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É tempo dos defensores de direitos trabalharem em rede

Por Eduardo Amorim*

O mais trágico dos resultados precisa trazer aprendizados para quem sofre a derrota. A vitória de Bolsonaro, a formação de uma ampla bancada de extrema direita no Congresso Nacional e a ascensão de políticos extremamente conservadores em estados como o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais ainda vai começar a ser assimilada pelos defensores dos direitos humanos no Brasil.

Sem se deixar levar pelo discurso fácil de que fomos vencidos pelas redes sociais, um ponto que precisa ser consensual é que o debate do Direito à Comunicação terá de ser realizado com muito mais prioridade no próximo período. A ampla aliança democrática que se formou em torno das candidaturas de Fernando Haddad e Manuela D`Ávila não conseguiu romper uma narrativa que focou em grupos específicos do eleitorado e obteve assim a vitória.

Os números mostram que como em eleições passadas um grande percentual de brasileiros preferiu se abster e houve um crescimento bastante relevante do número de votos nulos, que vinham desde 2002 ficando nos 4% e no segundo turno de 2018 chegou a 7,44%. Somados com 2,15% de abstenções e 21,25% de abstenções, 42 milhões de pessoas não conseguiram escolher entre as propostas de Haddad e Bolsonaro.

Já antes do segundo turno, o futuro presidente tentava se despregar da imagem de defensor da violência contra grupos vulnerabilizados. Não foi diferente após sua vitória. “Como defensor da liberdade vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão, que cumpre seus deveres e respeita as leis. Elas são para todos, porque assim será o nosso governo, constitucional e democrático”, afirmou.

No entanto, a narrativa não condiz com momentos chave como a morte da vereadora Marielle Franco, que sensibilizou a população brasileira e ganhou do então candidato à Presidência da República um silêncio absoluto.

No dia da eleição do primeiro turno, o assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê também teve uma repercussão bastante grande. Perguntado pela imprensa sobre o crime cometido por um defensor da sua candidatura, Bolsonaro disse que não tinha como se responsabilizar por todos os seus eleitores e garantiu que a violência vinha “do outro lado”, lembrando a facada que sofreu na véspera do 7 de setembro.

Ao continuar dando vazão a uma narrativa de embate, Bolsonaro abriu espaço para o que se seguiu durante a campanha e pelo menos em quatro casos a violência chegou ao extremo da morte. Além de Moa do Katendê, pelo menos outras quatro pessoas morreram também em crimes atribuídos a eleitores do candidato do PSL.

Charlione Lessa Albuquerque, jovem de 23 anos, foi atingido por disparos à bala enquanto participava de uma carreata a favor de Fernando Haddad em Pacajus, no Ceará, na véspera do segundo turno. No Largo do Arouche, a travesti Priscila foi assassinada e testemunha relatou ao Brasil de Fato ter ouvido grupos de que “com Bolsonaro, a caça aos veados vai ser legalizada”.

O caso do Centro de São Paulo, infelizmente, não é isolado. Dois dias depois desse assassinato, Laysa Fortuna foi morta pelo mesmo motivo absurdo em Aracaju. No dia 21 de outubro, Kharoline foi assassinada em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo. Os LGBT começam a se organizar para enfrentar a violência.

Os cinco casos de assassinatos são os mais brutais destas eleições. Mas a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) documentou 141 casos de ameaças e violência somente contra jornalistas que cobriam as eleições. A maioria deles é atribuída a partidários de Bolsonaro.

Após a vitória de Bolsonaro, evidentemente houve comemoração em diversas cidades. Em Rodelas, no Sertão da Bahia, o grupo de eleitores do candidato do PSL fez questão de invadir a Aldeia Tuxá e provocar a população indígena. Apesar de ter tido apenas 27,31% dos votos dos baianos, os eleitores do PSL se empoderaram com a vitória do seu candidato e se sentem no direito de provocar em território majoritariamente petista.

O caso que relato por ter ido até o Sertão da Bahia para acompanhar o voto da minha esposa baiana pode parecer banal. Porém, pode explicar um outro trecho da fala de Jair Bolsonaro: “Nosso governo vai quebrar paradigmas: vamos confiar nas pessoas. Vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade para criar e construir e seu futuro. Vamos “desamarrar” o Brasil”.

O discurso do empreendedorismo pode vir a ser uma arma contra direitos como os conquistados por indígenas e quilombolas, que em áreas remotas do Brasil como o Sertão nordestino vêm lutando com suas vidas pelas terras demarcadas. Na beira do Rio São Francisco, a fronteira agrícola da fruticultura irrigada é um ponto chave, mas a defesa dos direitos dessas populações precisa ser feita em todo o Brasil, assim como o de diversas outras comunidades urbanas e rurais.

Se eu puder dizer alguma coisa para os indígenas que se sentiram ameaçados será no sentido de pedir para que resistam e fortaleçam sua organização em redes. A eleição trouxe pouquíssimas novidades positivas, mas na minha ótima a melhor notícia em meio ao caos foi o do fortalecimento da rede feminista no Brasil.

Mesmo criticado até mesmo dentro da esquerda, o movimento feminista conseguiu levar também para a política eleitoral ainda no primeiro turno um grande manifesto em torno do #EleNão. Silenciado pela imprensa, assim como as denúncias do Caixa 2 de Bolsonaro, mas que poderia ter tido no primeiro turno o mesmo resultado que teria a denúncia do crime relacionado ao envio de mensagens por WhatsApp na semana passada.

A organização em redes é fundamental, mas depende também da luta para criar um ambiente democrático de comunicação. Por isso, acredito que a organização dos movimentos que atuam em articulações em defesa do Direito à Comunicação deve estar articulada com todos esses movimentos, para que consigamos resistir e ampliar as lutas.

*Eduardo Amorim é jornalista, membro do Intervozes, Doutorando em Comunicação no Ppgcom-Ufpe e vice-presidente da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco

MCI: Ameaças no Congresso e Judiciário ainda não abalam a Constituição da Internet no Brasil

A conselheira do CGI.br, Flávia Lefévre diz que os ataques são normais, mas estamos evoluindo em termos de subsídios para defender os princípios da lei

Marina Pita

As ameaças ao Marco Civil da Internet (Lei 12.485) estão vindo do Judiciário, enquanto estamos atentos ao Congresso Nacional, e das empresas que defendemos ao criar o arcabouço legal para a Internet, defendeu o promotor de justiça Frederico Ceroy, coordenador da Comissão de Proteção de Dados Pessoais do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, referindo-se à ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os dispositivos de bloqueio de aplicativos e de priobição de operação no Brasil.

Para Ceroy, é fundamental manter os dispositivos de sanções legais caso as empresas não cumpram com a legislação vigente, ou há um grande risco de o MCI virar apenas uma carta de boas intenções, afirmou durante debate sobre direitos digitais, durante a Semana de Política de Tecnologia de Brasília, organizada pelo Intervozes em parceria com a fellow da Mozilla, Marília Monteiro.

A questão neste processo, lembra Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes e que mediou a mesa, é que a possibilidade de bloqueio está sendo usada de forma equivocada. “O bloqueio está previsto para, apenas, em caso de a empresa ferir as regras de privacidade, e não quando deixa de entregar dados.”

E, no entanto, a própria disposição de bloqueio de aplicações pode ser um problema, ao infringir o direito à liberdade de expressão, na avaliação da coordenadora do programa de Direitos Digitais da ONG Artigo 19 no Brasil, Laura Tresca. A organização, explicou Tresca, está avaliando a aplicação do MCI no judiciário brasileiro e, ainda que o levantamento ainda não esteja concluído, já se pode notar que há mudança nas decisões quanto à responsabilidade das plataformas online quanto ao conteúdo postado por terceiros – o MCI estabelece, para proteger a liberdade de expressão – que os intermediários só poderão ser responsabilizados quando houver notificação judicial a respeito de algum conteúdo específico. Já no quesito coleta de dados e garantia de neutralidade de rede, o Judiciário não tem aplicado o MCI da mesma forma, apontou.

Mas se o Judiciário tem avançado na garantia de proteção dos intermediários quanto ao conteúdo disponibilizado por terceiros, há intenso debate no Congresso para reverter esta disposição no MCI, especialmente para obrigar a retirada de conteúdo sem ordem judicial, lembrou o deputado federal Alessandro Molon, relator do projeto de lei que deu origem à legislação em questão. “Vem gente com a ideia de retirar conteúdo, bastando alguém dizer que é uma notícia falsa. Imagine isso!”.

A advogada da Proteste, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Flávia Lefévre, comparou os ataques que o MCI vem sofrendo com aqueles que seguiram à aprovação do Código de Defesa do Consumidor. Segundo ela, houve muita resistência, descrença de os princípios do CDC poderiam ser aprovados e implementados, mas hoje o valor da lei consumerista é indiscutível, o que imagina que acontecerá também com o MCI.

A aprovação do decreto que regulamenta o MCI (Decreto nº 8771) ocorreu há apenas um ano e meio e dele dependiam definições sobre questões importantes como neutralidade de rede e privacidade, lembra Flávia. Ou seja, ainda estamos no início de um processo de consolidação.

Ainda, esse sistema de acompanhamento e fiscalização dos direitos garantidos no MCI, de forma colaborativa, envolvendo Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), seguindo diretrizes técnicas e estratégias desenvolvidas pelo CGI.br, apenas agora poderá contar com o documento de referência do Comitê.

“No CGI.br privilegia-se a construção por consenso. Então trabalhamos muito para editar um documento com essas diretrizes básicas. E agora que está público, precisamos nos apropriar dele, do MCI, do Decreto e fazer esta interlocução com CGI, Anatel, Cade e Senacon para ver como faremos o acompanhamento e o cumprimento desses direitos”, defendeu Lefévre.

Para Fábio Lúcio Koleski, gerente de Interações Institucionais, Satisfação e Educação para o Consumo da Superintendência de Relações com o Consumidor da Anatel, a agência, bem como os demais atores que devem garantir o princípio da neutralidade de rede ainda engatinham nesse terreno porque o assunto é muito novo e o desenho institucional é complexo. “É muito difícil entender o que é essa separação das competências de CADE, Anatel e Senacon. Mesmo o judiciário ainda engatinha para entender quem é quem nesta cadeia.”

Por Marina Pita – Especial para o Observatório do Direito à Comunicação

CADE afirma que nunca se manifestou sobre neutralidade de rede

Em evento promovido em Brasília, representante do órgão explicou que o posicionamento sobre zero-rating se deu em um caso específico e apenas a partir da perspectiva da concorrência

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) tomou uma decisão sobre apenas um caso específico de prática de zero-rating das operadoras de telecomunicações e da perspectiva exclusiva da concorrência mas não quanto à neutralidade de rede, frisou Cristiane Albuquerque, coordenadora-geral de análise antitruste, responsável pela nota técnica sobre zero-rating de redes sociais no caso de inquérito administrativo movido por denúncia da Proteste contra Vivo, Oi, Claro e TIM. Durante debate sobre neutralidade de rede nesta terça-feira (6), realizada na Semana de Política de Tecnologia de Brasília, Abuquerque refutou afirmações de que o CADE teria tomado uma decisão sobre neutralidade de rede, como afirmaram alguns veículos à época, e frisou que mesmo a questão concorrencial não está fechada e será analisada caso a caso.

“Olhamos os contratos específicos que estavam vigentes à época, as ofertas das operadoras, os contratos comerciais. Aquilo, nós entendemos que não era conduta anticompetitiva e infração à ordem econômica. Mas a análise foi feita dentro da nossa competência e não acerca da neutralidade”, disse.

Para Rafael Zanatta, advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) que representou também a Coalizão Direitos na Rede no evento, as práticas de zero-rating precisam ser analisadas como uma questão de economia política, das escolhas do país quanto ao desenvolvimento do mercado doméstico de aplicações, inclusive, e não apenas como uma questão concorrencial e de neutralidade de rede, mas também por estas perspectivas. E, no entanto, a escolha brasileira de definir CADE, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), considerando as diretrizes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), para avaliar as práticas de neutralidade de rede não está funcionando.

“Nosso desafio é azeitar o sistema e garantir a efetividade de normas já existente e que são descumpridas. Unir o direito do consumidor ao potencial de discriminação do tráfego, isso ninguém está olhando. Temos uma questão de enforcement”, afirmou.

Representando o Sindicato das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Alexander Castro defendeu que a prática de zero-rating não fere a neutralidade de rede, mas pode ser, sim, questionada do ponto de vista concorrencial. A questão, no entanto, estaria em como garantir que as grandes provedoras de conteúdo online, como Google, Facebook e Netflix, que representam mais de 80% do tráfego, contribuam para cobrir os custos de manutenção da infraestrutura de telecomunicações que dá suporte à Internet.

“A questão da neutralidade de rede respinga no consumidor. Mas a questão se concentra principalmente na disputa de poder. O tráfego da Internet está concentrado em poucas aplicações nos EUA. Eles têm todo o interesse em que as empresas de telecom entreguem tudo igual”, defendeu.

A avaliação de Antonio Moreiras, engenheiro do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), é de que as empresas atuantes na camada de conteúdo – Google, Facebook, Akamai, Microsoft e Apple – também contribuem para manter a infraestrutura de suporte à Internet por meio do investimento em Content Delivery Networks (CDN) e sistemas de cache.

“Não vamos buscar conteúdo nos EUA, mas em servidor dentro da rede do provedor Internet, que já conta com boa parte desses conteúdos. De certa forma, ao organizar isso, essas empresas também participam da construção da infraestrutura e diminuem os custos operacionais. Precisamos ver se há um desequilíbrio na balança, mas elas estão tentando minimizar o impacto do volume crescente de tráfego de dados”, apontou.

A mediadora Marília Monteiro, Tech Policy Fellow da Fundação Mozilla, organizadora do evento em parceria com o Intervozes, lamentou que Anatel e Senacon não tenham enviado representantes ao debate em Brasília, especialmente porque estão, no Marco Civil da Internet, responsáveis pela aplicação da lei.

O Intervozes realizou, em parceria com a Derechos Digitales, uma pesquisa sobre neutralidade de rede na América Latina, e defende que práticas de zero-rating ferem a neutralidade de rede, conforme estabelecida no Marco Civil da Internet.

Por Marina Pita – Especial para o Observatório do Direito à Comunicação

Privacidade e proteção de dados de crianças é tema de debate no Fórum da Internet no Brasil

O Instituto Alana trouxe para discussão a falta de privacidade e a exposição das crianças provocadas por alguns brinquedos, e a importância de uma regulamentação sobre o uso de dados no Brasil

A internet é um universo vasto de conteúdo e possibilidades. O crescimento das perspectivas do uso da rede mundial de computadores tem sido tema de vários debates, especialmente no que diz respeito à vigilância e à privacidade. Neste contexto, a proteção das crianças deveria ser prioridade. Com esse objetivo, o Instituto Alana promoveu hoje, dia 14, no Fórum Internacional da Internet no Brasil, um workshop sobre “Privacidade e proteção de dados de crianças na Internet”.

Deve ser compromisso de toda a sociedade, e não só da família ou da escola que a criança frequenta, a adoção de cuidados em relação às vulnerabilidades que se aplicam sobre essa fase da vida, e que corresponde a de um cidadão ainda em processo de formação. Cita o artigo 227 da Constituição Federal: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Por isso, é fundamental que haja também por parte dos Estados a adoção de iniciativas na criação de uma lei de proteção de dados.

Para Marina Pita, consultora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, a prioridade no Brasil deve ser a da criação de uma lei que consiga evitar os abusos de uma indústria que está cada vez mais coletando dados das pessoas com fins de obtenção de lucro.

“É preciso regular o mercado. Existem brinquedos que estão sendo comercializados com o objetivo único de coletar dados sobre as crianças. São brinquedos que estão interagindo de forma direta e sobre os quais não há nenhum estudo a respeito dos impactos que essa interação possa causar”, frisa.

A internet das coisas é um conceito que vem sendo cada vez mais aplicado, de forma a “conectar basicamente qualquer dispositivo à internet”, e é nessa linha que vem a expressão “Internet dos brinquedos”. O que nada mais é do que brinquedos elaborados através de uma tecnologia conectada à rede. Esses brinquedos podem coletar dados com diversos fins, inclusive podendo comprometer a segurança física da criança.

Marina lembra que Estados Unidos e vários países da Europa já contam com uma legislação que protege a criança para que não fique totalmente à mercê das indústria de brinquedos. O Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados dos Estados Unidos, por exemplo, estabelece como regra geral a idade mínima de 16 anos para o consentimento da pessoa sobre o tratamento de dados pessoais. Em alguns casos, os estados-membros podem consagrar uma idade menor do que esta, desde que não seja inferior a 13 anos.

No Brasil, a falta de uma lei faz com que exista um ambiente de excessos no que diz respeito à coleta de dados. Em alguns casos, não se sabe nem qual uso será dado para aquele dado recolhido, mas ele é armazenado mesmo assim.

Um exemplo trazido por Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, é a captação de dados de estudantes através de tecnologias “gratuitas” oferecida as escolas, porém que ser am monetização com a venda de informações para alguma empresa sem o conhecimento dos indivíduos. “Esses dados de alunos estão sendo muito utilizados para fins políticos-eleitorais, porém também podem ser usados com fim de discriminação seja social, econômico ou racial”, lamenta.

Pedro também destaca que essa vigilância constante normaliza um prática que não é natural. “Não podemos achar que está tudo bem estar sendo vigiado, e nem permitir que as crianças achem que isso é normal”.

Participaram ainda do workshop Danilo Doneda, consultor especializado em proteção de dados e conselheiro do programa Criança e Consumo, do Alana e Thiago Tavares, presidente da Safernet e conselheiro do Comitê Gestor da Internet.

Sobre o Fórum da Internet no Brasil

O Fórum da Internet no Brasil é promovido anualmente pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) desde 2011 e consiste em atividade preparatória para o Fórum de Governança da Internet (IGF). Por meio dele, o CGI.br busca incentivar representantes dos setores que o compõem a acompanharem e opinarem sobre as questões mais relevantes para a consolidação e expansão de uma Internet cada vez mais diversa, universal e inovadora no Brasil e que expresse os princípios da liberdade, dos direitos humanos, da privacidade, tal como apresentados no decálogo de Princípios para a Governança e Uso da Internet.

A sétima edição do Fórum da Internet no Brasil será realizada entre os dias 14 e 17 de novembro na cidade do Rio de Janeiro (RJ) com o tema “Moldando seu futuro digital”.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação 

 

Brasília debate acesso à internet enquanto espaço público e neutralidade de rede

Uma roda de conversa sobre “Estado de Exceção e Liberdade de Expressão no Brasil” em frente à Torre de TV marcou o fim da Semana DemoCom em Brasília

A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação (Semana Democom), que aconteceu oficialmente entre os dias 15 e 21 de outubro, contou com a articulação de entidades de diversos setores da sociedade civil em Brasília-DF. Na cidade, a Semana Democom 2017 encerrou com a realização de uma roda de conversa sobre “Estado de Exceção e Liberdade de Expressão no Brasil”, realizada em frente à Torre de TV – local simbólico para a luta pela democratização da comunicação.

A roda começou com uma apresentação e relatos pessoais sobre violações à liberdade de expressão. O professor José Geraldo de Sousa Júnior retratou um pouco do contexto atual e o relacionou com a história da liberdade de expressão no Brasil. “A Constituição de 1988, em seu artigo V, desenhou o que poderia fazer numa transição para a democracia plena, porém as rupturas que têm ocorrido nos últimos anos nos mostram que caminhamos novamente para o estado de exceção”, alertou ele, enfatizando que a suspensão da normalidade democrática pode nos levar ao fascismo.

A primeira atividade realizada na cidade foi o debate sobre “A Crise da Lei de Acesso à Informação: política de Estado ou Política de Governo”, realizada na Universidade de Brasília (UnB) na segunda-feira, dia 16. Ainda na UnB, quinta-feira, dia 19, foi dia de conversar sobre  “Mídias da UnB: liberdade de expressão e manifestação na Universidade”. Um debate fundamental num momento em que o espaço universitário torna-se um dos campos de resistência na luta contra os desmontes das políticas públicas, principalmente na educação, promovidos pelo governo federal.

Para Juliana Nunes, jornalista da Agência Brasil e ex-estudante da UnB, os diálogos para elaboração de pautas nas mídias da universidade precisam ser democráticos. “Criar conselhos de leitores que tragam uma nova visão sobre a pauta e outras experiências de participação”, refletiu ela.

Danielle Assis, integrante do Centro Acadêmico de Comunicação da Unb (Cacom), declarou que a atividade tinha o intuito de pensar sobre o tipo de comunicação que está sendo construída nas mídias da UnB. “É uma comunicação institucional? Não é? Estamos tendo liberdade de expressão para definir sobre o quê vai ser publicado? Precisamos ter clareza de onde estamos e para onde vamos, pois queiram ou não, fazemos parte de uma comunicação pública”, reforçou.

A coordenadora executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Bia Barbosa, falou sobre a importância dos veículos universitários na tomada de decisão dos estudantes sobre qual caminho seguir na vida profissional e, principalmente, na missão de levar para suas carreiras o “espírito público” da comunicação social. “Os espaços da mídia universitária são fundamentais para experimentar e construir coisas diferentes. É um espaço para um novo exercício da comunicação, para que saiam preparados para disputar lá fora uma nova forma de fazer comunicação”, destacou.

Na noite do mesmo dia, foi momento de discutir os “Desafios da Internet: acesso, neutralidade, privacidade e liberdade de expressão”. A atividade teve como princípio levantar os principais temas que vêm desafiando a democratização da comunicação na internet. Marcos Urupá, coordenador executivo do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, relatou que hoje algo em torno de 44 a 46% da população não tem acesso à internet. Segundo ele, há dois fatores  que limitam esse acesso. O primeiro é a infraestrutura, e o segundo, o preço, que, quanto mais fora do eixo econômico dos grandes centros, mais caro se torna.

Urupá lembrou a aquisição do Satélite Geoestacionário Brasileiro, que foi adquirido com a justificativa de levar adiante o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), mas que, agora, está em um processo de leilão para empresas privadas. “Mais uma vez, as empresas terão acesso a infraestrutura pública gerada com recursos públicos. Havia uma expectativa de que o satélite fosse usado para concretizar o PNBL, porém não se fala mais nisso”, lamentou. Ele também comentou sobre o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 79, que trata da extinção das concessões de telefonia fixa e de sua transformação em autorizações “com a contrapartida de investimentos em banda larga”, que na verdade já seria uma obrigação das empresas privadas, pois elas é que irão explorar o serviço.

Sivaldo Pereira, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB, falou sobre a questão da neutralidade de rede e como ela pode gerar uma série de mudanças quanto à forma como nos comunicamos online. “As empresas querem discriminar o conteúdo que a sociedade usa. Na teoria, paga menos quem usa menos, e quem usa mais paga mais. Porém não é bem assim. Pode ser gerada uma estratificação da rede. As empresas delimitam pacotes e o consumidor que se limite àquele escolhido, como se fosse uma TV por assinatura”. Ele ainda frisa que essa discriminação na rede vai limitar ainda mais a liberdade de expressão daqueles que têm menos condições.

A ativista Kimberly Anastacio, da Coding Rights, apontou que a internet surgiu com a promessa de democratização da comunicação, mas essa “liberdade de expressão” escancara uma série de desafios, como, por exemplo, o ataque de ódio nas redes e a falta de conhecimento dos parlamentares na hora de intervir em alguns casos. “Alguns parlamentares acabam apresentando projetos que, na verdade, acabam é atacando a liberdade de expressão”.

Ela citou dois exemplos de falta de conhecimento sobre a rede e de compromisso com o cidadão: o projeto de lei que criava o cadastro nacional de usuário da internet, onde a pessoa teria que “logar” cada vez que fosse acessar a rede, e uma emenda dentro do debate da reforma política no qual se pretendia retirar imediatamente conteúdo que fosse denunciado como sendo de robôs ou anônimos. “Essas tentativas de acabar com problemas na internet, mas sem conversar com quem realmente lida com as tecnologias e está na base, não funcionam e são um atentado à liberdade de expressão”, criticou.

Jonas Valente, ativista da Coalizão Direitos na Rede, enfatizou sobre a coleta desenfreada de dados. “Está na agenda: precisa coletar dados loucamente, muitas vezes sem nem saber para quê. Mas em algum momento eles vão usar. Isso aparece desde o momento em que você compra um computador e ele começa a pedir sua digital, sua retina, ou um simples aplicativo (app) que te pede permissão para acessar sua câmera, sua galeria, seu microfone, mesmo que aquele app não use as informações para aquele serviço”.

Jonas reforça que, por mais que as pessoas não tenham o que esconder, todos têm direito à privacidade. “Não estamos inventando algo novo. A proteção de dados já está na legislação de oito países da América Latina. Na Europa, a primeira legislação de proteção de dados surgiu em 1995, sendo atualizada em 2006”, acentuou.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação