MCI: Ameaças no Congresso e Judiciário ainda não abalam a Constituição da Internet no Brasil

A conselheira do CGI.br, Flávia Lefévre diz que os ataques são normais, mas estamos evoluindo em termos de subsídios para defender os princípios da lei

Marina Pita

As ameaças ao Marco Civil da Internet (Lei 12.485) estão vindo do Judiciário, enquanto estamos atentos ao Congresso Nacional, e das empresas que defendemos ao criar o arcabouço legal para a Internet, defendeu o promotor de justiça Frederico Ceroy, coordenador da Comissão de Proteção de Dados Pessoais do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, referindo-se à ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os dispositivos de bloqueio de aplicativos e de priobição de operação no Brasil.

Para Ceroy, é fundamental manter os dispositivos de sanções legais caso as empresas não cumpram com a legislação vigente, ou há um grande risco de o MCI virar apenas uma carta de boas intenções, afirmou durante debate sobre direitos digitais, durante a Semana de Política de Tecnologia de Brasília, organizada pelo Intervozes em parceria com a fellow da Mozilla, Marília Monteiro.

A questão neste processo, lembra Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes e que mediou a mesa, é que a possibilidade de bloqueio está sendo usada de forma equivocada. “O bloqueio está previsto para, apenas, em caso de a empresa ferir as regras de privacidade, e não quando deixa de entregar dados.”

E, no entanto, a própria disposição de bloqueio de aplicações pode ser um problema, ao infringir o direito à liberdade de expressão, na avaliação da coordenadora do programa de Direitos Digitais da ONG Artigo 19 no Brasil, Laura Tresca. A organização, explicou Tresca, está avaliando a aplicação do MCI no judiciário brasileiro e, ainda que o levantamento ainda não esteja concluído, já se pode notar que há mudança nas decisões quanto à responsabilidade das plataformas online quanto ao conteúdo postado por terceiros – o MCI estabelece, para proteger a liberdade de expressão – que os intermediários só poderão ser responsabilizados quando houver notificação judicial a respeito de algum conteúdo específico. Já no quesito coleta de dados e garantia de neutralidade de rede, o Judiciário não tem aplicado o MCI da mesma forma, apontou.

Mas se o Judiciário tem avançado na garantia de proteção dos intermediários quanto ao conteúdo disponibilizado por terceiros, há intenso debate no Congresso para reverter esta disposição no MCI, especialmente para obrigar a retirada de conteúdo sem ordem judicial, lembrou o deputado federal Alessandro Molon, relator do projeto de lei que deu origem à legislação em questão. “Vem gente com a ideia de retirar conteúdo, bastando alguém dizer que é uma notícia falsa. Imagine isso!”.

A advogada da Proteste, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Flávia Lefévre, comparou os ataques que o MCI vem sofrendo com aqueles que seguiram à aprovação do Código de Defesa do Consumidor. Segundo ela, houve muita resistência, descrença de os princípios do CDC poderiam ser aprovados e implementados, mas hoje o valor da lei consumerista é indiscutível, o que imagina que acontecerá também com o MCI.

A aprovação do decreto que regulamenta o MCI (Decreto nº 8771) ocorreu há apenas um ano e meio e dele dependiam definições sobre questões importantes como neutralidade de rede e privacidade, lembra Flávia. Ou seja, ainda estamos no início de um processo de consolidação.

Ainda, esse sistema de acompanhamento e fiscalização dos direitos garantidos no MCI, de forma colaborativa, envolvendo Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), seguindo diretrizes técnicas e estratégias desenvolvidas pelo CGI.br, apenas agora poderá contar com o documento de referência do Comitê.

“No CGI.br privilegia-se a construção por consenso. Então trabalhamos muito para editar um documento com essas diretrizes básicas. E agora que está público, precisamos nos apropriar dele, do MCI, do Decreto e fazer esta interlocução com CGI, Anatel, Cade e Senacon para ver como faremos o acompanhamento e o cumprimento desses direitos”, defendeu Lefévre.

Para Fábio Lúcio Koleski, gerente de Interações Institucionais, Satisfação e Educação para o Consumo da Superintendência de Relações com o Consumidor da Anatel, a agência, bem como os demais atores que devem garantir o princípio da neutralidade de rede ainda engatinham nesse terreno porque o assunto é muito novo e o desenho institucional é complexo. “É muito difícil entender o que é essa separação das competências de CADE, Anatel e Senacon. Mesmo o judiciário ainda engatinha para entender quem é quem nesta cadeia.”

Por Marina Pita – Especial para o Observatório do Direito à Comunicação

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