Brasileiro está desprotegido diante do Estado que vende dados pessoais

Envio de informações de aposentados do INSS a empresa de crédito consignado demonstra a barbárie em que se encontra o direito à privacidade

Por Marina Pita*

Boa parte das pessoas respondem com um simples “eu não tenho nada a esconder” quando questionadas sobre suas necessidades de privacidade. Em geral, as pessoas pensam que quem não faz nada errado não precisa ter seus dados salvaguardados e acessíveis apenas a quem tiver autorização. Mas não é bem assim, e um caso recente pode nos ajudar a mostrar como são grandes os riscos da falta de privacidade.

No final de setembro, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) ajuizou uma ação civil pública contra o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por ter permitido acesso aos dados dos aposentados e demais beneficiários da Previdência Social à Tifim Recuperadora de Crédito e Cobranças Ltda. A Tifim usa os dados para oferecer crédito consignado a aposentados por correspondência.

De acordo com o MPF-SP, os dados foram obtidos ilegalmente. Ao final do processo, a Procuradoria quer que a Justiça condene o INSS e a empresa ao pagamento de indenizações por danos morais individuais e coletivos.

Este não é um caso isolado de desrespeito do Estado no uso de dados dos cidadãos. Em 2013, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) repassou informações cadastrais de 141 milhões de brasileiros para a Serasa, empresa privada que gerencia um banco de dados sobre a situação de crédito dos consumidores do País.

Em nenhum momento foi perguntado aos cidadãos se eles queriam ou autorizavam a entrega de suas informações para empresas privadas de crédito ou de qualquer outro ramo econômico. Aliás, a ausência de acordo entre Estado e cidadãos sobre como seus dados serão utilizados é notória nas esferas federal, estadual, municipal, além de autarquias públicas.

Por fim, diante do assombro público e indignação causados pela divulgação do acordo do TSE com a Serasa, o contrato foi cancelado. Mas ninguém está seguro.

Ambos os casos provam que não é apenas para esconder ilegalidades que serve e privacidade, mas também para proteger os cidadãos nas relações de consumo e garantir que não haja vantagem justamente da parte economicamente mais forte.

Demonstram, ainda, a total falta de respeito, bom senso e ética do Estado brasileiro com os dados dos cidadãos, sem falar no desrespeito à Constituição, e, em consequência, a urgência de aprovação de uma lei de proteção de dados pessoais.

A entrega dos dados dos cidadãos pelo Estado é uma das formas mais absurdas de violação da privacidade, porque os cidadãos não têm a opção de não entrega das informações. É obrigado a entregar o Imposto de Renda todos os anos, por exemplo, e quem garante que estes dados serão mantidos em segurança dentro dos órgãos do governo?

Que não haverá repasse entre pastas e que uma delas chegará a formalizar acordo com empresa privada? As guardas legais para isso são frágeis, uma vez que o Brasil é um dos poucos países do mundo que até hoje não têm uma lei de proteção de dados pessoais.

Enquanto isso, permanece o impasse pela votação do PL 5276/16, que segue em tramitação na Câmara dos Deputados, relegado a segundo plano após o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

O PL, formulado e reformulado a partir de uma série de debates e negociações com os diversos atores interessados, estabelece que o tratamento de dados pessoais pela administração pública requer que o responsável informe ao titular as hipóteses em que será admitido o tratamento de seus dados.

O PL conta com uma seção específica para regular o tratamento de dados pessoais pelo poder público, em que deve ser realizado para atendimento de sua finalidade pública, na perseguição de interesses públicos.

De acordo com o texto, os órgãos do poder público devem informar as hipóteses em que realizam o tratamento de dados pessoais, com fácil acesso e atualizado constantemente – de preferência em seus sítios na web. O uso compartilhado de dados pessoais pelo poder público também deve atender a finalidades específicas de execução de políticas públicas. E, finalmente, o PL veda ao poder público transferir dados pessoais a entidades privadas.

Mais uma vez, insistimos: é urgente a aprovação de uma lei de dados pessoais no Brasil porque, entre várias outras razões, o agravamento da crise econômica eleva o grau de risco de ampliação da promiscuidade entre poder público e entidades de crédito privadas. Quem perde são todos os cidadãos.

*Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes

Definidas comissões que farão análise das medidas sobre EBC e concessão de rádios e TVs

As comissões mistas encarregadas de analisar e emitir parecer sobre as Medidas Provisórias (MPs) 744/2016, que estabelece mudanças na estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e 747/2016, que altera o processo de concessão de rádios e TVs, foram instaladas e elegeram seus presidentes e relatores na quarta-feira, dia 19 de outubro.

A MP 744/2016 prevê a extinção do Conselho Curador da EBC. Assim, a empresa passaria a ser administrada por um Conselho de Administração e por uma Diretoria-Executiva, mantendo em sua estrutura ainda um Conselho Fiscal. A medida também dá uma nova composição ao Conselho de Administração da empresa, reduzindo a Diretoria-Executiva em dois diretores, e estabelece que todos os membros serão nomeados e exonerados pelo Presidente da República.

Risco ao caráter público da EBC
A Medida Provisória nº 744 altera a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, que criou a empresa. O Conselho Curador extinto pela MP é uma das principais conquistas da sociedade civil organizada com atuação no campo da comunicação. Afinal, uma gestão democrática só se estabelece de fato se houver um modelo de gestão com participação social – o que foi conquistado pelo Conselho Curador.

Outro retrocesso trazido pela MP 744 é o fim do mandato de diretor-presidente, que, pelo modelo previsto na lei, só poderia ser destituído por dois votos de desconfiança do Conselho Curador. Essa alteração faz com que o comando da empresa fique refém de nomeações e exonerações por parte da Presidência da República. A MP acaba por alterar o artigo da lei que reafirma a autonomia do sistema público de radiodifusão em relação ao governo federal para definir a produção, programação e distribuição de conteúdo.

Medida favorece aparelhamento
Segundo Jonas Valente, coordenador de formação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF e jornalista concursado da TV Brasil, com o discurso de “atacar o partidarismo e o aparelhamento pelo governo”, o atual governo federal retira os principais mecanismos que justamente protegiam a empresa – com todos os seus defeitos e limites – deste citado partidarismo e aparelhamento pelos governos de plantão.

“A MP escancara o que o governo Temer queria: extirpar o diretor-presidente indicado na época de Dilma Rousseff, acabar com a participação social na empresa e atacar os instrumentos concretos que configuravam o seu caráter público. Ou seja, na prática, a MP abre a porteira para a EBC voltar a fazer comunicação governamental”, lamenta.

Violações à Constituição Federal
A MP é mal vista por todos os segmentos sociais que defendem a democratização da comunicação, pelas entidades sindicais das categorias que atuam na EBC (jornalistas e radialistas) e pela Comissão de Empregados da empresa. No começo do mês, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, também se posicionou sobre a medida, dizendo que ela “traz violações formais e materiais à Constituição Federal”, e encaminhou para o Congresso Nacional nota técnica sobre o tema.

A Comissão que irá analisar a MP 744 será presidida pelo deputado federal Ságuas Moraes (PT-MT), tendo o senador Paulo Rocha (PT-PA) como vice-presidente. Foram designados como relator o senador Lasier Martins (PDT-RS), e como relatora-revisora a deputada federal Angela Albino (PCdoB-SC). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 47 à Medida Provisória 744, que agora segue com a relatoria.

Mudanças na concessão de rádios e TVS
A MP 747/2016, por sua vez, altera o processo de concessão de rádios e TVs, determinando que interessados em renovar a concessão ou a permissão devem apresentar requerimento nos 12 meses anteriores ao término do respectivo prazo da outorga. As entidades que não fizerem o pedido de renovação no tempo previsto serão notificadas para que se manifestem em até 90 dias. Também será possível regularizar permissões que já estejam vencidas. Estas determinações “afrouxam” os deveres dos concessionários que prestam serviço por meio de uma concessão pública.

Na prática, a medida concede anistia ampla e geral às emissoras que estavam com suas concessões vencidas ou que não tinham solicitado a renovação no prazo legal. Quase a metade das emissoras de rádio de todo o país estão nesta situação, além de um grande número de emissoras de TV.

Discriminação às rádios comunitárias
Assim como a outra medida citada acima, também a MP 747 recebe duras críticas das entidades que defendem a democratização da comunicação. Isso porque ela discrimina a comunicação pública, anistiando outorgas privadas e permitindo que todas obtenham a renovação, mas deixando de fora as rádios comunitárias que também estão com a autorização vencida ou prestes a vencer.

O fato da MP 747 ignorar as rádios comunitárias que também precisam ter suas autorizações renovadas não é casual. O governo de Michel Temer deixou de lançar dezenas de editais previstos para a criação de novas emissoras comunitárias, prejudicando estas comunidades e impedindo as rádios de fazer publicidade.

A comissão mista da MP 747/2016 será presidida pelo senador Cidinho Santos (PR-MT), tendo como vice a deputada Gorete Pereira (PR). O relatório será elaborado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) e a relatora-revisora será a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 41 emendas à medida provisória, que tem como prazo final de funcionamento o dia 1º de dezembro, podendo ser prorrogado por mais 60 dias. A matéria segue neste momento com a relatoria.

O que são as medidas provisórias?
Medida provisória é um instrumento com força de lei elaborado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, cujo prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período. O documento legal produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para sua transformação definitiva em lei.

Depois de aprovada na Câmara e no Senado, a MP (ou o projeto de lei de conversão, se houver modificação do texto original) é enviada à Presidência da República para sanção. O presidente tem a prerrogativa de vetar o texto de forma parcial ou integralmente, caso discorde de eventuais alterações feitas no Congresso Nacional.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Globo usa ‘A Lei do Amor’ para desinformar sobre regulação da mídia

Novela das 21h faz associação mentirosa entre “regulamentação da mídia” e silenciamento de jornalistas; emissora impõe censura a vídeo

Por André Pasti*

A televisão segue exercendo um papel central na difusão de ideias na sociedade brasileira: 95% dos brasileiros assistem televisão, 73% diariamente, com uma média de quatro horas e meia por dia em frente ao televisor. Os dados são da última Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

Consciente desse papel, o Grupo Globo continua usando sua rede de emissoras na TV aberta e seus canais na televisão paga para defender seus interesses políticos e econômicos, atuando com velhas e desonestas práticas.

O episódio da última sexta-feira 14 da novela A Lei do Amor foi mais um capítulo da história de desinformação do Grupo Globo. Em uma passagem do folhetim a emissora fez uma associação enganosa entre uma ameaça à liberdade de um jornalista com a “regulamentação da mídia”. Assista aqui ao vídeo.

A associação entre a violência da vilã da trama, que tenta calar um jornalista investigativo, à proposta de “regulamentação da mídia” é mentirosa e irresponsável, isso sem falar na confusão criada com o uso errado da terminologia.

Novela A lei do Amor

A Globo deixa evidente sua intenção de confundir o telespectador sobre o debate de regulação dos meios de comunicação, sendo este mais um ataque entre muitos que a empresa já cometeu em todas as ocasiões que a proposta de regulamentação ganhou visibilidade.

Enquanto o tema é tratado de forma enviesada na novela – ficção voltada ao entretenimento – a emissora faz total silêncio sobre ele em seu jornalismo diário. As poucas vezes em que a regulação da mídia foi tratada nos programas jornalísticos acabou sendo associada à “censura”, quase sempre numa crítica inoportuna aos processos de regulação realizados em países vizinhos.

Apesar do respaldo de órgãos internacionais sobre o tema – ONU e OEA defendem a necessária regulação dos meios de comunicação – na maioria das abordagens feitas nos telejornais, não há debate ou consulta a especialistas na temática ou porta-vozes destas instituições.

O que significa “regulamentação da mídia”?

A regulação da mídia corresponde, na verdade, a uma demanda histórica por regulamentar o capítulo V da Constituição de 1988, que trata da Comunicação Social. A ausência da regulamentação dos artigos constitucionais – artigos 220 ao 224 – demonstra um impasse que a sociedade brasileira ainda não superou: o de ampliar as vozes para além de sua elite política e econômica.

A Constituição proíbe a formação de monopólios ou oligopólios da comunicação, estabelece que parte da programação deve ter fins educativos e culturais e que o sistema de comunicação deve ser plural e não dominado apenas pela mídia comercial.

Ainda assim, desde 1988 nenhuma lei que regulamente e detalhe esses dispositivos foi aprovada e sancionada pela Presidência da República – órgão exclusivamente responsável pela regulamentação no país. A regulamentação de tais artigos é condição fundamental para que os princípios constitucionais sejam aplicados.

Tal regulamentação também pretende garantir que o sistema de comunicação no país seja mais bem regulado pelos órgãos competentes, já que garantiria o aparato legal para a regulação dos meios.

Na ausência de regulamentação da Constituição, as ações de regulação do setor acabam sendo objeto de disputas políticas e interpretações variadas e quem perde com isso, obviamente, é o cidadão que, na maioria das vezes, não possui as condições necessárias para intervir nestas disputas.

Para exemplificar este raciocínio, em 2013, o então ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, usou como subterfúgio para ignorar o art. 54 da Constituição, que proíbe concessão de rádio e TV para políticos em exercício, o fato de não haver regulamentação do referido artigo.

E por que a Globo é contra a regulamentação? Porque hoje ela está fora da lei. Segundo o parágrafo 5º do art. 220 da Constituição “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

A regulamentação deste parágrafo garantiria as atribuições necessárias para corrigir essa grande distorção que é a concentração de propriedade dos meios de comunicação no país.

Além disso, a empresa protagoniza outra violação gravíssima – ao art. 54 da Carta Magna – já que possui vários concessionários em sua rede de afiliadas que são políticos em exercício de cargo, o que também é proibido.

Por esses motivos, todas as vezes que o debate sobre regulamentação ou regulação da comunicação aparece ele é silenciado ou atacado pela empresa. Assim como faz agora na novela, a Globo sempre acusa quem defende o fim do monopólio midiático de querer “calar” a imprensa.

Quem censura quem?

Embora a Globo tente colocar no movimento em defesa da democratização dos meios de comunicação a pecha de censores, tem sido ela que, ao longo dos últimos anos, vem retirando do ar trechos de seus programas de TV usados por movimentos sociais para fazer a denúncia ao monopólio.

Na maioria das vezes a empresa se utiliza da prerrogativa legal dos “direitos autorais” para conseguir retirar tais trechos do ar, como se a intenção de quem expõe tais conteúdos nas plataformas online fosse auferir lucro ou audiência a partir de sua reprodução. Em outras palavras, o que a Globo faz é justamente censurar aqueles que pensam diferente.

Vídeo Censurado

O vídeo aqui citado, que trazia um pequeno trecho (menos de 1 minuto) da novela A Lei do Amor como forma de denunciar a desfaçatez da emissora com a pauta da regulamentação da Constituição foi retirado do ar pelo Youtube horas após ser publicado, obviamente, a pedido da emissora.

Usado para fins de crítica ao próprio conteúdo produzido, tal vídeo não configura violação da lei de proteção dos direitos autorais. Para ficar evidente o absurdo, seria o mesmo que proibir um autor de citar um trecho de um livro para criticá-lo, como se faz, regularmente em qualquer crítica literária ou trabalho acadêmico.

Ao interditar um debate direto, amplo e transparente sobre a regulação da mídia é que os meios monopolizados realizam, esses sim, uma censura. Esse poder desproporcional de controle das narrativas de grande circulação é danoso à democracia e à necessária pluralidade e diversidade de vozes em circulação na sociedade.

Assim, o avanço da censura online é mais um motivo para promovermos a regulação na comunicação de forma a não ficarmos à mercê dos interesses dos grandes monopólios, sejam eles de rádio, TV ou de empresas de telecomunicações.

Os danos do monopólio

Este ataque à liberdade de expressão cometido pela Globo não é um caso isolado. A grande mídia teve e tem um papel central nas narrativas que viabilizaram o golpe em curso no Brasil e atuam, agora, na sustentação do projeto de desmonte dos direitos sociais e da Constituição de 1988. Isso sem falar que a emissora já demonstrou desapreço pela democracia brasileira.

A Globo, especialmente, tem publicado as versões de defesa de Temer a cada ataque que ele recebe nas redes e nas ruas, funcionando como uma assessoria de imprensa contratada pelo governo.

O canal Globo News opera cotidianamente como órgão de “propaganda” das medidas propostas por Temer. É nítido que o tratamento dado a Temer é oposto ao que o Grupo dava ao governo Dilma e à maneira que trata os movimentos sociais.

Nesta última semana, com a prisão de Eduardo Cunha, a narrativa de que “a prisão de Cunha desmontaria a tese de perseguição de Moro ao PT” foi repetida inúmeras vezes, buscando dar legitimidade à Lava Jato e a um eventual pedido de prisão do ex-presidente Lula. Essa narrativa de Moro – o juíz que vazou áudios ao Jornal Nacional – segue sendo defendida acriticamente pela Globo.

Da participação no impeachment à defesa das propostas mais impopulares do governo Temer, como a PEC 241 e a Reforma Trabalhista (que o próprio governo está temeroso em iniciar, tamanha sua impopularidade), a cobertura do Grupo Globo tem trazido pouquíssimas vozes críticas e dissonantes. Além disso, vem silenciando sistematicamente os protestos e manifestações contrárias ao governo.

Por esses motivos, a Semana Nacional da Democratização da Comunicação trouxe, neste ano, o tema “Defender a Liberdade de expressão em tempos de golpe”. Uma das ações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) foi o lançamento da campanha “Calar Jamais”, contra as violações do direito à comunicação.

Além disso, desde 2014, um projeto de lei de iniciativa popular batizado de “Lei da Mídia Democrática”, que visa regulamentar os artigos constitucionais e regular os meios de comunicação, vem sendo debatido com a sociedade.

O objetivo da proposta é estabelecer condições positivas para ampliar a diversidade e a pluralidade de vozes na sociedade, buscando garantir efetivamente a liberdade de expressão de todos e combater a monopolização da mídia.

Quem deseja que o monopólio midiático pare de censurar debates importantes da sociedade, de impor uma visão única sobre a realidade e de proteger as violações de direitos que estão em curso deve defender imediatamente uma regulação da mídia que promova mais vozes e o fim do monopólio.

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* André Pasti é doutorando em Geografia Humana na USP, professor do Cotuca/Unicamp e integrante do Intervozes. Colaborou Marina Pita.

Campanha contra ataques à liberdade de expressão marca os 25 anos do FNDC

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) completou 25 anos nesta terça-feira, 18. A data foi celebrada com um ato realizado na Câmara dos Deputados, marcado pela trajetória do FNDC em defesa de uma mídia democrática no Brasil.

Em 25 anos, a entidade teve atuação significativa na discussão e formulação de políticas públicas, na criação das leis do Cabo, das Rádios Comunitárias e do Marco Civil da Internet, na construção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e na realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), além de ter adotado iniciativas próprias importantes no campo da comunicação, como o Projeto de Lei da Mídia Democrática.

A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), José Maria Braga, relembrou o relevante papel exercido pelo jornalista e pesquisador Daniel Herz, que teve atuação imprescindível nos debates da Constituinte de 1988. Estes debates resultaram na criação do capítulo V da Constituição Federal, dedicado especialmente à comunicação, e na criação do próprio FNDC em 1991.

Braga também ressaltou que o momento é de somar forças para a luta pela democratização da comunicação. “Nesse ano, completamos 10 anos da morte de Daniel Herz. Esse é um simbolismo de que essa deve ser uma luta permanente de todo cidadão que presa pela democracia no Brasil. Precisamos resistir e avançar!”, afirmou.

Para o coordenador da Federação dos Radialistas (Fitert), Zé Antônio, um dos maiores desafios dos trabalhadores é conseguir romper com as estruturas vigentes para implementar uma efetiva democratização da comunicação. O posicionamento foi reforçado que foi reafirmado pela representante da Associação Mundial das Rádios Comunitárias (AMARC), Tais Ladeira. “Precisamos democratizar a comunicação a partir da democratização popular, das comunidades para as comunidades”, justificou Tais.

Segundo Bia Barbosa, secretária-geral do FNDC e coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, houveram poucos avanços na agenda da democratização da comunicação nos últimos anos. “Não foi possível construir uma correlação de forças que permitissem um maior avanço na pauta, mas esse momento pós-golpe precisamos estar ainda mais organizados e mobilizados para não permitir que haja retrocessos já que a agenda do governo vem acabando com os poucos espaços de participação da sociedade”, lamenta.

Na ocasião a coordenadora-geral do FNDC, Renata Mielli, apresentou a campanha nacional contra a crescente ameaça e violações à liberdade de expressão no Brasil. A campanha “Calar Jamais” visa recolher denúncias sobre violações à liberdade de expressão no Brasil. “As acusações que forem comprovadas serão encaminhadas para órgãos competentes tanto no Brasil quanto no exterior” afirma.

Mielli destacou ainda que o fórum acompanhará as pautas específicas da área com objetivo de evitar retrocessos totais no campo da comunicação, e terá como pauta, por exemplo, o reestabelecimento do conselho curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a defesa do Marco Civil da Internet. Ela também atacou a PEC 241 (que congela os gastos públicos por 20 anos). “Quando se passarem 20 anos ainda estaremos presos em 2016 e o governo está adotando essas medidas violando a liberdade de expressão e tentando intimidar quem pensa diferente”, desabafa.

No evento foi exibido um vídeo de divulgação da campanha que reúne os casos recentes de censura e perseguições que conta com a participação de personalidades como José Trajano, Gregório Duvivier, Leonardo Sakamoto e Paulo Henrique Amorim. Em comum, todos foram vítimas de algum tipo de cerceamento à liberdade de expressão. São denunciados ainda a retirada forçada de conteúdos, o fechamento do Conselho Curador da EBC, além da criminalização de ativistas e movimentos sociais que vão às ruas exercer a liberdade de expressão.

O deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), presidente da FrenteCom, chamou atenção para a necessidade de quebrar a “bolha” das redes sociais para a difusão de ideias. “Os meios de comunicação configuram o pensamento da população e infelizmente não permitem o direito ao contraditório, por isso precisamos lutar, não somente pela democratização dos conteúdos, mas também dos meios de produção e ampliação do acesso a internet”.

O parlamentar ainda destacou que o momento atual é de resistência ao governo golpista que ameaça todas as conquistas sociais obtidas nos últimos anos e lembrou um trecho da música de Belchior, “Como Nossos Pais”, afirmando que a luta de hoje é a mesma de 1964, período que foi instalado o regime militar no Brasil. “Ao ver o vídeo me veio na cabeça o trecho de uma música ‘Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais’, estamos vivendo um momento de privação de direitos e não podemos vacilar”, alertou o deputado.

“Calar Jamais!”
A campanha “Calar Jamais!”, pode ser acessada pelo site www.paraexpressaraliberdade.org.br que vai recolher denúncias sobre violações à liberdade de expressão no país.  As denúncias que forem comprovadas serão encaminhadas para os órgãos competentes dentro e fora do Brasil.

A festa de aniversário também incluiu a premiação da designer Luciana Lobato, vencedora do concurso Selo Comemorativo de 25 anos do FNDC.

Também estiveram presentes a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), as deputadas federais Erika Kokay (PT-DF), Luciana Santos (PCdoB-PE), o deputado federal, Léo de Brito (PT-AC) e representantes da sociedade civil e de movimentos sociais.

Conheça o FNDC

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) foi criado em julho de 1991 como movimento social e transformou-se em entidade em 20 de agosto 1995. Foi atuante na finalização dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte que preparava a nova Constituição Federal. Ao final, apesar de instituído o capítulo V da Carta Magna, com artigos que tratam especificamente da comunicação, as entidades de classe que formavam a então Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação (FNPDC) entenderam que era preciso manter um esforço permanente de mobilização e ação na busca de políticas, de fato, democratizantes.

Assim, criaram, em 1991, a associação civil FNDC, com atuação no planejamento, mobilização, relacionamento, formulação de projetos e empreendimento de medidas legais e políticas para promover a democracia na Comunicação.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Projeto de lei privatiza infraestrutura de acesso à rede; entenda

Texto apoiado pelo governo acaba com obrigações das operadoras de telefonia e deixa a internet nas mãos do mercado, inviabilizando a universalização

Por Marina Pita

Em meio ao tsunami para acabar com os direitos sociais que varre o País, também avança na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL 3453/2015) que autoriza a Anatel a transformar as concessões do regime público de telefonia em autorizações de serviço em regime privado.

O projeto do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO) altera a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997 – LGT) e concretiza a revisão do modelo regulatório das telecomunicações no País.

Tudo isso – prestem atenção – sem debate com a sociedade e sem aprofundamento na análise do impacto socioeconômico de tamanha alteração. O resultado pode ser desastroso em termos de garantia de acesso à internet a todos os brasileiros.

Na prática, o PL 3453 é a tradução dos interesses das operadoras em acabar com o modelo de concessão de serviços em regime público – adotado para os serviços identificados como essenciais para a sociedade.

O regime público faz com que as operadoras tenham de cumprir obrigações de universalização (possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público ao serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica); de continuidade (possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso), qualidade e modicidade tarifaria (controle das tarifas).

Atualmente, apenas a telefonia fixa é prestada em regime público. Diversas organizações da sociedade civil defendem e atuam para que o acesso à internet também seja considerado serviço essencial – como preveem o Marco Civil da Internet e a própria LGT – e que passe a ser prestado no regime público com as obrigações decorrentes de universalização, continuidade e modicidade tarifaria. Esta é a real necessidade do País, como lembra a Campanha Banda Larga.

E, no entanto, o que o PL faz é justamente acabar com o único serviço prestado em regime público, o serviço de telefonia fixa e, ainda, sem incluir a banda larga no hall de serviços essenciais.

E mais, a mudança proposta no PL 3453 permite às empresas transformarem o valor dos bens reversíveis à União ao fim do período de concessão (cerca de 20 bilhões de reais, estimados pelo Tribunal de Contas da União) em investimentos privados.

Ou seja, os bens públicos que deveriam pertencer à União pelo seu caráter estratégico aos serviços de telecomunicação podem ser revertidos para construção de redes de banda larga privadas das quais usufruem apenas as operadoras sem quaisquer obrigações com os cidadãos ou com o Estado brasileiro.

A opção é extremamente preocupante. Só para ter uma ideia, de 2015 para 2016 o acesso residencial à internet ficou estagnado – em 2016, apenas 51% dos lares brasileiros têm acesso à rede, contra 50% no ano anterior, de acordo com dados da pesquisa TIC Domicílios do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), órgão ligado ao NIC.br.

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Regime privado é um empecilho para a democratização do acesso à internet

Ao todo, 32,8 milhões de domicílios estão desconectados no Brasil – destes, aproximadamente 30 milhões são de famílias das classes C, D e E, segundo aponta a pesquisa. A desigualdade econômica e a concentração urbana aparecem aqui como fatores de exclusão digital – na classe D e E, apenas 16% dos lares estão conectados à internet. Na área rural, somente 22% dos lares têm acesso à rede – bem abaixo dos 56% das residências em áreas urbanas.

O País pode ter chegado ao limite de acessos sob os atuais preços da banda larga fixa e, sem instrumentos eficazes para garantir infraestrutura em locais remotos ou de baixa atratividade econômica, ampliar a competição e garantir preços mais baixos.

Assim, é provável que a internet – o principal meio de acesso a informação, comunicação, entretenimento e pelo qual já depende grande parte da economia – se mantenha acessível apenas para a metade mais rica do País, aprofundando o fosso de desigualdade.

Diversos estudos apontam que o regime privado é altamente benéfico para as operadoras de serviço, porém, é extremamente limitador para o poder regulatório por parte do Poder Público e um empecilho para a democratização das telecomunicações, especialmente nos serviços de dados.

A revisão do modelo regulatório das telecomunicações vai definir em muito o modelo de desenvolvimento brasileiro nos próximos anos e, por isso, requer cautela e debate. Não é o que estamos observando neste momento, em que a tramitação do PL 3453 está sendo feita rapidamente, como uma prioridade do governo Temer.

No começo de outubro, o projeto só não foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados porque os deputados do PT e do PSOL se uniram para derrubar a sessão com pedido verificação de quórum e apresentação de requerimento de audiência pública – que deve acontecer nas próximas semanas, para organização dos diversos atores sociais interessados. A ideia é garantir ao menos um espaço de debate sobre o projeto antes de sua votação.

O projeto tramita em caráter conclusivo na Câmara do Deputados – o que acelera o processo de votação – depois que a mesa diretora negou o requerimento do PSOL para que a proposta passasse pela Comissão de Defesa do Consumidor. Agora, cabe à sociedade civil se mobilizar contra o rolo compressor que pode atropelar o frágil direito de acesso aos serviços de telecomunicações no Brasil.