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MCI: Ameaças no Congresso e Judiciário ainda não abalam a Constituição da Internet no Brasil

A conselheira do CGI.br, Flávia Lefévre diz que os ataques são normais, mas estamos evoluindo em termos de subsídios para defender os princípios da lei

Marina Pita

As ameaças ao Marco Civil da Internet (Lei 12.485) estão vindo do Judiciário, enquanto estamos atentos ao Congresso Nacional, e das empresas que defendemos ao criar o arcabouço legal para a Internet, defendeu o promotor de justiça Frederico Ceroy, coordenador da Comissão de Proteção de Dados Pessoais do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, referindo-se à ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os dispositivos de bloqueio de aplicativos e de priobição de operação no Brasil.

Para Ceroy, é fundamental manter os dispositivos de sanções legais caso as empresas não cumpram com a legislação vigente, ou há um grande risco de o MCI virar apenas uma carta de boas intenções, afirmou durante debate sobre direitos digitais, durante a Semana de Política de Tecnologia de Brasília, organizada pelo Intervozes em parceria com a fellow da Mozilla, Marília Monteiro.

A questão neste processo, lembra Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes e que mediou a mesa, é que a possibilidade de bloqueio está sendo usada de forma equivocada. “O bloqueio está previsto para, apenas, em caso de a empresa ferir as regras de privacidade, e não quando deixa de entregar dados.”

E, no entanto, a própria disposição de bloqueio de aplicações pode ser um problema, ao infringir o direito à liberdade de expressão, na avaliação da coordenadora do programa de Direitos Digitais da ONG Artigo 19 no Brasil, Laura Tresca. A organização, explicou Tresca, está avaliando a aplicação do MCI no judiciário brasileiro e, ainda que o levantamento ainda não esteja concluído, já se pode notar que há mudança nas decisões quanto à responsabilidade das plataformas online quanto ao conteúdo postado por terceiros – o MCI estabelece, para proteger a liberdade de expressão – que os intermediários só poderão ser responsabilizados quando houver notificação judicial a respeito de algum conteúdo específico. Já no quesito coleta de dados e garantia de neutralidade de rede, o Judiciário não tem aplicado o MCI da mesma forma, apontou.

Mas se o Judiciário tem avançado na garantia de proteção dos intermediários quanto ao conteúdo disponibilizado por terceiros, há intenso debate no Congresso para reverter esta disposição no MCI, especialmente para obrigar a retirada de conteúdo sem ordem judicial, lembrou o deputado federal Alessandro Molon, relator do projeto de lei que deu origem à legislação em questão. “Vem gente com a ideia de retirar conteúdo, bastando alguém dizer que é uma notícia falsa. Imagine isso!”.

A advogada da Proteste, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Flávia Lefévre, comparou os ataques que o MCI vem sofrendo com aqueles que seguiram à aprovação do Código de Defesa do Consumidor. Segundo ela, houve muita resistência, descrença de os princípios do CDC poderiam ser aprovados e implementados, mas hoje o valor da lei consumerista é indiscutível, o que imagina que acontecerá também com o MCI.

A aprovação do decreto que regulamenta o MCI (Decreto nº 8771) ocorreu há apenas um ano e meio e dele dependiam definições sobre questões importantes como neutralidade de rede e privacidade, lembra Flávia. Ou seja, ainda estamos no início de um processo de consolidação.

Ainda, esse sistema de acompanhamento e fiscalização dos direitos garantidos no MCI, de forma colaborativa, envolvendo Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), seguindo diretrizes técnicas e estratégias desenvolvidas pelo CGI.br, apenas agora poderá contar com o documento de referência do Comitê.

“No CGI.br privilegia-se a construção por consenso. Então trabalhamos muito para editar um documento com essas diretrizes básicas. E agora que está público, precisamos nos apropriar dele, do MCI, do Decreto e fazer esta interlocução com CGI, Anatel, Cade e Senacon para ver como faremos o acompanhamento e o cumprimento desses direitos”, defendeu Lefévre.

Para Fábio Lúcio Koleski, gerente de Interações Institucionais, Satisfação e Educação para o Consumo da Superintendência de Relações com o Consumidor da Anatel, a agência, bem como os demais atores que devem garantir o princípio da neutralidade de rede ainda engatinham nesse terreno porque o assunto é muito novo e o desenho institucional é complexo. “É muito difícil entender o que é essa separação das competências de CADE, Anatel e Senacon. Mesmo o judiciário ainda engatinha para entender quem é quem nesta cadeia.”

Por Marina Pita – Especial para o Observatório do Direito à Comunicação

CADE afirma que nunca se manifestou sobre neutralidade de rede

Em evento promovido em Brasília, representante do órgão explicou que o posicionamento sobre zero-rating se deu em um caso específico e apenas a partir da perspectiva da concorrência

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) tomou uma decisão sobre apenas um caso específico de prática de zero-rating das operadoras de telecomunicações e da perspectiva exclusiva da concorrência mas não quanto à neutralidade de rede, frisou Cristiane Albuquerque, coordenadora-geral de análise antitruste, responsável pela nota técnica sobre zero-rating de redes sociais no caso de inquérito administrativo movido por denúncia da Proteste contra Vivo, Oi, Claro e TIM. Durante debate sobre neutralidade de rede nesta terça-feira (6), realizada na Semana de Política de Tecnologia de Brasília, Abuquerque refutou afirmações de que o CADE teria tomado uma decisão sobre neutralidade de rede, como afirmaram alguns veículos à época, e frisou que mesmo a questão concorrencial não está fechada e será analisada caso a caso.

“Olhamos os contratos específicos que estavam vigentes à época, as ofertas das operadoras, os contratos comerciais. Aquilo, nós entendemos que não era conduta anticompetitiva e infração à ordem econômica. Mas a análise foi feita dentro da nossa competência e não acerca da neutralidade”, disse.

Para Rafael Zanatta, advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) que representou também a Coalizão Direitos na Rede no evento, as práticas de zero-rating precisam ser analisadas como uma questão de economia política, das escolhas do país quanto ao desenvolvimento do mercado doméstico de aplicações, inclusive, e não apenas como uma questão concorrencial e de neutralidade de rede, mas também por estas perspectivas. E, no entanto, a escolha brasileira de definir CADE, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), considerando as diretrizes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), para avaliar as práticas de neutralidade de rede não está funcionando.

“Nosso desafio é azeitar o sistema e garantir a efetividade de normas já existente e que são descumpridas. Unir o direito do consumidor ao potencial de discriminação do tráfego, isso ninguém está olhando. Temos uma questão de enforcement”, afirmou.

Representando o Sindicato das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Alexander Castro defendeu que a prática de zero-rating não fere a neutralidade de rede, mas pode ser, sim, questionada do ponto de vista concorrencial. A questão, no entanto, estaria em como garantir que as grandes provedoras de conteúdo online, como Google, Facebook e Netflix, que representam mais de 80% do tráfego, contribuam para cobrir os custos de manutenção da infraestrutura de telecomunicações que dá suporte à Internet.

“A questão da neutralidade de rede respinga no consumidor. Mas a questão se concentra principalmente na disputa de poder. O tráfego da Internet está concentrado em poucas aplicações nos EUA. Eles têm todo o interesse em que as empresas de telecom entreguem tudo igual”, defendeu.

A avaliação de Antonio Moreiras, engenheiro do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), é de que as empresas atuantes na camada de conteúdo – Google, Facebook, Akamai, Microsoft e Apple – também contribuem para manter a infraestrutura de suporte à Internet por meio do investimento em Content Delivery Networks (CDN) e sistemas de cache.

“Não vamos buscar conteúdo nos EUA, mas em servidor dentro da rede do provedor Internet, que já conta com boa parte desses conteúdos. De certa forma, ao organizar isso, essas empresas também participam da construção da infraestrutura e diminuem os custos operacionais. Precisamos ver se há um desequilíbrio na balança, mas elas estão tentando minimizar o impacto do volume crescente de tráfego de dados”, apontou.

A mediadora Marília Monteiro, Tech Policy Fellow da Fundação Mozilla, organizadora do evento em parceria com o Intervozes, lamentou que Anatel e Senacon não tenham enviado representantes ao debate em Brasília, especialmente porque estão, no Marco Civil da Internet, responsáveis pela aplicação da lei.

O Intervozes realizou, em parceria com a Derechos Digitales, uma pesquisa sobre neutralidade de rede na América Latina, e defende que práticas de zero-rating ferem a neutralidade de rede, conforme estabelecida no Marco Civil da Internet.

Por Marina Pita – Especial para o Observatório do Direito à Comunicação

Em busca do equilíbrio e da promoção de direitos na internet

Painel organizado por Intervozes e Internet Lab reuniu organizações do terceiro setor defensoras de direitos humanos e de uma liberdade de expressão de viés inclusivo

Intervozes e Internet Lab formaram uma parceria para debater direitos humanos nas redes digitais durante o VII Fórum da Internet no Brasil, realizado entre 14 e 17 de novembro no Rio de Janeiro. Denominado Liberdade de expressão e violações de direitos humanos online: uma articulação em busca do equilíbrio e em defesa de uma Internet promotora de direitos, o painel contou com a participação de Nathalie Gazzaneo (Facebook Brasil), Deborah Duprat (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), Elen Geraldes (Escola de App-UnB), Flavia Lefevre (Proteste), Joana Varon (Coding Rights), Larissa da Cruz Santiago (Blogueiras Negras) e Mariana Valente (Internet Lab). Iara Moura foi a moderadora da mesa, representando o Intervozes.

O painel foi organizado na perspectiva de reunir organizações do terceiro setor defensoras de direitos humanos e de uma liberdade de expressão de viés inclusivo, que respeite os direitos de mulheres, negros/as, população LGBT e crianças no mundo virtual, além de representantes de plataformas de Internet (setor privado), do Ministério Público Federal e das universidades. Iara Moura destacou a relevância da agenda para o atual momento histórico do país, em meio a rupturas e violações de direitos fundamentais. Também fez uma referência ao seminário realizado em julho no Conselho Nacional de Direitos Humanos, que reuniu sociedade civil e ativistas em defesa de uma internet livre, durante o qual foi reapresentada a campanha Conecte seus Direitos. A campanha visa uma articulação permanente na busca do equilíbrio entre o direito fundamental à liberdade de expressão e outros direitos humanos, como a privacidade.

Já no painel realizado no Fórum da Internet no Brasil, a Coding Rights lançou o relatório Violências de Gênero na Internet: diagnósticos, soluções e desafios, resultado de uma contribuição conjunta que igualmente contou com a participação do Intervozes. O documento foi enviado à Relatoria Especial da ONU que está mapeando a violência online no país. Joana Varon explicou que, para a produção do relatório, primeiramente foi mapeada a diversidade de casos de violência online que passam posteriormente para o mundo off-line e as tipologias de crimes, para depois ser feito um levantamento sobre o tratamento do assunto pela legislação. O relatório também levanta casos de contas hackeadas, bloqueadas por denúncias coletivas, situações marcadas pelo corrente discurso de ódio e até a invasão de modem na casa de ativistas. Ações estas marcadas pela censura. O relatório pode ser encontrado em https://www.codingrights.org/wp-content/uploads/2017/11/Relatorio_ViolenciaGenero_v061.pdf

A professora Elen Geraldes falou da experiência obtida pelo projeto Escola de App da Universidade de Brasília (UnB) e da importância do empoderamento das meninas nos meios digitais. O projeto de extensão vai às escolas públicas do Distrito Federal para identificar situações de violência online contra meninas e catalogar os tipos de violência praticados, para em seguida estabelecer uma interlocução com os gestores de ensino, medir os impactos das políticas públicas nesta área e pensar novas políticas que possam proteger os grupos sociais mais vulneráveis. Por meio do projeto, também são promovidas oficinas para apropriação tecnológica, nas quais as meninas são “sensibilizadas” a utilizarem as ferramentas sociais e desenvolverem aplicativos que visem romper com alguns dos problemas relatados – daí o nome da iniciativa.

Por sua vez, a representante do Facebook no painel, Nathalie Gazzaneo, apresentou as medidas adotadas pela plataforma a partir das denúncias “verificadas” pela empresa. Nathalie afirmou que há preocupação em entender questões sociais emergentes, além do contexto cultural e local dos usuários da tecnologia, e informou que existem ferramentas para restringir alguns tipos de conteúdo de violações de direitos. Complementou, porém, afirmando que a maior parte do conteúdo postado pelos usuários precisa da ajuda do suporte para a avaliação se de fato se trata de conteúdo ofensivo, atuação esta que ocorreria a partir de denúncias. “Poucas pessoas conhecem o mecanismo de denúncia específico do Messenger. Ele recebe atenção muito grande da plataforma e é especialmente importante nos temas de raça e gênero, pois a maioria das ameaças/insinuações ocorrem por esse canal”, relatou, apontando a questão de gênero como a de maior demanda na América Latina em termos de notificações de violações à privacidade e de mensagens de ódio. As demais painelistas questionaram esse poder de decidir o que retirar do ar e quando nas mãos das plataformas digitais.

Violência de gênero e racismo

Larissa Santiago, do Blogueiras Negras, retratou os problemas enfrentados pelas mulheres negras na vida online, alvo de ataques frequentes desde que passaram a buscar por sua auto-organização nas redes. Muitas vezes, as ativistas sofrem ataques coordenados na internet, que se estendem desde a violência de gênero até o racismo. A reação violenta é tanta que as ativistas definiram por retirar a parte de comentários do blogue, na tentativa de minimizar os impactos que alguns destes comentários estavam causando em algumas delas. Por um tempo, o grupo alimentou um Tumblr na tentativa de constranger os ataques, com mensagens enviadas com ameaças e agressões. O Blogueiras Negras, que chegou a se retirar por um tempo do Facebook, está retornando agora à plataforma para monitorar a ausência de resposta às denúncias de violações de direitos e para buscar um processo mais transparente em relação às denúncias das quais o próprio grupo era alvo. “O lado de lá já entendeu muito bem como funciona e sempre que querem derrubam as páginas das mulheres negras, mesmo que não exista nenhuma atitude considerada fora ‘dos padrões’ aceitos pelas plataformas”, apontou.

Sobre este aspecto, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, destacou que vivemos uma disputa histórica na sociedade brasileira pelo espaço público, estando a internet dentro deste contexto. Para ela, há uma disputa assimétrica neste ambiente. “Se alguém for calado, somos nós, as mulheres, os negros, transexuais, LGBTs, enfim, os segmentos historicamente violentados pelo setor hegemônico da sociedade”, enfatizou. Deborah reconhece a internet como um espaço estrategicamente interessante para potencializar as lutas emancipatórias, principalmente pela sua capacidade de aproximar histórias e lutas. Ela reforça que a gestão da internet não deve ser privada e sim pública. “Temos que ter muito cuidado com essas ferramentas que as próprias empresas oferecem. Por outro lado, precisamos transformar o nosso modo de ocupar as redes”, afirmou.

Governança multissetorial e Solução em Múltiplas Camadas

Flávia Lefèvre, da Proteste – Associação de Consumidores, defendeu a importância de se preservar a governança multissetorial da internet para a garantia de direitos humanos fundamentais. “A forma tradicional de regulação, marcada pelo viés econômico, dificilmente tem condições de dar respostas rápidas para as violações que acontecem na rede. Hoje temos por volta de 300 projetos de lei para alterar e restringir direitos que já foram assegurados pelo Marco Civil da Internet”, apontou Flávia. Ela cita como exemplo a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Crimes Cibernéticos, que passou a colocar em risco direitos como a privacidade e a liberdade de expressão. “Quisemos trazer o tema da governança multissetorial para o Fórum da Internet no Brasil a fim de democratizar o debate, defendendo o caráter multiparticipativo do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). O CGI existe desde 1995. Foi revisto em 2003, por meio do Decreto 4.829/2003. Agora estamos entrando numa nova revisão. Para preservar o caráter multisetorial da governança, precisamos da participação de todos”, enfatizou Flávia.

Nesta direção, Mariana Giogetti Valente, do Internet Lab, destacou a suposta dicotomia existente entre os temas da violação de direitos humanos e da liberdade de expressão. “Quando tem violência, a gente está limitando a liberdade de expressão. Não podemos falar de uma solução por uma via apenas. Devemos enfrentar o problema da violência em múltiplas camadas”, ponderou. Ela lembrou uma avaliação do Internet Lab sobre estratégias jurídicas para combater o vazamento de imagens íntimas, o chamado revenge porn, durante a qual foram feitos estudos de caso com escolas cujos alunos mantinham listas de as “10 mais vadias”. “Ocorreram suicídios nesses bairros por conta dessas listas. Entramos em contato com coletivos feministas e perguntamos sobre o endurecimento da lei para tratar desses casos. A maioria respondeu que o caminho não era polícia, que estavam tentando chamar audiência para discutir políticas de educação e saúde”, lembrou Mariana, antes de completar: “Nesse contexto de múltiplas camadas, o diálogo com o setor privado é importante, mas deve ser feito com cuidado. Há uma demanda grande da sociedade de civil. Que liberdade de expressão existe em alguém disseminar uma foto sem minha autorização? A postura adotada pela plataforma tem um papel central e faz diferença na vida de uma pessoa que sofreu violência online”.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação 

Privacidade e proteção de dados de crianças é tema de debate no Fórum da Internet no Brasil

O Instituto Alana trouxe para discussão a falta de privacidade e a exposição das crianças provocadas por alguns brinquedos, e a importância de uma regulamentação sobre o uso de dados no Brasil

A internet é um universo vasto de conteúdo e possibilidades. O crescimento das perspectivas do uso da rede mundial de computadores tem sido tema de vários debates, especialmente no que diz respeito à vigilância e à privacidade. Neste contexto, a proteção das crianças deveria ser prioridade. Com esse objetivo, o Instituto Alana promoveu hoje, dia 14, no Fórum Internacional da Internet no Brasil, um workshop sobre “Privacidade e proteção de dados de crianças na Internet”.

Deve ser compromisso de toda a sociedade, e não só da família ou da escola que a criança frequenta, a adoção de cuidados em relação às vulnerabilidades que se aplicam sobre essa fase da vida, e que corresponde a de um cidadão ainda em processo de formação. Cita o artigo 227 da Constituição Federal: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Por isso, é fundamental que haja também por parte dos Estados a adoção de iniciativas na criação de uma lei de proteção de dados.

Para Marina Pita, consultora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, a prioridade no Brasil deve ser a da criação de uma lei que consiga evitar os abusos de uma indústria que está cada vez mais coletando dados das pessoas com fins de obtenção de lucro.

“É preciso regular o mercado. Existem brinquedos que estão sendo comercializados com o objetivo único de coletar dados sobre as crianças. São brinquedos que estão interagindo de forma direta e sobre os quais não há nenhum estudo a respeito dos impactos que essa interação possa causar”, frisa.

A internet das coisas é um conceito que vem sendo cada vez mais aplicado, de forma a “conectar basicamente qualquer dispositivo à internet”, e é nessa linha que vem a expressão “Internet dos brinquedos”. O que nada mais é do que brinquedos elaborados através de uma tecnologia conectada à rede. Esses brinquedos podem coletar dados com diversos fins, inclusive podendo comprometer a segurança física da criança.

Marina lembra que Estados Unidos e vários países da Europa já contam com uma legislação que protege a criança para que não fique totalmente à mercê das indústria de brinquedos. O Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados dos Estados Unidos, por exemplo, estabelece como regra geral a idade mínima de 16 anos para o consentimento da pessoa sobre o tratamento de dados pessoais. Em alguns casos, os estados-membros podem consagrar uma idade menor do que esta, desde que não seja inferior a 13 anos.

No Brasil, a falta de uma lei faz com que exista um ambiente de excessos no que diz respeito à coleta de dados. Em alguns casos, não se sabe nem qual uso será dado para aquele dado recolhido, mas ele é armazenado mesmo assim.

Um exemplo trazido por Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, é a captação de dados de estudantes através de tecnologias “gratuitas” oferecida as escolas, porém que ser am monetização com a venda de informações para alguma empresa sem o conhecimento dos indivíduos. “Esses dados de alunos estão sendo muito utilizados para fins políticos-eleitorais, porém também podem ser usados com fim de discriminação seja social, econômico ou racial”, lamenta.

Pedro também destaca que essa vigilância constante normaliza um prática que não é natural. “Não podemos achar que está tudo bem estar sendo vigiado, e nem permitir que as crianças achem que isso é normal”.

Participaram ainda do workshop Danilo Doneda, consultor especializado em proteção de dados e conselheiro do programa Criança e Consumo, do Alana e Thiago Tavares, presidente da Safernet e conselheiro do Comitê Gestor da Internet.

Sobre o Fórum da Internet no Brasil

O Fórum da Internet no Brasil é promovido anualmente pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) desde 2011 e consiste em atividade preparatória para o Fórum de Governança da Internet (IGF). Por meio dele, o CGI.br busca incentivar representantes dos setores que o compõem a acompanharem e opinarem sobre as questões mais relevantes para a consolidação e expansão de uma Internet cada vez mais diversa, universal e inovadora no Brasil e que expresse os princípios da liberdade, dos direitos humanos, da privacidade, tal como apresentados no decálogo de Princípios para a Governança e Uso da Internet.

A sétima edição do Fórum da Internet no Brasil será realizada entre os dias 14 e 17 de novembro na cidade do Rio de Janeiro (RJ) com o tema “Moldando seu futuro digital”.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação 

 

Lei de Direito de Resposta pretende equilibrar relação entre cidadãos e meios de comunicação

Legislação está em vigor há quase dois anos e busca preencher vazio deixado pela revogação da Lei de Imprensa

Por Raíssa Vila

Desde a revogação da Lei de Imprensa, suspensa sob a alegação de ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, a Lei de Direito de Resposta vem preenchendo o espaço deixado por ela. A partir desse período e apesar da invalidez da lei, o direito de resposta ainda poderia ser requerido, porém apenas com um ação jurídica.

Com a Lei de Direito de Resposta (Lei nº 13.188), sancionada e publicada em 11 de novembro de 2015, assegura-se o direito de retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social. Ela permite veicular uma resposta proporcional ao agravo, ocupando o mesmo espaço ou destaque do material veiculado inicialmente. Além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

O pedido de resposta funciona da seguinte forma:

  • A pessoa ofendida notifica o órgão de comunicação que publicou a matéria, sem a necessidade de acionar a Justiça, em até 60 dias após a divulgação, publicação ou transmissão;
  • O veículo tem até 7 dias para conceder ou não o direito;
  • Caso o direito não seja concedido, a Justiça deve ser acionada para analisar o caso e determinar (ou não) o exercício do direito;
  • Após a análise do juiz e este determinando a necessidade de retificação, o órgão de comunicação tem até 24h para se manifestar sobre a notificação e a não concessão do direito;
  • Concluído este processo, a Justiça pode determinar que a resposta seja veiculada pelo órgão de comunicação em no máximo 10 dias.

Os prazos são rigorosos e buscam evitar o agravamento das consequências do material publicado. A prolação da sentença tem um prazo máximo de 30 dias após o ajuizamento da ação. O texto de resposta deve ser redigido pelo prejudicado, mas a réplica não pode ser ofensiva.

Há quem questione o exercício deste direito como forma de prejudicar a atividade do jornalista. Em tempos de fake news e julgamentos midiáticos, é necessário porém refletir sobre esse posicionamento. Seria uma limitação à liberdade de expressão? Uma maximização do direito do ofendido?

Na visão do advogado criminalista Alberto Toron, o Judiciário faz um bem para imprensa com a aplicação desta lei, pois, a cada retificação, o órgão de comunicação tende a se deslegitimar e a deixar de passar credibilidade ao seu público, o que incentiva uma análise mais rigorosa antes da divulgação de conteúdos sem comprovação. “O Judiciário precisa ter um pouco mais de coragem para começar a dar sentenças contra os órgãos da imprensa, e mais coragem para não dar liminares sustando a divulgação das respostas”, opina Toron.

De acordo com a jornalista, mestra em Políticas Públicas e coordenadora executiva do Intervozes, Bia Barbosa, a lei é um mecanismo importante que prevê uma celeridade no processo de correção. ”A lei não tem nenhum tipo de cerceamento à liberdade de imprensa, porque a imprensa pode veicular o que entender como necessário naquele momento. Mas, se errar no exercício do jornalismo, ela precisa garantir um tipo de reparação aos cidadãos”, defende a jornalista.

Um dos critérios de validação da lei que preocupa os veículos e divide opiniões é o sentimento de ofensa. Como classificar uma informação ofensiva em um meio onde críticas e emissão de fortes opiniões são comuns? É uma questão relativa. Cabe ao juiz julgar cada pedido e buscar o equilíbrio do julgamento, ouvindo todas as partes envolvidas.

Para a jornalista, mestra em comunicação midiática e professora da Fapcom Fernanda Iarossi, esse critério é uma linha tênue perigosa, mas o profissional de jornalismo deve ter um olhar criterioso sobre as possíveis consequências do seu trabalho e uma preocupação ética e moral antes de divulgar qualquer notícia.

No resto do mundo, o direito de resposta é garantido em convenções e tratados internacionais, além das constituições nacionais.

O Tratado Internacional Sobre o Direito de Correção das Nações Unidas, por exemplo, defende a veiculação de notícias que não violem os direitos humanos e ressalta o dever de ética dos profissionais de comunicação. Contudo, o Brasil não é signatário deste documento.

Há também a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que garante o direito de retificação ou de reposta a “toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo” divulgadas pelos órgãos de comunicação social, e da qual o Brasil é signatário.

Outro documento, The European Convention on Human Rights, estabelece que o exercício da liberdade de expressão não é absoluto, de forma que os demais direitos devem ser garantidos, como o direito à reputação.

No Brasil, portanto, a Lei de Direito de Resposta completa dois anos em 2017, e pretende proporcionar aos cidadãos a defesa de eventuais abusos da imprensa e um equilíbrio de poder.

“Do mesmo jeito que os veículos podem e devem denunciar e colocar luz para irregularidades, tem que haver um compromisso ético no que ele publica. O direito de resposta vem contribuir com essa relação de pesos e medidas e faz parte de um processo democrático”, esclarece a professora Fernanda Iarossi.

*Reportagem de Raíssa Vila, originalmente produzida para a 3ª edição do projeto Repórter do Futuro: Direito de Defesa e Cobertura Criminal 

Editada por Ramênia Vieira para o Observatório do Direito à Comunicação