O Ministério Público Federal (MPF) ingressou na semana passada com uma ação civil pública contra a empresa Google Brasil Internet Ltda pela exposição demasiada de crianças na plataforma Youtube. A justificativa do MPF é de que o Youtube tem diversos vídeos postados por particulares que são protagonizados por crianças de até 12 anos de idade, o que coloca em risco os direitos de crianças e adolescentes.
Em nota, o MPF explanou que, “quando atingem grande número de visualizações, os youtubers mirins tornam-se pequenas celebridades. Em decorrência dessa exposição, acabam atraindo a atenção do mercado, que os faz atuar como promotores de vendas, protagonizando anúncios comerciais de produtos dirigidos ao público infantil”.
Mesmo não havendo uma lei específica sobre publicidade infantil no Brasil, a ação se baseia em dispositivos legais presentes na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assim, ao se aproveitarem de crianças para promover produtos, os responsáveis pelos vídeos estariam desrespeitando a lei. Pois, conforme a nota, a publicidade na forma de merchandising protagonizada por crianças ou a elas destinada é proibida no Brasil por ser considerada potencialmente abusiva, já que atinge um público altamente suscetível a apelos emotivos e subliminares. “As crianças não têm maturidade suficiente para discernir entre fantasia e realidade ou para resistir a impulsos consumistas”, afirma a nota
O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) destaca como abusiva a publicidade que “se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança” e, no artigo 39, proíbe que o fornecedor de produtos ou serviços se prevaleça da “fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade”.
Fundamentado por esses dispositivos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) editou em 2014 uma resolução considerando abusiva a publicidade direcionada ao público infantil com a intenção de incentivá-lo ao consumo.
A ação indica que o Google seja obrigado a disponibilizar um aviso na página inicial da plataforma Youtube ou em todos os vídeos postados sobre a proibição de se veicular merchandising ou propaganda de produtos ou serviços protagonizados por crianças ou a elas destinados.
Também foi pedido à Justiça que determine a inclusão de uma ferramenta que permita aos usuários denunciar como impróprio os vídeos com propaganda de produtos destinados ao público infantil.
O Google informou em nota que o YouTube é uma plataforma aberta e destinada a adultos, conforme descrito nos termos de serviço. “Seu uso por crianças deve sempre ser feito num contexto familiar e em companhia de um adulto responsável”, afirma o texto.
A empresa expõe que usuários e anunciantes precisam observar as diretrizes da plataforma e a legislação brasileira e que tanto os vídeos compartilhados como a publicidade veiculada no Youtube podem ser denunciados por qualquer pessoa, sendo excluídos se constatadas irregularidades.
ONU pede regulamentação da publicidade infantil
Os efeitos da publicidade infantil vêm sendo debatidos em todo o mundo há muitos anos. Em alguns países existem amparos legais justamente a fim de proteger as crianças de abusos na publicidade veiculada.
No dia 09 de agosto deste ano, especialistas em direitos humanos das Nações Unidas alertaram sobre o impacto da publicidade comercial dirigida a crianças, já que a mesma induz em uma idade precoce a cultura do consumo e do endividamento.
Juan Pablo Bohoslavsky, especialista da ONU Independente sobre a dívida externa e direitos humanos, e o relator especial da ONU sobre o direito à saúde, Dainius Puras, pediram que governos em todo o mundo regulamentem a publicidade dirigida às crianças.
Confira trechos do documento:
“Tais mensagens comerciais têm o potencial para moldar consumidor a longo prazo das e moldar o comportamento financeiro das crianças… Anúncios dirigidos para crianças podem causar o comportamento insalubre do consumidor e se tornar enraizada em uma idade precoce, condicionando as crianças a responder mais tarde a estímulos comerciais através da compra de produtos desnecessários sem levar em conta as consequências financeiras de longo prazo.
Muitas propagandas dirigidas à criança promovem o consumo de alimentos não saudáveis com alto teor de açúcar e pouco valor nutritivo. O que pode ter consequências graves para a saúde susceptíveis de persistir na idade adulta. A regulação da publicidade dirigida às crianças para os produtos alimentares, poderia melhorar substancialmente a saúde e reduzir o peso das despesas de cuidados de saúde.
Além disso, depois de ter sido exposto a um grande número de anúncios dirigidos a crianças, elas podem pressionar seus pais para comprar itens que não são nem orçados nem pedagogicamente necessários, muitas vezes em detrimento de outras necessidades domésticas importantes.
Chamamos os Estados a proibir a publicidade, promoção e patrocínio por parte dos fabricantes de álcool, tabaco e alimentos não saudáveis nas escolas e no contexto de eventos desportivos infantis e outros eventos que podem ser frequentadas por crianças. Além disso, os Estados devem criar diretrizes que quer restringir ou minimizar o impacto da comercialização de alimentos não saudáveis, álcool e tabaco em geral.
Mais amplamente, estamos unidos para regulamentar a publicidade dirigida às crianças, em conformidade com o dever dos Estados de proteger as crianças de prejuízo material a seu bem-estar”.
O Projeto de Lei 5921/2001
O Projeto de Lei 5921/2001, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), pretende criar regras claras para a publicidade dirigida ao público de até 12 anos de idade. Entretanto, sua tramitação na Câmara dos Deputados já completa 15 anos. Dois textos substitutivos foram aprovados – um na Comissão de Defesa do Consumidor, em 2008, e outro na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), em 2009. Esse último também foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), em 2013.
Entretanto, o texto aprovado na CCTCI, de autoria do deputado Osório Adriano (DEM-DF), muda muito pouco o que já temos hoje na legislação: inclui apenas duas frases no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, considerando abusiva “a publicidade que seja capaz de induzir a criança a desrespeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família e que estimule o consumo excessivo”.
Segundo o Instituto Alan, o texto aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor em 2008, de autoria da então deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), é o que melhor protege a criança brasileira. Esse texto é bastante detalhado e define por comunicação mercadológica toda atividade de comunicação comercial para divulgação de produtos e serviços em qualquer suporte (comerciais televisivos, banners e sites na internet, embalagens, promoções, merchandising, etc).
O Projeto de Lei 5921/2001 encontra-se pronto para ser votado pelo plenário.
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação