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“Os efeitos da midiatização na vida das crianças são múltiplos”

Oscar Traversa, professor especialista em Semiótica, Comunicação Social, Estética e Discursividade Social do Departamento de Ciências Sociais da Universidad de San Andrés, da Argentina, faz um alerta: “Os efeitos da midiatização na vida das crianças são múltiplos. Para compreender sobre as suas variações é preciso estar atento ao funcionamento dos adultos, já que são eles os indutores dos padrões de comportamento”.

O Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz publicou entrevista com Traversa sobre imagem, corpo e obesidade infantil. Temas que discutirá em workshop no dia 09 de novembro, no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde do ICICT.

Leia entrevista completa em espanhol:

O senhor falará sobre os limites da midiatização em relação à obesidade infantil. Que limites seriam esses?

Las relaciones entre la obesidad infantil (y también la de los adultos) constituye un problema que ha sido tratado con ligereza, entre tantos otros, por la OMS (Organização Mundial da Saúde) y otros organismos. Se ha descuidado pensar que los medios dan lugar a configuraciones discursivas complejas que operan con audiencias no menos complejas. Los niños pequeños y los adultos establecen entre sí vínculos singulares y, a su vez, unos y otros se relacionan con los discursos mediáticos de manera heterogénea. Si esa trama de relaciones se desconoce – o se deja de lado – poco se puede esperar de las campañas de salud aconsejadas por la OMS, por caso.

Por que o corpo é tão presente na imagem midiática?

La imagen del cuerpo si esta presente hoy en los medios no lo estuvo menos, de modos distintos, en la Grecia clásica o en el Renacimiento. Desde siempre ha sido una representación (o presentación) conflictiva. Al punto que ha sido objeto de prohibición por diversos credos en distintos momentos, tanto en occidente como en oriente, en tanto que el cuerpo, como tal, es el lugar de manifestación del placer como del dolor y los mayores padecimientos. El crecimiento de la capacidad de mostración mediática que nos ha dado la técnica a partir del siglo XIX (fotografía y cine) y las expansiones del XX, han sido los principales factores del crecimiento de la presencia del cuerpo. Cuestión, por otra parte, imposible a partir de las características de esas técnicas a dejarlo de lado, el caso mas elocuente es la TV, donde todo es cuerpo o, al menos, buena parte.

Qual a relação entre corpo e alimento na imagem midiática?

La gran presencia pública de la asociación entre medios-cuerpo y alimentación comienza en las revistas semanales de la década del 30, en el siglo XX. Varias son las razones que concurren a la emergencia de ese fenómeno (no en todos los países ocurre lo mismo, en el mismo momento, me refiero especialmente a la Argentina), por una parte el trabajo femenino y los consecuentes cambios en el funcionamiento de la vida doméstica en las ciudades. Decrecimiento de la elaboración de alimentos en el hogar y la progresiva – y creciente – adopción de alimentos elaborados y semielaborados dan lugar tanto a la publicidad como al desarrollo de un verdadero género literario: la receta de cocina en los diarios y revistas. Hoy, la TV, a maximizando esas presencias.

Ao mesmo tempo em que a imagem vendida pela mídia é de um corpo saudável, magro e atlético, porque incentivar o consumo de alimentos que podem implodir a imagem desse corpo, tornando-o obeso?

Con las modas suele ocurrir que los tipos mediáticos se encuentre en colisión con lo que ocurre efectivamente en la sociedad. Soy lector de revistas, masculinas y femeninas, ni yo ni mi mujer, tampoco mis hijos, nos vestimos como las figuras que allí se presentan. O, todos nosotros, lo hacemos solo parcialmente. Los cuerpos varían con el tiempo, incluso en periodos bastante cortos, yo he escrito un par de libros al respecto, especialmente referidos al siglo XX. El cuerpo de poco antes de la primera guerra mundial, cambia en poco tiempo después de su finalización, cambia de aspecto pero cambia también la concepción general de la relación con el cuerpo. El cuerpo de hoy es, posiblemente “un cuerpo en trance”, marcha a un lugar que se nos hace difícil de imaginar.

Nas TVs americanas e latinas há uma grande quantidade de propagandas sobre alimentos para crianças e medicamentos. Até onde vão os limites da midiatização nas vidas das crianças?

Los efectos de la mediatización en la vida de los niños son múltiples, para saber acerca de sus variaciones es necesario estar atento al funcionamiento de los adultos, dado que ellos son los inductores de las pautas de conducta. La respuesta sería, seguramente, muy larga, en torno a todo eso discutiremos en el workshop.

Os pais estão indefesos diante da midiatização de alimentos e de corpos? O que pode ser feito?

No esta indefenso si presta atención al aporte que puede prestar la investigación y el estudio de los problemas, en principio y, por supuesto, pone en obra los resultados. Pero es crucial que cambie y oriente la investigación con el suficiente grado de pertinencia y continuidad en la acción. Más que nunca se hace necesario – dada la complejidad de las circunstancias – realizar esfuerzos para el mejor conocimiento de los fenómenos, tanto naturales como sociales y culturales, para poder dar lugar a políticas públicas adecuadas a las condiciones, para nada simples, que debemos enfrentar.

Entrevista concedida a Graça Portela, publicada no portal do ICICT/Fiocruz – www.icict.fiocruz.br

“Boa parte da mídia abdicou de fazer jornalismo para fazer oposição política”

Pesquisador há décadas sobre o papel social da mídia, o professor aposentado da Universidade de Brasília Venício Lima é autor de vários livros sobre o assunto e segue refletindo sobre o comportamento dos veículos de comunicação, a necessidade de regulação do setor e o papel da comunicação alternativa e pública.

Brasil de Fato – Temos visto uma cobertura cada vez mais parecida, especialmente da política, nos veículos da mídia hegemônica. Apesar de pequenas diferenças de linha editorial, parece haver uma homogeneização no tratamento de alguns temas, como na questão da crise e da operação Lava Jato. Como você avalia esse comportamento?

Venício Lima – Na verdade, não acho que constitui uma novidade. Há muitos anos, em livro que publiquei com o Kucinski [“Diálogos da perplexidade: reflexões críticas sobre a mídia”], comentamos essa questão da posição homogênea da grande mídia. É a ideia de que a grande mídia funciona como se tivesse um supraeditor, como se as principais notícias, a pauta, a narrativa, fossem cotidianamente editados por um super editor, que dá a elas o mesmo enquadramento. Isso é tão verdadeiro que às vezes as mesmas palavras aparecem reiteradamente, para os mesmos assuntos, para a mesma pauta, em diferentes veículos. Isso não é uma novidade, e expressa apenas o fato sabido e conhecido de que os oligopólios privados de mídia no Brasil têm interesses comuns e defendem basicamente as mesmas propostas e são contra as mesmas propostas, projetos e políticas.

A que você atribui essa recente inflexão em alguns veículos, como a Folha e o Globo, na questão do golpe ou impecheament contra a presidenta?

V.L. – É uma questão delicada. Os grandes oligopólios no Brasil têm, sobretudo o grupo Globo, historicamente conseguido se adaptar às conjunturas e preservar seu interesse. E, correspondente a isso, o Estado brasileiro também historicamente não tem sido capaz de fazer prevalecer a natureza de serviço público, sobretudo na radiodifusão. Um observador como eu, sem acesso a fontes privilegiadas, sem vínculos com partidos ou nada do tipo, me valho da minha experiência e dos dados públicos. O que se sabe agora é que houve uma reunião do secretário de comunicação da presidência com os controladores do grupo Globo e, por ocasião de uma homenagem à Globo no Senado, uma reunião com executivo do grupo e nove senadores do PT. Depois desses encontros, de fato observa-se uma inflexão na cobertura política e um posicionamento diferente com relação ao impeachment da presidente. O que não se sabe é se houve – e muito provavelmente houve – algum tipo de entendimento, de acordo. Como foi feito no passado, com outros governos, em outras situações. O Estado brasileiro e qualquer grupo que temporariamente controlam sua máquina têm sido incapazes de fazer prevalecer políticas de interesse público e negociam com esses meios, que se tornam cada vez mais poderosos e mais capazes de fazer valer seus interesses. Depois saberemos melhor do que se trata. Vi especulações em relação à atribuição das frequências, utilização do chamado 4G, questões tecnológicas que o Estado tem poder, disputa entre os velhos grupos e operadoras… teremos que ver se se confirma a inflexão e saberemos o que foi negociado. Mas certamente alguma coisa foi negociada.

Na sua avaliação, por que os governos do PT não avançaram na questão da regulação do mercado de comunicação?

V.L. – Essa pergunta tem que ser feita aos governos do PT. Eu não consigo compreender. Houve momentos em que se acreditava que os governos petistas iam pelo menos propor uma atualização da legislação, a regulação dos artigos que estão na Constituição, que fossem encaminhar projetos ao Congresso. Isso ocorreu em diversos países da América Latina em que projetos democráticos chegaram ao poder, mas nada disso aconteceu no Brasil. Tenho dito que esses governos caíram numa armadilha de acreditar que seria possível que os oligopólios de mídia apoiassem um projeto político, com repercussão na economia, que beneficiasse as classes populares, que promovesse a inclusão. Há informações seguras que durante muito tempo figuras importantes nos governos petistas acreditavam que era possível trazer o apoio desses oligopólios para a execução dessas políticas. Assim, a negociação com eles, as verbas publicitárias, empréstimos etc, deveriam ser a prioridade da política de comunicação do governo. Em detrimento da construção de um sistema público de comunicação, como, aliás, manda a Constituição. Ao cair nessa armadilha, perderam-se as oportunidades históricas de se fazer o que era necessário fazer e que não foi feito.

A partir da pressão da sociedade e também dada a virulência desses meios hegemônicos contra o governo do PT, você acredita que há possibilidade de avanço na regulação neste segundo mandato da Dilma?

V.L. – De novo, quem tem que responder são os agentes públicos do governo, ou a própria presidente. Posso dar uma reposta de observador que tem décadas que acompanha essas questões. Sou pessimista. Não vejo no momento atual de crise política e de diluição completa da sustentação parlamentar do governo possibilidades de avanço. As condições são adversas para que se implemente algo nessa área. É interessante observar que o discurso de regulação econômica da mídia, que fez parte da campanha eleitoral, que foi vocalizado diversas vezes pelo ministro das comunicações, desapareceu. Não se fala mais nisso. Além disso, até mesmo medidas que poderiam e podem ser tomadas por diferentes setores do governo, que independem de aprovação parlamentar, não têm sido tomadas. Como, por exemplo, a revisão de critérios das verbas oficias de publicidade e a fiscalização de arrendamento de emissoras. Coisas que fazem parte do papel do Ministério das Comunicações, em alguns casos, ou podem ser de decisão política da presidência, medidas que poderiam ser tomadas independentes de aprovação do parlamento, que é sabida e declaradamente de oposição ao governo.

Você escreveu que não temos no país uma “narrativa pública alternativa”. Na sua avaliação, como os veículos comunitários, sindicais e populares poderiam avançar para pautar a pluralidade de vozes e visões de mundo?

V.L. – Tem uma questão histórica, na mídia alternativa brasileira, incluindo as TVs e rádios comunitárias, a mídia sindical, o sistema público de um modo geral, que é a dificuldade de unificar sua narrativa. Há avanços, mas são ainda muito tímidos em relação ao que seria necessário. Eu considero absolutamente crítica a necessidade de apoio do governo ao sistema público de comunicação. A Empresa Brasil de Comunicação, EBC, tem, a duras penas, tentado produzir uma alternativa de qualidade à mídia comercial. Mas é muito difícil, porque a forma como a EBC está regulamentada depende de recursos não só do governo, mas de contribuição à radiodifusão pública, que inclusive vem sendo questionado na Justiça. É uma situação financeira difícil. E mesmo a empresa conseguindo, em seus diferentes veículos, produzir programas de boa qualidade, é difícil quebrar a inércia da audiência, que há décadas é dominada pela mídia comercial. A mídia pública não consegue ser divulgada fora dela própria e fica reduzida à sua pequena audiência. Acho que esta é das possibilidades que devem ser apoiadas. Inclusive uma coisa que esquecemos é que as pessoas que acreditam na necessidade de uma mídia alternativa à comercial devem apoiar a TV pública assistindo sua televisão e ouvindo suas emissoras de rádio.

Ao mesmo tempo em que assistimos ao fortalecimento da mídia comercial, aumenta o número de demissões e se discute o futuro do jornalismo. O que se desenha para o cenário da comunicação hoje?

V.L. – Essa não é uma peculiaridade brasileira. É algo que está acontecendo na sociedade contemporânea e decorre de uma transição tecnológica, cujos resultados não sabemos ainda. Há uma nova geração surgindo que não terá os mesmos hábitos de consumo de mídia e isso já está claro, sobretudo no Brasil. E isso tem implicação para modelos de negócio. Mas sou daqueles que não compartilho o entusiasmo, muitas vezes acrítico, com relação ao acesso à informação que as novas tecnologias possibilitam. Os dados que temos no Brasil e no mundo confirmam que, apesar da transição e das mudanças de plataforma tecnológica, os grandes produtores de conteúdo continuam os velhos grupos da mídia tradicional. Pesquisas confirmam e isso é visto junto a segmentos que acessam a internet, blogs e sites: os mais citados são da velha mídia. Esse quadro se repete nas redes sociais, às quais 90% das pessoas que acessam a internet estão vinculadas. Importante destacar que essas redes não são produtoras de conteúdo, elas distribuem conteúdo e facilitam a interação. E o conteúdo distribuído vem em grande medida dessa velha mídia.

Do ponto de vista da força de trabalho, tenho defendido há anos que as novas tecnologias não implicam na desqualificação da mão de obra. Ao contrário, ela tem ter que ser mais qualificada para sobreviver no mercado de distribuição de conteúdo. Essa geração, embora embevecida com as redes, vai precisar de informação de qualidade. Eu não posso ser exemplo, já tenho meus 70 anos, mas sou seletivo no dinheiro que gasto para receber informação. Boa parte da mídia brasileira não me interessa porque abdicou de fazer jornalismo para fazer oposição política. Quero informação para compreender o mundo e me ajudar a tomar posições. Não quero generalizar minha posição, mas me parece que será preciso uma qualificação da força de trabalho para produzir informação de qualidade. Isso já está ficando claro em alguns países do mundo. Mas ninguém tem bola de cristal. Estamos claramente vivendo um momento de transição, que não é só no Brasil.

Como você vê iniciativas como o jornal Brasil de Fato, que chega aos dois anos em Minas Gerais?

V.L. – Absolutamente fundamentais. Eu como indivíduo estou numa tentativa de lançamento de um jornal popular aqui em Brasília, como forma de furar o bloqueio da mídia comercial. É muito importante não esperar que a grande mídia venha a ser aliada para projetos que beneficiem classes subalternas, nem aqui, nem em lugar nenhum. O Brasil é exceção na América Latina porque não conseguiu ter, nem na mídia impressa, nem eletrônica, uma alternativa à mídia comercial. Outros países têm essa construção, como Argentina, México, Bolívia. Acho fundamental, apoio como posso e cumprimento grupos que conseguem, com todas as dificuldades, produzir de alguma forma uma imprensa alternativa.

Entrevista concedida a Joana Tavares, publicada em Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br

“Um dos pressupostos da democracia é a diversidade de vozes”

A elevada concentração da propriedade dos meios de comunicação na América Latina e no Caribe está na mira da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que recentemente abriu uma consulta pública para conhecer melhor a legislação de cada país e propor mecanismos para evitar ou reverter a formação de monopólios ou oligopólios.

“Um dos pressupostos da democracia é o pluralismo político, a diversidade de vozes”, explica o advogado e jornalista uruguaio Edison Lanza, relator especial para a Liberdade de Expressão da entidade. Em passagem pelo Brasil, Lanza conversou com CartaCapital e criticou a letargia do País em criar medidas concretas para assegurar a diversidade na mídia.

CartaCapital – Por que rediscutir os marcos regulatórios das comunicações?

Edison Lanza – Na América Latina e no Caribe, há um elevado grau de concentração da propriedade dos meios. Poucas mãos controlam a maior parte das frequências, sobretudo dos meios audiovisuais, mas também há monopólios e oligopólios nos escritos. Isso tem implicações no processo democrático, pois um dos pressupostos da democracia é o pluralismo político, a diversidade de vozes. A Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2000, diz claramente que a formação de monopólios ou oligopólios de comunicação atenta contra a democracia.

Em uma sociedade democrática, devem conviver atores públicos, comunitários e privados. E o Estado tem legitimidade para criar instrumentos para garantir isso. Há uma clara necessidade de incluir mais vozes. O impasse é que os países do continente tentam regular um sistema que existe desde o surgimento do rádio e da televisão, entre os anos 1930 e 1950. Com uma peculiaridade: esse sistema se estruturou de forma desregulada, favorecendo o setor privado.

C.C. – É inevitável, portanto, contrariar interesses nessa reordenação.

E.L – Quando se tenta regular um sistema que já existe é natural haver conflitos. Mas vivemos um momento de transição dos meios analógicos para os digitais, e isso é uma grande oportunidade para garantir maior diversidade. Onde antes só poderiam existir quatro ou cinco canais, hoje é possível haver dezenas de outros. Agora, diante de uma situação consolidada de concentração de meios, que medidas são legítimas? É válido restringir a propriedade dos meios em poucas mãos? É válido coibir a propriedade cruzada, quando o mesmo grupo é proprietário de rádios, tevês e impressos? Muitos países buscaram regular melhor essas questões. Outros não fizeram muita coisa, preferiram manter como está.

C.C – No Brasil, os proprietários dos meios de comunicação usam o argumento da censura para se opor a qualquer forma de regulação.

E.L – Se o Estado não intervir em nada, prevalece a lei do mais forte. Basta ter dinheiro para acumular frequências, controlar um maior número de veículos, o que implica em concentração de poder. Na Guatemala, para citar um exemplo, um só ator, Ángel González, é proprietário de quatro emissoras da tevê aberta e 30 frequências de rádio. É um empresário com influência política enorme, tanto no governo quanto no Parlamento. Isso, de fato, torna mais complexa a discussão na América Latina.

Na Europa, primeiro foram estruturados os meios públicos, para depois regular a atuação privada. Mas também há propostas de regulação que ultrapassam a questão da propriedade e interferem no conteúdo produzido. Temos criticado várias imposições da nova lei do Equador. Sob a justificativa de regular o setor, os parlamentares criaram brechas para punir os meios de comunicação por seu conteúdo com multas, inclusive o conteúdo crítico ao governo. É um tema realmente delicado. A regulação pode servir tanto para incluir mais vozes, com espaço aos meios públicos e comunitários, quanto para criar mecanismos de censura disfarçados.

C.C – Quais são os melhores exemplos de regulação dos meios?

E.L. – No Reino Unido, na França, na Suécia, há excelentes serviços públicos de comunicação, com autonomia e financiamento adequado. Essas nações também têm instrumentos legais para garantir o acesso dos meios comunitários. Também há os grupos privados, mas eles estão submetidos a certas regras para garantir a diversidade. Na América Latina, as iniciativas são mais recentes e fragmentadas. A nova legislação da Argentina tenta criar uma estrutura parecida com essa que descrevi, com a participação dos setores público, comunitário e privado, além de impor limites para a concentração dos meios por particulares.

C.C. – A Suprema Corte da Argentina validou a cláusula antimonopólio, mas até hoje o governo Kirchner é acusado de perseguir o grupo Clarín.

E.L. – Questiona-se que a legislação tem sido utilizada contra um único meio de comunicação. A regra deveria valer para todos, sem qualquer tipo de discriminação. Estamos monitorando de perto essa situação. No Uruguai, o Parlamento acabou de aprovar uma lei, após cinco anos de debates sobre o tema. É basicamente uma regulação da estrutura da propriedade, com mecanismos mais transparentes para a concessão de outorgas. Também há disposições para fomentar a produção de conteúdos de base nacional e para incluir os meios comunitários, além de uma regulação mínima de conteúdo, apenas para garantir a proteção integral dos direitos das crianças e dos adolescentes e punir discursos de incitação ao ódio.

C.C. – Nesse cenário, o Brasil está muito atrasado, não?

E.L. – De fato, o Brasil postergou a adoção de medidas concretas. Pelas denúncias que recebemos da sociedade civil, o País tem um sistema muito concentrado, sobretudo na tevê aberta. Há muitas rádios controladas por políticos e o setor comunitário permanece excluído. A legislação para as rádios comunitárias é deficiente, pois impõe limites de alcance e restringe o financiamento pela publicidade. O Brasil poderia avançar mais por meio de políticas públicas, que assegurem, por exemplo, a inclusão dos meios comunitários. Há um contrassenso na perseguição às rádios sem licença quando o objetivo é incluir mais vozes. Com a transição da televisão digital, também não há desculpa para não ampliar o número de atores, pois nem sequer é preciso mexer nos já existentes.

C.C. – A internet assegurou a inclusão de vozes alternativas aos meios tradicionais. Por outro lado, vemos a emergência de um forte discurso de ódio, sobretudo nas redes sociais.

E.L. – A internet foi construída para ser uma rede descentralizada, e logo se converteu num importante instrumento para a liberdade de expressão. Uma das características da rede é o enorme pluralismo, com barreiras de acesso muito baixas. Tanto que vimos a emergência de dessas vozes alternativas aos meios tradicionais. Temos de ser muito cuidadosos ao falar de regulação da internet para não interferir no projeto original da rede, marcada pela descentralização e diversidade. Se há a necessidade de regular algum conteúdo, precisa haver regras muito precisas. As normas internacionais já proíbem discursos de incitação ao ódio. O artigo 13.5 da Convenção Interamericana diz, textualmente, que “a lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.

As Nações Unidas têm uma metodologia para identificar essas expressões que incitam o ódio. Precisamos aprimorar os padrões de proteção aos direitos das mulheres, dos povos indígenas… Mas os Estados têm a obrigação de educar seus cidadãos, inclusive na promoção de valores na cultura digital. Não adianta só apostar na repressão, é preciso educar as pessoas para o exercício ético e responsável da liberdade de expressão.

Entrevista concedida a Rodrigo Martins, publicada em Carta Capital – www.cartacapital.com.br

“A comunicação é estruturante para o avanço e a consolidação da democracia brasileira”

Que história sobre o Semiárido é mostrada na TV? Como os povos do campo, as mulheres e os jovens negros são representados pela grande mídia? Por que a mídia não se interessa em temas como agroecologia, segurança alimentar e reforma agrária?

Para entender melhor essas questões é necessário compreender como funciona o sistema de comunicação do País, um dos mais concentrados do mundo. Para falar sobre esse e outros assuntos, como o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, a Assessoria de Comunicação da ASA (ASACom) conversou com a agricultora, coordenadora do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária nacional de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rosane Bertotti.

De acordo com Rosane, “a comunicação é estruturante para o avanço da democracia brasileira”, mas os setores que controlam a mídia tentam barrar o debate da regulação afirmando que se trata de censura. Esse é um dos mitos que precisam ser desconstruídos para que a discussão avance. Confira a entrevista completa.

ASACom – Qual é a avaliação do FNDC sobre o 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC), realizado em abril deste ano, em Belo Horizonte (MG)?

Rosane Bertotti – O Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC) foi histórico. Provavelmente, desde a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) que um evento sobre democratização da mídia não reunia um conjunto tão representativo de organizações da sociedade civil e ativistas interessados em discutir essa pauta que é estruturante para o avanço e a consolidação da democracia brasileira. A construção de uma sociedade efetivamente democrática só se realiza se houver liberdade de expressão para todos e todas, o que pressupõe a garantia do direito à comunicação. Reafirmamos, no ENDC, que o Brasil precisa enfrentar o desafio de atualizar os instrumentos de regulação democrática dos meios de comunicação e que parte importante da sociedade está disposta a intensificar as ações de pressão e mobilização social para que isso aconteça, para que esse debate seja colocado na ordem do dia.

ASACom- Além da Constituição Federal, quais os principais marcos legais que existem no Brasil relacionados à comunicação e a liberdade de expressão e qual a análise do FNDC sobre eles?

Rosane Bertotti – Podemos dizer que o conjunto de normas e leis que estão em vigor sobre comunicação forma um emaranhado de dispositivos dispersos e ineficazes para os desafios da atualidade. A principal lei de comunicação ainda é o Código Brasileiro de Telecomunicações (1962), que tem mais de 50 anos. Além de não ser um instrumento capaz de cumprir os preceitos constitucionais para o setor, essa lei não dialoga em nada com as transformações tecnológicas em curso na contemporaneidade e que estão modificando radicalmente o sistema de comunicações. Ao contrário de países democráticos como Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Espanha e Argentina, o Brasil pode ser caracterizado hoje por uma brutal concentração dos meios de comunicação, tanto na radiodifusão quanto nos veículos impressos. A internet tem cumprido importante papel no sentido de multiplicar as vozes em circulação na esfera midiática, mas neste espaço também atuam os grandes conglomerados de mídia, reforçando a concentração econômica do setor. Ao mesmo tempo, carecemos de mecanismos transparentes e democráticos para a concessão de outorgas de radiodifusão e não há no país uma política que garanta a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal de comunicação, como previsto na Constituição Federal. A ausência de um campo público de comunicação robusto aumenta o poder de mercado do setor privado/comercial, enquanto canais comunitários seguem à margem do sistema midiático. Dispositivos de fomento à produção nacional, regional e independente estão restritos hoje ao Serviço de Acesso Condicionado (TV por assinatura), a partir da Lei 12.485/2011. Na TV aberta, prevalece a concentração da produção no eixo Rio/São Paulo, a maior parte dos canais já tem mais produção estrangeira que nacional, crescem os casos de sublocação das grades de programação e de transferência de concessões de forma irregular e sem qualquer debate público. A ausência de mecanismos para o direito de resposta nos meios de comunicação também cria um ambiente de violação dos direitos humanos e de restrição à liberdade de expressão de indivíduos e grupos sociais.

ASACom – A sociedade civil organizou um Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática que apresenta um novo marco regulatório para os serviços de radiodifusão e Televisão. Qual o balanço dessa iniciativa?

Rosane Bertotti – O Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática é uma proposta concreta de diversas organizações e ativistas pela liberdade de expressão, frente à inércia do governo em enfrentar esse debate. Ele é baseado nas diretrizes aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação e visa transformar o quadro de concentração e pouquíssima diversidade nos meios de comunicação, principalmente rádio e televisão, além de ampliar e fortalecer a radiodifusão pública e comunitária, bem como garantir maior transparência e participação social na definição das políticas públicas de comunicação do país.

ASACom – Quais as estratégias do FNDC para capilarizar o projeto de lei da mídia democrática? De que forma entidades e cidadãos comuns podem participar dessa iniciativa?

Rosane Bertotti – O projeto precisa da adesão de 1,5 millhão de eleitores em todo o país para poder ser apresentado ao Congresso Nacional. Trata-se de um desafio gigantesco e que depende de uma ampla e permanente mobilização popular. A campanha mantêm um site (www.paraexpressaraliberdade.org.br) com todas informações sobre o projeto, inclusive materiais de divulgação, mobilização e coleta de assinaturas. É fundamental replicar esses conteúdos nas escolas, associações, sindicatos, nos mais diversos espaços e comunidades. Precisamos mostrar para a população que comunicação é direito e que, assim como na saúde, com direito a remédio, médico e posto de saúde, na comunicação é preciso um sistema de mídia com diversidade de conteúdo e pluralidade de fontes de informação. As pessoas interessadas e as entidades podem se engajar na campanha divulgando nossos materiais (disponíveis para download no site). Tão ou mais importante do que isso é ajudar a mobilizar e construir a luta pela democratização da comunicação a partir dos Comitês do FNDC em diversos estados e todas as regiões do país, que reúnem entidades, movimentos e ativistas que debatem e organizam ações para avançar nessa agenda.

ASACom- Na sua avaliação, qual é o principal desafio hoje para que o debate sobre a regulação da mídia avance no Brasil?

Rosane Bertotti – O principal desafio é superar o obstáculo da censura promovida pela própria mídia contra esse debate. Por temer perder os privilégios, o oligopólio da comunicação no Brasil desencoraja e interdita qualquer debate nessa direção, taxando como censura. Ora, censura é não permitir o debate. Nesse contexto, o governo precisa entender que a regulação da comunicação é uma agenda da democracia, que interessa a toda sociedade. Se a democracia precisa de mídia, a mídia também precisa de democracia. Os países que são democracias consolidadas regulam a mídia justamente para garantir diversidade e pluralidade. Superar a interdição ao debate é crucial nesse processo.

ASACom – Na América Latina, países como o Uruguai (2014) e a Argentina (2009) aprovaram recentemente suas leis de regulação da mídia. Que aprendizados e lições o Brasil pode tirar do processo de luta pela democratização da comunicação nesses dois países?

Rosane Bertotti – O primeiro é que não se pode ter medo de fazer esse enfrentamento. Uruguai e Argentina, principalmente este último, conviveram ao longo de décadas com sistemas de comunicação oligopolizados, que influenciavam e ainda influenciam os processos políticos desses países. Além disso, não há conquista desse tipo sem grande pressão popular. A democratização da comunicação precisa estar no centro da agenda da luta social em nosso país e o governo precisa reagir a essa pressão garantindo o ambiente para o debate e construção de um novo marco legal para o setor.

ASACom- Quais as articulações e debates sobre a democratização da comunicação que estão sendo feitos nas áreas rurais?

Rosane Bertotti – O FNDC seja por meio de seus comitês, entidades parceiras ou mesmo espaços institucionais, busca intervir na discussão sobre democratização da comunicação em todo o país. No caso da zona rural e mesmo regiões do interior, há um grande desafio de ampliar o acesso aos próprios meios de comunicação, com abertura de novos canais de rádio e televisão, ampliação das emissoras comunitárias e fortalecimento da radiodifusão pública. É preciso garantir que populações indígenas, quilombolas, assentamentos de trabalhadores rurais, entre outras comunidades constituam seus próprios meios de comunicação, adequados às suas realidades. A atual legislação, no caso de rádio comunitária, é bastante restritiva para atender áreas rurais isoladas, pois limita a potência e exige uma burocracia infernal.

ASACom- No Semiárido brasileiro muitas rádios comunitárias atuam como instrumentos e estratégias políticas para transformação e organização popular, no entanto, enfrentam desafios desde a concessão até a estruturação. O FNDC tem alguma reivindicação sobre as rádios comunitárias que se localizam no campo?

Rosane Bertotti – O FNDC, em conjunto com dezenas de outras organizações, tem participando dos fóruns de debate sobre as emissoras comunitárias de todo o país. Em novembro de 2014, fomos signatários da Plataforma para o Fortalecimento da Comunicação Pública, que incluiu uma série de proposta para o setor de rádios comunitárias. O diagnóstico é que a legislação própria da radiodifusão comunitária (Lei 9612/1998) precisa ser revista, pois historicamente limita a potência e o alcance e não prever um modelo de financiamento, além de impedir a formação de redes e colocar imposições desiguais em relação às rádios comerciais. Some-se a isso a criminalização prevista na legislação de atividades de transmissão não autorizadas, que atinge parte importante desses comunicadores. Um levantamento realizado pela ONG Artigo 19 apontou que em 2012 havia 2.113 processos penais contra rádios comunitárias.

Entrevista concedida a Gleiceani Nogueira, publicada no portal da ASA – www.asabrasil.org.br

“Telesur permite que América Latina seja contada de outra maneira”

No 10º aniversário da cadeia multiestatal Telesur, sua presidenta, Patricia Villegas, esmiúça, nesta entrevista, o significado histórico dessa inédita experiência, que marcou a ferro e fogo o campo comunicacional na América Latina e Caribe. Villegas analisa também o cenário midiático na região, caracterizado pela disputa de sentidos frente às grandes corporações, e destaca a transcendência de “colocar as câmeras no lugar onde estão as vitimas e não os vitimadores”.

Quais são os principais aportes que tem feito a Telesur nesses 10 anos?

Creio que a Telesur colocou, novamente, no cenário público uma discussão muito importante, que é o direito à informação, ou a informação como um direito. Vínhamos de uma América Latina e Caribe agredida pela década neoliberal, os direitos fundamentais haviam sido privatizados, e assim como a saúde ou a educação são direitos, a informação também é. E o fato de que a Telesur considere sua audiência não como consumidores, mas como usuários é uma mudança que corresponde a essa visão.

Outro tema não menor é que, na América Latina, em meio a um forte desinvestimento por parte dos governos neoliberais, tinha sido entregue aos meios públicos, fundamentalmente, o trabalho de contar a cultura, o folclore, mas havia desaparecido a notícia, a informação, a opinião. Isto havia sido entregue aos meios privados.

Esses dois elementos são fundamentais dentro do que a Telesur instala no cenário midiático continental nestes 10 anos. Depois, há outra quantidade de coisas já a partir do concreto. Por exemplo, que os profissionais da Telesur contam com as mesmas ferramentas tecnológicas que nos meios privados. O desinvestimento nos meios públicos tinha gerado uma grande diferença nas possibilidades de contar. A Telesur reverte esta tendência, nós podemos contar nossas historias tendo as mesmas oportunidades tecnológicas que os meios privados.

Que aspectos resgatam de experiências anteriores de comunicação contra-hegemônica e que gerou a irrupção da Telesur na região?

Em uma entrevista que fizemos com o comandante Chávez [ex-presidente venezuelano Hugo Chávez], em outubro de 2005, no início da Telesur, ele me disse: “estou muito feliz, Patricia. É muito lindo ver a concretização de um sonho, de um sonho de muita gente antes que você, inclusive, de muita gente antes de mim”. Obviamente, que a Telesur tem alguns antecedentes, de uma comunicação diferente, uma comunicação que põe as câmeras no lugar onde estão as vítimas e não os vitimadores, há enormes antecedentes disso.

De alguma maneira, a irrupção da Telesur, que é filha dos processos de transformação na América Latina e Caribe, permite que a região seja contada de outra maneira. Durante o golpe de Estado em Honduras, por exemplo, o relato teria sido outro se as câmeras da Telesur não tivessem estado lá, ao vivo. Não era necessário nem sequer interpretar o que estava acontecendo, era questão de subir um sinal e mostrá-lo, ter a coragem e a capacidade técnica de fazer isso. Não é que acreditamos que temos a verdade revelada nem se trata de fazer coberturas espetaculares, mas de estar ali, do lado das vítimas, no lugar donde se origina a história, contando o que está acontecendo. Eu me pergunto, por exemplo, o que teria ocorrido durante o Plano Condor se existissem emissoras como a Telesur?

Então, isso muda o cenário dos meios na América Latina, há propostas e estratégias comunicacionais que surgiram após o nascimento de Telesur e depois de ver que nós íamos construindo esse outro relato, o dessa América Latina que estava mudando e que estava sendo ameaçada, como continua estando hoje.

A Telesur, ademais, reivindica o jornalismo a partir do local, por isso temos a maior rede de colaboradores e correspondentes do que qualquer agência de notícias nesta parte do mundo. Tem a ver com a concepção, com a gênese do projeto, o que, além disso, nos permite estar na ofensiva e não na reação do relato.

Como analisas o mapa comunicacional atual na América Latina e a correlação de forças frente às grandes corporações midiáticas? Qual é a estratégia da Telesur para enfrontar essa “batalha”?

Certamente, que os grandes monopólios continuam tendendo à hegemonia e o desequilíbrio segue sendo enorme. Dez anos são muitos para a vida dos seres humanos, mas para um projeto de transformação, que tem que deixar para trás séculos de exclusão e de pobreza, são muito poucos. Obviamente, que o cenário dos meios na América Latina continua sendo hegemônico para os monopólios econômicos, mas há 10 anos não existiam meios públicos como os que existem agora na Bolívia, no Equador ou na Argentina. Há uma consolidação de meios públicos. A sociedade tem direito de estar informada e a única possibilidade de que isso seja real é que o Estado participe disso, como com tantos outros direitos que temos conquistado.

Obviamente, o panorama não é de triunfo para nós, mas, hoje, ocupamos um lugar. Quando você tem que contar a história da América Latina e Caribe, hoje, necessariamente, tens que ver a Telesur, como tens que ler o Nodal. Mas a Telesur ou o Nodal são possíveis porque, hoje, em boa parte dos nossos países, há uma “insegurança” sobre os meios – como diz Ignacio Ramonet –, as pessoas duvidam do que estão dizendo os meios privados, inclusive duvidam do que dizem os meios públicos, o que é muito bom, e consulta distintas fontes. Isso não acontecia há 10 anos.

Em diferentes conjunturas políticas, a direita midiática continental demonstra ter mecanismos muito eficazes de articulação em defesa dos seus interesses. Que leitura tens dos processos de integração a partir dos meios públicos e populares, e qual é o aporte que vem fazendo a Telesur nesse caminho?

Nós não nos dedicamos muito a ver o que está fazendo a concorrência, não queremos ser a reação a nada, mas fazer nossa própria aposta. Mas a batalha está aí, certamente, é uma batalha enorme e, hoje, as batalhas, em boa medida, são vividas nos meios. Nestes 10 anos, conseguimos apoiar a criação de outros meios, fazemos aliança com canais de outros continentes, como o Rússia Today o Al-Mayadeen. Fazemos parte de diversas redes, trabalhamos com os movimentos sociais da Alba [Aliança Bolivariana dos Povos da Nossa América], fazemos oficinas para jornalistas comunitários, articulamos com as televisões públicas, por exemplo, com o programa “De Zurda” [algo como “De esquerda”, em português] durante o Mundial que era transmitido simultaneamente pela TV Pública argentina. Também temos convênios com emissoras regionais, comunitárias, universitárias, construímos uma enorme rede, que nos permite multiplicar a mensagem.

É certo que a direita tem muita habilidade para publicizar suas ações e, sem dúvida, ainda tem a hegemonia comunicacional, sempre acredito que podemos fazer muito mais e é uma das tarefas nas quais temos que seguir crescendo.

Qual é o projeto em que a Telesur vem colocando mais energias nesta etapa?

Nosso projeto mais importante, neste momento, é a Telesur em inglês, que está completando um ano. Nosso caminho é converter a Telesur em uma plataforma multilingue, já estamos produzindo 29 programas em inglês, há uma grande produção de conteúdos em um idioma que é transcendental. A ideia é poder contar a todos que falam inglês o que está ocorrendo na América Latina, que tenha outra fonte de informação, mas também dar uma visão alternativa a partir do Norte, que as pessoas do Norte possam ver suas histórias contadas de outra forma. Este é o grande desafio atual da Telesur. E, depois, temos em mente a Telesur em árabe.

Que coisas teriam mudado ou teriam sido de outra maneira se não existisse a Telesur?

Creio que o caso mais emblemático é o que eu comentei sobre Honduras. Também durante a tentativa de golpe no Equador, em 2010, lá os meios falavam de una “revolta policial”, quando vivíamos, inclusive, uma tentativa de assassinato do presidente Rafael Correa. E lá estavam as câmeras da Telesur para mostrar os tiros sobre o carro de Correa. O que nos permite construir outro relato não tem a ver tanto com interpretar a realidade, mas com poder mostrá-la ao vivo. Não é só o que tivesse sido diferente, mas quem contou, como o coronel não tem quem escreva… Quem teria contado isso?

Outra situação emblemática foi em Trípoli [Líbia], que, supostamente, estava sendo bombardeada pela aviação de Gaddafi [Muammar Al-Gaddafi, ex-presidente da Líbia]. Quando nossas equipes chegaram lá não havia nenhum rastro disso, eu mesma havia sido vítima da desinformação dominante. E isso foi desmontado pela Telesur. Então, há histórias em que o relato oficial e popular teria sido de outra maneira se não tivessem as câmeras da Telesur. Creio que esse é o aporte maravilhoso deste projeto.

Qual você acredita que será a marca que deixará a Telesur na história da comunicação?

É uma pergunta difícil porque eu tenho uma relação muito amorosa com a Telesur, aprendi a ser uma cidadã latino-americana e caribenha trabalhando nesse projeto. Sinto-me colombiana de nascimento e corre em mim sangue colombiano nas veias, mas me sinto também argentina, boliviana, profundamente venezuelana… Creio que temos conseguido que as audiências sintam que através de experiências como a Telesur lhes permite ter o registro de um novo direito, o direito à informação, à comunicação. Isso é o mais transcendente: hoje, as pessoas estão vendo e lendo os meios de outra maneira.

Entrevista concedida a Gerardo Szalkowicz, publicada em Marcha, reproduzida da Adital – www.adital.com.br