Entidades divulgam nota solicitando debate “democrático e participativo” sobre a Classificação Indicativa

A nota veio como resposta as declarações do ministro da justiça afirmando querer mudar o sistema de Classificação Indicativa no Brasil

Entidades sociais divulgaram hoje, dia 09, uma nota pública onde destacam preocupação com as declarações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, sobre a política brasileira de Classificação Indicativa de obras audiovisuais, publicadas na coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, no último dia 04 de outubro.

Na ocasião, o ministro ressaltou querer mudar o sistema de Classificação Indicativa no Brasil. “Vamos continuar tendo uma repartição em Brasília para dizer a idade em que se pode assistir a novela e cinema no país? É uma loucura. Está na hora de a sociedade assumir isso”, declarou o ministro, conforme a coluna.

A nota divulgada pelas entidades diz que, ao contrário do que afirmou Torquato, não há “uma repartição em Brasília para dizer a idade em que se pode assistir a novela e cinema no país”, a nota afirma que o modelo de classificação vigente é regido pela Portaria MJ nº 368/2014 e opera segundo o princípio da corregulação, priorizando o processo de autoclassificação de conteúdos. Ou seja, a maior parte da regulação já está nas mãos dos produtores das obras audiovisuais, “cabendo à equipe da Coordenação de Classificação Indicativa, órgão vinculado à Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania do Ministério da Justiça, realizar o monitoramento do sistema”.

Iara Moura, jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, afirma que a declaração do ministro mostra um desconhecimento com relação à política de Classificação Indicativa. “Quando ele diz que a sociedade civil deveria assumir a política de classificação, ele deixa de levar em consideração que existe um comitê que tem a participação da sociedade civil. O que falta é vontade política do próprio Ministério da Justiça, que estava sem se reunir por mais de um ano e só voltou a se encontrar por pressão das entidades integrantes”, afirma Iara fazendo referência ao Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC).

Sobre o CASC

O Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC) é vinculado ao Ministério da Justiça e reúne diversas organizações que fazem o monitoramento desta política pública.

Criado pela Portaria MJ nº 25/2012, o Comitê tem o objetivo de ser um instrumento de avaliação permanente da política pública, por meio do compartilhamento periódico de impressões, críticas e sugestões entre a sociedade civil e a equipe responsável pela operação do sistema classificatório. Essa iniciativa é convergente com a abordagem adotada pelo Ministério da Justiça, ainda no período de formulação da política (2005-2007), que envolveu em processos de consulta pública e debates os diversos setores interessados e estudos sobre os modelos de classificação utilizados em outros países de democracia reconhecida.

Política de Classificação Indicativa é referência democrática 

Segundo Moura, a declaração de Torquato ainda abre um precedente perigoso para uma política que é reconhecida internacionalmente pela Relatoria para a Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU) e por outros organismos internacionais como sendo “altamente democrática”. “Nos últimos meses o Brasil vem sofrendo com várias tentativas de desmonte dessas políticas de classificação, como ocorreu em setembro do ano passado com a aprovação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) no Supremo Tribunal Federal, que aprovou o fim das sanções das empresas por descumprirem a classificação indicativa”, manifestou ela concluindo que essa posição já fragilizava a política de classificação indicativa e a proteção das crianças e dos adolescentes em sua relação com a mídia, indo na “contramão do que os países democráticos vem fazendo”.

A jornalista, que também é conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), lembra que o órgão se manifestou na época da ADIn mostrando a importância da classificação, para a garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Para a advogada da ARTIGO 19 Camila Marques, a política de classificação indicativa brasileira está totalmente de acordo com os padrões internacionais e também com a Constituição Federal. “É importante lembrar que a nossa constituição determina que é uma obrigação do poder público regular e informar as faixas etárias em que determinadas obras não são recomendadas. Podemos afirmar de forma categórica que é uma política democrática e que visa a proteção da criança e do adolescente, acabar com a política e com o departamento de classificação é dar diversos passos para trás e um grande retrocesso para a democracia no Brasil”, destaca.

A nota ainda reforça o “caráter democrático e participativo, de central importância para a infância e adolescência brasileiras da política de Classificação Indicativa, e que a mesma é um dos raros exemplos de prática de corregulação efetiva no campo da mídia hoje em vigor no Brasil. Ela é bem sucedida ao dar vazão aos princípios constitucionais de preservação da liberdade de expressão, rechaço à censura e garantia dos direitos da criança e do adolescente”, conclui a nota.

Confira a nota na integra.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Direitos humanos e mídia no Brasil: desafios na era da convergência

Texto: Iara Moura

Em abril deste ano, a expulsão de um dos participantes do Big Brother Brasil, reality da Rede Globo, aqueceu o debate sobre violência contra a mulher e a responsabilidade da mídia no respeito e garantia dos direitos humanos. Durante várias semanas, milhares de telespectadores/as acompanharam ao vivo o desenrolar de uma situação de agressão que marcou o relacionamento abusivo entre Marcos Harter e sua parceira no programa. As cenas geraram indignação em telespectadoras e telespectadores que se manifestaram nas redes sociais exigindo a saída do agressor da casa. Pressionada pela sociedade, a emissora decidiu pela expulsão do participante, após uma intervenção da Polícia Federal.

Recentemente, o caso voltou à tona, quando Marcos, acompanhado de Yuri, outro ex-BBB também acusado de violência contra a mulher, foram anunciados como participantes do reality A Fazenda, desta vez da Record.

Marcos e Yuri dois ex-BBB acusados de violência contra a mulher
Marcos e Yuri dois ex-BBB acusados de violência contra a mulher

O episódio gerou debate dentro e fora das redes. A aplicabilidade da Lei Maria da Penha para um caso de violência que se desenrolou num reality show foi um dos temas. A responsabilização da Rede Globo, que prolongou a convivência da vítima com agressor no BBB17, alimentando-se da audiência gerada pela suposta polêmica até que o ato chegasse à violência física, também. Em nota, a Rede Mulher e Mídia, que reúne entidades da sociedade civil, pediu a atuação do Ministério Público Federal no caso:

“Numa sociedade em que uma mulher é agredida a cada 5 minutos, aproveitar-se de uma situação de violência para acumular índices de audiência, até o ponto em que uma agressão física chega a ser praticada de fato, é, para nós, mais que omissão. É cumplicidade”, defendeu.

O caso descrito traz pistas importantes para compreender como a chamada mídia tradicional (rádio e TV) e as novas mídias (Internet) podem ser utilizadas para violar ou para promover direitos.

O novo e o velho coexistem

Se a reprodução de desigualdades e opressões na mídia não é propriamente algo novo, é certo que a popularização do uso da Internet e suas ferramentas tornou ainda mais complexa uma equação outrora caracterizada por posições estáticas no que diz respeito a quem emite e quem recebe a mensagem. A possibilidade de gerar conteúdos próprios e através deles criar narrativas, emitir opiniões, expressar ideias e questionar, inclusive, as mensagens transmitidas pelas poderosas empresas de radiodifusão é uma das aberturas propiciadas pela Internet.

A percepção dessa potencialidade da rede levou a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH/OEA a publicar uma declaração em 2011 ratificando que a liberdade de expressão, direito previsto no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se aplica também à Internet. Em informe publicado em 2013, a Relatoria estabelece cinco princípios orientadores para a defesa deste direito na rede: o acesso universal, a não discriminação, o pluralismo, a diversidade e a neutralidade de rede.

Por outro lado, a defesa de tais princípios e do próprio funcionamento da rede em consonância com uma arquitetura aberta, horizontal e livre, como previsto no Marco Civil da Internet, esbarra na conclusão de que velhas opressões e violências se reproduzem no ambiente online e voltam a recair sobre a população mais vulnerável: crianças, mulheres, jovens, LGBTs e negros e negras.

“A Internet fez avançar muito os grupos historicamente excluídos e discrimininados, mas ela é também um campo muito aberto à violência, à discriminação e à homofobia”, destaca Carlos Magno, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersex (ABGLT).

Quando se fala da violência contra as mulheres, os casos de perseguição, disseminação não consentida de imagens íntimas (NCII), ameaça, assédio, violência psicológica, censura e falsificação de identidade vêm se multiplicando. O racismo também se espraia nas redes culminando, para além dos discursos de ódio, ameaças e injúrias, em ataques coordenados (trollagem) de derrubada de perfis e páginas. Também este ano, a artista negra Michele Mattiuzzi sentiu na pele o ódio de grupos neofascistas.

A escritora e performer liderava a fase final de um certame, o prêmio Pipa, quando assistiu ao terceiro colocado na votação popular ultrapassar vertiginosamente sua posição. A virada foi resultado de uma ação articulada para impedir que ela viesse a ser vencedora. Ao mesmo tempo em que os votos para o concorrente cresciam exponencialmente, a artista foi alvo de mensagens e manifestações racistas, misóginas e gordofóbicas em seu perfil pessoal do Facebook e em suas postagens que denunciavam a suspeita virada.

Outra vítima dos ataques cibernéticos foi a cantora Pablo Vittar. Em agosto último, a artista teve o seu canal no Youtube, com quase 3 milhões de seguidores, invadido por hackers que excluíram o seu videoclipe “K.O.”, incluíram uma fotografia do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e adicionaram três vídeos com letras ofensivas, associando a cantora à pedofilia.

Também no que diz respeito aos direitos das crianças em sua relação com a mídia, observa-se que algumas situações e problemas coexistem nos meios tradicionais e na Internet. É o caso, por exemplo, da busca por firmar classificação etária para as programações (ou para as aplicações, no caso da Internet) e de pensar limites aos apelos comerciais da propaganda direcionada a esse público nas programações das TVs e nos canais do Youtube. Dados levantados pela pesquisadora Luciana Bittencourt, da ESPM, demonstram que, dos 100 canais mais vistos do Youtube, 1/3 são de conteúdo infantil. A pesquisa TICs domicílios de 2015 apurou que 79% das crianças e adolescentes brasileiras de 9 a 17 anos estão conectadas (cerca de 23 milhões, contra 3,6 milhões que nunca acessaram a rede). Desses, 1,4 milhão declararam que se sentiram discriminados na rede ou sofreram alguma violência no ano da pesquisa.

Em 2016, o Supremo Tribunal Federal derrubou a vinculação à classificação indicativa nas emissoras de TV, fragilizando ainda mais o instrumento de proteção da infância em sua relação com a mídia. No mesmo ano, o MPF aceitou uma denúncia do Instituto Alana relacionada ao caso de 15 empresas que oferecem produtos às crianças para que elas anunciem para outras crianças. “No nosso entendimento a abusividade é das empresas. A criança que faz o meio de campo nessa prática está também na condição de dupla vulnerabilidade, sendo anunciante e estando exposta a esse tipo de mensagem”, explica Renato Godoy, assessor de Relações Governamentais do Instituto.

Neste cenário, é desafiador pensar a proteção e promoção de direitos humanos num contexto midiático onde convivem analógico e digital, online e offline, no qual novas práticas políticas, sociais e identitárias esbarram na ressaca de ondas reacionárias.

Enquanto isso, na TV

Segundo dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia 2016”, divulgada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência, quase 90% dos/as brasileiros/as se informam pela televisão sobre o que acontece no país, sendo que 63% têm na TV o principal meio de informação. A internet está em segundo lugar, como meio preferido de 26% dos entrevistados e citada como uma das duas principais fontes de informação por 49%.

Embora a TV aberta lidere com bastante folga os índices de penetração, o aumento do alcance do acesso às tecnologias de streaming, de vídeo sob demanda (VOD) e da própria TV por assinatura há algum tempo tiraram os produtores de conteúdo e radiodifusores da zona de conforto. As redes de TV erigidas sob poderosos monopólios nacionais vêm correndo atrás do prejuízo com a produção de conteúdo online e até com mudanças nas narrativas, com tramas mais rápidas e outras características próprias das séries estrangeiras, por exemplo.

Porém, a esse esforço de acompanhar os novos tempos, somam-se velhas formas de disputa de audiência, marcadas por opções estéticas e políticas de exploração da violência, apelos sensacionalistas, erotização precoce, manipulação político-religiosa, dentre outras estratégias que culminam na violação de direitos.

O caso dos programas policialescos é destaque nesse cenário. Em 2015, um monitoramento da Rede Andi em parceria com o Intervozes assistiu a 28 destes programas durante 30 dias e revelou a ocorrência de 4,5 mil violações de direitos e 15.761 infrações a leis brasileiras e a acordos multilaterais ratificados pelo Brasil. As violações mais comuns identificadas foram: desrespeito à presunção de inocência; incitação ao crime, à violência e à desobediência às leis ou às decisões judiciais; exposição indevida de pessoas e famílias; discurso de ódio e preconceito; identificação de adolescente em conflito com a lei e violação do direito ao silêncio, tortura psicológica e tratamento degradante.

De lá para cá pouco mudou o cenário. Uma busca rápida no conteúdo disponibilizado online pelo programa Cidade Alerta RJ, por exemplo, exibido pela Record, é reveladora da exploração da violência contra a mulher. Somente no dia 19/09/2017, das 10 reportagens destaques no site do programa, três tratavam deste tipo de crime. Nas três, os detalhes das ocorrências são acompanhados da exposição de vítimas, parentes e acusados por meio de fotos e entrevistas. Em uma delas, é veiculado o vídeo do momento em que uma das vítimas é agredida a facadas. Apresentadores, repórteres e entrevistados/as levantam hipóteses sobre a motivação dos crimes: “a gravidez teria motivado”, “ele encontrou fotos íntimas dela mantendo relações sexuais com outro cara”, “segundo testemunhas, o homem não aceitava o fim do relacionamento”. Não há em nenhum momento referência à Lei Maria da Penha.

Neste contexto, o assassinato da jovem musicista Mayara Amaral, em julho deste ano, trouxe à tona o debate sobre o enquadramento da violência contra a mulher pela mídia. Inicialmente, os acusados de matarem a vítima a marteladas e depois carbonizar o corpo foram enquadrados no crime de latrocínio. Depois, a defesa alegou o uso de drogas por parte de um dos suspeitos. Em post no Facebook, a irmã da vítima defendeu a tese de feminicídio e criticou as narrativas veiculadas pela mídia:

“Quando escrevem que Mayara era a ‘mulher achada carbonizada’ que foi ensaiar com a banda, ela está em uma foto como uma menina. Quando a suspeita envolvia ‘namorado’, hiper-sexualizam a imagem dela. Quando a notícia fala que a cena do crime é um motel, minha irmã aparece vulnerável, molhada na praia. Quando falam da inspiração de Mayara, associam-na com a história do pai e avô e a foto muda: é ela com o violão, porém com sua face cortada. Esse tipo de tratamento não representa quem minha irmã foi. Isso é desumanização”, defende. Diante da polêmica, o Cidade Alerta MS, no programa que foi ao ar em 31/07/2017, chegou a convidar um advogado criminalista para explicar no estúdio a diferença entre as tipificações e penas de feminicídio e latrocínio.

Não obstante este aumento de visibilidade que se dá quando da ocorrência de crimes bárbaros com o de Mayara, de Eloá e de tantas outros que tiveram forte apelo midiático, a violência contra a mulher é explorada de maneira recorrente não só nos programas policialescos, mas em outras programações da TV aberta. Como relatamos no início deste texto, é também usada como instrumento para gerar polêmica e atrair audiência nos realities shows. E, nestes programas, as violações não se restringem aos direitos das mulheres.

Em A Casa, também da TV Record, exibido em julho deste ano, há uma competição entre 100 participantes que são colocados numa casa de 120 metros quadrados, com infraestrutura e espaço para uma família de quatro pessoas e que devem sobreviver em condições degradantes e humilhantes, como falta de lugar para dormir, comida escassa e ausência de condições mínimas de higiene. Por conta disso, o reality foi denunciado ao Ministério Público e, de acordo com o colunista da UOL Maurício Stycer, um dos participantes teve um surto e ameaçou se matar, após ser afastado por ter contraído conjuntivite.

Os humorísticos também fazem uso recorrente da banalização da violência em busca de atrair audiência. Os ataques recorrentes do humorista Danilo Gentili, atualmente à frente do The Noite, exibido pelo SBT, à deputada Maria do Rosário (PT/RS) são exemplares disso. Num dos mais recentes, em maio deste ano, o apresentador publicou um vídeo em sua página pessoal do Facebook no qual ofende a parlamentar e rasga uma notificação da Procuradoria Parlamentar que o avisava de uma denúncia de difamação aberta por Maria do Rosário. No vídeo, Gentili esconde a primeira e a última sílaba da palavra deputada, deixando visível a inscrição “puta”. Após isso, rasga a intimação e coloca os pedaços dentro da calça. Embora a acusação de Rosário refira-se a ofensas e injúrias feitas pelo apresentador em suas contas pessoais no Twitter e no Facebook, o apresentador já utilizou de seu expediente na TV aberta para debochar de violência sexual contra a mulher e fazer apologia a violações de direitos e desrespeito às leis.

Diante desta situação, vale questionar: quais as diferenças no tratamento e nas respostas às violações de direitos cometidas por emissoras de rádio e TV daquelas praticadas no ambiente online?

Diferente funcionamento, diferente regulação

Como visto, em sua busca incansável por audiência e lucro, as emissoras não têm tido uma atitude ativa no sentido de prevenir e combater violações de direitos humanos. E tal atitude não seria um favor ou uma ação de caridade cristã por parte das empresas: é previsão que consta na Constituição Federal e em diversos pactos e tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

A própria Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, estabelece como tipos de violência contra a mulher a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. E determina, em seu artigo 8º, inciso III, “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar”.

O problema é que o Brasil não conta com um órgão autônomo que faça o papel de fiscalizar essas situações. Com uma atuação frágil e pouco efetiva, cabe ao Ministério das Comunicações, hoje fundido no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), tal responsabilidade. Experiências de outros países mostram que caminhos diferentes são possíveis.

Em 2012, a Argentina criou a Defensoria do Público, órgão de Estado independente com prerrogativas de fiscalizar os canais de rádio e TV e propor políticas públicas na promoção e defesa do direito à comunicação e à liberdade de expressão no país.

Na França, em 2011, o Conselho Superior do Audiovisual (CSA), após realizar dezenas de audiências públicas sobre os reality shows, lançou um documento com recomendações às emissoras relacionadas à proteção dos direitos humanos.

O documento solicita aos produtores dos programas cuidados na seleção dos/as participantes que incluam acompanhamento médico e psicológico antes, durante e depois do programa; encoraja a identificação da faixa etária indicada; lembra que, qualquer que seja o conceito do reality, os/as participantes não deverão ser colocados em situações degradantes ou que os/as levem a adotar ou se submeter a atitudes humilhantes; e pede que os contratos com os/as participantes fiquem sujeitos à análise do CSA nas questões de sua competência.

Além disso, orienta que “os produtores e diretores reflitam sobre a sua responsabilidade social e ética em relação aos valores veiculados nos reality shows, susceptíveis de serem assistidos pelo público jovem qualquer que seja a faixa etária definida, e que podem encontrar eco particularmente forte na Internet, notadamente nos espaços comunitários (fóruns, blogs, redes sociais…) onde os conteúdos são menos regulados”.

A preocupação do órgão francês com o fato dos conteúdos transmitidos pelas redes de TV encontrarem eco também nas redes sociais aponta outro desafio que há que se ter em vista. Por ter um funcionamento diferente, a regulação da Internet também se dá de maneiras díspares da regulação dos meios tradicionais. Sendo assim, as respostas cabíveis ao Estado, às empresas, ao Judiciário e à sociedade civil, também.

A afirmativa de que os conteúdos são menos regulados na rede diz da dificuldade de se identificar e circunscrever responsabilidades num cenário de multi produtores e de atualização em tempo real. Quando se trata de uma rede de TV, concessão pública, com transmissão de conteúdo para milhares de pessoas ao mesmo tempo, é mais fácil identificar a autoria e sentido das violações. O que, por outro lado, não necessariamente resulta em ações efetivas por parte do Estado ou das empresas, como já apontado.

Pensando o problema da violência contra a mulher na Internet, Thandara Santos, da Marcha Mundial das Mulheres, traz uma reflexão interessante para se pensar a conexão entre os mundos online e offline na reprodução do machismo e as formas de combatê-lo. Para ela, é fundamental entender a Internet como um espaço importante de articulação das mulheres, como nos casos da mobilização gerados em torno das hashtags #MeuPrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto e #NiUnaMenos. Ao mesmo tempo, a ativista alerta para urgência de se construir formas de enfrentamento às violências de gênero online.

“Um primeiro alerta é não ficar preso aos episódios da violência da mulher na rede e entender o debate de uma forma mais complexa. Entender violência contra a mulher de uma forma estruturante diz respeito à maneira como esse sistema capitalista está engendrado também nas redes. Se a gente fica preso em alguns casos, a gente pode acabar comprando a ideia de que a resposta é o aumento do controle sobre a Internet, o aumento da interferência do capital sobre essa rede e sobre a neutralidade da rede”, explica.

Violência de gênero online

A cientista social e fotógrafa Manu Justo teve, em setembro deste ano, uma postagem censurada no Facebook. O post tratava-se de um convite para a exposição Puta Que Pariu, projeto que reúne autorretratos de mulheres mães e explora a relação entre gênero e sexualidade. A foto era a imagem de uma vagina com uma breve descrição e convite. Ao postar, ela recebeu uma mensagem que justificava a remoção do conteúdo por não seguir os “padrões da comunidade Facebook”.

Convite para a exposição Puta Que Pariu censurado pelo Facebook
Convite para a exposição Puta Que Pariu censurado pelo Facebook

Como este, são recorrentes os casos de censura a imagens de mulheres amamentando ou de peito de fora durante manifestações políticas. Em 2015, a censura a uma foto de uma indígena que faz parte do acervo do Ministério da Cultura chamou atenção para a prática e gerou questionamentos quanto aos parâmetros estabelecidos pela plataforma e os limites colocados à liberdade de expressão. Neste sentido, a falta de transparência das políticas da plataforma e do próprio funcionamento dos algoritmos é algo central.

As violações de direitos no ambiente online, porém, estão longe de ficar a cargo apenas das plataformas. As velhas conhecidas práticas de invasão, hackeamento, vazamento de dados pessoais, roubo de identidade, criação de perfis fakes, ameaças de violência física, estupro, assédio, perseguição e ameaça às mulheres, por parte de parceiros ou ex-parceiros, ou de grupos LGBTfóbicos, racistas e machistas, se reproduzem no ambiente online e ganham graves contornos.

Num dos casos mais recentes e notórios, a justiça do Piauí determinou, em agosto de 2017, a prisão provisória por 30 dias de um homem acusado do crime de “estupro virtual”. Segundo a ação, o acusado vinha exigindo que sua ex-namorada se masturbasse e lhe enviasse fotos e vídeos do ato, sob ameaça de divulgar imagens dela nua nas redes sociais (“sextorsion”).

A inovação jurídica consiste no fato de que, embora não exista o tipo “estupro virtual” no Código Penal brasileiro, o acusado foi enquadrado com base no artigo 213, que prevê a condenação de quem obriga alguém a praticar qualquer tipo de ação de cunho sexual contra sua vontade, sob ameaça ou uso de violência.

Pensando neste cenário, Patricia Cornils, da Actantes, aponta a necessidade de que as mulheres se empoderem das ferramentas que as novas mídias possibilitam e das estratégias de autoproteção como forma também de contrapor-se às violências e proteger a rede do controle abusivo por parte das corporações e do Estado.

Mariana Valente, do InternetLab, defende a busca por soluções conjuntas do Estado, da sociedade civil e das empresas e aponta caminhos possíveis para além da criminalização. “Em 2017, a gente já sabe que a nossa vida e a Internet estão muito misturadas. A gente sabe que ela tem servido tanto pra ativismo quanto pra prática de violência contra grupos subalternizados. Isso mostra que a gente tem que sentar na mesma mesa e procurar soluções em novos termos. Primeiro em multicamadas e depois pensar um pouco fora da caixinha. Por que não pensar em comissões multissetoriais pra lidar com a questão de censura e violência na Internet? Isso é uma coisa que a Nova Zelândia está fazendo”, aponta.

Estas são algumas propostas apontadas pela Associação para o Progresso das Comunicações (APC), rede internacional que reúne entidades da sociedade civil que atuam no tema. Na publicação, resultado de um encontro internacional, são listados 15 Princípios para uma Internet Feminista que vão desde a garantia do direito ao acesso, o combate à violência online e a importância de manter preservada a privacidade, até o anonimato e a proteção de crianças e adolescentes.

Desafios entre o online e o offline

Em 2018, a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos de existência. Junto dela, a concepção de que seres humanos são dotados de direitos inalienáveis, interdependentes e indivisíveis vem trilhando um caminho de consolidação que alterna períodos de refluxos e de ascendência.

No que tange à Internet, o Brasil precisa enfrentar, a um só tempo, o desafio de defender o caráter livre, aberto e plural e garantir a proteção aos direitos humanos na rede, e paralelamente correr atrás da dívida histórica que relegou metade da população a uma vida offline, no que se refere aos índices de acesso domiciliar.

Neste sentido, ficam as questões: como garantir a universalização do acesso num contexto em que a lógica de mercado se impõe, privilegiando regiões e parcelas da sociedade com maior poder aquisitivo? Como cobrar das plataformas maior transparência quanto às suas políticas de conteúdo, de privacidade e o funcionamento dos algoritmos? Como garantir espaços de participação e decisão multissetorial na governança da Internet (e contrapor-se aos ataques ao Conselho Gestor da Internet)? Como buscar respostas mais rápidas e eficazes às vítimas de violência online sem, necessariamente, recorrer à criminalização?

Enquanto os usos da Internet impõem alguns novos desafios como os dispostos, na radiodifusão persistem as questões conhecidas e enfrentadas desde o início deste século: como inverter a lógica dos grandes monopólios, centrados no lucro e na busca pela audiência a qualquer custo? Como aumentar a diversidade e pluralidade neste contexto? Como garantir uma participação da sociedade civil em todas as etapas do circuito, passando pela produção, recepção e consumo? Que papel cabe ao Estado na fiscalização e promoção dos direitos quando falamos de concessões públicas, como é o caso do rádio e da TV?

No Brasil atual, assiste-se a um período de crise político-econômica marcado pelo retrocesso na garantia e proteção de direitos, compreendidos em seu sentido mais amplo, abarcando os Direitos Humanos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais (Dhescas). Tal cenário tem reverberações profundas na vida cotidiana de mulheres, indígenas, LGBTs, crianças, jovens, negros e negras, defensores e defensoras de direitos humanos. O agravamento das condições materiais de existência, o aumento da violência contra a mulher, LGBTs, comunidades tradicionais e os ataques aos direitos civis são algumas delas.

O aumento exponencial no número de mortos nas favelas e periferias, nos presídios e as chacinas no campo também é revelador desta situação. Neste sentido, outro episódio paradigmático da relação entre mídia e direitos humanos foi o brutal ataque desferido contra os índios Gamela, na localidade de Viana, interior do Maranhão, em maio deste ano. A barbárie que resultou em pelo menos 13 indígenas gravemente feridos (com golpes de facas e membros decepados) foi antecedida por uma verdadeira campanha levada a cabo pela rádio local, conclamando e justificando a violência contra as vítimas.

No programa, que foi ao ar dois dias antes do fato, transmitido pela Rádio Maracu, ouve-se por diversas vezes: “dizem que são índios”, “arruaceiros”, “pseudo-índios” e “precisamos acabar com isso”, “não vamos tolerar”. São 41 minutos onde se sucedem no microfone políticos locais que, a despeito do que coloca a Constituição Federal, são sócios proprietários do grupo que detém a rádio. Destaca-se a fala do deputado federal Aluísio Mendes (PTN-MA), também reproduzindo discurso preconceituoso e de incitação à violência.

A partir desta imagem, pensar a proteção de direitos em sua relação com a mídia no Brasil é pensar desafios que se desenrolam não só no âmbito dos meios tradicionais ou das novas mídias, mas também dizem respeito a processos econômicos, sociais e políticos amplos que reproduzem desigualdades e violências em várias camadas da vida e, por isso mesmo, necessitam ser enfrentados de maneira estrutural.

Semana Nacional Pela Democratização da Comunicação 2017 acontece entre os dias 15 e 21 de outubro

Semana pretende denunciar violações à liberdade de expressão e lançar o relatório do primeiro ano da campanha Calar Jamais!

A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação 2017, que acontece entre os dias 15 e 21 de outubro, contará com a articulação de entidades de diversos setores da sociedade civil para debates, seminários, atos, atividades políticas e culturais em diversos estados de todo país com ênfase na denúncia de violações à liberdade de expressão em curso no Brasil.

As entidades que integram o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) definiram esse tema com base na atual conjuntura, onde multiplicam-se casos de repressão a protestos e manifestantes, censura privada ou judicial de conteúdos na internet e na mídia, decisões judiciais e medidas administrativas contra manifestações artísticas e culturais, aumento da violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública, cerceamento de vozes dissonantes na imprensa, além de várias outras iniciativas que contribuem para calar a diversidade de ideias, opiniões e pensamento em nosso país.  

Esse tema vem sendo trabalhado pelo FNDC desde outubro do ano passado quando foi lançada a campanha “Calar Jamais!” que visa chamar atenção para a escalada de violações de direitos dos cidadãos. A campanha conta com uma plataforma online que recebe denúncias de violações à liberdade de expressão. No dia 17 de outubro de 2017, durante a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, em Salvador (BA), será lançado o relatório de um ano de campanha, que destaca os principais casos constatados no período. A atividade marcará um ano desde o início da “Calar Jamais!” e será um momento de mobilização e intensificação da luta em defesa do direito à comunicação no país. O lançamento acontecerá durante o seminário internacional preparatório para o Fórum Social Mundial (FSM) 2018.  

Essas denúncias serão enviadas também para organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos, como o Ministério Público Federal, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e as Relatorias para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Além do lançamento do relatório, a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação contará com atividades em diferentes estados sobre comunicação pública, o papel da mídia na atual crise política, regulação democrática dos meios de comunicação, acesso, privacidade e liberdade de expressão na internet, entre outros.

Confira a programação que estará em constante atualização aqui no site:

Distrito Federal

16/10 – segunda-feira, às 19h

Debate A Crise da Lei de Acesso à Informação: política de Estado ou Política de Governo

Responsável – Profª Elen Geraldes (coordenadora Lapcom)

Local: Auditório da FAC-UnB

Lançamento de publicação da Artigo 19

17/10 – terça-feira, das 12h às 14h

Plenária-aberta 10 anos de criação da EBC

Responsáveis: Sindicatos dos Jornalistas e dos Radialistas do DF

Local: Escadaria norte da EBC

18/10  – quarta-feira *à confirmar  

Roda de conversa sobre Estado de exceção e liberdade de expressão

Informações: Relatos de casos de violação do direito à expressão e manifestação pelo Estado.
Divulgação do livro Lapcom – criminalização dos movimentos sociais.
Local: a definir
Exposição Campanha Calar Jamais!

19/10  – quinta-feira, das 17h às 19h

Atividade CACOM Semana FAC que Queremos. Assembleia Mídias da UnB e liberdade de expressão e manifestação na Universidade
Responsável: CACOM
Local:  Prainha da FAC ou auditório FAC

19/10 – quinta-feira, às 19h30

Debate sobre desafios da Internet
Conteúdos: Acesso à internet e neutralidade de rede (Sivaldo), violaçoes de DH na net/ discurso de ódio (Kimberly Anastacio), proteção de dados pessoais/privacidade – Campanha de Proteção de Dados Pessoais (Intervozes).
Responsável: Intervozes
Local:Café Objeto Encontrado (302N).

20/10 – sexta, 17h ou 21/10 – sábado de manhã *à confirmar

Ato político cultural na Rodoviária
Informações: intervenção artística (batucada, teatro do oprimido) com foco na Campanha Calar Jamais!
Local: Rodoviária do Plano

Rio de Janeiro

17/10 – terça-feira,  às 18 hs

Os desafios da universalização da Banda Larga, às 18 hs, no Clube de Engenharia, com 04 debatedores: Márcio Patusco/Clube de Engenharia (internet banda larga), Marcello Miranda (Lei Geral das Telecomunicações, PLC 79, Satélite Telebrás, Bens Reversíveis), Marcos Dantas/ULEPICC (Papel do CGIbr, IGF) e Bruno Marinoni do Intervozes (Marco Civil da Internet, privacidade, segurança, neutralidade).

18/10, quarta-feira, das 16h às 19h

Audiência Pública aberta, na Cinelândia, junto com as Frentes Parlamentares (Municipal Rio e Estadual), com atividades culturais (esquete de teatro, músicas, poesia, exposição) e microfone aberto.

Das 19h às 21h

Audiência pública sobre ‘fomento para mídias populares e alternativas’, em Niterói, iniciativa do mandato do Vereador Leonardo Giordano (PCdoB), com o Franklin Martins como um dos debatedores.

Das 19h30 às 21h30

Roda de Conversa: Violência de Gênero na Internet

-Joana Varon (Coding Rights)

-Manu Justo (Feminista, socióloga e fotógrafa. Mentora do projeto Puta Que Pariu. Conheça aqui: Manu Justo Fotografia)

-Jhessica Reia (Pesquisadora e líder de projeto do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS/FGV)

-Julia Boardman (jornalista)

– Iara Moura e Oona Castro (Intervozes)

19/10 – quinta-feira

Atividade em conjunto com o coletivo ‘A Esquerda na Praça’ (detalhes a serem fechados)

Rio Grande do Sul

O Comitê Gaúcho do FNDC definiu que realizará nos próximos dias 27 e 28 de outubro o 1º Encontro Gaúcho pelo Direito à Comunicação (EGDC), com o apoio da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O EGDC será realizado nas dependências da Fabico da UFRGS, na Avenida Ramiro Barcelos, 2705, no bairro Santana, em Porto Alegre.

As inscrições serão gratuitas e já se encontram abertas, através do preenchimento de formulário online, informando nome, e-mail, profissão e entidade/movimento, e escolhendo um dos quatro painéis temáticos para participação.

Acesse: https://docs.google.com/…/1FAIpQLSeJUFQvkFM5r3TBj…/viewform…

Sexta – 27 de outubro

18h – Abertura: Comitê Gaúcho do FNDC e Fabico-Ufrgs

18h30 – Depoimentos de violações à liberdade de expressão

19h15 às 21h30 – Painel: O papel da mídia na construção do golpe

Christa Berger – professora da UFRGS

Moisés Mendes – jornalista

Benedito Tadeu César – cientista político e professor aposentado da UFRGS

Sábado – 28 de outubro

9h30 às 12h30 – Painel: Alternativas para a democratização da comunicação

Renata Mielli – jornalista e coordenadora nacional do FNDC

Neusa Ribeiro – professora aposentada da Feevale

Marco Aurélio Weissheimer – repórter do Sul21

Pedro Osório – jornalista e professor da Unisinos

14h às 16h – Painéis temáticos

  1. Desafios da comunicação comunitária e alternativa

Ilza Girardi – professora e vice-diretora da Fabico da UFRGS

Guilherme Fernandes de Oliveira – repórter da TVT

Luís Eduardo Gomes – jornalista do Sul21

Rosina Duarte – jornalista do jornal Boca de Rua

  1. A mídia e a luta contra o racismo e a discriminação de gênero

Vera Daisy Barcellos – presidenta da Comissão Nacional de Ética da Fenaj

Sandra de Deus – jornalista e professora da UFRGS

Télia Negrão – jornalista e ex-coordenadora do Coletivo Feminino Plural

  1. O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários

Claudir Nespolo – presidente da CUT-RS

Guiomar Vidor – presidente da CTB-RS

Antonio Carlos Porto Jr – advogado trabalhista

  1. O desmonte da comunicação pública

Maria Helena Weber – professora da UFRGS

José Roberto Garcez – jornalista e ex-presidente da Fundação Piratini

Cristina Charão – jornalista da TVE

16h – Plenária Estadual do FNDC

18h – Encerramento

Participe da Semana DemoCom!

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Rádio Nacional da Amazônia recebe homenagem ao completar 40 anos em meio a desmonte do sistema público de comunicação

Em sessão solene realizada no plenário da Câmara Federal, nesta quarta-feira, 27, foram celebrados os 40 anos da Rádio Nacional da Amazônia. Inaugurada no dia 1º de setembro de 1977, foi constituída com o objetivo inicial de ser uma ferramenta de segurança nacional no contexto do golpe militar no Brasil. Porém, a rádio que transmitia em ondas curtas e alcançava mais da metade do país tornou-se uma ferramenta de fundamental importância para a população do norte do país, ganhando inclusive o apelido de “orelhão” da Amazônia.

A Rádio Nacional da Amazônia tornou-se mais do que um simples veículo de notícias, cumprindo uma função social, valorizando a cultura, a diversidade, e a preservação do ecossistema amazônico, e empoderando as respectivas populações de seu direito básico a se comunicarem, socializando assim o direito de expressão na região, garantido constitucionalmente.

O evento solicitado pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação, através de seu presidente deputado federal, Jean Wyllys, teve como objetivos ressaltar a importância da rádio para a população da região norte e também denunciar o desmonte que vem ocorrendo na comunicação pública no Brasil.

A Rádio Amazônia enfrenta há seis meses um problema técnico provocado por um raio que influência o alcance do sinal, limitando fortemente a área de cobertura da rádio. Gerenciada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Rádio Nacional da Amazônia tem potencial para chegar a mais de 600 municípios, atingindo 23 milhões de ouvintes, mas atualmente o sinal chega apenas a algumas sub-regiões amazônicas.

Segundo o diretor de Operações, Engenharia e Tecnologia da empresa, José de Arimatéia Araújo, o problema foi causado por raios que atingiram o sistema de transmissores. “É uma estrutura montada há 40 anos e ela não sofreu modernização nem atualização. Hoje, estamos fazendo um trabalho para recuperar o poder de transmissão da rádio”, garantiu.

De acordo com Alberto Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a, a situação tem prejudicado o fluxo de informações entre as comunidades da Amazônia. “Para nós a rádio começou a fazer parte do cotidiano das nossas comunidades, indígenas e tradicionais. Foi um retorno da voz da floresta. Nós começamos a fazer parte desta população”.

Terena ressaltou que a rádio levou a voz não só do povo da cidade, mas também dos povos tradicionais. “A rádio foi uma semente plantada em nosso país, lá na nossa Amazônia, por isso a importância da continuidade a rádio Amazônia. Somos contra a privatização para servir a interesses próprios, queremos uma rádio livre que fale com a comunidade, com compromisso com o povo da nossa região”, destacou.

A radialista Mara Régia antiga conhecida dos ouvintes e símbolo da Rádio Nacional da Amazônia também fez seu depoimento sobre a importância da rádio. Ela lamentou comemorar os 40 anos do veículo, estando este em silêncio: “é muito importante que essas vozes presentes nessa sessão, se unam pela recuperação desse sinal, que é uma questão de cidadania. Acima de tudo, é um direito dessas populações”.

A radialista citou uma carta recebida da comunidade de Riozinho do Anfrísio (localizada na porção norte da bacia hidrográfica do rio Xingu, sudoeste do Pará, em uma região conhecida como Terra do Meio), que vive em quase total isolamento, e que precisa da Rádio Nacional da Amazônia. “A Rádio é sua bússola e calendário. Isso é cidadania e construção de uma identidade nacional”, disseram os ribeirinhos em sua carta.

Comunicação Pública Sob Ataque

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) sofreu duros retrocessos após o golpe parlamentar dado pelo grupo político de Michel Temer em 2016. No exato dia seguinte à posse, uma medida provisória destituiu o Conselho Curador, órgão representante da sociedade civil na empresa. Em outra “canetada”, Temer também acabou com um mecanismo que garantia mínima autonomia à empresa: a nomeação do diretor-presidente, antes com mandato de quatro anos, agora podendo ser feita na hora que bem entender o presidente da República.

Além do corte excessivo de verba, casos de censura são relatados pelos jornalistas concursados da casa. Os funcionários resumem assim o que vem acontecendo na EBC: a parte estatal está virando publicidade do governo e a parte pública está virando estatal. Hoje, a empresa presta serviços ao governo federal (via contrato e pagamento mensal) para a produção e a exibição da TV NBR e do programa de rádio “A Voz do Brasil”.
Antes, o foco era no cidadão, na prestação de serviços públicos.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Aprovação do PLC 79 não garante expansão da banda larga, afirmam executivos do setor de telecomunicações

Representantes do governo federal e executivos das principais operadoras de telecomunicações do país estiveram reunidos nos dias 19 e 20, em Brasília, para discutir sobre as propostas do governo e de empresários para o setor. No Painel Telebrasil 2017 os representantes das teles reforçaram a pressa do setor em aprovar o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 79/16, mas deixaram claro que isso não irá garantir a expansão da banda larga para locais menos “interessantes” economicamente.

Os empresários solicitaram ainda mudanças legais que reduzam custos e resgatem a rentabilidade do setor. “Temos que repensar a rentabilidade do negócio, ou vamos ter nova crise em alguns anos, ou vamos cortar investimentos”, ameaçou o presidente da Oi, Marco Schroeder.

Quando questionado se o PLC 79 seria suficiente, Juarez Quadros, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), fez coro aos empresários. “Somente o PL não resolve tudo, na origem do projeto faltou um trabalho de comprometimento de todos os poderes. Como vai ter investimento nas áreas que não tem retorno? Os fundos setoriais estão aí para superar déficits primários. Somos bons para a arrecadar e péssimos para usar os recursos”, criticou frisando que os fundos não voltam para o setor de telecomunicações.

Stefano De Angelis, presidente da TIM, afirmou que os recursos extras de R$ 6 bilhões que deveriam ser aplicados nas áreas onde as empresas não chegam, já existem, e são recolhidos anualmente pelos fundos setorias. “Os recursos incrementais já existem. As coisas têm que acontecer e de maneira diferente”, explicitando que os fundos devem ser usados pelas empresas para promover a expansão da rede banda larga.

José Félix, presidente da América Móvil, foi mais enfático e jogou a responsabilidade do setor para que o governo solucione através de mudança no modelo. “As operadoras fazem investimentos. Colocamos num ano de vacas magras R$ 30 bilhões no mercado. Não é o investimento que está travado. Há muitos anos, as empresas investem mais do que deveriam investir e não há retorno, ou muda o modelo para passar a funcionar, ou vamos continuar sem banda larga fora dos grande centros”, esbravejou. Para ele a responsabilidade é do governo investir em políticas públicas, pois para as empresas não há interesse em investir em inclusão digital em lugares como Pará e Amazônia se não houver “parceria” com o governo.

Após a fala de Félix o presidente da Algar e da Telebrasil, Luiz Alexandre Garcia, tentou amenizar o tom do debate argumentando que todos precisam se sensibilizar com as teles. “O setor precisa convencer a sociedade da gravidade. O Congresso só aprovará mudanças se convencermos opinião pública. A população precisa estar convencida da necessidade dessa mudança”, reforçando que vê o apoio do governo e da Anatel, mas acredita que os parlamentares mesmo convencidos “chega no Plenário e seus partidos votam contra uma evolução de modelo”.

Em defesa do patrimônio público

Entidades, movimentos sociais que atuam na defesa da comunicação democrática e ativistas pela internet livre reunidos na Coalizão Direitos na Rede denunciam que o projeto de lei é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira. O PLC 79 determina que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje operada pela iniciativa privada sob o regime de concessão, possa ser modificada para o regime de autorização, e prevê a entrega para as empresas de um patrimônio público avaliado pelo Tribunal de Contas da União em mais de R$ 100 bilhões.

Ao modificar as regras do setor e permitir a migração de concessões de telefonia fixa para o regime de autorização, a proposta de legislação também transforma bens reversíveis (que deveriam voltar ao patrimônio do Estado) em “investimentos” e concede às empresas espectro perpétuo. Isso porque, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as licenças para operar espectro pelas redes móveis e por satélite poderão ser renovadas indefinidamente.

Ao ser questionado sobre o que ocorreria com o “patrimônio da OI” o presidente da operadora, Marco Schroeder, foi enérgico ao afirmar que a empresa é proprietária dos bens que a integram. “Os bens são da empresa e como tal, em caso de perda da concessão eles serão vendidos a quem interessar”, protestou.

Além da grave situação da entrega dos bens reversíveis da União aos empresários, existe outro problema que preocupa os ativistas por uma internet livre e de qualidade: a possível precarização dos serviços em localidades mais distantes e sem atrativos econômicos para investimento do setor de telecomunicações. O PL 79/2016 não estabelece nenhuma obrigação de investimentos em prol da universalização dos serviços de banda larga. Na prática, isso significa que as empresas não atenderão adequadamente aquelas regiões que considerarem menos atrativas em termos econômicos. Assim, a mudança do regime de concessão para o de autorização acabará acarretando menos direitos à população e um custo mais alto pelos serviços.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação