Brasília debate acesso à internet enquanto espaço público e neutralidade de rede

Uma roda de conversa sobre “Estado de Exceção e Liberdade de Expressão no Brasil” em frente à Torre de TV marcou o fim da Semana DemoCom em Brasília

A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação (Semana Democom), que aconteceu oficialmente entre os dias 15 e 21 de outubro, contou com a articulação de entidades de diversos setores da sociedade civil em Brasília-DF. Na cidade, a Semana Democom 2017 encerrou com a realização de uma roda de conversa sobre “Estado de Exceção e Liberdade de Expressão no Brasil”, realizada em frente à Torre de TV – local simbólico para a luta pela democratização da comunicação.

A roda começou com uma apresentação e relatos pessoais sobre violações à liberdade de expressão. O professor José Geraldo de Sousa Júnior retratou um pouco do contexto atual e o relacionou com a história da liberdade de expressão no Brasil. “A Constituição de 1988, em seu artigo V, desenhou o que poderia fazer numa transição para a democracia plena, porém as rupturas que têm ocorrido nos últimos anos nos mostram que caminhamos novamente para o estado de exceção”, alertou ele, enfatizando que a suspensão da normalidade democrática pode nos levar ao fascismo.

A primeira atividade realizada na cidade foi o debate sobre “A Crise da Lei de Acesso à Informação: política de Estado ou Política de Governo”, realizada na Universidade de Brasília (UnB) na segunda-feira, dia 16. Ainda na UnB, quinta-feira, dia 19, foi dia de conversar sobre  “Mídias da UnB: liberdade de expressão e manifestação na Universidade”. Um debate fundamental num momento em que o espaço universitário torna-se um dos campos de resistência na luta contra os desmontes das políticas públicas, principalmente na educação, promovidos pelo governo federal.

Para Juliana Nunes, jornalista da Agência Brasil e ex-estudante da UnB, os diálogos para elaboração de pautas nas mídias da universidade precisam ser democráticos. “Criar conselhos de leitores que tragam uma nova visão sobre a pauta e outras experiências de participação”, refletiu ela.

Danielle Assis, integrante do Centro Acadêmico de Comunicação da Unb (Cacom), declarou que a atividade tinha o intuito de pensar sobre o tipo de comunicação que está sendo construída nas mídias da UnB. “É uma comunicação institucional? Não é? Estamos tendo liberdade de expressão para definir sobre o quê vai ser publicado? Precisamos ter clareza de onde estamos e para onde vamos, pois queiram ou não, fazemos parte de uma comunicação pública”, reforçou.

A coordenadora executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Bia Barbosa, falou sobre a importância dos veículos universitários na tomada de decisão dos estudantes sobre qual caminho seguir na vida profissional e, principalmente, na missão de levar para suas carreiras o “espírito público” da comunicação social. “Os espaços da mídia universitária são fundamentais para experimentar e construir coisas diferentes. É um espaço para um novo exercício da comunicação, para que saiam preparados para disputar lá fora uma nova forma de fazer comunicação”, destacou.

Na noite do mesmo dia, foi momento de discutir os “Desafios da Internet: acesso, neutralidade, privacidade e liberdade de expressão”. A atividade teve como princípio levantar os principais temas que vêm desafiando a democratização da comunicação na internet. Marcos Urupá, coordenador executivo do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, relatou que hoje algo em torno de 44 a 46% da população não tem acesso à internet. Segundo ele, há dois fatores  que limitam esse acesso. O primeiro é a infraestrutura, e o segundo, o preço, que, quanto mais fora do eixo econômico dos grandes centros, mais caro se torna.

Urupá lembrou a aquisição do Satélite Geoestacionário Brasileiro, que foi adquirido com a justificativa de levar adiante o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), mas que, agora, está em um processo de leilão para empresas privadas. “Mais uma vez, as empresas terão acesso a infraestrutura pública gerada com recursos públicos. Havia uma expectativa de que o satélite fosse usado para concretizar o PNBL, porém não se fala mais nisso”, lamentou. Ele também comentou sobre o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 79, que trata da extinção das concessões de telefonia fixa e de sua transformação em autorizações “com a contrapartida de investimentos em banda larga”, que na verdade já seria uma obrigação das empresas privadas, pois elas é que irão explorar o serviço.

Sivaldo Pereira, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB, falou sobre a questão da neutralidade de rede e como ela pode gerar uma série de mudanças quanto à forma como nos comunicamos online. “As empresas querem discriminar o conteúdo que a sociedade usa. Na teoria, paga menos quem usa menos, e quem usa mais paga mais. Porém não é bem assim. Pode ser gerada uma estratificação da rede. As empresas delimitam pacotes e o consumidor que se limite àquele escolhido, como se fosse uma TV por assinatura”. Ele ainda frisa que essa discriminação na rede vai limitar ainda mais a liberdade de expressão daqueles que têm menos condições.

A ativista Kimberly Anastacio, da Coding Rights, apontou que a internet surgiu com a promessa de democratização da comunicação, mas essa “liberdade de expressão” escancara uma série de desafios, como, por exemplo, o ataque de ódio nas redes e a falta de conhecimento dos parlamentares na hora de intervir em alguns casos. “Alguns parlamentares acabam apresentando projetos que, na verdade, acabam é atacando a liberdade de expressão”.

Ela citou dois exemplos de falta de conhecimento sobre a rede e de compromisso com o cidadão: o projeto de lei que criava o cadastro nacional de usuário da internet, onde a pessoa teria que “logar” cada vez que fosse acessar a rede, e uma emenda dentro do debate da reforma política no qual se pretendia retirar imediatamente conteúdo que fosse denunciado como sendo de robôs ou anônimos. “Essas tentativas de acabar com problemas na internet, mas sem conversar com quem realmente lida com as tecnologias e está na base, não funcionam e são um atentado à liberdade de expressão”, criticou.

Jonas Valente, ativista da Coalizão Direitos na Rede, enfatizou sobre a coleta desenfreada de dados. “Está na agenda: precisa coletar dados loucamente, muitas vezes sem nem saber para quê. Mas em algum momento eles vão usar. Isso aparece desde o momento em que você compra um computador e ele começa a pedir sua digital, sua retina, ou um simples aplicativo (app) que te pede permissão para acessar sua câmera, sua galeria, seu microfone, mesmo que aquele app não use as informações para aquele serviço”.

Jonas reforça que, por mais que as pessoas não tenham o que esconder, todos têm direito à privacidade. “Não estamos inventando algo novo. A proteção de dados já está na legislação de oito países da América Latina. Na Europa, a primeira legislação de proteção de dados surgiu em 1995, sendo atualizada em 2006”, acentuou.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *