Google é processado por publicidade infantil ilegal no youtube

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou na semana passada com uma ação civil pública contra a empresa Google Brasil Internet Ltda pela exposição demasiada de crianças na plataforma Youtube. A justificativa do MPF é de que o Youtube tem diversos vídeos postados por particulares que são protagonizados por crianças de até 12 anos de idade, o que coloca em risco os direitos de crianças e adolescentes.

Em nota, o MPF explanou que, “quando atingem grande número de visualizações, os youtubers mirins tornam-se pequenas celebridades. Em decorrência dessa exposição, acabam atraindo a atenção do mercado, que os faz atuar como promotores de vendas, protagonizando anúncios comerciais de produtos dirigidos ao público infantil”.

Mesmo não havendo uma lei específica sobre publicidade infantil no Brasil, a ação se baseia em dispositivos legais presentes na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assim, ao se aproveitarem de crianças para promover produtos, os responsáveis pelos vídeos estariam desrespeitando a lei. Pois, conforme a nota, a publicidade na forma de merchandising protagonizada por crianças ou a elas destinada é proibida no Brasil por ser considerada potencialmente abusiva, já que atinge um público altamente suscetível a apelos emotivos e subliminares. “As crianças não têm maturidade suficiente para discernir entre fantasia e realidade ou para resistir a impulsos consumistas”, afirma a nota

O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) destaca como abusiva a publicidade que “se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança” e, no artigo 39, proíbe que o fornecedor de produtos ou serviços se prevaleça da “fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade”.

Fundamentado por esses dispositivos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) editou em 2014 uma resolução considerando abusiva a publicidade direcionada ao público infantil com a intenção de incentivá-lo ao consumo.

A ação indica que o Google seja obrigado a disponibilizar um aviso na página inicial da plataforma Youtube ou em todos os vídeos postados sobre a proibição de se veicular merchandising ou propaganda de produtos ou serviços protagonizados por crianças ou a elas destinados.

Também foi pedido à Justiça que determine a inclusão de uma ferramenta que permita aos usuários denunciar como impróprio os vídeos com propaganda de produtos destinados ao público infantil.

O Google informou em nota que o YouTube é uma plataforma aberta e destinada a adultos, conforme descrito nos termos de serviço. “Seu uso por crianças deve sempre ser feito num contexto familiar e em companhia de um adulto responsável”, afirma o texto.

A empresa expõe que usuários e anunciantes precisam observar as diretrizes da plataforma e a legislação brasileira e que tanto os vídeos compartilhados como a publicidade veiculada no Youtube podem ser denunciados por qualquer pessoa, sendo excluídos se constatadas irregularidades.

ONU pede regulamentação da publicidade infantil

Os efeitos da publicidade infantil vêm sendo debatidos em todo o mundo há muitos anos. Em alguns países existem amparos legais justamente a fim de proteger as crianças de abusos na publicidade veiculada.

No dia 09 de agosto deste ano, especialistas em direitos humanos das Nações Unidas alertaram sobre o impacto da publicidade comercial dirigida a crianças, já que a mesma induz em uma idade precoce a cultura do consumo e do endividamento.

Juan Pablo Bohoslavsky, especialista da ONU Independente sobre a dívida externa e direitos humanos, e o relator especial da ONU sobre o direito à saúde, Dainius Puras, pediram que governos em todo o mundo regulamentem a publicidade dirigida às crianças.

Confira trechos do documento:

“Tais mensagens comerciais têm o potencial para moldar consumidor a longo prazo das e moldar o comportamento financeiro das crianças… Anúncios dirigidos para crianças podem causar o comportamento insalubre do consumidor e se tornar enraizada em uma idade precoce, condicionando as crianças a responder mais tarde a estímulos comerciais através da compra de produtos desnecessários sem levar em conta as consequências financeiras de longo prazo.

Muitas propagandas dirigidas à criança promovem o consumo de alimentos não saudáveis com alto teor de açúcar e pouco valor nutritivo. O que pode ter consequências graves para a saúde susceptíveis de persistir na idade adulta. A regulação da publicidade dirigida às crianças para os produtos alimentares, poderia melhorar substancialmente a saúde e reduzir o peso das despesas de cuidados de saúde.

Além disso, depois de ter sido exposto a um grande número de anúncios dirigidos a crianças, elas podem pressionar seus pais para comprar itens que não são nem orçados nem pedagogicamente necessários, muitas vezes em detrimento de outras necessidades domésticas importantes.

Chamamos os Estados a proibir a publicidade, promoção e patrocínio por parte dos fabricantes de álcool, tabaco e alimentos não saudáveis nas escolas e no contexto de eventos desportivos infantis e outros eventos que podem ser frequentadas por crianças. Além disso, os Estados devem criar diretrizes que quer restringir ou minimizar o impacto da comercialização de alimentos não saudáveis, álcool e tabaco em geral.

Mais amplamente, estamos unidos para regulamentar a publicidade dirigida às crianças, em conformidade com o dever dos Estados de proteger as crianças de prejuízo material a seu bem-estar”.

O Projeto de Lei 5921/2001

O Projeto de Lei 5921/2001, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), pretende criar regras claras para a publicidade dirigida ao público de até 12 anos de idade. Entretanto, sua tramitação na Câmara dos Deputados já completa 15 anos. Dois textos substitutivos foram aprovados – um na Comissão de Defesa do Consumidor, em 2008, e outro na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), em 2009. Esse último também foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), em 2013.

Entretanto, o texto aprovado na CCTCI, de autoria do deputado Osório Adriano (DEM-DF), muda muito pouco o que já temos hoje na legislação: inclui apenas duas frases no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, considerando abusiva “a publicidade que seja capaz de induzir a criança a desrespeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família e que estimule o consumo excessivo”.

Segundo o Instituto Alan, o texto aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor em 2008, de autoria da então deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), é o que melhor protege a criança brasileira. Esse texto é bastante detalhado e define por comunicação mercadológica toda atividade de comunicação comercial para divulgação de produtos e serviços em qualquer suporte (comerciais televisivos, banners e sites na internet, embalagens, promoções, merchandising, etc).

O Projeto de Lei 5921/2001 encontra-se pronto para ser votado pelo plenário.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Relator da OEA denuncia violação à liberdade de expressão em protestos no Brasil

“A situação da liberdade de expressão no Brasil nos últimos seis meses tem se complicado bastante”, lamentou o relator especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), Edison Lanza, que esteve em São Paulo nesta segunda-feira, 26, em debate promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e a Artigo 19.

Para ele, o momento político no país é delicado, mas também é uma boa oportunidade para a reflexão sobre a função democrática que cumpre a liberdade de expressão. “A livre manifestação é um direito fundamental para consolidar e reafirmar o sistema democrático”, afirma.

Lanza, que é jornalista e advogado, destacou algumas questões que considera uma tendência no Brasil no decorrer dos últimos 10 anos, que teriam se constituído em “problemas estruturais”: a violência contra jornalistas e comunicadores; o uso de aparato policial para inibir o trabalho da imprensa; a interpretação que se dá sobre o que é liberdade de expressão e o fato dela não funcionar para proteger a livre manifestação; e a falta de diversidade nos meios de comunicação no país, o que prejudica o pluralismo e a multiplicidade de ideias.

O relator mostrou muita preocupação com questões que eram consideradas avanços, mas que agora apresentam uma pauta de retrocessos, na medida em que caracterizam um momento “regressivo em direitos humanos, o que se aplica à liberdade de expressão, como a tentativa de acabar com a Lei de Acesso à Informação”. O início deste “desmonte” teria sido a incorporação da Controladoria Geral da União (CGU) pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, pois, nessa estrutura, o órgão pode sofrer possíveis interferências políticas. Por isso, Lanza reforça a importância da autonomia e independência da CGU.

Segundo Lanza, o relatório de 2016 ainda está em construção, mas já é possível afirmar que houve uma grande derrota no que tange à liberdade de expressão no Brasil. Para ele, o enfraquecimento da comunicação pública com a Medida Provisória (MP) que alterou o caráter da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e destituiu o Conselho Curador trará efeitos muito negativos para o país. “Este é um setor que muito avançou nos últimos anos. Houve um fortalecimento dos canais públicos, com uma programação plural e diversa e uma visão diferente da dos canais comerciais. Mas que perde muito com essa MP e com a maior interferência do governo [atual]”, frisa.

Manifestações e violência policial

Edison Lanza destaca que nesta visita, a OEA está trabalhando a questão do protesto social no Brasil. “Estão sendo desrespeitados direitos básicos da pessoa no espaço público. Jornalistas que trabalham atendendo interesses públicos enfrentam dificuldades para cobrir manifestações”.

Ele critica o uso desproporcional da força para reprimir as manifestações, tanto contra os manifestantes quanto em relação aos profissionais que cobrem os protestos, “A violência contra jornalistas vai das agressões à apreensão de materiais de trabalho, além da militarização e da agressão e detenção de participantes. Nesse momento, mais do que nunca temos que retomar a defesa da liberdade de expressão”, afirma.

Camila Marques, da Artigo 19, reforça que um tema muito recorrente nas relatorias da OEA é o das violações à liberdade de expressão em protestos e manifestações sociais, e que isso vem se tornando cada vez mais evidente a partir de julho de 2013 quando houve muita visibilidade aos protestos. Ela critica a ação do Estado, que violenta ainda mais os direitos dos cidadãos. “Ao invés do Estado parar e repensar suas ações e suas práticas, ele aprimorou e sofisticou tanto suas técnicas de repressão quanto seus argumentos jurídicos para impedir a manifestação de acontecer ou para criminalizar o manifestante. Hoje estão aplicando tipos penais bastante complexos, como a formação de organização criminosa”, afirma ela.

Marques destaca a falta de um protocolo para a ação dos militares durante abordagem de manifestantes na rua. “Desde 2013, a policia faz uso desproporcional da força contra os manifestantes. A gente nem sabe se existem protocolos, já que são documentos sigilosos. Questionamos em determinado momento sobre o que eles [policiais] seguiam para o uso dos armamentos ‘não letais’. Eles indicaram que seguiam a orientação dos fornecedores. Lemos um desses manuais, que dizia que o equipamento só poderia ser usado da cintura para baixo. Ou seja, eles não seguem nem os manuais, que não são documentos oficias.”

Para Marques, existe um vácuo normativo na regulamentação do uso da força. “Existe desde 2014 uma ação judicial tentando obrigar o estado de São Paulo a constituir um protocolo com base em normas internacionais e até mesmo em normativas gerais de uso da força que já existem no Brasil. Em 2015, um juiz decidiu que a polícia não pode agir de qualquer forma. Ele entendeu que os policiais tinham que ter algum amparo legal para seguir, e proferiu uma liminar positiva [à demanda]. Porém, o estado recorreu e ainda aguarda nova decisão”, explica.

Criminalização pelo Judiciário

Outra questão que Marques levanta é a pauta de retrocessos no Congresso Nacional, que tenta reinserir na Lei Antiterrorismo trechos que já foram suprimidos do projeto de lei, como a questão dos atos de terrorismo decorrentes de posições político-ideológicas e a exclusão da ressalva de que a lei não se aplica aos movimentos sociais, desde que estejam reivindicando direitos constitucionais. “A lei já é bastante problemática, e vale lembrar que o Judiciário, em sua maioria, é um Judiciário conservador, que pode fazer uma interpretação bastante criminalizadora desse projeto [texto legal]. Esse é um alerta para que a sociedade acompanhe [a tramitação do projeto], para que não haja ainda mais retrocessos”.

Um alerta à sociedade sobre as posturas criminalizadoras do Judiciário em relação aos movimentos sociais e às pessoas presentes em protestos também se encontra nas últimas decisões de juízes que responsabilizam profissionais da comunicação por acidentes ocorridos nas manifestações. “Decisões judiciais estão culpabilizando a vítima, inclusive jornalistas que cobrem manifestações e estão no exercício de suas profissões, como é os casos de Alex Silveira e Sergio Silva. Os dois cobriam manifestações e perderam a visão por conta de balas de borrachas disparadas pela polícia. Nos dois casos, a Justiça decidiu que eles não deveriam receber indenização do Estado e que eram responsáveis pelo acontecido”, lamenta.

Renata Miele, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), aponta que as repressões policiais em protestos têm sido seletivas. “Nenhuma manifestação convocada por grupos de direita sofreu qualquer tipo de repressão policial. Todas as manifestações com pautas em defesa da democracia, saúde, educação foram reprimidas. Um exemplo claro foi a manifestação dos professores no Paraná.”

Ela afirma que a vedação à liberdade de expressão tem se ampliado e agora também se manifesta em outros espaços da sociedade, como nos ambientes universitário e escolar, e cita como exemplo o chamado projeto Escola sem Partido, que tenta confundir a sociedade sobre quais são efetivamente suas intenções. Miele pede ao relator especial da OEA que esta questão igualmente seja tratada no relatório. “Não podemos permitir retrocessos. A livre expressão do pensamento é a base para a produção do conhecimento e de formação de uma sociedade mais critica e mais politizada.”

Liberdade de expressão na internet

Edison Lanza citou o Marco Civil da Internet como muito importante para que o Brasil alcance um efetivo exercício de liberdade de expressão, na medida em que defende a neutralidade de rede, a não discriminação e a proteção da privacidade. “Uma lei que é exemplo para outros países, mas que está em risco por tentativas de alterações no Congresso”, aponta ele.

Sobre o assunto, Marques sustenta que estamos vivendo um período de “vigilantismo” virtual e lembra da ação policial que culminou com a prisão de 21 manifestantes, caracterizada pela atuação de um militar que estava infiltrado no grupo de pessoas que simplesmente organizava sua livre manifestação e que vigiava as redes sociais. “Temos que lutar até mesmo pelo direito ao protesto”, desabafa.

Para Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Marco Civil da Internet está passando por um momento crucial no Congresso Nacional. “Uma série de projetos de lei tenta mudar a lei já aprovada. Um deles libera o acesso aos dados das pessoas sem ordem judicial para qualquer autoridade policial. São projetos que violam a privacidade do usuário com a falsa ideia de que estão combatendo crimes cibernéticos”, pondera.

Repressão a jornalistas em protestos

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) está produzindo um relatório sobre os casos de violência policial sofridos por jornalistas brasileiros durante a cobertura de protestos nos últimos três anos. Órgão independente da Organização dos Estados Americanos (OEA), a CIDH enviou ao país dois representantes para colher relatos, evidências e dados que possam comprovar as recorrentes denúncias de violência, intimidação e cerceamento da liberdade de expressão nos diferentes protestos de rua que eclodiram no país desde 2013.

O relatório deve estar pronto no início de 2017, quando será apresentado ao Pleno da Comissão. Ela vai decidir se aprova o relatório ou não. Se aprovar, a CIDH pode encaminhar uma ação para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

De acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), entre 2013 e 2016 foram registrados 208 casos de agressões, prisões indevidas, destruição de equipamentos e cerceamento do trabalho de profissionais de imprensa pelas forças policiais do país, em especial pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

OEA: “Brasil enfrenta contexto delicado para liberdade de expressão”

Relator da OEA, Edison Lanza afirma preocupação com repressão a protestos, vigilância na internet e retirada dos mecanismos de autonomia da EBC

Por Bia Barbosa*

Em agosto de 2015, o relator especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a liberdade de expressão – o uruguaio Edison Lanza – esteve no Brasil e, a convite da sociedade civil, se reuniu com diversas autoridades e ministros do governo Dilma Rousseff.

Na época, o objetivo de Lanza era dialogar com o poder público brasileiro no sentido de promover políticas públicas de incentivo à diversidade e pluralidade na mídia brasileira.

A partir da escuta de demandas de organizações com o Intervozes e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Lanza colocou a relatoria especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos à disposição para contribuir no debate sobre um novo marco regulatório para as comunicações no país, que democratizasse a liberdade de expressão no Brasil.

Pouco mais de um ano depois, Lanza volta o país num contexto muito diferente para o exercício deste direito. Nesta segunda-feira 26, ele participou em São Paulo de um debate sobre o estado da garantia da liberdade de expressão no Brasil e demonstrou preocupação com as ameaças em curso ao direito à palavra em nosso território.

“Estamos num contexto difícil e delicado para a democracia no Brasil, daí a importância de discutirmos o papel da liberdade de expressão para as democracias. A Convenção Americana de Direitos Humanos, as cartas e princípios da OEA falam de uma democracia com pluralismo de ideias, com debate democrático e a garantia de um jornalismo livre e independente, não apenas uma democracia formal”, explicou Edison Lanza.

Segundo o relator, a ausência de políticas de promoção à diversidade e pluralidade midiática é uma característica histórica do Brasil. Porém, a preocupação hoje é com a regressão de avanços obtidos no país no campo das comunicações. “O princípio da não regressão em matéria de direitos humanos também se aplica à liberdade de expressão”, lembrou.

Em junho deste ano, em conjunto com a relatoria especial da ONU para o tema, a OEA publicou um comunicado em que manifestava preocupação com as medidas adotadas pelo então governo interino de Michel Temer em relação à intervenção na direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e à conversão da Controladoria Geral da União (CGU) em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle.

“A interferência na direção da EBC e a conversão da CGU em Ministério são passos negativos para um país conhecido pelo seu sólido compromisso com a liberdade de opinião e expressão”, falava o texto.

Lanza contou que, na época, o governo Temer respondeu ao comunicado afirmando que respeitaria a autonomia da EBC, mas isso não aconteceu.De lá pra cá, como comentamos várias vezes neste blog, um golpe também foi dado ao caráter público da Empresa Brasil de Comunicação.

Além da destituição do presidente Ricardo Melo e da dissolução do Conselho Curador, ambos via medida provisória, da extinção de programas e demissão de dezenas de profissionais, na última semana a nova direção da EBC trocou os ouvidores de rádio e TV da empresa. Foi a primeira vez que eles foram indicados diretamente pelo Planalto.

Direito aos protestos e à privacidade

Outro tema que preocupa a relatoria da OEA é o avanço da repressão a protestos. A visita de Lanza ao país foi justamente para ouvir movimentos sociais e ativistas vítimas de repressão das forças de segurança em manifestações públicas.

O relator está preparando um informe temático da região sobre os protestos e veio ao Brasil para coletar casos específicos. Com o apoio da Artigo 19, organização internacional que trabalha com este tema, já se reuniu em Brasília com movimentos de luta pela terra e, em São Paulo, com estudantes, mulheres e comunicadores que cobrem protestos e também são atingidos pela repressão policial.

“Protestos ganham força quando a população não encontra outra forma de interlocução com os governos. Para muitos grupos sociais, a proteção a esta forma de expressão é vital. E hoje vemos no Brasil uma série de obstáculos para a garantia do direito ao protesto, como a exigência de autorização prévia para as manifestações, o uso desproporcional da força – em vez de se facilitar o exercício deste direito – a violência contra jornalistas, com a apreensão de equipamentos de trabalho e a vigilância das lideranças”, afirmou Edison Lanza.

O relator citou ainda como preocupante os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que pretendem alterar o Marco Civil da Internet e autorizar uma coleta massiva de dados da população. Ele lembrou que a proteção do direito à privacidade dá ao cidadão o direito de saber, por exemplo, quem está coletando dados, por quanto tempo e o que está sendo feito com eles.

Durante o evento em São Paulo, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA lançou uma publicação com os informes dos últimos 10 anos sobre a situação no Brasil.

O documento também aponta problemas como a intimidação e ameaças a comunicadores e blogueiros; decisões judiciais que restringem a liberdade de expressão, como casos de remoção e proibição da publicação de determinados conteúdos; e a criminalização das rádios comunitárias.

No domingo 25, Edison Lanza também se reuniu com organizações da sociedade civil e comunicadores e recebeu uma série de denúncias de violações que vem sendo praticadas no país.

Ele se comprometeu a analisar todos os casos. Já as entidades brasileiras, entre elas o Intervozes, devem se organizar para solicitar formalmente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma audiência pública em Washington, sede da OEA, em março de 2017, para discutir o quadro de violações à liberdade de expressão no Brasil.

“Hoje, mais do que nunca, é importante retomar a defesa desssa liberdade. Sem sua plena vigência, não há verdadeira democracia”, concluiu Lanza.

*Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos, coordenadora do Intervozes e secretária geral do FNDC.

Após mais de 50 anos de luta, rádio Frei Caneca inicia transmissão

Uma espera de mais de cinco décadas pela instalação e funcionamento de uma emissora pública de rádio no Recife parece finalmente ter chegado ao fim. A rádio Frei Caneca iniciou a transmissão do seu sinal, ainda em caráter experimental, na frequência 101,5 FM no dia 30 de junho deste ano. Foi um longo ciclo de lutas, que incluiu diversas tentativas de localização, projetos de engenharia de telecomunicação e processos licitatórios.

A rádio Frei Caneca foi idealizada pelo vereador Liberato Costa Júnior, autor de um projeto apresentado e aprovadona Câmara de Vereadores do Recife em 1960, virando lei municipal. O objetivo era estabelecer uma emissora pública de rádio que atendesse às necessidades da população em termos de informação e de compartilhamento cultural.

Porém, por muito tempo a lei não foi levada adiante. Por décadas, artistas, produtores, agentes, militantes e incentivadores do setor cultural e da democratização da comunicação pressionaram a prefeitura pelo cumprimento da lei e a instalação da Frei Caneca FM.

Ainda hoje não há uma grade de programação fixada nem datas estimadas para o lançamento oficial da rádio. A prefeitura do Recife divulgou nota em julho informando apenas que o fluxo de atividades para conclusão do processo de implementação seguirá propostas discutidas entre a Fundação de Cultura da Cidade e a sociedade civil.

Mesmo assim, é possível perceber que a rádio já tem uma proposta desenhada para a sua gestão. Segundo Patrick Torquato, gerente de Música da prefeitura do Recife, em entrevista para o jornal Diário de Pernambuco, a Frei Caneca se propõe a apresentar um formato mais plural que saia da lógica musical anglo-americana, se constituindo em uma proposta com eixo centrado no aspecto educativo. “Como ferramenta educativa, a emissora não vai propagar músicas que ‘objetifiquem’ a mulher ou incentivem a sexualização infantil, por exemplo. A grade será definida por equipe de programação, sob orientação democrática da sociedade. Será plural, diversa, representativa”, relatou Torquato na entrevista.

Projeto em andamento

O documento com as propostas de trabalho da emissora pública, formulado há dois anos, deve ser homologado nos próximos dias. Entre as principais proposições, estão: produção de 90 minutos diários de conteúdo jornalístico, sendo metade do tempo dedicado a temas locais; três horas semanais de programação voltada ao público infantil e infanto-juvenil; garantia de que pelo menos 30% do espaço na grade de programação musical seja ocupado por artistas pernambucanos.

O projeto de estruturação da emissora prevê, além da ocupação de sede própria, a contratação de funcionários por meio de concurso público e a formação de um conselho gestor (com seis representantes da sociedade civil, um representante dos servidores da emissora e quatro representantes do governo) com funções fiscalizadoras e propositivas.

A sociedade civil organizada trabalha para que a proposta de formação de um conselho gestor seja efetivamente colocada em prática, pois acreditam que, para ser uma emissora realmente pública, sua gestão deve ser compartilhada. “Vamos acompanhar o processo final de implementação e se o formato atende aos anseios da comunidade cultural”, garantiu Eduardo de Matos, representante do Sindicato dos Músicos de Pernambuco, em entrevista para a mesma matéria do Diário de Pernambuco.

Para a defesa das propostas da sociedade civil, foram convocados o Conselho Municipal de Políticas Culturais, FOPECOM, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC/PE), Centro Luiz Freire, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central Única das Favelas (CUFA), Centro Acadêmico de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sindicado dos Radialistas de Pernambuco, Sindicado dos Jornalistas de Pernambuco, Fórum da Música de Pernambuco, Sindicato dos Músicos, Quilombo Malunguinho e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, entre outras entidades.

A partir destas entidades, será formado o colegiado responsável pela escolha dos membros da sociedade – inscritos voluntariamente como candidatos aos cargos – aptos a compor o conselho gestor da rádio Frei Caneca. O mesmo colegiado elegerá, entre um mínimo de oito nomes indicados pelo governo, quatro representantes do poder público para o conselho. Até o fim do primeiro ano de funcionamento da rádio, um concurso público deve ser realizado, a fim de que pelo menos 40% do efetivo da emissora seja contratado até o 13º mês de atividades.

Veja todas as propostas

– Produzir, no mínimo, 90 minutos diários de jornalismo (radiojornalismo; radio documentário; jornal noticioso; boletins de notícias; revista generalista, desde que possua reportagens e entrevistas), sendo um mínimo de 50% deste conteúdo de abrangência local, independentemente de veiculação na Voz do Brasil;

– Garantir o mínimo de três horas semanais de programas voltados para os públicos infantil e infanto-juvenil, com ênfase em conteúdos locais e regionais;

– Incentivar e promover rotas e bens turísticos da Região Metropolitana do Recife;

– Promover conteúdos educativos que contemplem literatura, música, geografia, história, ecologia, saúde, meio ambiente, matemática, filosofia, introdução às artes e outras áreas do saber, espalhados na programação como inter-programas curtos e em programas específicos semanais;

– Realizar eventos culturais com cobrança de ingressos com a finalidade de estimular o mercado cultural da cidade;

– Desenvolver parcerias com emissoras de rádio comunitárias;

– Gerir loja física ou virtual para a venda de produtos ligados à emissora (discos, lembranças, souvenires) com produtos oriundos de SIC/Municipal, Funcultura e outros meios de incentivo;

– Produzir coletâneas musicais, como a gravação de músicas instrumentais executadas por instrumentistas pernambucanas, dada a escassez de material gravado por mulheres no segmento;

– Promover campanhas de combate à homofobia, ao machismo, ao preconceito.

Idealizador faleceu antes de ouvir a rádio no ar

Liberato, decano da Câmara Municipal do Recife, morreu em 13 de janeiro de 2016, aos 97 anos, sem ouvir a rádio pela qual tanto lutou.

Durante mais de 50 anos, foram feitas várias promessas e previsões para o início das atividades da rádio, e todos os anos ele destinava recursos para ver o projeto sair do papel.

A Frei Caneca FM é primeira emissora pública da história do Brasil a entrar no ar com participação popular e diálogo, de forma a garantir a transparência e o caráter público da rádio.

Para a classe artística, a emissora será importante por abrir um espaço para divulgação da música produzida em Pernambuco e região. A propriedade pública evitaria o predomínio econômico na escolha dos artistas e na divulgação de discos e músicas, ao contrário das rádios comerciais.

A rádio ainda aguarda visita de concessão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), à qual já foram remetidos convite e relatórios formais, para sua operação formal.

 Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do jornal Diário de Pernambuco

Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprova relatório sobre Direito à Comunicação

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) aprovou por unanimidade, em sua 20ª reunião ordinária, realizada no dia 16 de setembro, em Brasília, o relatório sobre Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão na Mídia Brasileira.

O documento destaca as graves violações de direitos praticadas pela mídia brasileira, principalmente em programas com cunho “policialesco”, e foi construído a partir de denúncia firmada pelas organizações ANDI — Comunicação e Direitos, Intervozes — Coletivo Brasil de Comunicação Social e Artigo 19, que informaram ao CNDH a ocorrência de violações de direitos humanos e infrações a leis na mídia brasileira, especificamente em programas de rádio e TV. Os denunciantes basearam-se nos resultados de monitoramento de 28 programas, produzidos e transmitidos em 10 capitais das cinco regiões do país em março de 2015, obtendo um total de 1.928 narrativas analisadas.

Inicialmente discutido e formulado pela Comissão sobre Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação da CNDH, o relatório foi levado ao plenário do conselho. Ali, recebeu novos olhares e foi ampliado com novas recomendações e propostas de ações apontadas pelos conselheiros.

Helena Martins, integrante do Intervozes e conselheira do CNDH, destaca que, desde o início da atual gestão do conselho, existe uma preocupação com a abrangência dos impactos da concentração da propriedade midiática e da veiculação de conteúdos violadores, além da necessidade da sociedade avançar na compreensão da comunicação. “No início desta gestão, levantamos a questão de constituir uma comissão que trabalhasse a fim de se fazer cumprir o papel de ampliar o entendimento na sociedade de que a comunicação é um direito humano fundamental. Assim nasceu a Comissão Permanente de Direitos à Comunicação e à Liberdade de Expressão”, frisa Helena.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos foi criado pela Lei nº 12.986/2014 e possui como atribuições, entre outras: receber representações ou denúncias de condutas contrárias aos direitos humanos; habilitar-se como assistente em ações cíveis ou criminais sobre violações desses direitos; recomendar ações em órgãos públicos.

Nessa perspectiva, o conselho, que tem se proposto a fomentar o diálogo social e a busca conjunta de soluções, listou nove recomendações no relatório:

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação