Arquivo da tag: Gestão do Espectro

Mídia, política e religião: mistura que ameaça a democracia

Alvos de ação do MPF, parlamentares donos de emissoras de rádio e TV são um símbolo da fragilidade da democracia brasileira e do conservadorismo político

Texto: Mônica Mourão | Colaboraram: Bráulio Araújo, Elizângela Araújo, Iara Moura e Ramênia Vieira

FIGURA 4.2 PROGRAMAÇÃO.

“Abri uma igreja em Lusaka (capital da Zâmbia) e os pastores haviam sido expulsos de lá. Com a carta do presidente Lula, não só os pastores puderam voltar, como o presidente Rupiah Banda (2008-2011) deu a eles uma concessão de rádio e televisão para que pudessem pregar o evangelho”. A frase acima foi uma das descobertas da mídia durante a reta final do segundo turno das eleições no Rio de Janeiro, quando a população da cidade vai escolher entre Marcelo Freixo (Psol) e Marcelo Crivella (PRB). O trecho foi retirado de um vídeo disponível no Youtube em que Crivella conta que entrou para a política forçado pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e comenta a temporada em que viveu na áfrica. O senador, bispo da Iurd e sobrinho do fundador dessa igreja, Edir Macedo, dono da rede Record, associa diretamente missão evangelizadora, política e mídia. O caso é emblemático de um cenário que está longe de se resumir à disputa eleitoral do Rio de Janeiro.

Políticos evangélicos donos da mídia

Em novembro do ano passado, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, autorizou procuradores de São Paulo a receberem uma representação, assinada por diversas entidades da sociedade civil, pedindo o cancelamento das outorgas de radiodifusão dadas a pessoas jurídicas que tenham entre seus sócios políticos em exercício do mandato. No total, 32 deputados federais e oito senadores são denunciados. Dos 32 deputados federais, nove fazem parte da bancada evangélica, o que corresponde a quase 30% do total. Desses nove, quase a metade faz parte também da bancada ruralista. Um deles, Beto Mansur (PRB-SP), é ficha suja, condenado por exploração de trabalho escravo. A bancada evangélica – ou bancada da bíblia – é conhecida por seu caráter conservador. Mas se engana quem generaliza esse posicionamento para todos os evangélicos.

A professora Magali Cunha, da Universidade Metodista de São Paulo, explica que o senso comum associa evangélicos a conservadorismo por serem os grupos com esse perfil os que têm mais visibilidade na mídia e na política. Segundo Magali, na radiodifusão, “não existem evangélicos progressistas ou de posição mais aberta em relação à teologia, à prática pastoral e à participação política. Esta é uma característica dos grupos mais conservadores e que os coloca em vantagem no tocante à visibilidade buscaram uma presença intensa nas mídias rádio e tevê, mais ainda no rádio. Os grupos mais abertos ou progressistas estão presentes em mídias alternativas e na internet, e não há uma denominação específica: são grupos os mais variados, vários deles articulados em experiências ecumênicas”, explica.

A imbricação política, mídia e religião fica bem evidente em alguns casos: o deputado Antônio Bulhões (PRB- -SP), além de concessionário de três emissoras de rádio, foi apresentador do programa “Fala que eu te escuto”, da Rede Record, e do “Retrato de Família”, na Record News, durante nove anos. Atualmente está em seu terceiro mandato como parlamentar. Ele é um Exemplo do quanto a visibilidade midiática aumenta as  chances de eleição, mas também da relação entre o crescimento de concessões para grupos evangélicos ou espaços “arrendados” para eles na televisão, crescimento da bancada da bíblia e avanço das agendas conservadoras no Congresso Nacional. “Este avanço começou a se configurar com o surgimento da bancada evangélica tal como a conhecemos em 1986, com a eleição do Congresso Constituinte. Naquela ocasião, houve um farto oferecimento de concessões ao chamado ‘centrão’, onde se localizou a maior parte da bancada. Foi dali que surgiram alguns dos empresários de mídia evangélica e a força de igrejas como a Iurd.

Para estes grupos, estar nas mídias é parte de uma estratégia de ocupação de espaços na esfera pública”, conta a professora Magali Cunha. Atualmente, segundo levantamento de grupo de pesquisa coordenado pelo professor Jorge Miklos, da Universidade Paulista, a bancada evangélica é formada por 199 deputados federais e quatro senadores. O cruzamento dos dados da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e de concessionários de radiodifusão é uma tarefa difícil pela falta de transparência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A Agência não disponibiliza um documento único com todas as rádios e tevês e os sócios e diretores.

Existem dois sistemas separados: Sistema de Controle de Radiodifusão (SCR) e Sistema de Acompanhamento de Controle Acionário (Siacco). O SRD não fornece o quadro societário das emissoras, que precisa ser buscado no Siacco. “Esse programa, entretanto, só poderá revelar o capital investido nessa empresa, as nomeações que compõem o quadro societário, quanto cada sócio investiu e o cargo que ele assume, em consultas individuais, dificultando a investigação”, explica Jorge Miklos. O professor coordenou a pesquisa de uma média de 4.500 rádios para cruzar os nomes dos deputados, senadores e seus familiares com as rádios e televisões brasileiras. Porém, houve uma diferença no resultado dos dados. “Por exemplo, o nome do deputado federal cassado Eduardo Cunha encontra-se no anexo do Ministério das Comunicações, mas não no da Anatel”, relata Miklos.

Eduardo Cunha, evangélico da Assembleia de Deus, teve uma representação protocolada contra ele na Procuradoria da República do Rio de Janeiro em dezembro de 2016. Naquele mês, a revista Época divulgou que Cunha consta nos registros do Ministério das Comunicações como sócio da Rádio Satélite. O deputado cassado afirmou para a revista que, apesar de ainda estar na lista de acionistas do Siacco, vendeu suas cotas em 2007, e as transações de compra e venda constaram de suas declarações de renda à Receita Federal. Mesmo que a informação dada pelo ex-deputado esteja correta, trata-se de uma ilegalidade: a definição de que empresa terá direito de explorar o serviço de radiodifusão depende da sua participação em uma licitação, seguida de aprovação pelo Congresso Nacional. Assim, Cunha não poderia simplesmente ter vendido sua outorga.

Bancada religiosa e direitos humanos

FIGURA 4.1.QueméQuem

O aumento da bancada da bíblia é patente: na legislatura de 2003-2006, era formada por 58 congressistas, um crescimento de 25% em relação à legislatura anterior. No Senado, passou de nenhum representante para três mandatos. “A maior parte dos congressistas evangélicos eram pastores vinculados à Assembleia de Deus e à Igreja Universal do Reino de Deus”, segundo Jorge Miklos.

O professor explica: “A Frente Parlamentar Evangélica expressa os interesses das igrejas evangélicas em geral, embora seja principalmente constituída de deputados pertencentes a igrejas pentecostais, que por sua típica agressividade em evangelizar, formam a maior parte da população evangélica brasileira”. Contudo, ele vê diferença nos posicionamentos dos deputados e senadores da FPE: “Os parlamentares evangélicos nem sempre votam em bloco, pois representam correntes distintas no campo religioso e no econômico. Só falam a mesma língua em questões de conteúdo moral. Sua relação com a bancada católica é marcada tanto pela união na defesa de interesses comuns como pela oposição às eventuais tentativas de suprematismo católico”.

Apesar de não formarem um bloco totalmente coeso, uma série de retrocessos nos direitos humanos está associada à bancada da bíblia, especialmente durante o período em que o pastor Marcos Feliciano (PSC-SP) foi presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

Para ficar apenas com casos mais recentes, atualmente, são deputados ligados às igrejas católica e evangélica que estão no comando dos trabalhos da comissão especial que analisa a proposta conhecida como “Escola sem Partido”. O deputado Marcos Rogério (DEM-RO) ocupa a presidência e Flavinho (PSB-SP) é o relator. Ambos defendem o PL 5069/2013, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo. Marcos Rogério foi repórter de televisão e radialista, atuando na Comunicação Social por mais de 12 anos. Como deputado, foi relator da cassação de Eduardo Cunha, apesar de, como ele, pertencer à Frente Parlamentar Evangélica.

Flavinho já foi ligado à comunidade católica Canção Nova e apoiou uma proposta para revogar a permissão do uso do nome social de travestis e transexuais em órgãos da administração pública. Ao se colocar contra a criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara, Flavinho disse que, em vez de empoderamento, as mulheres querem ser “cuidadas” e que as parlamentares feministas não sabem o que é ser “amadas”. Para o professor Jorge Miklos, “não é inconstitucional ou ilegal a presença da bancada evangélica no congresso nacional. Todos lá dentro foram eleitos democraticamente. O que é inconstitucional? Pautas que ferem a dignidade da pessoa humana, como prevê o Artigo 1º da Constituição Federal, e a pluralidade do povo brasileiro”.

Missas e cultos eletrônicos

Os grupos evangélicos conservadores não se contentam “apenas” com a concessão de emissoras de rádio e televisão. Também ocupam os espaços de outras emissoras, numa prática chamada de “arrendamento”. Ou seja, como se um horário da programação fosse um terreno, o “dono” (concessionário) o cede para que outra pessoa faça uso dele, mediante pagamento. A prática, contudo, é ilegal. “Isso ou é uma subconcessão, o que é vedado, já que a concessão de qualquer serviço (como de estradas) é sempre dada para aquela pessoa jurídica, e não para nenhuma outra, ou é publicidade. Se for publicidade, tem o limite de 25% da programação da tevê”, explicou o Procurador da República Sergio Suiama. Ele é responsável por um inquérito que investiga os casos de arrendamento praticados por Band, Record, Rede TV! e TV Gazeta, a partir de um estudo da programação feito pela Agência Nacional do Cinema (Ancine).

FIGURA 4.3. PROGRAMAÇÃO DA TV

De acordo com o levantamento, em 2016, 21% do total de programação veiculada pela tevê aberta brasileira foram de programas religiosos. Esse é o gênero número 1 ao se considerar o espaço total das emissoras pesquisadas pela Ancine, representando 1/5 da programação. Dentro da grade de cada uma, o percentual do gênero religioso é o seguinte: Band (16,4%), CNT (89,85%), Globo (0,58%), Record (21,75%), Rede TV! (43,41%), SBT (0%), TV Brasil (1,66%), TV Cultura (0,69%) e TV Gazeta (15,80%).

Curioso notar que a Record, única do grupo cujo concessionário é um bispo da Igreja Universal, não é a que mais veicula conteúdo religioso. Esse dado pode mostrar que, para as demais emissoras, o arrendamento é um negócio como qualquer outro, e não interessa o conteúdo veiculado. Vale ressaltar também duas importantes exceções: dois canais com as maiores audiências, Globo e SBT (numa disputa já longa com a Record pelo segundo lugar), não exercem essa prática: a primeira veicula, por conta própria, a missa católica aos domingos; a segunda é a única emissora que não transmite nenhum programa religioso. “A TV Globo, ao que consta, não recebe pagamento para veicular a Santa Missa. No caso dessas outras emissoras, a gente vê que uma boa parte da programação diária é paga pelas igrejas. Então é diferente a situação. Essas emissoras estão usando as igrejas como fonte de financiamento”, avalia Suiama.

A Ancine contabilizou também o percentual de publicidade veiculada em cada uma das emissoras: Band (3,20%), CNT (0,10%), Globo (0,10%), Record (0,10%), Rede TV! (5,29%), SBT (0,25%), TV Brasil (0,10%), TV Cultura (0,10%), TV Gazeta (43,61%). Quase todas, com a marcante exceção da TV Gazeta, cumprem o teto de 25% de tempo de publicidade comercial estabelecido pelo artigo 28 do Decreto 52.795/63, que determina o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão. Contudo, se o arrendamento para igrejas for considerado venda de espaço publicitário, CNT e Rede TV! Estariam infringindo o Regulamento. O caso visivelmente ilegal do Grupo CNT, que vende quase a totalidade do seu espaço, é alvo de ação ajuizada pelo Ministério Público Federal de São Paulo. Outra ação do MPF pelo mesmo motivo foi aberta contra a Rede 21 Comunicações S/A, ambas em 2014. As emissoras venderam 22 horas diárias de toda a sua grade à Igreja Universal. Segundo o MPF, os contratos firmados entre a Universal e as duas emissoras podem envolver R$ 900 milhões.

O Ministério Público solicita, nas ações, que as outorgas sejam invalidadas e que o Grupo CNT, a Rede 21 e a Iurd sejam condenados ao pagamento de indenização, em valor determinado pela Justiça, por danos materiais à União e por danos morais difusos. Além disso, o MPF pede que a Presidência da República e o Ministério das Comunicações sejam condenados a se abster de conceder futuras outorgas de radiodifusão aos dois grupos empresariais e à Universal.

Segundo a assessoria do Ministério Público de São Paulo, as duas ações seguem tramitando na Justiça Federal. A invalidação das outorgas do serviço de radiodifusão pode acontecer, mas depende ainda da decisão da Justiça. O caso das demais emissoras, cujo inquérito foi aberto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em maio deste ano, ainda está num estágio inicial. A partir da abertura do inquérito, foram solicitadas informações das emissoras e, agora, o MPF aguarda resposta do Ministério das Comunicações.

Segunda colocada no ranking dos programas religiosos, a Rede TV! foi a única que respondeu nossa reportagem. Através de sua assessoria, a emissora afirmou ser “laica em sua programação, transmitindo programas de diversas igrejas evangélicas, a missa da Catedral da Sé da Igreja católica, entre outras. Seus programas discutem abertamente temas de todas as religiões, do espiritismo, do candomblé e de qualquer outra motivação religiosa. Entende que como agente de comunicação não tem o direito, nem a vontade, de cercear ou discriminar qualquer manifestação religiosa, garantindo a mais ampla liberdade de expressão”. Ainda de acordo com a Rede TV!, a programação religiosa não prejudica a democracia: “Programas religiosos existem em todos os países democráticos, sendo vistos por milhões de telespectadores. No Brasil, as coproduções, religiosas ou não, são agentes fundamentais na garantia da pluralidade das comunicações. A RedeTV! respeita integralmente toda a legislação do setor”.

Laicidade, política e comunicação pública

Mesmo sendo uma televisão pública, a TV Brasil veicula programas religiosos da igreja católica e da evangélica. Em 2016, um deles, o evangélico Reencontro, além de fazer proselitismo religioso, serviu também de palanque político. A reclamação foi feita por telespectadores. Segundo o Boletim da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o programa entrevistou a candidata a vereadora e ex-deputada federal Liliam Sá (PROS- -RJ), no dia 21 de maio, para falar sobre o Rio de Janeiro. Ela já havia sido entrevistada no mês anterior, assim como um pré-candidato a prefeito de São Gonçalo (RJ) e um pastor que mencionou que a esposa seria candidata a vereadora. Liliam é ex-deputada federal. O apresentador abriu o microfone para a candidata apresentar suas propostas para a cidade: “a senhora voltando como vereadora para o Rio de Janeiro, para ajudar esse município, um dos mais importantes do Brasil, quais são os planos que a senhora tem em mente?”. O caso demonstra a desigualdade de possibilidades dos candidatos se comunicarem com o eleitorado, como publicamos em matéria especial do Observatório do Direito à Comunicação sobre políticos donos da mídia.

“O espaço de uma televisão não é propriamente igual ao de uma praça pública. Na praça pública, qualquer pessoa pode chegar e fazer uma pregação, o Estado não pode impedir um pastor, um pai de santo ou um padre de fazer uma pregação no meio da praça. Mas, no caso da televisão, não é um espaço público acessível a qualquer pessoa. O Estado tem que assegurar essa igualdade? A religião que não tem dinheiro para pagar também deveria ter espaço? Se o Estado fosse fazer isso, como ele iria fazer? Iria financiar todas as religiões? Qual seria o critério de financiamento?”. Os questionamentos do procurador Sergio Suiama dizem respeito a um dilema vivido atualmente pela comunicação pública no Brasil. Em 2011, a partir de reclamações de ouvintes e telespectadores à Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o Conselho Curador aprovou uma resolução que solicitava a suspensão dos programas religiosos nos veículos da EBC. Com a decisão, A Santa Missa e Palavras de Vida, produzidos pela Igreja Católica, e o evangélico Reencontro deveriam ter saído do ar. Contudo, a Justiça Federal de Brasília concedeu liminar mantendo a exibição dos programas.

Integrante do Conselho Curador da EBC cassado pelo governo ilegítimo de Michel Temer, a professora da UFPE Ana Veloso relembra o processo: “Nós recebemos várias manifestações, via Ouvidoria, de telespectadores e ouvintes que não estavam satisfeitos porque a EBC transmitia a missa”. A ação está no Supremo Tribunal Federal e ainda aguarda uma decisão de Justiça. “O Estado brasileiro é laico e a comunicação pública deve permitir a liberdade de expressão das diversas religiões e crenças. Então, além de a gente sugerir que esse tipo de programa fosse retirado do ar, e nossa fundamentação está na lei da EBC e na Constituição Federal, também sugerimos que a Empresa viabilizasse a produção de programas que primassem pela diversidade religiosa”, contou Ana Veloso. Os contratos de permissão dos programas religiosos são anteriores à constituição da EBC, em 2007.

O argumento da Arquidiocese do Rio de Janeiro e da Primeira Igreja Batista na Ilha da Conceição, de Niterói, que entraram na Justiça para manter a exibição dos programas, foi de que “a pluralidade máxima consegue-se com a ampliação dos programas religiosos, não com a supressão dos existentes”. Tentamos ouvir o arcebispo católico Dom Orani Tempesta, que defende a continuação das transmissões da Santa Missa, mas não obtivemos retorno da Arquidiocese do Rio de Janeiro até o fechamento desta reportagem. Dom Orani Tempesta foi o presidente do Conselho Nacional de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, durante o período de 2012 a 2014.

Apesar de não ter conseguido, até o momento, a retirada do ar dos programas que veiculam cerimônias religiosas, o Conselho Curador obteve uma vitória neste processo:a EBC publicou, em 2014, o resultado final de um pitching (espécie de concurso) para contratação de produtoras responsáveis por dois programas sobre diferentes religiões e crenças: Entre o Céu e a Terra e Retratos de Fé. O primeiro foi produzido pela Realejo Filmes e custou R$ 1,3 milhão e, o segundo, pela Aldeia Produções, no valor de R$ 910 mil. “A gente respeita a religião de todas as pessoas, mas a gente defende o Estado laico. Não podemos, numa emissora pública, privilegiar uma religião em detrimento de outra, porque isso se chama manutenção de privilégios”, reforçou Ana Veloso.

Intolerância religiosa

“Na minha vida dei um chute na heresia / Houve tanta gritaria de quem ama a idolatria / Eu lhe respeito meu irmão, não quero briga / Se ela é Deus, ela mesmo me castiga”. Os versos acima, compostos pelo bispo Marcelo Crivella, fazem parte da canção “Um chute na heresia”, lançada em CD do atual senador e postulante à prefeitura do Rio de Janeiro em 1998. Divulgados na última semana pela imprensa, os versos relembram um marcante episódio de intolerância religiosa. No dia 12 de outubro, quando católicos celebram o Dia de Nossa Senhora Aparecida, o bispo da Igreja Universal Sérgio von Helder chutou uma imagem da santa no programa O Despertar da Fé, transmitido pela Rede Record. O episódio aconteceu em 1995 quando, por coincidência, a Igreja Católica passou a ter seu próprio canal de televisão, a Rede Vida.

O bispo foi condenado por intolerância religiosa e vilipêndio a imagem. O Ministério das Comunicações chegou a se comprometer a investigar se o pastor infringiu leis do setor e foi considerado parcialmente responsável pelo episódio pelo então arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio de Araújo Sales.

Mas, na “guerra santa” midiática, os que não professam nenhuma crença também já foram alvo de discurso de ódio. Em caso mais recente, a Band teve que assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público Federal comprometendo-se a exibir 72 vezes um vídeo produzido pelo MPF cujo objetivo é conscientizar a população sobre a laicidade do Estado brasileiro. A assinatura do TAC, feita em 2016, é resultado de um processo aberto pelos procuradores contra a emissora após declarações preconceituosas do apresentador José Luiz Datena no programa Brasil Urgente contra cidadãos ateus, no dia 27 de junho de 2010. O apresentador teria associado práticas criminosas à “ausência de Deus”: “Porque o sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites, é por isso que a gente vê esses crimes aí”.

Para Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), a veiculação desse tipo de conteúdo estimula o preconceito. José Luiz Datena, o repórter Maurício Campos e a Rede Bandeirantes foram condenados a pagar R$ 135.600,00 à Associação. Outro caso que acabou parando na Justiça diz respeito a uma ação foi movida, em 2004, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) de São Paulo e o Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro Brasileira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert). Naquela ocasião, a Justiça entendeu que a Rede Record e a Rede Mulher descumpriram o artigo 215 da Constituição de 1988, uma vez que deixaram de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e não protegeram as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras. As duas emissoras haviam produzido e veiculado conteúdos ofensivos contra as religiões de matriz africana.

Para a professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Stela Guedes Caputo, apenas quando é cometida alguma violência contra um terreiro ou uma pessoa de religião de matriz africana é possível conseguir alguma abordagem positiva da mídia. No entanto, Stela considera a inclusão dos terreiros fundamental para se compreender o Rio de Janeiro e o Brasil: “Qualquer mídia e discussão política que exclua os terreiros não é democrática. Se uma criança de candomblé não pode andar na rua sem medo, não vivemos numa democracia”.

Que religião se vê na TV?

Apesar do crescimento do número de evangélicos, que aumentou mais de 61,45% nos últimos dez anos, o Brasil ainda é majoritariamente um país católico. De acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do país se divide entre 123.280.172 católicos; 42.275.440 evangélicos; 3.848.876 espíritas; 588.797 umbandistas, candomblecistas e pessoas de outras religiões afro-brasileiras; 5.185.065 cidadãs e cidadãos de outras religiões e 15.335.510 sem religião. Para a professora Magali Cunha, “os grupos religiosos são segmentos sociais como outros e podem participar do espaço público, inclusive da política. Isto é saudável numa democracia. A concessão de radiodifusão para grupos religiosos deveria obedecer aos mesmos processos de concessão para outros segmentos sociais, com as mesmas exigências de comprometimento”.

No entanto, como o interesse político e econômico influencia fortemente a aprovação de concessões de rádio e tevê, essa distribuição acontece de forma desigual. Segundo Stela Guedes, as religiões afrodescendentes são tratadas de forma negativa tanto pela mídia corporativa quanto pela mídia da Igreja Universal. “Lutar contra isso é muito difícil, porque os terreiros são unidades independentes e muito pobres, sem condições de ter meios de comunicação próprios como as igrejas católica e evangélica”, afirmou Stela, que é candomblecista e faz parte do grupo de pesquisa Kererê (“miúdo”, em iorubá).

Assim, enquanto milhares de pessoas de outras religiões não têm espaço na mídia, a Igreja Universal tem um verdadeiro conglomerado. De acordo com informações dos próprios veículos da Iurd, a Folha Universal é a publicação impressa de maior distribuição do Brasil, com tiragem semanal média de 1,6 milhão e circulação em todo o país. Dados de 2014 encontrados no site da Universal apontam que a Rede Aleluia, composta por emissoras de rádio e televisão, atinge 75% do território nacional. É formada por 64 emissoras, espalhadas por 22 estados. O missionário da Assembleia de Deus Cosme Felippsen acredita que o problema não é o fato de grupos religiosos serem detentores de outorgas de radiodifusão, mas o conteúdo que transmitem em suas pregações. “O pessoal demoniza as religiões de matriz africana, e isso é uma das faces do racismo. As igrejas cantam contra orixás e outras entidades”, conta. Felippsen critica sua igreja, considerada por ele uma das mais “machistas, homofóbicas e racistas”, porém ainda se identifica com ela por ser o espaço que frequenta desde os três anos de idade, quando sua mãe se converteu. Porém, lembra que é um erro associar todos os evangélicos ao conservadorismo: “Existe um grupo forte de comunidades de fé que se reúnem no Ato Aula Pública Evangelho e Desobediência Civil. São evangélicos de esquerda que se encontram para discutir política. É a contracorrente dentro do movimento”. Cosme Felippsen deixa o recado contra a intolerância: “O problema é que, às vezes, a gente generaliza tudo”.

Para a professora Magali Cunha, o que ocorre hoje é que os grupos religiosos tiram vantagem das concessões e dos arrendamentos da mesma forma que outros segmentos o fazem, uma vez que não há regulação. Segundo ela, “o mesmo ocorre com ‘abusos’ da presença religiosa em outras frentes do espaço público, na política partidária, em que não há regulação e freios para que estes grupos não ultrapassem o sentido democrático de sua participação”.

*A reportagem procurou a Igreja Universal do Reino de Deus através da única forma de comunicação que disponibiliza em seu site, um formulário para envio de email. Não obteve resposta até o fechamento da matéria.

Leilão da banda H sai em breve, avisa Anatel

O gerente de regulamentação de comunicações móveis da Anatel, Bruno Ramos, apresentou nesta quinta, dia 1, um planejamento das condições e dos prazos em que algumas importantes faixas de frequências serão colocadas à disposição do mercado por meio de editais nos próximos meses. A primeira será o leilão da banda H, que segundo Ramos, deverá ocorrer no início do segundo semestre. O parecer jurídico sobre o tema foi concluído pela procuradoria e falta apenas a manifestação do conselho. As regras para essa faixa serão mantidas, ou seja, as atuais operadoras do SMP só poderão participar do leilão caso não haja outros interessados. Neste caso a Anatel vai leiloar a faixa em blocos de 5 MHz, o que permite que as atuais prestadoras adquiram esses lotes sem infringir a limitação de 80 MHz que elas podem deter de espectro.

A Nextel é uma grande interessada na banda H e nesta manifestou publicamente seu desejo entrar no promissor mercado de banda larga móvel. Alfredo Ferrari, vice-presidente de regulamentação da empresa, não acredita, entretanto, que levará fácil a frequência. "Assim como nós fizemos a lição de casa e encontramos um excelente mercado, não seremos ingênuos em achar que outros não fizeram", afirma ele.

Em relação à faixa de 3,5 GHz, cujo leilão foi barrado pelo TCU em 2006, Ramos garante que a consulta pública com as novas regras deve sair "muito rápido". Na tentativa que a Anatel fez de leiloar essa faixa em 2006, as concessionárias estavam proibidas de adquirir espectro nas suas áreas de concessão. Desta vez, não haverá nenhum tipo de limitação. E a faixa permitirá não só a entrada de operadoras grandes como o uso para mobilidade.

Outra alteração feita pela Anatel foi a destinação integral da faixa à tecnologias TDD, ideal para o WiMAX. Além disto, blocos da faixa terão caráter nacional e outros serão regionias, explica o gerente da Anatel. "A idéia é que existam tanto grandes agentes quanto pequenos agentes em áreas específicas", afirma.

2,5 GHz

Embora a consulta pública sobre a faixa de 2,5 GHz tenha terminado há algum tempo a Anatel ainda não chegou a uma decisão sobre a nova destinação da faixa. Cabe lembrar que é nesta faixa que hoje estão as operadoras de MMDS, motivo pelo qual um "refarming" não é algo trivial. Bruno Ramos diz que o assunto deve entrar na pauta do conselho em julho e enquanto isso a área técnica, que participa do grupo de trabalho sobre o assunto na UIT, está subsidiando o colegiado da agência com as informações discutidas em âmbito internacional. Carlos André Albuquerque, diretor geral da Neotec, associação que representa as empresas de MMDS, lembrou que a associação já pediu formalmente que as empresas deste setor fiquem com ao menos 90 MHz da faixa. A proposta submetida à consulta pública deixa as empresas de MMDS com 50 MHz.

Outra faixa mencionada pelo gerente da Anatel foi a de 450 MHz, ideal para cobertura em áreas rurais. Neste caso, a Anatel precisa discutir a realocação da comunicação da Polícia Federal feita na faixa. Os executivos participaram do Seminário Wireless Broadband, realizado nesta quinta-feira, 1, em São Paulo.

Operadoras criticam limite de espectro

A limitação de 80 MHz para cada operadora do SMP foi duramente criticada pelos representes das operadoras presentes no Seminário Wireless Broadband, que aconteceu nesta quinta-feira, 1, em São Paulo.

A limitação foi um instrumento encontrado pela agência para impedir a concetração de espectro, quando foram leiloadas as primeiras faixas de frequência depois da privatização. Mas hoje, com a introdução da banda larga nessas redes, cada vez mais as operadoras querem novas faixas e, para isso, desejam que a Anatel aumente esse cap. Bruno Ramos, gerente de regulamentação da superintendência de serviços privados da Anatel, lembra que o limite existe apenas para as faixas de 800 MHz, 1900 MHz e 1800 MHz.

Hoje a Vivo é a operadora que tem menos espectro. De acordo com Ércio Zilli, vice-presidente de regulamentação, com exceção de Minas Gerais, em nenhum outro lugar a empresa tem mais que 55 MHz. O diretor de planejamento da Vivo, Leonardo Capdeville, explica que com menos espectro a operadora precisa adensar os sites, o que significa mais custo para as operadoras e, consequentemente, para os clientes. "Custa acreditar que onde as empresas tem mais de 130 MHz, não haja competição", afirma, em referência a mercados como o francês, onde o teto de frequências é muito maior que o brasileiro.

Outra solução que a Vivo tem buscado para driblar o limite tem sido o reaproveitamento de frequências. No caso da Vivo, com a desativação da rede EVDO e com a progressiva diminuição do número de clientes na rede CDMA (o desligamento total da tecnologia está previsto para 2011) foi possível, por exemplo, implantar a tecnologia HSPA+ na faixa de 850 MHz.

Segundo Capdeville, a má qualidade do serviço muitas vezes é causada pela pouca disponibilidade de espectro. O executivo ainda lembra que existem algumas prefeituras com regulamentações restritivas para a instalação de antenas, o que dificulta ainda mais a vida das empresas.

Uso eficiente do espectro

O diretor de planejamento corporativo da Claro, Christian Wickert, entende que o limite de espectro é um instrumento conflitante com o uso eficiente do espectro. "A Anatel deveria aumentar consistentemente o limite e focar no uso eficiente", defende ele. Para Ércio Zilli, da Vivo, o conceito de uso eficiente toma por base a quantidade de usuários que ocupam a faixa. "A própria Anatel deveria utilizar o princípio de eficiência ao licenciar faixas do espectro", disse.

Para Bruno Ramos, a Anatel não pensa a eficiência espectral apenas do ponto de vista técnico, mas considera ainda a variável social e a concorrencial ao tomar as suas decisões.

Definição sobre faixa de 2,5 GHz volta ao conselho em julho

Espera-se para meados de julho uma decisão da Anatel sobre o futuro do espectro de 2,5 GHz, decisão esta fundamental para operadores de MMDS e operadoras de telefonia celular. O assunto, que está sob a relatoria do conselheiro João Rezende, deveria ser colocado em pauta ainda este mês, mas deve-se aguardar mais algumas semanas até que o embaixador Ronaldo Sardenberg retorne do período de férias, no começo de julho. Trata-se de uma das mais complicadas decisões da agência, pois não há consenso entre os conselheiros sobre que solução dar.

A posição do relator, segundo apurou este noticiário, tende a ser pela manutenção da proposta da consulta pública (50 MHz para o MMDS), eventualmente com a ampliação da faixa para 60 MHz, mas em hipótese alguma uma divisão dos 190 MHz da faixa de 2,5 GHz ao meio entre MMDS e SMP, como querem algumas empresas. Outra dúvida é se a redução da faixa do MMDS será acompanhado por uma licença automática para o serviço de dados (SCM) e se haverá, no futuro, a possibilidade de que operadores de MMDS busquem também uma outorga de SMP, para telefonia móvel, dentro da mesma faixa. Mas existem ainda outros complicadores: essa visão não é única dentro do conselho; o governo pediu 10 MHz para a faixa para programas de inclusão digital; e ainda é necessário estabelecer um preço para a faixa.

Preço

Vale lembrar que quando a Anatel prorrogou a autorização de MMDS e uso da faixa de 2,5 GHz de 11 operadoras do serviço, em fevereiro de 2009, não houve a cobrança adequada pelo espectro. Recentemente, a Anatel disse que o preço seria estabelecido juntamente com o regulamento de uso da faixa. Mas vale lembrar que a Sky, por exemplo, que controla licenças de MMDS em cidades como Brasília, Goiânia e Belém, tem uma decisão de primeira instância na Justiça de Brasília que assegura o pagamento do Preço Pública pelo Direito de Uso de Radiofrequência (PPDUR), que não passa de R$ 18 mil. Existe uma proposta para que a cobrança se dê pelo faturamento das empresas, mas o assunto ainda é polêmico.

Operadoras de MMDS entrarão na Justiça se não houver acordo em 2,5 GHz

Dificilmente o leilão de 2,5 GHz acontecerá em 2012 se não houver modificações na divisão do espectro originalmente proposta na consulta pública. Isso porque as operadoras de MMDS estão dispostas a entrar na Justiça caso não se chegue a um acordo que aumente a faixa que lhes será destinada, informa Carlos André de Albuquerque, presidente da Neotec, associação que as representa. "O objetivo final não seria impedir a realização do leilão, mas garantir os direitos das operadoras de MMDS", ressalta Albuquerque. Ele reclama que até agora os acenos em busca de um acordo partiram apenas das empresas de MMDS, enquanto o lado que defende o LTE permanece irredutível.

Esta semana, representantes da GSM Association, do UMTS Forum, da Vivo e da TIM pediram que a Anatel decida o quanto antes o destino da faixa de 2,5 GHz e usaram a Copa do Mundo de 2014 como argumento: o leilão precisaria ser realizado até 2012 para que haja redes LTE em operação comercial durante a Copa. Sobre o pedido de urgência, o presidente da Neotec comenta: "Existem empresas que desde 2006 querem oferecer banda larga sem fio com outras tecnologias tão ou mais modernas que o LTE e não conseguem".

Na proposta apresentada em consulta pública, a Anatel sugere que os 190 MHz da faixa de 2,5 GHz que hoje se encontram nas mãos das operadoras de MMDS sejam divididos da seguinte forma: dois blocos de 70 MHz para tecnologias FDD separados por um central com 50 MHz para TDD, que ficaria com as empresas de MMDS. A Neotec pede que a Anatel aumente esse bloco central para 90 MHz, o que já é uma flexibilização de sua proposta inicial, que era de 110 MHz. Segundo Albuquerque, o mínimo aceitável para prover WiMAX seria 60 MHz, o que ainda seria pouco em grandes cidades como Rio e São Paulo.

"Estamos confiantes de que Anatel tomará uma decisão justa", diz o presidente da Neotec. O assunto está sendo discutido internamente na Anatel e ainda não foi levado ao conselho diretor da agência. Segundo fontes do órgão regulador, é provável, sim, que ajustes sejam efeitos sobre a divisão do espectro originalmente proposta na consulta pública. Existe a expectativa, inclusive, de que uma pequena parte da faixa seja destinada ao governo para fins de inclusão digital.