Como se expressa a sexualidade em tempos de Big Data?

Compreender como a internet pode servir para defesa ou violação de direitos sexuais é uma das tarefas para a emancipação de mulheres e LGBTQI

Por Marina Pita*

Quando soube que a Índia se incumbiu da tarefa de proibir sites pornôs, um amigo disse: mas afinal, a web serve para quê, se não para isso? A frase pode soar desrespeitosa para muita gente que realiza mil e uma atividades online, em um espaço digital aberto. Mas o fato é que um dos importantes usos da web é, sim, exercer a sexualidade – e reivindicar direitos relacionados a ela.

Considerando, entretanto, que há padrões normativos e que, em alguns países, qualquer diferença em relação a eles pode ser severamente punida, é preciso se debruçar sobre o impacto da vigilância massiva na internet também em relação à questão da sexualidade.

É isso que a Associação para o Progresso das Comunicações (Association for Progressive Communications, APC) quer entender agora, por meio da recém-lançada pesquisa sobre sexualidade online “EroTICS”.

Historicamente, as práticas de vigilância foram desenvolvidas de forma majoritária ao lado do patriarcado e da colonização. Mesmo antes do advento da computação, eram os corpos das mulheres, da população LGBTQI e das pessoas negras que estavam sob constante vigilância e controle. Afinal, quando o contexto social já é marcado por relações sexistas, então a tecnologia de vigilância (e outras) tenderá a amplificar tais tensões e desigualdades.

Big Data (grande conjunto de dados armazenados) e a prática de processá-los não podem, assim, ser pensados independentemente do contexto amplo em que foram criados e em que se desenvolveram.

É importante, neste sentido, ressaltar que a vigilância não se dá mais por alvos específicos, mas por meio da coleta massiva, pela generalização do conceito de suspeito e pela própria criação de suspeitos por meio de processos algorítmicos. Além disso, a nova coleta de dados se dá, em geral, de forma remota, praticamente invisível aos cidadãos objeto da vigilância. Ocorre, em geral, sem adequado consenso e com intensa transmissão de dados.

Tudo isso tem uma implicação diferente para mulheres, LGBTQI e negros. “A vigilância de hoje enquadra as pessoas em categorias, designando riscos e valores, de forma que têm implicações reais em suas opções de vida. Há profunda discriminação, o que torna a vigilância não apenas uma questão de privacidade, mas de justiça social”, afirmou David Lyon no livro “Surveillance as Social Sorting: Privacy, Risk and Digital Discrimination”, citado no artigo de Nicole Shephard, “Big Data and Sexual Surveillance”.

Shepard lembra que a coleta de dados comercial para enquadramento em tipos sociais, tradicionalmente não entendida como vigilância, também tem implicância no desenvolvimento das relações de gênero e sexualidade, entre outros. “O corpo e suas interações virtuais têm o potencial de ser reconstituído, controlado, ‘merketizado’ e quase literalmente vendido para maior oferta”, afirma.

Assim, mais do que nunca se faz necessário questionar como o cenário digital de coleta e processamento de dados afeta a sexualidade e a identidade de gênero, bem como aqueles que utilizam a internet como ferramenta para se expressar nestes âmbitos. É o que busca a terceira pesquisa global EroTICs.

Em suas edições anteriores, realizadas em 2013 e 2014, a pesquisa apurou, por exemplo, que 98% dos ativistas de direitos sexuais consideram que a internet é crucial para o seu trabalho. Por outro lado, 51% já receberam mensagens violentas ou ameaçadoras em decorrência de sua atuação nas redes.

Esses e outros dados levantados pela EroTICs levaram à inclusão de orientação sexual e identidade de gênero no relatório sobre criptografia, anonimato e direitos humanos nas comunicações digitais do Relator Especial da ONU para Liberdade de Opinião e de Expressão, em 2015.

O relatório faz uma séria de recomendações aos Estados que fazem parte da ONU, como treinamento sobre questões de gênero para policiais e funcionários responsáveis pela aplicação das leis e a exclusão de crimes de violência sexual de disposições de anistia no contexto dos processos de resolução de conflitos.

A ideia é prevenir violações e abusos contra defensores – e principalmente defensoras – de direitos humanos, a partir da compreensão de que há uma discriminação sistêmica e estrutural enfrentada por mulheres ativistas.

Para esta edição, a pesquisa dá preferência a militantes de direitos sexuais menos contemplados nos anos anteriores, como migrantes, refugiados, jovens, idosos, pessoas com deficiência e pessoas que enfrentam discriminações adicionais baseadas em raça, casta ou religião.

É possível responder ao questionário até 17 de agosto, em inglês ou em espanhol, e ajudar a colocar o gênero e a sexualidade no mapa das pesquisas sobre usos e riscos da internet. Essas dimensões da vida humana também precisam ser consideradas e problematizadas num momento de profundas transformações que o desenvolvimento traz.

*Marina Pita é jornalista e integra a Coordenação Executiva do Intervozes.

Desligamento do sinal analógico ameaça existência da TV Pernambuco

Acordo de cooperação entre Executivo e Legislativo permitiu que emissora não ficasse sem transmissão; medida ocorreu momentos antes do desligamento do sinal analógico

O desligamento do sinal analógico no estado de Pernambuco, ocorrido nesta quarta-feira, dia 26, quase culminou com o encerramento das atividades de uma das principais emissoras públicas do país, a TV Pernambuco (TV PE). A emissora ainda não tinha iniciado o processo de digitalização do sinal, o que, segundo os movimentos sociais, foi motivado por “falta de vontade política” para que se desse andamento a melhorias na comunicação pública do estado.

As entidades que compõem o Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom) já vinham denunciando a falta de atitude do governo frente à realidade de digitalização das TVs e do desligamento do canal analógico. “A sociedade civil sempre esteve reunida em torno deste debate e cobrando do poder público alguma providência, mas o caso sempre foi negligenciado. Ele só era colocado em pauta quando o tema tomava conta da sociedade e reverberava nas redes sociais de forma mais incisiva”, lamenta Renato Feitosa, Coordenador de Direito à Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire.

O sistema de transmissão de TV digital está em vias de se tornar padrão no país. O desligamento vem obedecendo um calendário que está em execução desde novembro de 2016. Nas emissoras comerciais de Pernambuco que possuem conteúdo original local, como Globo Nordeste, TV Clube, TV Jornal e Tribuna, quase não houve percepção de mudança no sistema de transmissão, pois estas já contavam com a opção pelo sinal digital desde o primeiro semestre de 2009. O que fortalece à avalição dos movimentos sociais de que houve descaso do governo com a comunicação pública ao não preparar a TV PE para a mudança.

Na TV Universitária (TVU), por exemplo, a transição definitiva para o digital colocou em movimento algumas mudanças na produção e distribuição de conteúdo. No dia derradeiro para a digitalização, José Mario Austregésilo, diretor da TVU, apresentou o aplicativo UFPE Play, que disponibilizou todo o conteúdo da TV e da Rádio Universitária para streaming sob demanda e aberto ao público. No sistema digital, a rede continuará sendo acessada no canal 11.

Já a TV PE, que possui sede em Caruaru e estava no ar pelo canal 46, quase ficou fora do ar com o desligamento da rede analógica. A conversão do sistema de transmissão da emissora está prevista para ser concretizada somente em janeiro de 2018. Enquanto isso, a medida paliativa encontrada pelo governo do estado foi a de celebrar um acordo de cooperação com a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), por meio do qual a TV PE irá ocupar provisoriamente a faixa 28, em parceria com a TV Alepe.

Em junho de 2017, o governo estadual tinha apresentado um cronograma de transição do sistema de transmissão que já se encontrava em atraso, devido à falta de licitação para a aquisição de equipamentos necessários à digitalização do sinal desde a geradora, localizada em Caruaru, e na retransmissão, no Recife. Em reunião realizada nesta quarta-feira, dia 26, ficou decidido que esse processo será realizado na segunda quinzena de agosto.

A justificativa dada pelo governo para os constantes adiamentos no processo de digitalização e para o atraso no repasse das respectivas verbas foi o momento de crise pelo qual passa o governo de Pernambuco. Porém, essa “crise” não se confirma quando verificados os gastos com a publicidade oficial do governo: só no período entre janeiro e agosto do ano passado, estes gastos ultrapassaram R$ 54,5 milhões.

A comunicação pública no país vem sendo vítima do descaso e, em alguns casos, de sucateamento por parte do Estado. Essas emissoras têm fundamental importância na garantia do direito à comunicação e podem ampliar o acesso do público a produções audiovisuais independentes e regionalizadas, ofertando uma programação democrática e de qualidade.

TVE Bahia implementou digitalização

Em contrapartida, enquanto algumas emissoras públicas como a Empresa Brasil de Comunicação, a Fundação Cultural Piratini (no Rio Grande do Sul) e a própria TV PE sofrem com o desmantelamento de suas estruturas, a TV Educativa da Bahia (TVE Bahia), mesmo com dificuldades orçamentárias, consegue caminhar para a evolução da comunicação pública no estado.

Após 31 anos, o sinal analógico foi desligado em Salvador e mais 19 municípios baianos nesta quarta-feira. A emissora foi a primeira a desligar a transmissão analógica na Bahia, passando a ocupar o canal 10.1 HD. Nos próximos 30 dias, quem sintonizar a TVE Bahia no canal analógico vai encontrar uma mensagem com a orientação para sintonizar o canal digital.

Apesar da mudança sugerida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações de alterar a data para o desligamento do sistema analógico, a direção da emissora pública baiana optou por manter o dia previsto para a troca do sistema de transmissão. O sinal digital da TVE Bahia já estava disponível desde dezembro de 2013.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Teles avançam na verticalização e ameaçam provedores de conteúdo

Mudança no cenário de organização das empresas de tecnologia da informação e comunicações pode gerar perdas econômicas e culturais

Por Marina Pita*

Há um movimento de fusões e aquisições no mercado de telecomunicaçõesocorrendo que merece atenção. Tanto por parte daqueles que se preocupam com direito do consumidor e concorrência, quanto por parte daqueles que entendem a importância da diversidade cultural.

Em outubro de 2016, a AT&T, operadora norte-americana de telecomunicações, anunciou a compra da Time Warner, terceiro maior conglomerado do mundo do ramo de entretenimento, dono da HBO e da Turner, por exemplo. No mesmo ano, a Verizon, outra empresa de telecomunicações norte-americana, anunciou a aquisição do Yahoo, empresa de conteúdo na internet.

Em junho último, a operadora francesa Vivendi, que bem antes disso já havia declarado seu interesse em fortalecer a área de entretenimento (ela já controla a Universal Music e a EMI), anunciou o lançamento de uma plataforma de vídeo, a Studio+, em parceria com a operadora Vivo, para concorrer com o Netflix. Mais recentemente, e em uma escala muito menor, a Telefônica Brasil comprou as ações do Terra Networks Brasil, também uma empresa de conteúdo para a web.

Por ocasião do anúncio do negócio, Ricardo Sanfelipe, vice-presidente de estratégia digital e inovação da Vivo, afirmou ao jornal Valor Econômico: “É uma fronteira que está sendo derrubada”, citando a compra do Yahoo pela Verizon. Esta barreira, a qual Sanfelipe se refere, é a separação entre as empresas da camada de conteúdo e as empresas da camada de infraestrutura (a rede física que suporta a Internet).

Se as empresas de telecomunicações, em um primeiro momento, perderam a corrida para competir no ambiente chamado Over The Top (OTT) – a camada superior da Internet, a do conteúdo – e ficaram relegadas à venda da conexão e à construção de infraestrutura, atividades atualmente consideradas commodities e, portanto, de baixo valor agregado, está claro que está em curso uma nova estratégia para dar a volta por cima. E, a grande aposta está em usar a rede como vantagem competitiva para a entrega de conteúdo.

Uma das formas de garantir tal vantagem é oferecendo acesso às plataformas próprias sem descontar da franquia de dados dos usuários da rede. Em um mercado como o brasileiro, em que a grande maioria das pessoas conta com um plano de dados móvel, com limite de franquia baixo, esta parece ser uma cartada inteligente, se olhada a partir da perspectiva do negócio. O problema é que se olhada a partir da perspectiva do direito do consumidor e da concorrência, a estratégia se torna extremamente preocupante, visto que fere o princípio da neutralidade de rede. E, veja bem, isso já está acontecendo silenciosamente.

A Claro, do grupo mexicano de telecomunicações e entretenimento America Móvel, já vem atuando desta forma no Brasil. O pacote Claro Músicas, concorrente de plataformas de streaming como o Spotify, não é descontado do pacote de dados dos clientes Claro. A oferta foi divulgada em novembro de 2016 e é uma contra ofensiva ao TIMmusic by Deezer, aplicativo de músicas cujo tráfego é gratuito para clientes de vários planos da TIM.

A verticalização do setor de telecomunicações, por meio da ampliação dos negócios na área de produção e distribuição de conteúdo, pode significar uma mudança importante na economia das comunicações à medida que o acesso à conexão à Internet cresce, mesmo que precariamente. No caso de países que contam com grupos nacionais fortes na área de produção e distribuição de conteúdo, como é o caso do Brasil, com a Rede Globo, há uma grande possibilidade de queda de braço.

Não é de hoje que Globo e empresas de telecomunicações divergem nos modelos de negócio envolvendo conteúdo over the top e regras de funcionamento das redes de telecomunicações.

A própria aprovação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) – para regular o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para usuários e de diretrizes para a atuação do Estado – é resultado, mesmo que parcialmente, desta disputa. A Globo, em determinado momento, se convenceu da importância da neutralidade de rede, que impede o favorecimento ou a discriminação do tráfego em redes de telecomunicações e passou a explicar o conceito, bem como a fazer cobertura favorável à aprovação do MCI. Não seria espantoso descobrir que também tenha mexido algumas de suas “pecinhas” no Congresso Nacional.

Não apostemos demais na disputa

Mas o modelo também cresce, nem sempre com operadoras de telecomunicações oferecendo o chamado zero-rating (quando determinado tráfego não é descontado da franquia) para aplicativos próprios, mas também por meio de acordos com plataformas online populares.

A T-Mobile, operadora de telecomunicações norte-americana, por exemplo, mantém uma oferta chamada Binge On, em que o tráfego gerado por diversos serviços de vídeo não são descontados da franquia de dados. A Three, também operadora norte-americana, seguiu o mesmo caminho e passou a oferecer o Go Binge, um plano de dados com liberação de tráfego para o Netflix,  SoundCloud, Deezer e TVPlayer.

Ou seja, é possível que haja uma acomodação dos interesses de operadoras e plataformas de conteúdo e já há experiências exitosas nesse sentido, com anuência das agências reguladoras, o que é ainda mais preocupante. Por isto, não é prudente apostar mais do que algumas fichas na pressão das plataformas de conteúdo – ao lado dos consumidores e ativistas por uma web livre e aberta – pela defesa da neutralidade de rede.

Resta saber se a verticalização das empresas de telecomunicação, seja ela para fazer frente às empresas de conteúdo online ou simplesmente para gerar uma acomodação entre os interesses destes dois setores, será benéfica para os usuários, para a inovação, para a economia dos países tecnologicamente periféricos e para a diversidade cultural.

Este é um tipo de questionamento que só poderá ser respondido se os órgãos competentes estiverem atentos à movimentação que ocorre no setor, coletando dados sobre tais movimentações e analisando se elas respondem ao objetivo de garantir ao país sua soberania econômica e cultural.

*É jornalista e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Congresso elege empresários para vagas da sociedade civil em Conselho

Decisão de Eunício Oliveira colocou radiodifusores e diretor da Claro em assentos da sociedade civil no Conselho de Comunicação Social do Parlamento

Há dois anos, a escolha para os representantes do Conselho de Comunicação Social – órgão consultivo do Congresso Nacional – foi feita, inexplicavelmente, numa sessão sem quórum. Sem qualquer justificativa cabível, 13 membros titulares e 13 suplentes foram “eleitos” numa sessão conjunta da Câmara e do Senado que sequer poderia ter deliberado sobre qualquer tema.

À época, organizações da sociedade civil e a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação (FrenteCom) questionaram a manobra no Supremos Tribunal Federal (STF). Mas os ministros preferiram não agir e permitiram que os novos conselheiros tomassem posse.

Sabendo deste risco e do histórico de ocupação das vagas destinadas à sociedade civil no CCS por empresários ou membros do governo – em 2015, na eleição fajuta, além de empresários, dois ministros foram designados para essas vagas, Aldo Rebelo e Henrique Eduardo Alves, hoje preso –, o movimento pela democratização da comunicação trabalhou, desde o início do ano, para evitar outro golpe.

Via FrenteCom e também dentro do próprio CCS, por iniciativa da representação dos trabalhadores da comunicação dentro do órgão, propôs critérios para a definição da representação da sociedade civil no órgão.

Isso porque a lei que instituiu o Conselho (Lei 8389/1991) determina que ele deve ser composto por três representantes de empresas de rádio, televisão e imprensa escrita; um engenheiro especialista na área de comunicação social; quatro representantes de categorias profissionais da comunicação e cinco representantes da sociedade civil. Não traz, porém, nenhuma definição de quem podem ser os indicados para ocupar este último setor, deixando o caminho aberto para a ocupação indevida das vagas por aqueles que já têm sua representação garantida.

Num contexto em que não há qualquer transparência em como a lista a ser apresentada para os parlamentares é construída, cabendo a palavra final sobre os nomes exclusivamente ao presidente do Congresso, as manobras se multiplicam.

No último dia 3 de julho, porém, em comum acordo entre empresários, trabalhadores e quem atualmente representa a sociedade civil no órgão, o CCS aprovou uma recomendação à Mesa Diretora do Congresso.

O texto orientava o Congresso para que as vagas da sociedade civil, na próxima gestão do CCS, fossem ocupadas por nomes indicados por organizações/instituições de âmbito nacional que, comprovadamente, atuem na área de comunicação; por instituições de pesquisa sobre comunicação; organizações que representam fundações que atuem na comunicação social e não estão representadas nas vagas destinadas às empresas privadas; por organizações de âmbito nacional que, reconhecidamente, representem segmentos expressivos da sociedade, como mulheres, negros e jovens, rádio ouvintes, telespectadores, leitores, internautas, dentro outros; e por instituições de âmbito nacional que, comprovadamente, atuem no campo jurídico.

Mas, novamente, a lista submetida à votação dos parlamentares pela Mesa do Congresso ignorou o princípio de composição tripartite do CCS, assim como as recomendações do próprio Conselho, e incluiu quatro empresários nas vagas da sociedade civil: Fábio Andrade, diretor da America Móvel, da Claro, indicado pelo próprio presidente do Senado, Eunício Oliveira; Ranieri Bertolli, presidente da Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão; Luiz Carlos Gryzinski, diretor da Associação Brasileira de TV por Assinatura UHF (ABTVU); e Patrícia Blanco, representante do instituto empresarial Palavra Aberta, indicada pelo Conar, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária, formado apenas por agências privadas.

A votação, realizada tarde da noite na sessão do Congresso da última quinta-feira 13, demorou menos de um minuto e o único partido em plenário que questionou a lista foi o PSOL.

Em nota divulgada na sexta-feira 14, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que reúne 470 entidades nacionais e estaduais que defendem esta agenda, e que nunca esteve representado no CCS, acusou o Congresso Nacional de usurpar o direito de participação da sociedade civil no Conselho.

“Com essa prática, o Congresso não apenas veta a legítima e representativa participação da sociedade civil no órgão como garante dupla representação para setores empresariais no CCS, já que estes já tem suas vagas previstas em Lei. A supremacia do setor privado na composição CCS impedirá, assim, uma vez mais, que o interesse público prevaleça nas recomendações e debates do Conselho”, afirma o FNDC.

Como se vê, a relação promíscua entre empresários da comunicação e parlamentares não se limita àqueles que controlam diretamente emissoras de rádio e televisão e que, no dia a dia do Parlamento, legislam em causa própria. Ela passa pela ocupação de todo e qualquer espaço possível de favorecimento do mercado. No caso específico do CCS, silenciando a sociedade civil em seu único espaço de representação institucional nacional para o tema.

Para derrubar Temer, Globo vai além do jornalismo

Alto executivo do Grupo oferece almoço a parlamentares em semana definidora para futuro de Temer, mas cobertura segue favorável à agenda das reformas

Por Daniel Fonsêca*

Desde o furo de O Globo sobre o envolvimento de Michel Temer em crimes como obstrução à Justiça e corrupção passiva, em maio passado, todo o jornalismo do Grupo Globo está focado em fortalecer e legitimar as denúncias contra o presidente. Nesta semana, a Globo decidiu, entretanto, incidir de forma mais direta na condução da crise que corrói a gestão do PMDB há quase dois meses.

Em pleno domingo 9 de Brasília, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), logo após conversar com Michel Temer, foi a uma casa no Lago Sul, em Brasília, para participar de um almoço. Era a residência de Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo. A informação, veiculada pela Folha de S.Paulo, é a de que Maia estava acompanhado de outros cinco políticos, todos de partidos da base aliada de Temer, inclusive o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho.

Os carros das autoridades, todos sem identificação oficial, só deixaram o local mais de cinco horas depois, já à noite. De acordo com o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que passou de combatente a aliado dos governos petistas para depois apoiar a gestão de Michel Temer, tratou-se de um encontro agendado com mais de 30 dias de antecedência, sem nenhuma relação com a conjuntura atual. Acredite quem quiser.

Dias antes, cresciam as especulações de que Rodrigo Maia poderia ter apoio suficiente para assumir a Presidência da República no caso de afastamento de Temer. No dia seguinte, seria lida a relatoria sobre a denúncia contra Temer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ).

Não por acaso, o relator, Sergio Zveiter (PMDB-RJ), tem o Grupo Globo como cliente de serviços jurídicos há mais de 40 anos. No Congresso, Zveiter, também considerado próximo a Maia, chega a receber a alcunha de “advogado da Globo”.

Mas o papel de Zveiter é pequeno perto do desempenhado pelo anfitrião do almoço de comensais políticos do último domingo. Entre os anos 1990 e o começo dos 2000, um alto executivo da Globo chegou a ser apelidado em Brasília de “Senador Evandro”. Era Evandro Guimarães, que ocupava na época exatamente o mesmo cargo que hoje ocupa Paulo Tonet, dono da casa no Lago Sul.

Além de lobista oficial do grupo, Tonet acumula desde agosto a presidência da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Tornou-se figura recorrente na proa das principais negociações em torno de decisões políticas e econômicas envolvendo o Executivo, o Congresso e mesmo o STF – onde a Abert tem conseguido vitórias importantes para alterar leis e normas regulatórias às quais se opõe, como a Classificação Indicativa.

Colega de trabalho de Paulo Tonet, após onze anos em diferentes cargos do Executivo Federal, Marcelo Bechara foi contratado como “Diretor de Regulação” do Grupo Globo, para tratar exclusivamente de questões jurídicas e legislativas. Secretário-executivo do Ministério das Comunicações de 2005 a 2010, nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o órgão era comandado por Hélio Costa (PMDB-MG), e conselheiro da Anatel de 2011 a 2015, nas duas gestões de Dilma Rousseff, Bechara hoje transita no Congresso e na Esplanada com facilidade para defender os interesses da empresa.

Mas a reunião desta semana revela uma entrada ostensiva da família Marinho na operação política como há tempos não se via. Mesmo antes e durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, os irmãos só chegaram a se posicionar em agosto de 2015 e, ainda assim, limitaram-se a dialogar com empresários no sentido de ponderar a impertinência da insistência em derrubar a presidenta. Para eles, isso geraria mais instabilidade política e insegurança jurídica, o que não era bom para os negócios num momento de grave crise econômica.

Meses antes, em junho de 2015, em meio a diversas batalhas com uma Câmara controlada por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a ondas negativas da imprensa corporativa dirigidas contra o governo e a manifestações massivas das classes médias a favor do impedimento, Dilma Rousseff chegou a ir ao Rio de Janeiro prestigiar o encontro da não tão relevante Academia Internacional de Televisão e, ainda, homenagear os 50 anos da TV Globo, completados em abril daquele ano.

Agora, a “editorialização” excessiva do jornalismo de todo o Grupo Globo contra Michel Temer comprova, obviamente, que os irmãos Marinho querem a cabeça do presidente da República – e logo.

Fora Temer, mas não a sua agenda

No mercado de mídia, a Globo se antecipou ao dar as informações sobre as delações de Joesley e Wesley Batista, aparentemente sem poupar nomes do governo ou do próprio Aécio Neves (PSDB-MG), que costumava receber tratamento positivo dos Marinho.

À primeira vista, a intenção era não perder o controle da situação e manter a relevância do grupo numa possível nova transição de governo. Por fora do quadro político estrito, os mentores do Grupo Globo não costumam abrir mão de arbitrar e moderar os rumos da política e da economia nacionais, tarefa que sempre outorgaram a si mesmos, como se fosse uma missão do grupo desde a origem. Orbitam e tentam influenciar figuras do meio político, mas também do Judiciário, o poder mais impermeável e hermético, portanto bem menos “republicano”.

Os questionamentos, então, dizem respeito às razões que levaram o Grupo Globo a, ao embarcar no ataque contra Temer, pôr em risco a agenda programática das reformas, apoiada pelos donos do PIB nacional de forma quase unânime.

Afinal, o apoio editorial e as articulações políticas em torno da derrubada de Temer estão longe de significar uma discordância do Grupo Globo em relação às pautas encabeçadas por ele. Vale lembrar que frações ainda consideráveis do “mercado” seguem bem reticentes em abandonar totalmente a sustentação do governo.

Para ajudar a empurrar Temer e tentar salvar sua agenda, os telejornais globais têm feito uma ginástica retórica em separar a “necessária” aprovação das reformas da figura do presidente ilegítimo. Nessa operação, têm, como é de praxe, omitido informações relevantes, invisibilizado e condenado os argumentos e protestos contrários às reformas.

Na terça-feira 11, a matéria do Jornal Nacional sobre a aprovação da reforma trabalhista no Senado teve como foco a tentativa das senadoras de oposição de obstruir a votação: “O Senado registrou hoje uma cena que jamais tinha sido vista na história da Casa. Um grupo de senadoras da oposição decidiu simplesmente ocupar a mesa do Plenário para impedir a votação da reforma trabalhista. E lá ficaram interditando os trabalhos por mais de seis horas”, anunciou Renata Vasconcelos.

Segundo a matéria, “a atitude das senadoras foi condenada por colegas de diversos partidos”. “Protesto não se faz dessa forma”, ensinou o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). Mais dois senadores foram ouvidos, todos contrários à ocupação da Mesa, sendo um deles José Medeiros (PSD-MT), que entrou com pedido contra elas, já aceito, no Conselho de Ética, por quebra de decoro parlamentar.

A informação veiculada sobre as mudanças aprovadas na CLT foi a seguinte: “A reforma trabalhista dá força de lei a acordos celebrados entre trabalhadores e patrões, respeitando os direitos assegurados pela Constituição, como FGTS e 13º salário; permite que férias possam ser divididas em até três períodos; acaba com a obrigatoriedade da contribuição sindical, equivalente a um dia de salário do trabalhador; permite que o intervalo de almoço possa ser reduzido para 30 minutos, diminuindo a jornada mediante negociação coletiva; e inclui a jornada intermitente: o trabalho em dias alternados ou por algumas horas, como o de trabalhadores de bares ou eventos”.

A construção retórica é clara. A atitude das senadoras teria sido antidemocrática e contra uma reforma que não representaria nenhuma perda de direitos. O que o Jornal Nacional se esqueceu de mencionar foi que a união das senadoras de oposição contra a votação da reforma teve um motivo especial: o texto da nova lei autoriza que grávidas e lactantes trabalhem em ambientes insalubres. O item misteriosamente sumiu da lista de alterações que o JN considerou relevante enumerar.

Nenhuma palavra foi dada às senadoras ou a qualquer outra fonte que as apoiasse. O fato de o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), ter mandado cortar a luz do Senado foi mencionado com naturalidade, ignorando seu caráter autoritário. As regras para a entrada no Senado naquele dia, que barraram a presença de centenas de trabalhadores e sindicalistas na Casa, sequer foram citadas.

Pouco ou nada se diz na Globo também sobre os protestos que, há meses, em diferentes cidades do país, rechaçam a reforma trabalhista. Como já havíamos mostrado neste blog, a cobertura dos atos e greves contrários às reformas deixa evidente o apoio da Grupo Globo às retiradas de direitos trabalhistas e previdenciários.

Hipóteses sobre as intenções do Grupo Globo

Diante do quadro de crise aguda e endêmica na política institucional, o Grupo Globo tenta agora catalisar a insatisfação geral da população com o governo e, em especial, a indignação das classes médias e altas com a corrupção. Quer capitalizar-se como a intérprete e a vocalizadora hegemônica desse pensamento diluído, apresentado como a síntese possivelmente unificadora do País. A um só tempo, portanto, a Globo opera em diversas instâncias.

No plano político, busca manter-se como âncora e bússola para gestores, parlamentares e outros agentes públicos, interferindo diretamente na orientação das decisões que vão definir o cenário a curto e médio prazos, inclusive no Judiciário, operando um dos braços da sua capacidade de direção cultural, complementada pela orientação em questões morais e identitárias.

No nível econômico, sustenta uma campanha proativa, que obviamente alcança e integra o jornalismo, em apoio às agendas liberalizantes, prescrevendo reformas regressivas, privatizações e ajuste fiscal como únicas soluções eficazes para a crise por que passa o Brasil desde 2012.

Por fim – como causa e consequência dos outros dos níveis –, procura se (re)posicionar como o único agente da indústria cultural com capacidade produtiva (técnica e estética), lastro socioeconômico, influência política e estabilidade financeira para, ao menos aparentemente, defender linhas de atuação próprias e autônomas (a governos e empresas corruptoras) que funcionem como balizadoras para a unificação nacional.

A chave de análise sobre a postura da Globo, nos últimos e provavelmente nos próximos anos, reside na visão/missão que o grupo tem consolidado: a partir da condição de qualificada produtora de conteúdo nacional, mostrar-se como o único agente de mercado que reúne as condições para interpretar, organizar e expressar a cultura brasileira, aqui entendida no sentido mais ampliado possível. E isso também é um perigo para a nossa democracia.

*Daniel Fonsêca é jornalista e integrante do Intervozes. Colaborou Mônica Mourão, jornalista, coordenadora executiva do Intervozes