É tempo dos defensores de direitos trabalharem em rede

Por Eduardo Amorim*

O mais trágico dos resultados precisa trazer aprendizados para quem sofre a derrota. A vitória de Bolsonaro, a formação de uma ampla bancada de extrema direita no Congresso Nacional e a ascensão de políticos extremamente conservadores em estados como o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais ainda vai começar a ser assimilada pelos defensores dos direitos humanos no Brasil.

Sem se deixar levar pelo discurso fácil de que fomos vencidos pelas redes sociais, um ponto que precisa ser consensual é que o debate do Direito à Comunicação terá de ser realizado com muito mais prioridade no próximo período. A ampla aliança democrática que se formou em torno das candidaturas de Fernando Haddad e Manuela D`Ávila não conseguiu romper uma narrativa que focou em grupos específicos do eleitorado e obteve assim a vitória.

Os números mostram que como em eleições passadas um grande percentual de brasileiros preferiu se abster e houve um crescimento bastante relevante do número de votos nulos, que vinham desde 2002 ficando nos 4% e no segundo turno de 2018 chegou a 7,44%. Somados com 2,15% de abstenções e 21,25% de abstenções, 42 milhões de pessoas não conseguiram escolher entre as propostas de Haddad e Bolsonaro.

Já antes do segundo turno, o futuro presidente tentava se despregar da imagem de defensor da violência contra grupos vulnerabilizados. Não foi diferente após sua vitória. “Como defensor da liberdade vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão, que cumpre seus deveres e respeita as leis. Elas são para todos, porque assim será o nosso governo, constitucional e democrático”, afirmou.

No entanto, a narrativa não condiz com momentos chave como a morte da vereadora Marielle Franco, que sensibilizou a população brasileira e ganhou do então candidato à Presidência da República um silêncio absoluto.

No dia da eleição do primeiro turno, o assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê também teve uma repercussão bastante grande. Perguntado pela imprensa sobre o crime cometido por um defensor da sua candidatura, Bolsonaro disse que não tinha como se responsabilizar por todos os seus eleitores e garantiu que a violência vinha “do outro lado”, lembrando a facada que sofreu na véspera do 7 de setembro.

Ao continuar dando vazão a uma narrativa de embate, Bolsonaro abriu espaço para o que se seguiu durante a campanha e pelo menos em quatro casos a violência chegou ao extremo da morte. Além de Moa do Katendê, pelo menos outras quatro pessoas morreram também em crimes atribuídos a eleitores do candidato do PSL.

Charlione Lessa Albuquerque, jovem de 23 anos, foi atingido por disparos à bala enquanto participava de uma carreata a favor de Fernando Haddad em Pacajus, no Ceará, na véspera do segundo turno. No Largo do Arouche, a travesti Priscila foi assassinada e testemunha relatou ao Brasil de Fato ter ouvido grupos de que “com Bolsonaro, a caça aos veados vai ser legalizada”.

O caso do Centro de São Paulo, infelizmente, não é isolado. Dois dias depois desse assassinato, Laysa Fortuna foi morta pelo mesmo motivo absurdo em Aracaju. No dia 21 de outubro, Kharoline foi assassinada em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo. Os LGBT começam a se organizar para enfrentar a violência.

Os cinco casos de assassinatos são os mais brutais destas eleições. Mas a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) documentou 141 casos de ameaças e violência somente contra jornalistas que cobriam as eleições. A maioria deles é atribuída a partidários de Bolsonaro.

Após a vitória de Bolsonaro, evidentemente houve comemoração em diversas cidades. Em Rodelas, no Sertão da Bahia, o grupo de eleitores do candidato do PSL fez questão de invadir a Aldeia Tuxá e provocar a população indígena. Apesar de ter tido apenas 27,31% dos votos dos baianos, os eleitores do PSL se empoderaram com a vitória do seu candidato e se sentem no direito de provocar em território majoritariamente petista.

O caso que relato por ter ido até o Sertão da Bahia para acompanhar o voto da minha esposa baiana pode parecer banal. Porém, pode explicar um outro trecho da fala de Jair Bolsonaro: “Nosso governo vai quebrar paradigmas: vamos confiar nas pessoas. Vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade para criar e construir e seu futuro. Vamos “desamarrar” o Brasil”.

O discurso do empreendedorismo pode vir a ser uma arma contra direitos como os conquistados por indígenas e quilombolas, que em áreas remotas do Brasil como o Sertão nordestino vêm lutando com suas vidas pelas terras demarcadas. Na beira do Rio São Francisco, a fronteira agrícola da fruticultura irrigada é um ponto chave, mas a defesa dos direitos dessas populações precisa ser feita em todo o Brasil, assim como o de diversas outras comunidades urbanas e rurais.

Se eu puder dizer alguma coisa para os indígenas que se sentiram ameaçados será no sentido de pedir para que resistam e fortaleçam sua organização em redes. A eleição trouxe pouquíssimas novidades positivas, mas na minha ótima a melhor notícia em meio ao caos foi o do fortalecimento da rede feminista no Brasil.

Mesmo criticado até mesmo dentro da esquerda, o movimento feminista conseguiu levar também para a política eleitoral ainda no primeiro turno um grande manifesto em torno do #EleNão. Silenciado pela imprensa, assim como as denúncias do Caixa 2 de Bolsonaro, mas que poderia ter tido no primeiro turno o mesmo resultado que teria a denúncia do crime relacionado ao envio de mensagens por WhatsApp na semana passada.

A organização em redes é fundamental, mas depende também da luta para criar um ambiente democrático de comunicação. Por isso, acredito que a organização dos movimentos que atuam em articulações em defesa do Direito à Comunicação deve estar articulada com todos esses movimentos, para que consigamos resistir e ampliar as lutas.

*Eduardo Amorim é jornalista, membro do Intervozes, Doutorando em Comunicação no Ppgcom-Ufpe e vice-presidente da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco

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