC. Geraldo Alckmin (PSDB) e o estreante João Amoedo (NOVO) publicamente se somaram aos ataques de Bolsonaro. A ânsia privatista do neoliberalismo encampado por esse polo político havia colocado a comunicação pública como alvo. Em resposta, a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, uma articulação de entidades da sociedade civil, reagiu às ameaças dos presidenciáveis. “A existência da EBC não é mera vontade ou determinação deste ou daquele governante, mas sim um mandamento da Constituição, que em seu artigo 223 prevê o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”, afirmavam as entidades. Elas prepararam um documento enviado a todas as campanhas pedindo um compromisso com a empresa pública, que foi assinado apenas pelas candidaturas do campo da esquerda: Guilherme Boulos (PSOL), Vera Lúcia (PSTU), João Goulart Filho (PPL) e Fernando Haddad (PT), que foi derrotado no segundo turno. Os outros seis candidatos não se pronunciaram.

Dois dias após as eleições, em assembleia relativa à campanha salarial dos trabalhadores da EBC, o assunto dominante entre funcionários eram as declarações de Bolsonaro. Diante o medo, os empregados decidiram organizar o comitê “Fica EBC” e tentar dissuadir o novo governo de seu projeto, buscar apoio da sociedade e divulgar informações sobre o papel que a empresa desempenha. A campanha tomou corpo nas redes sociais, com informações sobre orçamento, alcance, premiações, tudo que a empresa pouco divulga para a população. Um grupo passou a percorrer o Congresso buscando apoio parlamentares e um diálogo com o governo de transição formado. Outros trabalhadores buscaram diálogo com os novos mandatários, principalmente militares. Os generais Augusto Heleno e o vice-presidente general Hamilton Mourão deram declarações positivas à manutenção da empresa. Mesmo assim, Bolsonaro reafirmava na imprensa sua falta de apreço à EBC.

Para Carolina Barreto, jornalista e integrante da Comissão de Empregados da EBC, os trabalhadores da empresa vivem um horizonte de medo. “O cenário é extremamente nebuloso, porque ninguém sabe ao certo o que vai acontecer com a empresa. De um lado, vê-se Bolsonaro falando em fechar. De outro, todo tipo de especulação na imprensa. E ainda há reuniões entre a direção da empresa e o governo eleito. No meio disso tudo, a empresa realiza um Plano de Demissões Voluntárias com prazo de adesão de apenas duas semanas, em cenário de forte terrorismo e incerteza quanto ao futuro”, conta.

Uma história de tensões e resistências

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Em 10 de outubro de 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinava a Medida Provisória que dava origem a EBC. Era o primeiro passo para regulamentar o artigo 223 da Constituição Federal, tirando do papel uma das principais demandas para garantir a pluralidade da mídia no país. A medida só foi efetivada em abril de 2008, após intenso debate no Congresso Nacional, com a promulgação do texto acordado no Legislativo, a Lei 11.652/2008. A EBC nascia da fusão entre dois órgãos que geriam os veículos federais de comunicação: a Radiobrás, sediada em Brasília, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), localizada no Rio de Janeiro.

Tereza Cruvinel, jornalista e primeira presidente da EBC, aponta que um dos grandes desafios para implementação da empresa foi enfrentar a oposição virulenta do Congresso e da mídia privada. “Ninguém queria discutir comunicação pública para valer, porque no argumento eles perderiam, mas o governo Lula tinha uma base parlamentar sólida para aprovar o projeto. Fizemos um grande trabalho para a aprovação da Medida Provisória, com apoio do governo, dos participantes do Fórum de TV Pública, dos movimentos da sociedade civil para debater e derrotar o discurso contrário”, afirma. Outro desafio apontado por Tereza foi fazer uma nova televisão em pouco tempo. Em cerca de dois meses da publicação da MP enviada ao Congresso a TV Brasil estava no ar.

A EBC priorizou a criação de uma nova TV Pública, a TV Brasil, ainda em dezembro de 2007, ao fundir a TV Nacional – criada em 1960 e administrada pela Radiobrás – e a TVE do Rio (1975) e do Maranhão (1969), mantidas pela ACERP. Além das televisões, a EBC assumiu oito emissoras de rádio e a responsabilidade de executar sob contrato também os serviços de comunicação do governo federal, com a TV NBR e Voz do Brasil.

Para Guilherme Strozi, empregado da empresa desde a Radiobrás e ex-Secretário Executivo do Conselho Curador da EBC, havia uma expectativa grande com a criação da empresa. “Foi uma esperança de que naquele momento algo grandioso estava acontecendo com a comunicação pública do país”, conta. Ainda assim, ele conta que havia em alguns empregados mais antigos certa desconfiança, “talvez pela não compreensão da diferença entre comunicação pública e governamental”.

As inovações se focaram no processo de participação social, com a criação de um Conselho Curador e uma ouvidoria. A legislação que criou a empresa ainda buscou a autonomia da gestão, com mandatos fixos para o presidente e para o diretor geral da empresa, que eram nomeados pelo Presidente da República, mas só poderiam ser destituídos pelo Conselho Curador. Além disso, foi criado um fundo exclusivo para a manutenção da empresa, a Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP).

Em seus passos iniciais, a EBC buscou se estruturar para o tamanho de seu desafio. Inaugurou uma sede em São Paulo, contratou quase 1400 empregados por concurso público, lançou editais para incentivo à produção independente e buscou mudar a cultura da comunicação governamental para a pública. O desafio da gestão ainda era presente. Com um Conselho Curador atuante, era frequente o conflito entre os representantes da sociedade e a direção nomeada pela empresa, principalmente na aprovação do plano de trabalho anual da emissora. Outras polêmicas surgiram, como a veiculação de programação religiosa confessional combatida pelo Conselho, a criação do Manual de Jornalismo da emissora, entre outros.

A questão orçamentária foi também fonte de cotidiana de polêmica. A Contribuição criada como uma pequena parcela do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL), foi judicializada pelas empresas de telecomunicações, alegando desvio de finalidade. Sem os recursos da contribuição, a EBC passou a ser ainda mais dependente dos repasses do orçamento da União, sujeita a contingenciamento e dependente dos contratos para execução dos serviços de comunicação governamental. Esta situação ampliava a fragilidade da autonomia prevista para a empresa. Vinculada à Secretaria de Comunicação da Presidência da República, responsável pela imagem do governo, a EBC ainda era frequentemente pressionada a seguir os anseios do Planalto.

Para a pesquisadora da Universidade de Brasília, também empregada da empresa e associada do Intervozes, Mariana Martins, a EBC foi uma das políticas de comunicação mais importantes das últimas décadas. Para ela,

A EBC é uma reparação histórica do Estado brasileiro com a comunicação pública, pendente de políticas específicas para o seu fortalecimento desde o início da radiodifusão no Brasil. Do ponto de vista prático, a EBC foi responsável por trazer para o âmbito da radiodifusão o cidadão, a cidadania, dar voz e lugar a quem nunca foi representado.

“Com todas as limitações, que também estiveram presentes nos dez anos de vida da EBC, é inegável a mudança positiva que os veículos da EBC representaram para melhora do ecossistema midiático no Brasil”, afirma.

Ataques de Temer

Os ataques à EBC não começaram nas eleições de 2018. Com o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, uma primeira onda de desmonte atacou a comunicação pública federal. Uma das primeiras medidas de Michel Temer foi exonerar o jornalista Ricardo Melo da presidência da empresa. A medida contrariava a lei que criou a EBC, que impedia a Presidência da República de derrubar o presidente da EBC durante seu mandato. Melo havia sido nomeado alguns dias antes do afastamento de Dilma durante o processo de impedimento. Para seu lugar, Temer indicou o também jornalista Laerte Rimoli, que tinha longa relação com o PSDB e com Eduardo Cunha.

O presidente Michel Temer concede entrevista a jornalista Roseann Kennedy, da TV Brasil.
Presidente Michel Temer concede entrevista a jornalista Roseann Kennedy, da TV Brasil.

Ricardo Melo conseguiu reverter a decisão através de uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), retornando provisoriamente ao comando da empresa. Em resposta, Temer editou uma medida provisória modificando estruturalmente a lei da EBC, o que levou o STF a caçar a liminar de Melo e permitir o retorno de Rimoli ao comando da emissora.

A Medida Provisória foi convertida na Lei 13.417/2017, que atacou diretamente o modelo de governança da empresa. O Conselho Curador foi complemente extinto. Até então, ele era formado em sua maioria pela sociedade civil e o único capaz de demitir o presidente da empresa durante seu mandato, atuando também como guardião dos princípios estabelecidos para a comunicação pública. A medida também eliminou o mandato de quatro anos do presidente da empresa, o que afetou diretamente sua autonomia e a deixou ainda mais refém das indicações do governo federal.

As mudanças vieram acompanhadas de forte crítica da sociedade civil organizada, que formou uma Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública. No âmbito internacional, a Relatoria Especial das Nações Unidas e a Relatoria Especial da OEA sobre Liberdade de Opinião e de Expressão também se posicionaram manifestando preocupação com as medidas.

O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, considerou inconstitucionais as mudanças realizadas pelo governo Temer e solicitou à Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, que apresentasse uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, nenhuma medida foi tomada nesse sentido até o momento.

Com as mudanças, Temer e Rimoli ampliaram o controle sobre a empresa federal. A ruptura causou impactos editoriais abalando a já frágil autonomia da comunicação pública. Sem nenhum obstáculo representado pelo controle social, a empresa adotou uma linha oficial pró-governo até então não vista desde sua fundação em 2008.

O ex-integrante do Conselho Curador, Guilherme Strozi, aponta que o fim do Conselho acabou com a possibilidade de fiscalização da comunicação pública. “A EBC ao ter seu Conselho Curador cassado praticamente retorna ao papel de empresa de comunicação governamental, o que ainda não ocorreu por duas questões: um, porque legalmente a EBC ainda deve fazer comunicação pública para ter sua razão de ser institucional enquanto estrutura ligada ao Estado brasileiro; e dois, por causa da resistência de seus empregados e empregadas, que ao trabalharem para fazer valer o que está escrito na lei de criação da empresa”, afirma. “Sem um conselho com participação social, a EBC deixa de ter um pilar fundamental de sustentação de seu caráter público”, conclui Strozi.

Umas das poucas mudanças realizadas pelo Congresso Nacional na Medida Provisória de Temer sobre a EBC que sobreviveu aos vetos foi a instalação de um Comitê Editorial e de Programação com especialistas, que até hoje não foi efetivada.

Em meio a esse contexto houve também uma asfixia financeira da empresa pública. O governo continuava a não repassar para a empresa a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, que se acumulava. Até os contratos para a realização da Voz do Brasil e da TV NBR foram enxugados. As sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão acabaram sucateadas e, em Brasília, o parque de transmissores das rádios foi afetado levando a Rádio Nacional da Amazônia pra fora do ar. A partir de remendos com geradores auxiliares, hoje a rádio funciona parcialmente, enquanto a Rádio Nacional AM de Brasília segue em baixa potência.

Segundo Mariana Martins, houve uma ruptura com os princípios e objetivos para os quais a empresa foi criada. Ela firma que

Isso pode ser visto com o aumento significativo da censura e da cultura do medo e do assédio na redação. Casos como a cobertura do Fórum Mundial da Água, que aconteceu no Brasil em 2018, são exemplos categóricos de que a empresa passava a cumprir papel institucional e publicitário em detrimento da sua missão pública e cidadã.

A EBC em 2018

No ano de 2018 o comando da empresa passou por várias mãos. Em maio, o então presidente Laerte Rimoli foi substituído pelo embaixador Alexandre Parola. Foi a primeira vez em dez anos que a EBC não era dirigida por um jornalista. Rimoli deixou a empresa afirmando que zerou déficit de R$ 95 milhões que encontrou em 2016. O alegado déficit representava recursos não repassados ou contingenciados pelo próprio governo federal ao longo de 2016, o que causou falta de caixa para honrar os compromissos da empresa. Rimoli alardeou ainda recordes de investimento de R$ 27 milhões em 2017. Dados do Portal da Transparência, porém, indicam que menos de R$ 2 milhões foram liquidados, o menor valor na história da empresa.

Para os trabalhadores da empresa, o projeto de Temer para a EBC, executado por Rimoli e Parola, teve como objetivo castrar o projeto de comunicação pública. Em janeiro de 2018, os sindicatos denunciaram os casos de assédio e perseguição na Agência Brasil. Durante o carnaval, a cobertura do evento foi alvo de censura, já que não foi permitida repercutir o destaque “Vampirão Neoliberal”, um parodia do presidente Temer, ou as alas “Manifestoches” e “Guerreiros da CLT” da escola de samba carioca Paraíso do Tuiuti.

A direção da EBC ainda tentou modificar o papel da Agência Brasil, priorizando a cobertura oficial do governo federal. A proposta foi seguida pela retirada no plano estratégico da empresa da referência a “comunicação pública” e a intenção de unificar a TV Brasil com a NBR – a TV do poder Executivo. Nota do Fórum Nacional pela Democratização (FNDC) afirma que a EBC buscou “sufocar o que ainda existe de conteúdo público produzido pela determinação e convicção do corpo de funcionários da empresa, e desta forma impedir a disseminação de informações que possam ser constrangedoras para o governo”. A medida também foi alvo de mobilizações dos empregados e de ex-presidentes da EBC. “Protestamos contra mais esta intervenção ilegal e autoritária que busca liquidar com a mais importante experiência de comunicação pública havida no Brasil”, disseram em nota, Tereza Cruvinel, Nelso Breve, Ricardo Melo e os ex-ministros da Secretaria de Comunicação do Governo, Franklin Martins e Helena Chagas.

Alexandre Parola assumiu a empresa pública em maio de 2018 sabendo que o aguardava o cargo de delegado permanente do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) para 2019. Durante sua gestão, a Comissão de Empregados da EBC articulou uma campanha dentro da empresa para sistematizar casos de censura e governismo Foram identificados mais de 60 casos, posteriormente publicados em relatório. Na ocasião, a direção da empresa se pronunciou acusando os trabalhadores de confundir edição com censura e reafirmando seu compromisso “jornalismo isento, apartidário, plural e equilibrado”. Questionada pela reportagem sobre seu posicionamento em relação às denúncias de censura, a assessoria de imprensa da EBC afirmou que seus veículos “têm como orientação produzir um jornalismo profissional, informativo e com prestação de serviços” e que “os editores, produtores e jornalistas tratam as informações com seriedade e transparência”.

Parola também teve que responder pela histórica cultura de assédio moral na EBC. Em agosto de 2018, o Ministério Público do Trabalho (MPT) conquistou uma liminar obrigando a empresa a adotar medidas efetivas contra o assédio moral. “A empresa é um pacote completo de assédio moral: de humilhações públicas à exposição e hostilidade por escrito e em instrumento de comunicação contra trabalhadores”, afirmou a procuradora Renata Coelho ao site do MPT. Mesmo após a decisão, os empregados continuaram acusando assédio por parte da empresa. A própria Comissão de Empregados realizou pesquisa apontado que 8 em cada 10 empregados relatam que já sofreram assédio e ameaças.

Nem a Ouvidoria da EBC sobreviveu. Com o fim do mandato da Ouvidora nomeada na gestão anterior em março, a empresa passou meses com indicações provisórias que acabaram aniquilando o órgão. O trabalho crítico da Ouvidoria foi trocado por elogios e amenidades pelas novas chefias. Os trabalhadores do setor relataram o cerceamento do próprio trabalho e assédio. Após meses, Alexandre Parola indicou como ouvidora a então diretora geral da empresa, Christiane Samarco. Até então, somente acadêmicos haviam assumido o cargo de ouvidores da EBC.

Em outubro de 2018, no meio do processo eleitoral, o embaixador Parola deixou a empresa sem sequer comunicar os empregados da saída. Em seu lugar assumiu o ex-diretor administrativo da EBC, Luiz Antonio Ferreira. Ele e Lourival Macedo, ex-diretor de jornalismo, haviam sido denunciados à Comissão de Ética Pública por terem criado regras que os beneficiavam no Plano de Desligamento Voluntário (PDV) realizado no começo de 2018 – o processo acabou sendo arquivado.

Durante o restante de 2018, as práticas de controle editorial dos veículos públicos se seguiram, assim como o desmonte estrutural da empresa. Com falta de recursos, as sedes do Rio de Janeiro e no Maranhão passaram por situações ainda mais adversas. Em São Paulo, o espaço alugado para o funcionamento da EBC foi diminuído em quase a metade. Além disso, foi realizado um corte de pessoal por meio de dois PDVs realizados. No primeiro, em janeiro, menos de 100 pessoas aderiram ao plano. Já no segundo, realizado em dezembro, após as declarações de Jair Bolsonaro defendendo a extinção da empresa, 257 novas pessoas aderiram ao plano, entre elas, 54 jornalistas. Uma perda total de cerca de 16% do seu corpo funcional. Restaram 1705 empregados concursados para manter a produção de todas as emissoras.

Para a jornalista da EBC Carolina Barreto, os golpes de Temer deixaram a empresa mais vulnerável “às investidas do governo federal e às tentativas de borrar as fronteiras entre comunicação pública e estatal”. “O número de casos de censura aumentou significativamente e a linha editorial foi se tornando a cada dia mais oficialista e restou aos empregados tentar resistir nas redações”, diz.

Os veículos públicos

Mesmo frente às várias formas de desmonte, os veículos da EBC continuam em funcionamento oferecendo alternativas à população.

A TV Brasil tem uma das maiores faixas de programação infantil na TV aberta, ao lado da TV Cultura de SP, com mais 7 horas diárias. Segundo dados da Ancine de 2016, ela é também a maior exibidora do cinema nacional na TV aberta, com 229 veiculações de filmes brasileiros, e a única a exibir curta-metragens nacionais. A emissora é a TV que mais exibe conteúdo brasileiro independente, com 13% de sua programação, e mantém o único programa LGBT fora da TV por assinatura, o Estação Plural. A TV Brasil também abriga um programa voltado aos portadores de necessidade especial, o Programa Especial, com a primeira repórter com Síndrome de Down do país, Fernanda Honorato.

Exposição Rá-Tim-Bum, o Castelo (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Exposição Rá-Tim-Bum, o Castelo recria cenários do seriado infantil da TV Cultura (Rovena Rosa/Agência Brasil)

No ambiente digital, o carro chefe da empresa é a Agência Brasil, cujas informações são repercutidas por portais de notícias de todo o país. Diretamente, através de seu site, a Agência Brasil chegou a 15 milhões de usuários únicos em 2017. Já a RadioAgência Nacional mantém seu papel importante na difusão de conteúdos sonoros. Em 2018, a EBC lançou o aplicativo de vídeo sob demanda EBC Play, com a programação da empresa de conteúdo de entretenimento, jornalismo e infantil também de forma gratuita.

A questão orçamentária
Nos últimos meses de 2018 foram difundidas falsas informações sobre os custos da EBC. Bolsonaro afirmou que a empresa custava R$ 1 bilhão por ano, quando os valores reais nunca passaram de R$ 600 milhões anuais.

O orçamento anual liquidado pela empresa em 2017 foi de R$ 557 milhões. Em 2016, esse valor chegou a R$ 580 milhões, em 2015, R$ 529 milhões, e em 2014, foi de R$ 477 milhões. Dos valores de 2017, 240 milhões foram gastos com os veículos públicos: TV Brasil, Agência Brasil, Rádios Nacional e MEC. O custo da operação dos veículos governamentais do Executivo chegou a R$ 111 milhões, sendo que os contratos com o Governo Federal cobriram apenas R$ 28 milhões.

Os recursos para investimentos na EBC caem ano após ano. Em 2017, foram apenas R$ 1,9 milhões liquidados nessa rubrica. O resultado é o sucateamento da estrutura da emissora, além de graves problemas operacionais, como a transmissão parcial da Rádio Nacional da Amazônia e a redução da produção audiovisual no Rio de Janeiro.

A principal fonte de recursos da EBC, como de outras emissoras públicas no mundo, vem do caixa público. Pouco se fala, porém, que na origem da empresa foi criada uma fonte de recursos específica buscando garantir sua autonomia em relação ao governo: a Contribuição para o Fomento da Comunicação Pública. A Contribuição consistia na destinação de parte do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para a comunicação pública, mas nunca saiu do papel. Parte de seus valores acabaram judicializados por algumas empresas de telecomunicações e o que foi de fato arrecadado foi contigenciado durante todos esses anos pelo governo federal. Os valores não se perderam, continuam congelados em uma aplicação. O máximo que se conseguiu nos últimos anos foi a utilização dos rendimentos da Contribuição. No orçamento de 2018, a expectativa era de que cerca de R$ 100 milhões de reais dos rendimentos fossem utilizados pela empresa pública. Para 2019, espera-se que sejam repassados R$ 200 milhões de reais correspondentes aos rendimentos da Contribuição – o valor corresponde a quase um terço do orçamento total da EBC.

O pesquisador Octávio Pieranti fez uma análise dos orçamentos per capita das emissoras de radiodifusão pública em vários países. No Brasil, o orçamento da EBC é o menor entre os 17 países estudados, com um investimento de 84 centavos de euro por habitante em 2016, o que hoje equivale a R$3,53. O número é inferior até ao dos Estados Unidos, que tinha em 2012 o equivalente a R$12,29 (€2,92) per capita destinados à radiodifusão pública.

Ataque a outras emissoras públicas

A comunicação pública brasileira não se resume a EBC. Dezenas de emissoras geridas pelos governos estaduais, por universidades públicas e por fundações privadas compõe a rede pública de comunicação que também passa por ameaças permanentes com o avanço do conservadorismo na política brasileira. O maior exemplo disso são a TVE-RS e a Rádio Cultura de Porto Alegre, emissoras então administradas pela Fundação Piratini – entidade vinculado ao Governo do Rio Grande do Sul – que teve seu processo de extinção avançado em 2018. A administração dos veículos passou para a Secretaria de Comunicação do governo do Rio Grande do Sul, que decretou encerrada as atividades da fundação em maio.

A emissora pública gaúcha foi um dos alvos do governo de José Ivo Sartori (PMDB) já em 2015. Sua proposta foi extinguir seis fundações públicas logo no começo de seu governo, entre elas a Fundação Piratini. A medida foi aprovada pela Assembleia Legislativa em 2016, apesar da forte resistência da sociedade gaúcha. O movimento “Salve, Salve TVE e FM Cultura” ainda mobiliza diversos segmentos sociais em defesa das emissoras.

Diversas ações postergaram a extinção das emissoras, com contestações trabalhistas, no Tribunal de Contas e na Justiça Federal. Em junho de 2018, o Ministério Público Federal conseguiu suspender a extinção da Fundação alegando riscos à continuidade do serviço de comunicação pública no estado e ilegalidade no repasse das funções do órgão para a Secretaria de Comunicação. A maioria dos trabalhadores concursados da Piratini se mantém vinculada ao estado do Rio Grande do Sul por liminar judicial conseguida pelos sindicatos, mas a intenção do governo é demitir 137 empregados.

Com a extinção da Fundação Piratini o jornalismo da TVE-RS foi encerrado e sua programação consiste na retransmissão de grande parte da grade da TV Brasil. Na rádio Cultura diversos programas foram extintos.

O movimento dos servidores da TVE e FM Cultura afirmou que lideranças dos trabalhadores ainda buscam diálogo com o novo governador eleito Eduardo Leite (PSDB) para a retomada da Piratini. Durante a campanha eleitoral, Leite afirmou que a comunicação pública não seria um setor estratégico para o estado e defendeu uma parceria privada para gestão da emissora.

O avanço de setores neoliberais na eleição de 2018 pode fragilizar ainda mais as emissoras estaduais. A Fundação Padre Anchieta, que administra a TV e Rádio Cultura de São Paulo, deve seguir seu processo de desmonte com a eleição de João Dória (PSDB). Em Minas Gerais, a recém criada Empresa Mineira de Comunicação (EMC), que gere a TV Minas e a Rádio Inconfidência, também é motivo de preocupações com a eleição de Romeu Zema (Novo) para o governo do estado. O eventual fim da EBC também pode trazer novas ameaças para as demais emissoras públicas que dependem da rede da TV Brasil, já que não teriam mais acesso a programação disponibilizada pela emissora federal.

Perspectivas para futuro

Em um país cada vez mais mediado pelas redes sociais qual seria o papel da comunicação pública? Para Mariana Martins, a comunicação pública, representada pela EBC, é extremamente relevante em qualquer conjuntura desde que o país se pretenda uma democracia. “Uma democracia depende de uma comunicação plural, diversa, autônoma e não há como prover isso apenas com sistema comercial e, muito menos, com um sistema comercial hegemônico e monopolista”, ressalta. Para ela, somente

um governo autoritário não convive com uma comunicação pública estruturada para servir ao cidadão e fortalecer a cidadania, porque, no fundo, ela representa uma ameaça quando cumpre o seu papel de forma plena.

O capítulo V da Constituição Federal, sobre a Comunicação Social, trouxe princípios fundamentais para democracia brasileira. O artigo 223 da Constituição, que criou o princípio da complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal nas outorgas de rádio e TV, colocou no horizonte a necessidade do equilíbrio do sistema de mídia brasileiro, altamente concentrado nos veículos privados. O papel da comunicação pública é garantir esse equilíbrio, fazer contraponto aos veículos privados, garantir a expressão dos mais marginalizados e dos que não tem voz dentro do sistema privado.

E esse foi o maior desafio da instalação tardia da EBC: conseguir não só ser diferente, mas se diferenciar dos veículos comerciais, trazer cultura, informação, cidadania para todo país. E para cumprir essa missão, a empresa precisa superar a herança governamental dos antigos veículos geridos pela Radiobrás e enfrentar as tentativas dos governos de cassar sua autonomia. O sonho de uma emissora pública independente, que deveria prestar contas para a sociedade foi afetado diretamente pelas mudanças provadas por Temer na EBC.

Para o ex-membro do Conselho Curador Guilherme Strozi, apesar do cenário de total desvalorização da comunicação pública federal, “a semente de algo que constitucionalmente precisa acontecer no Brasil foi plantada”. Mesmo assim, ele ressalta as dificuldades para o futuro: “para os próximos anos é certo que a autonomia da EBC frente ao governo federal ficará totalmente ameaçada, uma vez que a empresa não tem um Conselho Curador, não tem um mandato que dê segurança para a sua presidência e não há, até o momento, nenhuma intenção de que seja estimulada a produção de conteúdos críticos e tampouco que seja reforçada a Rede Nacional de TVs e de Rádios públicas estaduais”.

O relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, em visita oficial da CIDH ao país em novembro, alertou sobre a necessidade de uma emissora pública, com independência e em conformidade com os parâmetros internacionais no Brasil. Ele declarou ao jornal Brasil de Fato que “um dos avanços importantes que o Brasil teve nesses últimos dez anos em matéria de comunicação, de diversidade e de pluralismo foi a criação e o desenvolvimento de uma televisão de raio público, e não de interesse governamental”. O relator advertiu o governo brasileiro quando se iniciaram as mudanças que culminariam na extinção do Conselho Consultivo da EBC.

Mesmo com a posição já marcada de Jair Bolsonaro contra a EBC, ainda é possível que sobrevivam parte das emissoras públicas fundamentais para a população brasileira. Não há expectativa para a retomada dos princípios legais que nortearam a comunicação pública federal há mais de dez anos, quando a empresa foi criada, mas se iniciou uma resistência de entidades da sociedade civil e trabalhadores em defesa do seu papel na atual conjuntura. A comunicação pública será mais uma das lutas a ser enfrentada nas ruas, nas redes e na política neste próximo período de ameaça as liberdades democráticas.

* Gésio Passos é jornalista licenciado da Empresa Brasil de Comunicação, coordenador geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, mestre em comunicação pela Universidade de Brasília e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

A comunicação pública brasileira: resistência e sobrevivência

Texto: Gésio Passos *

A comunicação pública brasileira volta a buscar sua sobrevivência no momento de reascensão da pauta neoliberal em meio à crise econômica. Frente a governos descompromissados com a missão pública das instituições e incapazes de dialogar com a sociedade, as mídias públicas sofrem com a falta de seu reconhecimento para a garantia da pluralidade da sociedade, cumprindo sua missão de dar voz à população frente a um sistema de mídia altamente concentrado.

ebc fica

O presidente Michel Temer (PMDB), com sua intervenção na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), deu um exemplo de sua forma de governar: mudanças autoritárias, sufocamento financeiro e nenhuma abertura à participação social. A EBC, que administra duas emissoras de TV, sete de rádio e duas agências de notícias, criada há 10 anos para inaugurar uma nova fase na comunicação brasileira, foi o primeiro alvo de desmantelamento da gestão Temer. Por todo país, as experiências de comunicação pública buscam formas de sobreviver com autonomia financeira, independência editorial e participação da sociedade.

EBC: mudanças trazem riscos

Com a posse do presidente Michel Temer, em 2016, um dos seus primeiros alvos foram justamente as mudanças na comunicação pública federal. Temer trocou o comando da EBC exonerando o então presidente Ricardo Melo e nomeando Laerte Rímoli como novo mandatário. A empresa pública foi criada em 2008 com a unificação das emissoras federais, a partir de uma nova legislação que reorganizava e normatizava a comunicação pública no país.

A mudança dos presidentes não era amparada pela legislação, que previa um mandato de quatro anos para Melo, exatamente para garantir a independência da Empresa. Ricardo Melo havia sido empossado por Dilma Rousseff (PT) ainda em 2016. Com a nomeação de Rímoli, uma série de mudanças nos postos de comando da empresa se sucedeu. Mas um novo golpe aconteceu quando Temer editou a Medida Provisória 744/2016.

A mudança alterou a legislação, acabando com o mandato de quatro anos para presidente da EBC, possibilitando ao governo trocar o mandatário da empresa a qualquer momento. Também extinguiu o Conselho Curador, principal meio de participação da sociedade civil e que dava o caráter público da empresa. Dessa forma, o governo acabou com os mecanismos de independência da comunicação pública, retomando um modelo de comunicação estatal a serviço do governo federal, reinante até a criação da EBC.

O Congresso Nacional ainda tentou remediar o golpe instalado. O substitutivo do senador Lasier Martins (PSD-RS) foi aprovado em fevereiro de 2017, modificando a Medida Provisória, criando um novo Comitê Editorial e de Programação que pudesse ter alguma ingerência na empresa, além de permitir que o Senado pudesse sabatinar o presidente indicado para a estatal. Mas todas essas propostas foram solenemente ignoradas por Temer, que vetou as principais alterações que o Congresso realizou, alegando que elas contrariariam a motivação central da MP de conferir maior flexibilidade e eficiência à empresa pública. A decisão do governo acabou não sendo questionada no Congresso e o veto não foi derrubado em agosto de 2017, após toda a articulação do governo para impedir que a primeira denúncia por corrupção de um presidente no exercício fosse investigada no Supremo Tribunal Federal (STF).

A sociedade civil organizada buscou reagir contra as mudanças da Lei 11.652, que criou a EBC. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no STF para reverter os ataques do governo à comunicação pública. A coordenadora geral do Fórum, Renata Mielli, afirmou à época que “essa MP é inconstitucional do ponto de vista formal e material, impõe censura às emissoras tuteladas pela EBC e não resolve os problemas da empresa – pelo contrário, agravando-os”.

Para o FNDC não há justificativa na urgência da Medida Provisória, que restringiu a autonomia da empresa e o cumprimento dos princípios da comunicação pública. O Fórum ressalta que as mudanças resultam em censura aos profissionais da empresa, subordinando-a ao governo federal. O fim do Conselho Curador tornaria mais graves os problemas de independência da EBC, restringindo a participação e controle social sobre a empresa pública.

O Ministério Público Federal, a partir da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), também se posicionou. Em setembro de 2017, a PFDC solicitou à nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, representação ao STF pedindo a inconstitucionalidade das mudanças na lei da EBC. Os procuradores afirmam que as alterações resultarão em grave retrocesso social em matéria de direitos fundamentais – tanto na liberdade de expressão e de imprensa quanto no caráter democrático que deve existir no sistema público de comunicação social.

O impacto nas redações da EBC

As mudanças orquestradas pelo governo Temer na EBC reverberaram de imediato dentro da empresa pública. Sob o comando de Laerte Rímoli, toda a diretoria e parte dos gestores da EBC foram substituídos e iniciou-se uma mudança editorial sem precedentes na história da empresa. Até o Comitê Editorial de Jornalismo, órgão interno previsto no Manual de Jornalismo da EBC e composto por jornalistas eleitos por redação, foi paralisado pela diretoria. A última reunião do Comitê foi no final de 2016. Após críticas dos empregados à cobertura vigente, ele nunca mais foi convocado pela Diretoria de Jornalismo. Esse Comitê Editorial de Jornalismo não deve ser confundido com o Comitê Editorial e de Programação, instituído pela Medida Provisória proposta por Temer e que sequer chegou a ser empossado.

As mudanças para uma linha editorial pró-governo geraram reflexos diretos no trabalho dos jornalistas da empresa pública. As entidades representativas dos trabalhadores começaram a se manifestar constantemente sobre as mudanças na EBC. Nos dias anteriores ao carnaval de 2017, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal denunciou a orientação da direção da EBC para que, durante a festa, os jornalistas não cobrissem temas políticos, não fazendo imagens de faixas e cartazes críticos a políticos e governos. Era instalada a proibição do “Fora Temer” na empresa pública. A intervenção editorial mudou até a programação da Rádio Nacional, com a veiculação de programas do governo federal em defesa da reforma da previdência social. O Sindicato de Brasília ainda denunciou as trocas de repórteres setoristas nas áreas de política e social, com anos de experiência, na Agência Brasil e na Rádio Nacional, como forma de tolher o livre exercício da profissão e aprofundar as práticas de censura.

Brasília- DF 02-09-2016  Reunião prototesto dos membros do conselho curador da EBC. Foto Lula Marques/Agência PT
Foto Lula Marques/Agência PT

Em março de 2017, os trabalhadores da EBC, em assembleia, aprovaram uma moção em repúdio à ação da diretoria da empresa. A nota diz: “temos enfrentado, de forma cotidiana e generalizada, ingerência no trabalho jornalístico. Um exemplo simbólico aconteceu no dia 15 de março, Dia Nacional de Paralisações contra a reforma da previdência e trabalhista, no qual, diferente da tradição estabelecida na EBC, os jornalistas receberam a ordem de focar sua cobertura nas consequências sobre o trânsito. É a linha adotada na cobertura de outras manifestações dos movimentos sociais, o que limita o direito à informação do cidadão brasileiro”.

As práticas ultrapassaram a censura e ampliaram a cultura de assédio moral dentro das redações da EBC. Em agosto de 2017, após denúncia coletiva de assédio do gerente da Agência Brasil a um correspondente do veículo, assinada por mais de 90 jornalistas da empresa, a EBC anunciou o fim do programa de correspondentes da Agência, que contava com cinco jornalistas em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Ceará, com a justificativa de necessidade de redução de custos. Até o Ministério Público do Trabalho apresentou uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta para que a empresa adotasse medidas efetivas no combate ao assédio moral organizacional. A EBC se negou a assinar o acordo com o Ministério Público, abriu investigação contra o repórter assediado e nada fez sobre o gerente.

A própria ouvidoria da EBC, órgão que ficou resguardado aos ataques do governo com a mudança na lei, apresentou em seus relatórios os reflexos dessa mudança editorial. A ouvidora Joseti Marques, a única que ainda mantém estabilidade legal pelo cargo dentro da empresa pública, continuou desempenhando seu papel de ombudsman com autonomia. A ouvidoria cita diversos casos de parcialidade e insuficiência na cobertura de temas como as greves gerais, reforma da previdência e trabalhista, fazendo proselitismo em favor do governo federal. Além do contínuo tom oficialista nas matérias produzidas pelos veículos da empresa e a implementação do temor dentro da redação, um governismo até então nunca visto desde a fundação da empresa, com perseguição e censura aos jornalistas.

Estrangulamento da comunicação pública

Toda a mudança da linha editorial da EBC foi acompanhada por um início de enxugamento da empresa pública. Contratos de programação foram extintos, a manutenção das sedes foram revistas, diárias e viagens para produção de conteúdo minguaram. Tudo acompanhado do corte brutal do orçamento da EBC, que asfixia a empresa pública.

Levantamento no Portal da Transparência mostra o contingenciamento dos recursos aportados na EBC. Até setembro de 2017, os recursos da empresa pública chegaram a apenas 52% do orçamento previsto para o ano. Grande parte dos recursos foi destinada ao pagamento da folha de pessoal, chegando a R$ 206,1 milhões dos R$ 324,5 milhões disponíveis. Sobrando cerca de R$ 120 milhões para o custeio, com pagamento de fornecedores, aquisição de programas, infraestrutura e investimentos.

Quando a EBC foi criada, foi aprovada a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, a partir de taxação de serviços de telecomunicações. Os recursos garantiriam a autonomia financeira da empresa. Mas, desde sua criação, grande parte desse fundo continua judicializado pelas empresas de telecomunicações, o que soma mais de R$ 2 bilhões. Outro R$ 1,4 bilhão disponível da Contribuição também continua contingenciado pelo governo federal, recursos que poderiam garantir as necessidades orçamentárias da empresa pública. Os dados são de Edvaldo Cuaio, representante dos trabalhadores da EBC no Conselho de Administração da empresa.

Além dos ataques editoriais, o estrangulamento financeiro vem a cada dia impedindo que a empresa cumpra sua missão. Desde março de 2017, a Rádio Nacional da Amazônia está silenciada. O centro de transmissores de Brasília acabou não resistindo a um incêndio que atingiu a subestação de energia onde se localizavam os transmissores da Rádio Nacional da Amazônia Ondas Curtas e parte dos transmissores da Rádio Nacional de Brasília AM. Com isso, a rádio da Amazônia saiu do ar e a de Brasília perdeu sua amplitude de potência.

A Rádio Nacional da Amazônia, que em 2017 completou 40 anos, é uma das poucas fontes de informação e cultura para milhões de brasileiros na região de mais difícil acesso do país. Precariamente, com um pequeno gerador, a rádio voltou ao ar em pequena potência, não atingindo 5% de sua capacidade de alcance. Em setembro, a EBC prometeu uma resolução do problema, com o deslocamento de um gerador de emergência da sede da empresa para o parque de transmissão. A solução arranjada não resolverá o problema, sendo que a capacidade ainda será reduzida para um gerador que só tem autonomia de 8 horas de funcionamento por dia.

O corte de recursos também é utilizado pela diretoria da EBC como justificativa para seguidos cortes editoriais em programas que compunham a grade da TV Brasil. Dois programas históricos de crítica de mídia, o Observatório da Imprensa e o VerTV, foram sacados da programação da emissora. Outros, como Arte do Artista, do teatrólogo Aderbal Freire Filho, sucessor do programa Arte com Sérgio Britto, também teve sua continuidade interrompida. Eles fizeram companhia a outros programas extintos em 2016, como Brasilianas e Espaço Público. Mas as mesmas justificativas não foram dadas para a contratação de jornalistas com longa passagem pela mídia privada, que levaram ao ar novos programas “jornalísticos” com linha editorial identificada profundamente com os interesses do governo federal, como Corredores do Poder ancorado por Roseann Kennedy, ex-CBN, e Cenário Econômico, comandado por Adalberto Piotto, ex-CBN e Jovem Pan.

As tradicionais rádios Nacional de Brasília AM e Nacional do Rio de Janeiro AM tiveram sua programação unificada sem qualquer diálogo com as equipes das emissoras e com os ouvintes. O discurso de criação de uma rádio all news, que teria seu foco em notícias, no momento em que a empresa sofre com falta de recursos, serviu para limitar o caráter local da programação das emissoras. Outros jornalistas com tradição nas emissoras privadas e de alinhamento ao governo também passaram a atuar à frente do microfone da rádio, como Anchieta Filho, ex-Jovem Pan.

O processo de cortes na empresa atingiu também a programação esportiva da TV Brasil, que nos últimos anos vinha conquistando audiência com a exibição do Campeonato Brasileiro Masculino de Futebol da Série C e Série D e do Campeonato Brasileiro Feminino de Futebol.

Mas o maior retrocesso na gestão da EBC se deu na manutenção da Rede Pública de Televisão. Com apenas quatro geradoras em Brasília, São Luiz, Rio de Janeiro e São Paulo, essa última em um canal marginal no espectro, a TV Brasil depende das emissoras afiliadas para que o seu sinal chegue em todo país. A previsão de repasse financeiro para as emissoras públicas/estatais que compõe cessaram há alguns anos. Algumas emissoras públicas deixaram a rede da TV Brasil, como a TV Educativa de Alagoas, rumo à rede da TV Cultura de São Paulo. A falta de liderança da EBC na construção da rede pública levou até as emissoras estaduais a criar um espaço de articulação, o Fórum das TVs Públicas Estaduais, abandonando a tradicional Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais, que historicamente articulava as emissoras do setor público. Enquanto isso, somente em 2017, a EBC desligou ao menos seis retransmissoras do sinal da televisão pelo país. Em um processo final de desligamento do sinal analógico da televisão nas capitais brasileiras, pode levar a própria TV Brasil a um apagão, já que as próprias emissoras estaduais vivem dificuldades nesse processo.

A Comunicação Pública pelo Brasil

A comunicação pública brasileira não se resume somente à EBC e aos seus veículos. Desde o início do rádio no Brasil, espalharam iniciativas locais de emissoras por iniciativa dos estados, muitas ainda em operação pelo país. Com o começo das transmissões de televisão, iniciativas educativas por universidades e pelo poder público alavancaram o início de uma comunicação não comercial. Após a Constituição de 1988, foram essas iniciativas que ousaram se mover em direção ao novo conceito de comunicação pública, mesmo pecando pela falta de participação da sociedade em sua estrutura, as dificuldades de se tornarem independentes editorialmente de seus mantenedores e a falta de autonomia financeira. A crise econômica dos últimos anos também trouxe ainda mais ameaças para essa vasta rede que busca compor a comunicação pública brasileira. Para exemplificar essa situação, será avaliado o atual quadro de três estados emblemáticos em 2017: Rio Grande do Sul, Pernambuco e Minas Gerais.

Rio Grande do Sul: o fim da Fundação Piratini

Os ataques à experiência gaúcha de comunicação pública seguem como o maior retrocesso no setor no último período. A Fundação Piratini, responsável pela TVE-RS e pela Rádio Cultura FM, é um dos alvos do governo de José Ivo Sartori (PMDB) na tentativa de desmontar as estruturas do estado, alavancado pelo ideal neoliberal privatista.

Em dezembro de 2016, Sartori aprovou na Assembleia Legislativa um projeto que permitia a extinção da Fundação Piratini em conjunto com outras sete fundações públicas, com argumento de necessidade de enxugamento do Estado frente à crise econômica. Mesmo sob protesto de milhares de servidores, o governo conseguiu a aprovação do que – dizia – poderia dar um fôlego financeiro ao estado.

A TVE gaúcha foi criada em 1974 dentro da política de utilizar as ferramentas de comunicação para expansão da educação, que foi o fruto da criação da maior parte das emissoras estaduais brasileiras. A rádio Cultura FM só surgiu após a criação da Fundação Piratini, ainda nos anos 1980. As emissoras que tinham forte inserção na cultura gaúcha passaram de uma hora para outra para o estágio de total indefinição com a ação do governo de Sartori.

A reação dos trabalhadores da Fundação Piratini foi imediata, deflagrando greve, em protesto. A direção da Fundação respondeu proibindo a entrada dos funcionários na instituição e anunciou a demissão em massa de seus empregados. Por ser uma fundação pública de direito privado, os trabalhadores são empregados públicos, regidos pela CLT, e não servidores estatutários com garantia de estabilidade plena. Em ato de resistência, o Sindicato dos Jornalistas e o Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul conseguiram evitar a demissão em massa na Justiça do Trabalho, em processo ainda em curso. Uma resistência que tende a ser rompida em breve, pois o governo do estado buscou o STF para sustar a negociação das demissões. Outra trincheira de batalha contra a extinção da Fundação ocorre no Tribunal de Contas do RS. O Ministério Público de Contas questiona as motivações das extinções das fundações sem nenhum estudo técnico.

Iniciou-se o movimento “Salve, Salve TVE e FM Cultura”, angariando apoio de funcionários, diversos grupos artísticos e intelectuais, para a realização de várias atividades em defesa da Fundação Piratini, mostrando a relevância da comunicação pública gaúcha. O Conselho Deliberativo da Fundação Piratini, espaço de participação social na instituição, também reagiu, deixando de aprovar as indicações do governo para presidência e diretorias da fundação. O governo estadual ainda se retirou da rede da TV Brasil, da EBC, filiando-se à TV Cultura de São Paulo, e buscou interferir cada vez mais na programação da emissora.

Fundação Piratini

Com o fim da Piratini, o governo do estado afirma que as emissoras de TV e de rádio serão incorporadas pela Secretaria de Comunicação, que criará um novo modelo de gestão, terceirizando via alguma organização social ou pela iniciativa privada. Mas há rumores de que o governo poderá até extinguir os veículos.

“O discurso de modernização do estado esconde o que tem mais arcaico na comunicação pública no país. Busca transformar duas emissoras com inserção pública, com identidade com os gaúchos, em veículos governamentais, alinhados com o projeto de comunicação estatal que está vigente”, afirma Cristina Charão, empregada da Fundação.

Mesmo se continuar viva durante o governo Sartori, a TVE terá dificuldades para chegar aos gaúchos. Antes do desligamento do sinal analógico em Porto Alegre, previsto para janeiro de 2018, a TVE já havia desligado seu sinal analógico, restringindo sua cobertura, com a justificativa de economia de recursos. Até as retransmissoras do sinal da TV no interior sofrem com os cortes.

Pernambuco: o abandono da vanguarda

Em 2013, Pernambuco avançou na regulamentação da comunicação pública do estado. A criação da Empresa Pernambucana de Comunicação (EPC), inspirada até no nome na EBC, para gerir a TV Pernambuco (TVPE), representou uma novidade no fortalecimento do sistema público pelo país. Com um processo amplo de mobilização e participação, a empresa seria administrada conjuntamente por indicados pelo governo e pela sociedade, através do Conselho de Administração, composto por seis representantes eleitos da sociedade, seis indicados pelas secretarias do estado e um da Associação Municipalista de Pernambuco.

A TV Pernambuco, que iniciou suas operações como TV Tropical, teve início ainda na década de 1980, vinculada ao Departamento de Telecomunicações de Pernambuco (Detelpe), responsável pela instalação de retransmissoras de TV pelo interior do estado para atender as emissoras comerciais. A TVPE, durante um longo tempo, foi filiada às redes nacionais privadas, como o SBT e a Bandeirantes, tendo inclusive sua grade de programação arrendada para terceiros.

Mas o tempo passou e a esperança de fortalecimento da TVPE reproduziu os antigos erros do sistema público brasileiro. Com a crise econômica atingindo todos os estados, o governo de Pernambuco mais uma vez abandonou a comunicação pública estadual. Com a sede da geradora da TV em Caruaru, mas retransmissão em Recife e em 28 regiões do estado, a empresa continuou sem estrutura para produção, funcionando a partir de poucos empregados comissionados. A gestão compartilhada não foi capaz de garantir recursos para a empresa se fortalecer.

O cúmulo do abandono chegou em julho de 2017, com a migração digital das emissoras de TV de Recife. A nova empresa pública não se preparou para a transição e, sem recursos, quase ficou fora do ar na capital do estado. Sem aporte e planejamento, a solução imediata foi a transmissão do sinal pela TV da Assembleia de Pernambuco, que cedeu um subcanal para que a emissora não saísse do ar. De emergência, o legislativo local conseguiu aprovar R$ 4,2 milhões necessários para que a EPC criasse o parque de transmissão digital na capital.

A falta de compromisso do governo local reverbera na administração da empresa. O mandato dos membros da sociedade civil no Conselho de Administração da EPC venceu em 2016. Houve um processo de eleição para os novos indicados, mas até setembro de 2017 os eleitos não haviam sido empossados. Enquanto o orçamento da empresa em 2016 foi de apenas R$ 2,7 milhões, o governo do estado gastou mais de R$ 70 milhões com publicidade nos veículos comerciais.

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Em paralelo à construção da EPC, entidades da sociedade civil vem lutando para a concretização da rádio Frei Caneca FM. Depois de 56 anos de sua aprovação por lei, a rádio, vinculada à Prefeitura do Recife, iniciou sua operação de forma experimental em junho de 2016. Mas, desde então, a rádio opera apenas como uma “playlist”, tocando música 24 horas por dia. A rádio ganhou o ar, mas ainda sem nenhuma estrutura, orçamento, funcionários e, principalmente, a participação da sociedade.

Em Pernambuco, opera ainda a TVU em Recife, sendo a primeira TV Educativa do país, inaugurada em 1968, e as Rádios Universitárias FM e AM, operadas pela Universidade Federal de Pernambuco. A TV conseguiu sua migração para o digital dentro do prazo, mas o conjunto de veículos ainda carece de uma abertura à participação social na emissora. Em 2015, foi finalizada uma proposta de Conselho Curador para as emissoras da Universidade, o que, até o momento, não se concretizou.

Renato Feitosa, do Centro de Cultura Luiz Freire, eleito para o Conselho da EPC, afirma que os movimentos sociais têm uma década de acúmulo sobre as emissoras públicas da Empresa, com propostas e demandas construídas. “Mas o que não estamos conseguindo é pressionar os governos para que as coisas andem. O que se gasta em publicidade oficial poderia financiar as emissoras”, conclui.

Minas Gerais: mudanças afobadas

Minas Gerais também passou por transformações em suas emissoras públicas no último período. Em setembro de 2016, o governo do estado aprovou a criação da Empresa Mineira de Comunicação (EMC), mais uma inspirada na experiência da EBC. A nova empresa aglutinaria a Rádio Inconfidência, surgida em 1936, que era operada como empresa pública, e a Rede Minas de TV, criada em 1984, que era mantida pela Fundação TV Minas – Cultural e Educativa, que seria extinta.

A ideia da empresa pública surgiu na Assembleia Legislativa ainda em 2013, mas se viabilizou a partir da posse do governador Fernando Pimentel (PT), que aprovou no legislativo estadual um novo projeto. O resultado da nova legislação garantiu a criação de um Conselho Curador na empresa, mesmo sem determinar seu papel e como ele seria composto. A proposta sequer tocou em um tema tão necessário para emissoras públicas brasileiras, que são os instrumentos efetivos para garantir a autonomia financeira. O Comitê Mineiro do FNDC, durante o processo de aprovação da lei, questionou a falta de discussão sobre a nova empresa, sendo que o texto não contemplava pontos prioritários para o movimento, “como compromisso em fortalecer a autonomia da mídia pública, valorização da diversidade da produção regional e garantia de condições ótimas de trabalho”.

Dentro do projeto aprovado pelos deputados mineiros para a EMC, o movimento de comunicação conseguiu uma mudança importante para a construção de políticas de comunicação no estado, com uma nova normatização do Conselho Estadual de Comunicação, previsto na Constituição de Minas Gerais. O Conselho, que não funcionou em décadas, manteria sua composição original, com participação de representantes do governo, da EMC, da Assembleia, de sindicatos patronais e de trabalhadores e também de três cidadãos de ilibada reputação, mas agora com o objetivo de aprovar um Plano Estadual de Comunicação Social.

Passado o processo da criação da EMC, a extinção da Fundação TV Minas ainda não foi realizada. A pendência maior reside na concessão de TV educativa da emissora, que não se enquadraria dentro do escopo de uma empresa pública. Os servidores da fundação vivem um momento de indefinições, já que a legislação prevê a remoção dos mesmos para a Secretaria de Cultura e sua provável cessão para a EMC. Isso após anos de luta para que a fundação realizasse concurso público: a operação da TV Minas era feita de forma terceirizada por uma OSCIP.

Já a Rádio Inconfidência acabou fortalecida pela nova empresa, pois não havia nenhum instrumento de participação na rádio e o número de empregados já era muito reduzido. Romina Farcae, diretora da Associação dos Servidores Públicos da Rede Minas, reclama da falta de diálogo no processo de criação da nova empresa, não respeitando as distinções históricas entre as duas emissoras. “Houve uma luta de anos para a realização de concurso que desse autonomia para os servidores da TV e que foi ignorada. Não se pensou nos preceitos da fundação, que gere uma emissora educativa, enquanto a Rádio Inconfidência opera como uma emissora comercial, inclusive vendendo comercial. Essas singularidades foram desprezadas”, afirma.

Mas grande parte das promessas, um ano após a criação da nova EMC, não se concretizou. O destaque se deu para a inauguração da nova sede da Rádio Inconfidência e Rede Minas de TV, que passou a ocupar um espaço compartilhado também com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, com estrutura ampla e renovada. Mas até setembro de 2017, o Conselho da nova empresa pública não teve nenhum sinal de sair do papel. A falta de recurso continuou uma constante nos dois veículos. Com o impasse sobre a outorga educativa da TV, a solução para a extinção da Fundação caminha a passos lentos. O Conselho de Comunicação também seguiu sendo apenas um texto em uma lei aprovada, que após um ano continuou sem ser instalado.

Durante esse processo, ainda no final de 2016, a troca do comando da emissora gerou apreensão dos próprios movimentos sociais, temendo um redirecionamento editorial a uma linha mais próxima dos interesses do governo do estado. Em junho de 2017, o FNDC-MG criticou, em carta, a postura do governador Fernando Pimentel de não priorizar a emissora, alegando que os recursos para os veículos públicos foram de R$ 35 milhões, enquanto a despesa publicitária do governo chegou a quase R$ 100 milhões; além de cobrar a instalação do Conselho da EMC e do Conselho Estadual de Comunicação e a convocação de uma nova Conferência Estadual de Comunicação.

Em outubro de 2017, os trabalhadores da Rádio Inconfidência e da Rede Minas entraram conjuntamente em greve contra os baixos salários, os cortes de benefícios já concedidos e pela regularização das jornadas de jornalistas e radialistas. O movimento ainda criticou a falta de diálogo na implementação da EMC, além de apresentarem vários problemas nas instalações do edifício inaugurado para as emissoras, que, mesmo que novo, não garante ainda as condições de trabalho e funcionamento dos veículos.

A busca por um sistema público

O movimento iniciado de fortalecimento e expansão de uma comunicação pública autônoma, que privilegiasse a participação da sociedade e a independência dos governos e do mercado, encontra-se hoje em uma encruzilhada. Com a crise econômica e uma nova ascensão do neoliberalismo, as diversas iniciativas de comunicação pública sofrem diretamente o dilema político brasileiro.

A falta de uma regulamentação completa do artigo 223 da Constituição Federal, que delimitasse cada um dos três sistemas previstos – privado, estatal e público –, dificulta um reconhecimento objetivo da sociedade sobre as diferenças e as finalidades de cada um dos sistemas previstos. Impede, principalmente, a distinção do sistema público frente aos demais e sua interseção com o sistema estatal e o sistema privado associativo sem fins lucrativos – como rádios e TVs comunitárias. O momento de dificuldades da economia e o avanço de grupos conservadores neoliberais coloca em risco as experiências públicas de comunicação dos últimos 40 anos.

A situação de fragilidade em que a Empresa Brasil de Comunicação se encontra, com ataques contínuos à sua autonomia editorial, financeira e participativa, representa um retrocesso na construção de um sistema público robusto e relevante. Governos estaduais descompromissados também comprometem o projeto de comunicação pública, com garantia de independência editorial, autonomia financeira e uma real participação da sociedade na sua construção.

Em todo país, a distância dos recursos repassados em publicidade para os veículos privados e o investimento nas mídias públicas/estatais, mostram a dificuldade de avançar no fortalecimento de um sistema público. Ainda mais desregulamentado, principalmente após os ataques à legislação da EBC, as diversas experiências pelo país sofrem com a falta de autonomia que garanta sua relevância social, além da falta de compromisso com a participação direta da sociedade na própria gestão desse sistema.

*Gésio Passos é mestre em comunicação pela Universidade de Brasília, jornalista do quadro efetivo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), coordenador geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e associado ao Intervozes. Pesquisa temas ligados à comunicação pública, políticas de comunicação e história da mídia brasileira.

Semana Nacional Pela Democratização da Comunicação 2017 acontece entre os dias 15 e 21 de outubro

Semana pretende denunciar violações à liberdade de expressão e lançar o relatório do primeiro ano da campanha Calar Jamais!

A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação 2017, que acontece entre os dias 15 e 21 de outubro, contará com a articulação de entidades de diversos setores da sociedade civil para debates, seminários, atos, atividades políticas e culturais em diversos estados de todo país com ênfase na denúncia de violações à liberdade de expressão em curso no Brasil.

As entidades que integram o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) definiram esse tema com base na atual conjuntura, onde multiplicam-se casos de repressão a protestos e manifestantes, censura privada ou judicial de conteúdos na internet e na mídia, decisões judiciais e medidas administrativas contra manifestações artísticas e culturais, aumento da violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública, cerceamento de vozes dissonantes na imprensa, além de várias outras iniciativas que contribuem para calar a diversidade de ideias, opiniões e pensamento em nosso país.  

Esse tema vem sendo trabalhado pelo FNDC desde outubro do ano passado quando foi lançada a campanha “Calar Jamais!” que visa chamar atenção para a escalada de violações de direitos dos cidadãos. A campanha conta com uma plataforma online que recebe denúncias de violações à liberdade de expressão. No dia 17 de outubro de 2017, durante a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, em Salvador (BA), será lançado o relatório de um ano de campanha, que destaca os principais casos constatados no período. A atividade marcará um ano desde o início da “Calar Jamais!” e será um momento de mobilização e intensificação da luta em defesa do direito à comunicação no país. O lançamento acontecerá durante o seminário internacional preparatório para o Fórum Social Mundial (FSM) 2018.  

Essas denúncias serão enviadas também para organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos, como o Ministério Público Federal, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e as Relatorias para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Além do lançamento do relatório, a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação contará com atividades em diferentes estados sobre comunicação pública, o papel da mídia na atual crise política, regulação democrática dos meios de comunicação, acesso, privacidade e liberdade de expressão na internet, entre outros.

Confira a programação que estará em constante atualização aqui no site:

Distrito Federal

16/10 – segunda-feira, às 19h

Debate A Crise da Lei de Acesso à Informação: política de Estado ou Política de Governo

Responsável – Profª Elen Geraldes (coordenadora Lapcom)

Local: Auditório da FAC-UnB

Lançamento de publicação da Artigo 19

17/10 – terça-feira, das 12h às 14h

Plenária-aberta 10 anos de criação da EBC

Responsáveis: Sindicatos dos Jornalistas e dos Radialistas do DF

Local: Escadaria norte da EBC

18/10  – quarta-feira *à confirmar  

Roda de conversa sobre Estado de exceção e liberdade de expressão

Informações: Relatos de casos de violação do direito à expressão e manifestação pelo Estado.
Divulgação do livro Lapcom – criminalização dos movimentos sociais.
Local: a definir
Exposição Campanha Calar Jamais!

19/10  – quinta-feira, das 17h às 19h

Atividade CACOM Semana FAC que Queremos. Assembleia Mídias da UnB e liberdade de expressão e manifestação na Universidade
Responsável: CACOM
Local:  Prainha da FAC ou auditório FAC

19/10 – quinta-feira, às 19h30

Debate sobre desafios da Internet
Conteúdos: Acesso à internet e neutralidade de rede (Sivaldo), violaçoes de DH na net/ discurso de ódio (Kimberly Anastacio), proteção de dados pessoais/privacidade – Campanha de Proteção de Dados Pessoais (Intervozes).
Responsável: Intervozes
Local:Café Objeto Encontrado (302N).

20/10 – sexta, 17h ou 21/10 – sábado de manhã *à confirmar

Ato político cultural na Rodoviária
Informações: intervenção artística (batucada, teatro do oprimido) com foco na Campanha Calar Jamais!
Local: Rodoviária do Plano

Rio de Janeiro

17/10 – terça-feira,  às 18 hs

Os desafios da universalização da Banda Larga, às 18 hs, no Clube de Engenharia, com 04 debatedores: Márcio Patusco/Clube de Engenharia (internet banda larga), Marcello Miranda (Lei Geral das Telecomunicações, PLC 79, Satélite Telebrás, Bens Reversíveis), Marcos Dantas/ULEPICC (Papel do CGIbr, IGF) e Bruno Marinoni do Intervozes (Marco Civil da Internet, privacidade, segurança, neutralidade).

18/10, quarta-feira, das 16h às 19h

Audiência Pública aberta, na Cinelândia, junto com as Frentes Parlamentares (Municipal Rio e Estadual), com atividades culturais (esquete de teatro, músicas, poesia, exposição) e microfone aberto.

Das 19h às 21h

Audiência pública sobre ‘fomento para mídias populares e alternativas’, em Niterói, iniciativa do mandato do Vereador Leonardo Giordano (PCdoB), com o Franklin Martins como um dos debatedores.

Das 19h30 às 21h30

Roda de Conversa: Violência de Gênero na Internet

-Joana Varon (Coding Rights)

-Manu Justo (Feminista, socióloga e fotógrafa. Mentora do projeto Puta Que Pariu. Conheça aqui: Manu Justo Fotografia)

-Jhessica Reia (Pesquisadora e líder de projeto do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS/FGV)

-Julia Boardman (jornalista)

– Iara Moura e Oona Castro (Intervozes)

19/10 – quinta-feira

Atividade em conjunto com o coletivo ‘A Esquerda na Praça’ (detalhes a serem fechados)

Rio Grande do Sul

O Comitê Gaúcho do FNDC definiu que realizará nos próximos dias 27 e 28 de outubro o 1º Encontro Gaúcho pelo Direito à Comunicação (EGDC), com o apoio da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O EGDC será realizado nas dependências da Fabico da UFRGS, na Avenida Ramiro Barcelos, 2705, no bairro Santana, em Porto Alegre.

As inscrições serão gratuitas e já se encontram abertas, através do preenchimento de formulário online, informando nome, e-mail, profissão e entidade/movimento, e escolhendo um dos quatro painéis temáticos para participação.

Acesse: https://docs.google.com/…/1FAIpQLSeJUFQvkFM5r3TBj…/viewform…

Sexta – 27 de outubro

18h – Abertura: Comitê Gaúcho do FNDC e Fabico-Ufrgs

18h30 – Depoimentos de violações à liberdade de expressão

19h15 às 21h30 – Painel: O papel da mídia na construção do golpe

Christa Berger – professora da UFRGS

Moisés Mendes – jornalista

Benedito Tadeu César – cientista político e professor aposentado da UFRGS

Sábado – 28 de outubro

9h30 às 12h30 – Painel: Alternativas para a democratização da comunicação

Renata Mielli – jornalista e coordenadora nacional do FNDC

Neusa Ribeiro – professora aposentada da Feevale

Marco Aurélio Weissheimer – repórter do Sul21

Pedro Osório – jornalista e professor da Unisinos

14h às 16h – Painéis temáticos

  1. Desafios da comunicação comunitária e alternativa

Ilza Girardi – professora e vice-diretora da Fabico da UFRGS

Guilherme Fernandes de Oliveira – repórter da TVT

Luís Eduardo Gomes – jornalista do Sul21

Rosina Duarte – jornalista do jornal Boca de Rua

  1. A mídia e a luta contra o racismo e a discriminação de gênero

Vera Daisy Barcellos – presidenta da Comissão Nacional de Ética da Fenaj

Sandra de Deus – jornalista e professora da UFRGS

Télia Negrão – jornalista e ex-coordenadora do Coletivo Feminino Plural

  1. O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários

Claudir Nespolo – presidente da CUT-RS

Guiomar Vidor – presidente da CTB-RS

Antonio Carlos Porto Jr – advogado trabalhista

  1. O desmonte da comunicação pública

Maria Helena Weber – professora da UFRGS

José Roberto Garcez – jornalista e ex-presidente da Fundação Piratini

Cristina Charão – jornalista da TVE

16h – Plenária Estadual do FNDC

18h – Encerramento

Participe da Semana DemoCom!

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Rádio Nacional da Amazônia recebe homenagem ao completar 40 anos em meio a desmonte do sistema público de comunicação

Em sessão solene realizada no plenário da Câmara Federal, nesta quarta-feira, 27, foram celebrados os 40 anos da Rádio Nacional da Amazônia. Inaugurada no dia 1º de setembro de 1977, foi constituída com o objetivo inicial de ser uma ferramenta de segurança nacional no contexto do golpe militar no Brasil. Porém, a rádio que transmitia em ondas curtas e alcançava mais da metade do país tornou-se uma ferramenta de fundamental importância para a população do norte do país, ganhando inclusive o apelido de “orelhão” da Amazônia.

A Rádio Nacional da Amazônia tornou-se mais do que um simples veículo de notícias, cumprindo uma função social, valorizando a cultura, a diversidade, e a preservação do ecossistema amazônico, e empoderando as respectivas populações de seu direito básico a se comunicarem, socializando assim o direito de expressão na região, garantido constitucionalmente.

O evento solicitado pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação, através de seu presidente deputado federal, Jean Wyllys, teve como objetivos ressaltar a importância da rádio para a população da região norte e também denunciar o desmonte que vem ocorrendo na comunicação pública no Brasil.

A Rádio Amazônia enfrenta há seis meses um problema técnico provocado por um raio que influência o alcance do sinal, limitando fortemente a área de cobertura da rádio. Gerenciada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Rádio Nacional da Amazônia tem potencial para chegar a mais de 600 municípios, atingindo 23 milhões de ouvintes, mas atualmente o sinal chega apenas a algumas sub-regiões amazônicas.

Segundo o diretor de Operações, Engenharia e Tecnologia da empresa, José de Arimatéia Araújo, o problema foi causado por raios que atingiram o sistema de transmissores. “É uma estrutura montada há 40 anos e ela não sofreu modernização nem atualização. Hoje, estamos fazendo um trabalho para recuperar o poder de transmissão da rádio”, garantiu.

De acordo com Alberto Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a, a situação tem prejudicado o fluxo de informações entre as comunidades da Amazônia. “Para nós a rádio começou a fazer parte do cotidiano das nossas comunidades, indígenas e tradicionais. Foi um retorno da voz da floresta. Nós começamos a fazer parte desta população”.

Terena ressaltou que a rádio levou a voz não só do povo da cidade, mas também dos povos tradicionais. “A rádio foi uma semente plantada em nosso país, lá na nossa Amazônia, por isso a importância da continuidade a rádio Amazônia. Somos contra a privatização para servir a interesses próprios, queremos uma rádio livre que fale com a comunidade, com compromisso com o povo da nossa região”, destacou.

A radialista Mara Régia antiga conhecida dos ouvintes e símbolo da Rádio Nacional da Amazônia também fez seu depoimento sobre a importância da rádio. Ela lamentou comemorar os 40 anos do veículo, estando este em silêncio: “é muito importante que essas vozes presentes nessa sessão, se unam pela recuperação desse sinal, que é uma questão de cidadania. Acima de tudo, é um direito dessas populações”.

A radialista citou uma carta recebida da comunidade de Riozinho do Anfrísio (localizada na porção norte da bacia hidrográfica do rio Xingu, sudoeste do Pará, em uma região conhecida como Terra do Meio), que vive em quase total isolamento, e que precisa da Rádio Nacional da Amazônia. “A Rádio é sua bússola e calendário. Isso é cidadania e construção de uma identidade nacional”, disseram os ribeirinhos em sua carta.

Comunicação Pública Sob Ataque

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) sofreu duros retrocessos após o golpe parlamentar dado pelo grupo político de Michel Temer em 2016. No exato dia seguinte à posse, uma medida provisória destituiu o Conselho Curador, órgão representante da sociedade civil na empresa. Em outra “canetada”, Temer também acabou com um mecanismo que garantia mínima autonomia à empresa: a nomeação do diretor-presidente, antes com mandato de quatro anos, agora podendo ser feita na hora que bem entender o presidente da República.

Além do corte excessivo de verba, casos de censura são relatados pelos jornalistas concursados da casa. Os funcionários resumem assim o que vem acontecendo na EBC: a parte estatal está virando publicidade do governo e a parte pública está virando estatal. Hoje, a empresa presta serviços ao governo federal (via contrato e pagamento mensal) para a produção e a exibição da TV NBR e do programa de rádio “A Voz do Brasil”.
Antes, o foco era no cidadão, na prestação de serviços públicos.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Censura e sucateamento: a comunicação pública agoniza

Corte de 63% dos recursos e censuras aos conteúdos determinam o fim do caráter público da EBC transformam a empresa em máquina de propaganda de Temer

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) sofreu duros retrocessos após o golpe parlamentar dado pelo grupo político de Michel Temer em 2016. No exato dia seguinte à posse, uma medida provisória destituiu o Conselho Curador, órgão representante da sociedade civil na empresa. Em outra “canetada”, Temer também acabou com um mecanismo que garantia mínima autonomia à empresa: a nomeação do diretor-presidente, antes com mandato de quatro anos, agora podendo ser feita na hora que bem entender o presidente da República. A EBC, assim, encontra-se hoje em mal estado, na UTI, respirando por aparelhos. Mas, como se isso não bastasse, agora convive com censuras diárias e um contínuo enxugamento do seu orçamento.

A fórmula é conhecida e foi usada pelos tucanos em São Paulo, com a TV Cultura. Junto com demissões em massa e cortes de verba, programas históricos saíram do ar como “Zoom”, “Grandes Momentos do Esporte”, “Vitrine” e “Cocoricó”. Na TV Brasil, as transmissões dos campeonatos das séries C e D (que traziam grande audiência e cumpriam a missão pública da emissora) acabaram. Também foram dispensados o “Observatório da Imprensa” (no ar há 16 anos), “Arte do Artista” e “Estúdio Móvel”.

As rádios públicas também vêm sendo desprestigiadas.  A histórica Rádio Nacional do Rio de Janeiro simplesmente juntou-se com a também histórica Rádio Nacional de Brasília. Outro caso, ainda mais grave: a Rádio Nacional da Amazônia, símbolo da integração do País, com enorme audiência de ribeirinhos, pescadores e indígenas (atinge potencialmente 60 milhões de pessoas) está simplesmente fora do ar devido a falta de investimento, o que, nesse caso, pode ser enquadrado como crime de responsabilidade da atual diretoria da EBC.

Além do corte excessivo de verba, casos de censura são relatados cotidianamente pelos jornalistas concursados da casa. Os funcionários resumem assim o que vem acontecendo na EBC: a parte estatal está virando publicidade do governo e a parte pública está virando estatal. Hoje, a empresa presta serviços ao governo federal (via contrato e pagamento mensal) para a produção e a exibição da TV NBR e do programa de rádio “A Voz do Brasil”.

Antes, o foco era no cidadão, na prestação de serviços públicos. Mas, ao que tudo indica, os ventos mudaram. Relatos dão conta de textos alterados, transformados em mera publicidade. A cobertura do “Criança Feliz” é um exemplo. Repórteres concursados são destacados para pautas já direcionadas, com elogios exagerados ao programa e trechos de enaltecimentos à sua principal condutora: a primeira-dama, Marcela Temer.

Na parte pública, apesar da separação com a parte estatal ainda permanecer no texto legal (Lei n° 11.652 – que, como na Constituição Federal, prevê a complementariedade entre os serviços de televisão público, estatal e privado) os casos de censura são graves e atingem a TV Brasil, as rádios e a Agência Brasil.

No último carnaval, a ordem de cima veio expressa, textual: cinegrafistas não poderiam filmar cartazes com “temas políticos”. Basta recorrer à memória para lembrarmos que o único “pedido político” desse período no Brasil foi o “Fora, Temer”, uma vez que Dilma Rousseff já tinha sofrido impeachment e praticamente não houve manifestações contra o ex-presidente Lula no carnaval. Ou seja, para bom entendedor, meia ordem bastaria: cartazes que pediam a saída de Temer estavam oficialmente proibidos.

Pós-carnaval, no entanto, mal sabiam os funcionários que o pior ainda estava por vir. Recentemente, outras coberturas chamaram a atenção. Quando o governo Temer completou um ano, a baixa popularidade, o desemprego e a quantidade de ministros que diminuía a cada passo da Operação Lava Jato não entraram no “balanço” do período.

Já a cobertura das delações de Joesley Batista, da JBS, serviu para manchar a história da comunicação pública no Brasil. Bastava uma breve pesquisa nas manchetes da Agência Brasil para saber que os conteúdos mais graves envolvendo Michel Temer estariam nos últimos parágrafos, isso quando não foram suprimidos dos textos dos repórteres.

Também têm sido comuns as mudanças de títulos para “suavizar” as críticas ao governo. O mais grave é que, além de envergonhar qualquer profissional com formação jornalística, tais censuras tiram do cidadão o direito de ser informado, como prevê a Constituição. Se isso vale para o restante dos veículos de mídia no País, deveria valer ainda mais para uma empresa com missão pública, voltada à sociedade e não ao lucro nem tampouco ao governante de plantão.

São casos como esses que serviriam de exemplo para a atuação do Conselho Curador, extinto pelo governo. Hoje, até restam outras poucas opções, canais de denúncia. É o caso da Ouvidoria-Geral, comandada pela jornalista Joseti Marques.

Nos últimos boletins publicados, ela apontou casos de excessivo governismo nas pautas, em especial no programa comandado pela ex-jornalista do sistema Globo de Rádio, Roseann Kennnedy. Bastam poucos minutos do “Corredores do Poder” para que o telespectador verifique que a apresentadora consegue defender melhor as reformas da Previdência e trabalhista do que o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Outro canal de debate seria o Comitê Editorial, pedido antigo dos sindicatos e da comissão de empregados. Finalmente constituído em 2016, hoje foi colocado para escanteio. Os 12 membros e 12 suplentes, boa parte formada por jornalistas da casa, não são chamados para as reuniões desde o ano passado. As reuniões, que deveriam ser bimestrais – fato também questionado pelos membros do Comitê – devem ser convocadas pelo Diretor de Jornalismo, Lourival Macêdo.

Em um dos únicos quatro encontros, qualquer tentativa de debate editorial, como, por exemplo, sobre as delações premiadas, foram classificadas como “fora de pauta”. Em seguida, os chefes aproveitavam para dizer como seriam as coberturas de eventos, citavam agendas e cronogramas, claramente deslegitimando a instância de um Comitê cujo nome diz tudo: editorial.  Oficialmente o Comitê não deixou de existir, mas na prática, sua não convocação já dá o tom dos sérios problemas da EBC.

Além das censuras e do sucateamento, há outra grave insegurança com relação ao futuro da empresa pública de comunicação. Ela diz respeito ao atual diretor-presidente, Laerte Rímoli. A recente prisão da irmã de Aécio Neves, Andrea Neves, fez acender um alerta na EBC. Laerte atuou como coordenador chefe da comunicação da campanha do PSDB para a Presidência, em 2014. Foi o braço direito, portanto, da dupla de irmãos agora investigados pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República.

Isso poderia trazer consequências para o atual presidente da EBC? Enquanto a incógnita segue, Laerte, como responsável pela empresa, segue aceitando pacificamente o sucateamento proposto pelo governo federal. Neste ano, a verba destinada para custeio e investimento, na ordem de 172 milhões de reais, teve um corte de aproximadamente 108 milhões, o equivalente a 63% dos recursos. Qual empresa sobrevive com um corte de orçamento dessa natureza?

Também já foi anunciado um Programa de Demissão Voluntária (PDV), que pode retirar 600 profissionais da empresa. Hoje, isso seria o equivalente a saída de quase 25% do quadro efetivo. O temor de funcionários é que haja verdadeiro apagão tecnológico nas próximas semanas ou, ainda, que isso sirva de desculpa “perfeita” para, por exemplo, unificar formalmente a parte pública com a estatal, sempre em nome da economia de recursos.

Evitar o sucateamento e o fim do caráter público da EBC são deveres de todos os cidadãos. Para isso, é preciso fortalecer a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, formada por organizações sociais e militantes que lutam pela democratização da comunicação. Enquanto a informação for entendida pelos governos como propaganda e não como um direito fundamental das pessoas, será difícil a consolidação de uma comunicação pública independente e autônoma. Torna-se urgente, assim, barrar os planos do atual governo e da diretoria da empresa de acabarem com a pública, democrática e, acima de tudo, resistente EBC.