CADE afirma que nunca se manifestou sobre neutralidade de rede

Em evento promovido em Brasília, representante do órgão explicou que o posicionamento sobre zero-rating se deu em um caso específico e apenas a partir da perspectiva da concorrência

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) tomou uma decisão sobre apenas um caso específico de prática de zero-rating das operadoras de telecomunicações e da perspectiva exclusiva da concorrência mas não quanto à neutralidade de rede, frisou Cristiane Albuquerque, coordenadora-geral de análise antitruste, responsável pela nota técnica sobre zero-rating de redes sociais no caso de inquérito administrativo movido por denúncia da Proteste contra Vivo, Oi, Claro e TIM. Durante debate sobre neutralidade de rede nesta terça-feira (6), realizada na Semana de Política de Tecnologia de Brasília, Abuquerque refutou afirmações de que o CADE teria tomado uma decisão sobre neutralidade de rede, como afirmaram alguns veículos à época, e frisou que mesmo a questão concorrencial não está fechada e será analisada caso a caso.

“Olhamos os contratos específicos que estavam vigentes à época, as ofertas das operadoras, os contratos comerciais. Aquilo, nós entendemos que não era conduta anticompetitiva e infração à ordem econômica. Mas a análise foi feita dentro da nossa competência e não acerca da neutralidade”, disse.

Para Rafael Zanatta, advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) que representou também a Coalizão Direitos na Rede no evento, as práticas de zero-rating precisam ser analisadas como uma questão de economia política, das escolhas do país quanto ao desenvolvimento do mercado doméstico de aplicações, inclusive, e não apenas como uma questão concorrencial e de neutralidade de rede, mas também por estas perspectivas. E, no entanto, a escolha brasileira de definir CADE, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), considerando as diretrizes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), para avaliar as práticas de neutralidade de rede não está funcionando.

“Nosso desafio é azeitar o sistema e garantir a efetividade de normas já existente e que são descumpridas. Unir o direito do consumidor ao potencial de discriminação do tráfego, isso ninguém está olhando. Temos uma questão de enforcement”, afirmou.

Representando o Sindicato das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Alexander Castro defendeu que a prática de zero-rating não fere a neutralidade de rede, mas pode ser, sim, questionada do ponto de vista concorrencial. A questão, no entanto, estaria em como garantir que as grandes provedoras de conteúdo online, como Google, Facebook e Netflix, que representam mais de 80% do tráfego, contribuam para cobrir os custos de manutenção da infraestrutura de telecomunicações que dá suporte à Internet.

“A questão da neutralidade de rede respinga no consumidor. Mas a questão se concentra principalmente na disputa de poder. O tráfego da Internet está concentrado em poucas aplicações nos EUA. Eles têm todo o interesse em que as empresas de telecom entreguem tudo igual”, defendeu.

A avaliação de Antonio Moreiras, engenheiro do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), é de que as empresas atuantes na camada de conteúdo – Google, Facebook, Akamai, Microsoft e Apple – também contribuem para manter a infraestrutura de suporte à Internet por meio do investimento em Content Delivery Networks (CDN) e sistemas de cache.

“Não vamos buscar conteúdo nos EUA, mas em servidor dentro da rede do provedor Internet, que já conta com boa parte desses conteúdos. De certa forma, ao organizar isso, essas empresas também participam da construção da infraestrutura e diminuem os custos operacionais. Precisamos ver se há um desequilíbrio na balança, mas elas estão tentando minimizar o impacto do volume crescente de tráfego de dados”, apontou.

A mediadora Marília Monteiro, Tech Policy Fellow da Fundação Mozilla, organizadora do evento em parceria com o Intervozes, lamentou que Anatel e Senacon não tenham enviado representantes ao debate em Brasília, especialmente porque estão, no Marco Civil da Internet, responsáveis pela aplicação da lei.

O Intervozes realizou, em parceria com a Derechos Digitales, uma pesquisa sobre neutralidade de rede na América Latina, e defende que práticas de zero-rating ferem a neutralidade de rede, conforme estabelecida no Marco Civil da Internet.

Por Marina Pita – Especial para o Observatório do Direito à Comunicação

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