CCS: mais um capítulo do golpe do Congresso contra a sociedade civil

Câmara e Senado homologam nova composição do Conselho de Comunicação Social (CCS) com cinco representantes dos empresários entre as vagas da sociedade civil

A aprovação pelo Congresso Nacional na noite desta quinta-feira, dia 13, da nova composição do Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional, previsto no artigo 224 da Constituição e regulamentado pela Lei nº 8.389/1991, é mais um exemplo de que impera entre os parlamentares a prática do coronelismo – aprovação que ocorreu em menos de um minuto e com apenas o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) se posicionando contra a forma de condução da eleição.

O CCS, que deveria ser formado por três representantes de empresas de rádio, televisão e imprensa escrita; um engenheiro especialista na área de comunicação social; quatro representantes de categorias profissionais e cinco representantes da sociedade civil, e igual número de suplentes, novamente teve sua estrutura desvirtuada por interesses nada sociais. Os parlamentares aprovaram cinco indicações empresariais entre as 10 indicações da sociedade civil.

No dia 30 de maio, a Mesa Diretora do Congresso Nacional havia apresentado uma lista de nomes para a composição da próxima gestão do Conselho. Porém, esta lista, cuja apresentação não constava na pauta, não foi submetida à votação dos parlamentares devido ao questionamento de alguns partidos políticos. Esse fato parece ter despertado a ira do senador Eunício Oliveira, presidente do Congresso. A nova lista apresentada para a votação de ontem cortava vários nomes representativos da sociedade civil indicados pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), uma das organizações que questiona a indicação de pessoas que não representam o setor. Uma clara demostração de retaliação.

A lista para composição do CCS é feita de forma quase unilateral, sem qualquer discussão e sem o conhecimento da maioria dos parlamentares.

O que diz a lei

O § 2º do artigo 4º da Lei nº 8.389/1991 diz: “Os membros do conselho e seus respectivos suplentes serão eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, podendo as entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX deste artigo sugerir nomes à mesa do Congresso Nacional”.

Não há, portanto, obrigatoriedade do Congresso Nacional de escolher nomes “sugeridos” por entidades representativas dos diferentes setores e da sociedade civil organizada. O “espírito” da lei, todavia, é de que sejam eleitos nomes com algum vínculo efetivo com as entidades e com a sociedade civil organizada. Mas, quando esses nomes indicam a possibilidade de que eventuais ações futuras do CCS possam contrariar interesses dos atores dominantes no setor de comunicações, eles são ignorados por quem tem o poder de conduzir o processo.

E foi exatamente o que aconteceu, mais uma vez.

O Congresso Nacional e, principalmente, o Senado Federal possui um grande número de parlamentares com vínculo direto com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que, mesmo sendo apenas auxiliar, pode discutir questões que ameacem os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados.

A inclusão do Conselho de Comunicação na Constituição Federal de 1988 foi fruto de muita luta política e da mobilização de diversos segmentos sociais, porém o segmento social vem sendo sistematicamente ignorado para a composição do Conselho. Não houve diálogo sequer com a FrenteCom, subscrita por mais de 190 parlamentares, com forte representação da sociedade civil, que novamente encaminhou sugestões para a composição do CCS.

O Conselho de Comunicação Social foi regulamentado em 1991, mas teve sua primeira indicação somente em 2002. Além disso, estava parado desde 2006, numa interrupção ilegal e inconstitucional. Embora tenha caráter consultivo, o órgão pode cumprir papel importante de fomento aos debates sobre os temas da comunicação social, já que os artigos constitucionais sobre comunicação estão há 24 anos sem definição legal – como o que proíbe monopólios e oligopólios e o que aponta para a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação.

A nova composição do CCS, votada nesta quinta-feira, apresenta indicações de setores conservadores para as cadeiras da sociedade civil (inclusive de empresários do setor) e com claro favorecimento a cidadãos com relações pessoais com o presidente do Congresso Nacional.

Um Conselho que deveria servir para auxiliar o parlamento, e que reúne entre suas funções a avaliação de questões ligadas à liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, além de emitir pareceres e recomendações ligadas à produção e programação de emissoras de rádio e televisão, não deve – e não pode jamais – prescindir da participação de uma representação coerente da sociedade civil à altura de tão complexas e estratégicas responsabilidades.

Recomendação do CCS foi ignorada

O CCS, em sua última reunião do biênio 2015-2017, recomendou aos congressistas que os representantes da sociedade civil no Conselho fossem indicados por instituições/organizações de âmbito nacional de segmentos expressivos da sociedade (mulheres, negros, jovens, etc); por instituições de pesquisa sobre comunicação; por organizações que representam fundações com atuação na comunicação social e que não estejam representadas nas vagas destinadas às empresas privadas; por organizações de âmbito nacional que comprovadamente atuem no campo jurídico e por organizações que atuam na área da comunicação social.

O debate dos conselheiros foi enriquecido com sugestões de critérios apresentados pela FrenteCom e pelo PLS 111/2017, de autoria do senador Paulo Rocha (PT/PA). O PLS 111/2017, em análise na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado, altera a composição e o processo de escolha de membros do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. O projeto inclui representantes das TVs e rádios públicas no CCS e prevê que a escolha dos membros se dê por chamamento público, lista tríplice e votação no Congresso Nacional.

O tema ganha importância na medida em que se torna imprescindível assegurar que os integrantes do Conselho representem realmente a sociedade civil organizada e não o setor empresarial. O senador Paulo Rocha afirma que sua proposta busca fortalecer o papel das entidades representativas dos setores que compõem o conselho, a partir do encaminhamento das listas tríplices, com sugestões de nomes de membros e suplentes, para a eleição pelo Congresso Nacional.

Com o objetivo de assegurar maior transparência e participação no processo de escolha dos representantes da sociedade civil, Rocha entende que a eleição desses membros deve ser precedida de chamamento público, oportunidade na qual os candidatos deverão demonstrar aptidão para o exercício de suas funções. Além da CCT, a matéria será apreciada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em caráter terminativo.

Confira os nomes que compõem a lista aprovada:

Representante das empresas de rádio:

José Carlos da Silveira Júnior (Titular – Indicação da Aber)
João Camilo Júnior (Suplente – Indicação da Abratel)

Representante das empresas de televisão:

José Francisco de Araújo Lima (titular reconduzido – Indicação da Abert)
Juliana dos Santos Noronha (suplente – Indicação da Abert)

Representante das empresas de imprensa escrita:

Ricardo Bulhões Pedreira (Titular – Indicação da ANJ)
Maria Célia Furtado (Suplente – Indicação da Aner)

Engenheiro com notórios conhecimentos na área de comunicação social:

Teresa Mondino (Titular – Indicação da SET)
Paulo Ricardo Balduino (Suplente – Indicação da SET)

Representante da categoria profissional dos jornalistas:

Maria José Braga (Titular – Indicação da Fenaj)
Valéria Baptista de Aguiar (Suplente – Indicação da ACRJ)

Representante da categoria profissional dos radialistas:

José Antonio de Jesus da Silva (Titular – Indicação da FITERT)
Edwilson da Silva (Suplente – Indicação da FITERT)

Representante da categoria profissional dos artistas:

Sydney Sanches (Titular reconduzido – Indicação da UBC)
Jorge Coutinho (Suplente reconduzido – Indicação da SATED)

Representante das categorias profissionais de cinema e vídeo

Luiz Antonio Gerace da Rocha e Silva (Titular reconduzido – Indicação do STIC)
Sonia Teresa Santana (Suplente – Indicação do SINDCINE)

Representante da sociedade civil

Miguel Matos (Titular – Indicação do Portal Migalhas)
Patrícia Blanco (Suplente econduzida – Indicação do Conar)
Murillo de Aragão (Titular reconduzido – Indicação do Ibrade)
Luiz Carlos Gryzinski (Suplente – Indicação da ABTVU)
Davi Emerich (Titular reconduzido – Indicação do Sindilegis)
Domingos Meirelles (Suplente – Indicação da ABI)
Marcelo Antônio Cordeiro de Oliveira (Titular reconduzido – Indicação do Instituto Ria)
Ranieri Moacir Bertolli (Suplente – Indicação da Acaert)
Fábio Augusto Andrade (Titular – Indicação da Presidência do Senado)
Dom Darci José Nicioli (Suplente – Indicação da CNBB)

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Audiência debate cerceamento da atividade jornalística, judicialização e perseguição de profissionais

Concentração, censura judicial e perseguição aos profissionais de imprensa foram temas debatidos pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) promoveu nesta quarta-feira, dia 12, uma audiência pública sobre a situação do exercício do jornalismo no país e as perspectivas do direito à livre comunicação e expressão. O presidente da comissão e requerente da audiência, deputado federal Paulão (PT-AL), trouxe para o debate dados da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) que informam que, em 2015, oito jornalistas foram assassinados e 64 foram agredidos, além de outros 44 casos de ataques, por meio de ameaças, intimidações, ofensas e vandalismo. Segundo o deputado, a situação constatada em 2016. É igualmente preocupante. “Se, por um lado, os homicídios caíram de oito para dois, as agressões subiram para 205 casos. O que coloca o Brasil como o quinto país no mundo com mais ataques a jornalistas”, lamentou.

A primeira mesa da audiência discutiu o tema “Um panorama da comunicação no Brasil: concentração, censura judicial e perseguição aos profissionais de imprensa”. Para Bia Barbosa, jornalista e coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, o quadro de concentração dos meios de comunicação brasileiro impactou significativamente sobre o exercício da liberdade de expressão no país. “O Brasil é um dos países que têm o maior quadro de concentração da propriedade dos meios de comunicação. Não falamos em quantidade de veículos, mas sim que esses veículos estão associados a grupos econômicos e, em muitos casos, a grupos familiares, o que é uma característica da do sistema midiático brasileiro”.

Bia destacou que esses grupos econômicos se associam em rede, a ponto de todas estas redes estarem nas mãos de não mais do que oito ou dez famílias que controlam a mídia brasileira. “Vivemos no sistema capitalista, que tende à concentração da propriedade em todas as áreas, inclusive nos meios de comunicação. Mas, por causa da omissão do estado brasileiro em relação a esse assunto, quase nunca houve preocupação em garantir aquilo que a Constituição Federal estabeleceu como um princípio: que é a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal”.

A ativista relatou que o sistema privado/comercial de comunicação sempre teve todos os incentivos possíveis do estado para crescer e se consolidar, enquanto a comunicação pública sempre esteve à margem do processo de atuação estatal. Já a comunicação pública, comunitária e alternativa sempre sofreram um histórico processo de sucateamento que, em alguns casos, resultou inclusive na repressão e criminalização de vários comunicadores populares. Processados pela Justiça brasileira, estes comunicadores tiveram seus direitos à liberdade de expressão e à comunicação violados.

“Fazemos historicamente essa crítica sobre a concentração dos meios de comunicação no Brasil. Mas nós não conseguimos, nem no período mais recente, de governos minimamente atentos a essa questão, alterar esse quadro no Brasil. Ao contrário dos nossos vizinhos da América Latina, que passaram por recente processo de transformação dos seus marcos regulatórios no sentido de democratizar e ampliar as vozes, visando a diversidade e a pluralidade na comunicação”, lamentou Bia Barbosa. Segundo ela, faltou atitude ao Estado brasileiro para seguir o exemplo dos países vizinhos e atuar pela democratização da mídia. No caso brasileiro, o único movimento nesse sentido foi a criação da “primeira empresa pública de comunicação nacional, mas que está passando por um desmonte brutal” neste momento.

A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, denunciou que, além da falta de liberdade de expressão para os jornalistas dentro das empresas em que trabalham, os profissionais estão tendo que lidar ainda com a violência policial durante a realização dos seus serviços. “Os profissionais estão apanhando nas ruas e isso é gravíssimo, porque nós não podemos falar de democratização da comunicação, não podemos falar de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão, tratando o profissional com violência. Além disso, temos a violência difusa, como nos casos de censura interna nos veículos de comunicação, que são mais difíceis para denunciar justamente porque há um silêncio tácito da categoria em relação aos casos de censura interna”, ponderou.

A perseguição aos profissionais foi o tema abordado também pelo vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Thiago Correia, e pelo jornalista do portal Diário do Poder David Soares. Correia trouxe para o debate a perseguição a um colega profissional, que não pôde nem mesmo citar o nome de um deputado estadual de Alagoas. “Ele está impedido de falar o nome em qualquer circunstância que seja, não só relacionada à matéria que fez, mas como em qualquer outro momento. Essa decisão judicial acaba afetando o trabalho dele, que cobre exclusivamente a área da política”, desabafou.

O caso já foi transitado em julgado, ou seja, o jornalista tornou-se um criminoso “perante os olhos da lei por ter feito uma reportagem falando sobre a lentidão do Ministério Público Federal na apuração de um determinado caso”. O sindicalista chama atenção para a quantidade de casos como esse que vêm ocorrendo, principalmente, nos estados do eixo Norte-Nordeste, o que evidencia a existência de um coronelismo social na região.

Por sua vez, David Soares destacou os efeitos da utilização sistemática de instituições para cercear o trabalho dos jornalistas. “Existe uma utilização sistemática das instituições censurando jornalistas, o que tem imprimido um temor no profissional. Os jornalistas que atuam na política e que falam sobre as oligarquias estão sendo processados rotineiramente. É uma violência contra a liberdade de expressão e o exercício da produção de informação de qualidade”.

Além do desgaste psicológico dos profissionais, os debatedores relataram as dificuldades com as “custas dos processos judiciais”. Muitos acabam se auto cerceando, por saberem que, em caso de serem denunciados, não terão condições financeiras para arcar com a defesa. “Poucos são os que conseguem seguir em frente e manter sua autonomia e liberdade de imprensa após uma acusação”, destacou Soares.

Por fim, o jornalista Luís Nassif defendeu a restauração do direito de resposta “como contrapartida mais legítima do poder da mídia”. Em 2009, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Brito revogou o direito de resposta, declarando a inconstitucionalidade da chamada Lei de Imprensa. Luís Nassif lembrou que este amplo processo de criminalização em curso seria atenuado com a existência do direito de resposta, pois este resguardaria o direito de quem se sentisse prejudicado com uma notícia publicada ou transmitida.

Calar jamais

Bia Barbosa apresentou a Campanha Calar Jamais – campanha nacional contra a crescente ameaça e violações à liberdade de expressão no Brasil. A plataforma visa recolher denúncias e encaminhar para órgãos competentes tanto no Brasil quanto no exterior. A campanha “Calar Jamais!” é uma iniciativa do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e pode ser acessada pelo site www.paraexpressaraliberdade.org.br.

UNESCO e as normas internacionais sobre liberdade de expressão

Bia também destacou o documento “Concentração de Propriedade de Mídia e Liberdade de Expressão: Padrões e Implicações Globais para as Américas” elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que foi lançado no dia 3 de maio.

O relatório representa uma importante contribuição da UNESCO e de vários parceiros nos esforços para desenvolver padrões de comunicação que ultrapassem a barreira do exercício da liberdade de expressão, de forma a alcançar um ambiente de mídia diversificado e pluralista.

O documento elaborado por Toby Mendel, Angel Garcia Castillejo e Gustavo Gómez, especialistas mundiais na área da regulação dos meios de comunicação e em questões relacionadas à liberdade de expressão, mostra que há um esforço mundial para normatizar estas questões nos últimos 70 anos.

O relatório aborda a dupla proteção dos direitos à liberdade de expressão, do “falante” e do “ouvinte”, e apresenta ações para regular o mercado de mídia, com base no direito internacional. Este elemento proporciona a base jurídica do conceito de diversidade de meios de comunicação, o que pressupõe a colocação de obstáculos à concentração indevida da propriedade destes meios.

Neste contexto, a publicação pretende lançar luz sobre a regulamentação internacional dos meios de comunicação, bem como analisar as várias abordagens em nível nacional para fazer implementar essas normas.

Confira o relatório disponível em Espanhol e Inglês.

Encaminhamentos da audiência:

– Que a CDHM divulgue documento da Unesco “Concentração de meios e as normas internacionais sobre liberdade de expressão” que trata de mecanismos e recomendações acerca da desconcentração dos meios de comunicação
– Que a CDHM debata a regulação da mídia no Brasil
– Que a CDHM atue sobre os casos em que jornalistas sofrem tentativas de cerceamento de seu trabalho por meio de processos judiciais, especialmente no estado de Alagoas
– Que a CDHM peça informações sobre os casos recentes de assassinatos e ameaças a jornalistas no Alagoas
– Que a CDHM atue junto ao CNJ para a inclusão de jornalistas independentes na Comissão Executiva do Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa
– Que a CDHM peça informações sobre o caso do espancamento da jornalista do Mídia Ninja Karinny Rodrigues pela Polícia Militar de Belo Horizonte
– Que a CDHM elabore uma moção de apoio à situação de ameaça sofrida pelo Sr. David Soares, jornalista do portal “Diário do Poder”

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Uma doença, duas notícias: a febre amarela nos governos Lula e Temer

Em 2008, um surto foi transformado em epidemia grave pela imprensa. Nesse ano, com 17 vezes mais casos, a abordagem da mídia foi sóbria e discreta

Por Claudia Malinverni*

Nos últimos nove anos, dois ciclos de intensificação da febre amarela silvestre (na gramática epidemiológica, epizootia), fenômeno recorrente no cenário brasileiro, chamaram a atenção do jornalismo de massa. O primeiro, no verão de 2008, foi alvo de uma intensa e controversa cobertura, que mobilizou a imprensa nacional e acabou por configurar a doença como uma epidemia midiática.

O segundo, no início deste ano, a despeito de ter provocado um surto entre seres humanos de dimensões inéditas e com potencial para a espetacularização, recebeu um tratamento jornalístico oposto, centrado na objetividade da informação.

Entender as diferenças entre as duas narrativas é o foco deste artigo, que toma como exemplo o jornal Folha de S.Paulo. Segundo o Ministério da Saúde, o número de casos confirmados em 2017 é nove vezes maior do que o registrado em 2000 – que, com 85 casos, era, até então, o maior da série histórica, iniciada em 1980 –, e quase 17 vezes o contabilizado em 2008, quando foram confirmados apenas 46 casos.

Essa comparação numérica dos dois momentos de disseminação da doença suscita um primeiro questionamento: por que o mais “brando”, de 2008, se transformou jornalisticamente em uma epidemia de febre amarela e o segundo, de 2017, mereceu da imprensa uma abordagem cautelosa, assentada no que poderíamos nomear como bom jornalismo?

A epidemia midiática teve como pano de fundo o início do segundo mandato presidencial do petista Luiz Inácio Lula da Silva, que, em março de 2007, havia nomeado o sanitarista José Gomes Temporão ministro da Saúde. No campo da saúde pública, parlamentares governistas e da oposição travavam uma acirrada disputa pela renovação da CPMF.

Pouco antes de detectada a febre amarela silvestre pelo sistema nacional de monitoramento, em meados de dezembro de 2007, o Senado Federal havia rejeitado a prorrogação da contribuição. Importante complementação ao orçamento do SUS, a defesa da CPMF foi conduzida pessoalmente por Temporão, que rejeitava o viés tecnocrático das ações ministeriais.

Já em 2017, a cobertura se desenrolou sob o governo do peemedebista Michel Temer. Controverso desde o início, o processo parlamentar que desaguou no impedimento de Dilma Rousseff teve amplo e explícito apoio das principais corporações de mídia do País.

Por outro lado, o ministro da Saúde do Governo Temer é Ricardo Barros, eleito deputado federal no Paraná pelo Partido Progressista tendo como maior doador individual de sua campanha, em 2014, Elon Gomes de Almeida, sócio do Grupo Aliança, administradora de planos de saúde. Engenheiro e empresário, o atual ministro defende o fim da universalidade do SUS e a criação de planos populares de saúde, que representam uma ameaça ao sistema público de saúde.

Em 2008, a febre amarela silvestre – então concentrada na região Centro-Oeste, com destaque para o Distrito Federal – foi classificada pelo Ministério da Saúde e boa parte de técnicos e pesquisadores como dentro da normalidade epidemiológica, logo, evoluindo segundo as expectativas técnico-científicas. A imprensa de massa discordou.

A divulgação, com destaque, pelo jornal Correio Braziliense, do primeiro caso suspeito registrado em Brasília (um funcionário do alto escalão do Ministério da Cultura) foi a senha para o agendamento jornalístico da febre amarela em escala nacional por diferentes meios de comunicação. A partir daí, entre o final de dezembro de 2007 e o início de fevereiro de 2008, o aparato midiático generalista manteve uma cobertura intensa do evento, que foi marcada pelo excesso de exposição do tema e pela seleção de repertórios de risco que salientavam a tese de urbanização da doença.

No primeiro recorte temporal, de 21/12/2007 a 29/02/2008, que compreende a publicação da primeira e da última matéria circunscrita ao fenômeno da febre amarela midiática, foram localizadas 120 matérias, das quais 118 foram analisadas (veiculadas em 47 edições).

Utilizando exatamente o mesmo recorte (21/12/2016 a 28/02/2017), na cobertura deste ano foram localizados 75 textos, tendo sido analisados 71, publicados em 21 edições. Ou seja, embora do ponto de vista epidemiológico o evento de 2017 tenha sido consistentemente mais intenso, o volume de matérias publicadas pelo jornal foi cerca de 40% menor do que em 2008.

Febre amarela
Em 2008, o título destaca que morte pode ser decorrente de febre amarela. Cobertura alarmista fez o Brasil passar de exportador a importador de vacinas antiamarílicas. Neste ano, jornal pede cautelaCréditos: reprodução Folha de S. Paulo

Outro aspecto relevante desta análise é da ordem dos sentidos. Há nove anos, a construção da narrativa envolveu três grandes estratégias discursivas epidêmicas: “a doença fora de controle”, com foco no “crescimento progressivo” do número de casos suspeitos; “o inimigo letal”, centrada nas taxas de letalidade e na sintomatologia/tratamento da doença; e a tese da urbanização, dada pela “transmissão generalizada”, sentido produzido a partir da omissão da área de transmissão, que no caso da febre amarela silvestre é rural, dificultando a demarcação territorial do evento para o público leitor (na edição analisada em 2008, concentrado na capital paulista e na Grande São Paulo, portanto, áreas urbanas). Sobre essa última estratégia, é importante ressaltar que a omissão do termo “silvestre” tornou discursivamente as duas formas (silvestre e urbana) um mesmo e único evento.

Em 2017, ao contrário, a demarcação linguística do ciclo em curso foi constante. Desde a primeira matéria (“Suspeitas de febre amarela crescem em MG”, 12/01/2017), sobretudo quando a notícia remetia ao número de casos, o local de sua ocorrência foi constantemente demarcado.

Ainda no âmbito da estratégia “transmissão generalizada”, a palavra-chave da cobertura de 2008 foi “epidemia”, que se caracteriza pela ocorrência de surtos de uma doença de modo simultâneo em diferentes regiões, quando, na verdade, tratava-se de um surto, aumento repentino do número de casos de uma doença em uma região específica.

Na edição tomada como ápice do enquadramento epidêmico de 2008, a de 14 de janeiro, a febre amarela foi manchete de capa (“Ministro vai à TV e nega epidemia de febre amarela”) e destaque principal da editoria Cotidiano, com seis textos. No dia seguinte, 15 de janeiro, a Folha publicou seu primeiro editorial acerca do evento, indicando a relevância do tema para os donos do jornal. Nesse pequeno recorte do corpus de 2008 a palavra “epidemia” (e duas variáveis, “epidemias” e “não-epidemia”) aparecem dez vezes, enquanto “surto”, que era o que de fato estava em curso, apenas uma.

Em contrapartida, na totalidade do corpus de 2017 (71 matérias) a palavra “epidemia” aparece apenas quatro vezes, duas delas no editorial “Febre de vacinas” (27/01). Exatamente para afastar a tese de evolução epidêmica da doença, o texto é peremptório: “Não se pode falar de epidemia no caso da febre amarela”. Em todos os textos em que havia caracterização do evento, o jornal empregou o termo “surto”.

Em 2008, os eixos narrativos “crescimento progressivo” e “inimigo letal” eram frequentemente articulados, inclusive nas 15 chamadas de capa sobre a febre amarela, 12 das quais publicadas quase consecutivamente, em que se destacam repertórios que explicitavam sentidos de descontrole e letalidade da febre amarela (“primeira morte”; “2ª morte”; “5ª morte”; “7 mortes”; “8 o total de mortes”; “9ª morte”).

Em 2017, foram oito capas, mas em apenas duas o número de óbitos foi destacado: “Ministério admite, após 8 mortes, surto de febre amarela” (19/01) e “Cidades paulistas têm três mortes por febre amarela” (24/01).
“Vacine-se”: orientação da imprensa gera esgotamento de estoque antiamarílico no país

“Com sua licença, vou usar este espaço para fazer um apelo para você que mora no Brasil, não importa onde: vacine-se contra a febre amarela! Não deixe para amanhã, depois, semana que vem… Vacine-se logo! A febre amarela é uma doença infecciosa causada por vírus e pode ser fatal. Hoje mesmo (terça, 08/01/2008), morreu um homem de 38 anos em Brasília, plena capital da República, com febre alta, dores musculares, náuseas e vômitos. Possivelmente, foi vítima da doença. O alerta nem é mais amarelo, já é vermelho. E a vacina é altamente eficaz. Tomou, está livre da doença”.

O trecho acima, do artigo “Alerta amarelo!”, é um dos exemplos mais emblemáticos do discurso a favor da vacinação. Publicado por Eliane Cantanhêde, apresentada então como uma das jornalistas de política mais influentes do jornal, na coluna Pensata, exclusiva da Folha Online, ele resume bem a autoridade da qual a imprensa se imbuiu – e que gerou uma crise no estoque de vacinas no país.

Em 2008, uma narrativa em forma de fábula alçou a vacina à condição de “poção mágica”, apresentada como um dispositivo capaz de proteger a população do “inimigo letal” de modo “infalível”. Nessa perspectiva, a imprensa passou a atuar como porta-voz do uso irrestrito da vacina, de modo geral sem destacar seus potenciais efeitos adversos. Então, a demanda explodiu, inclusive naquelas regiões que estavam fora das áreas de ocorrência da doença, clássicas e/ou de transmissão viral.

Para se ter uma ideia do impacto desse sentido, entre o final de dezembro de 2007 (primeiras notícias) e 22 de fevereiro de 2008 (esgotamento da pauta) foram distribuídas em todo País mais de 13 milhões de doses da vacina. Desse total, 7,6 milhões de doses foram aplicadas em pouco menos de dois meses, 6,8 milhões só em janeiro.

Um dos três fabricantes mundiais pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no período, o Brasil não só suspendeu a exportação do antiamarílico, como também apresentou um pedido de empréstimo de quatro milhões de doses do estoque de emergência global.

São Paulo, que até 2008 tinha mais da metade do seu território livre da circulação do vírus, foi vice-campeão de doses aplicadas (mais de 2,4 milhões), atrás apenas de Goiás (quase 2,8 milhões), endêmico desde o início da década de 2000. Só na capital paulista, foram aplicadas 428.337 doses, mais de cinco vezes do que em 2007 (79.666). Os casos de efeitos adversos aumentaram exponencialmente, chegando a mais do que o dobro daqueles transmitidos pelo mosquito. Então, veio o desfecho mais grave: quatro mortes por febre amarela vacinal, todas no estado de São Paulo.

Em contraposição, na cobertura de 2017, o enquadramento da vacina pode ser classificado como cauteloso. Já na segunda matéria, “Vacina contra a febre amarela requer cautela”, destacada em chamada de capa (13/01), depois de demonstrar os riscos da vacinação indiscriminada, o texto alerta: “Por isso, é preciso seguir à risca as orientações das autoridades sanitárias sobre quais regiões e grupos populacionais devem ser vacinados”.

No editorial já citado (“Febre de vacinas”, 27/01), a preocupação é com o aumento da demanda vacinal em regiões sem recomendação: “Compete ao poder público distribuir doses de maneira eficiente aos locais que de fato necessitam delas. Precisa ainda esmerar-se mais na comunicação sobre quem deve vacinar-se e onde, para prevenir uma epidemia de pânico e a desorganização geral do sistema”.

Antes, em outro editorial (“Alerta amarelo”, 18/01), o jornal já apontara o risco da vacinação sem recomendação: “Em meio a uma corrida indiscriminada por vacinas em 2007 e 2008, houve oito casos de reação adversa grave à vacina, com seis mortes”. Além dos dois editoriais, diferentes matérias e edições trouxeram informações sobre a população-alvo da vacina e os riscos de efeitos adversos.

Este ano, embora tenha pairado um eventual desabastecimento – chegando mesmo a ser detectada a falta pontual da vacina em algumas regiões do País, sobretudo naquelas em que o surto já tinha sido confirmado (Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo) ou nas quais surgiram casos inesperados, como no Rio de Janeiro, em março –, não houve uma “corrida pela vacina”, como a registrada em 2008. Ao longo de 2017, o aumento da demanda vacinal esteve atrelado às recomendações do ministério e das secretarias estaduais e municipais de Saúde, a reboque das ações de contenção do vírus, e não do noticiário.

Não tivesse se desenrolado em contexto político-institucional tão diverso, talvez fosse possível deduzir que a não epidemia midiática de 2017 foi resultado de um aprendizado advindo das consequências da epidemia midiática de 2008, capaz de mudar as práticas do jornalismo de massa na abordagem sobre o tema.

Porém, não sendo esse o quadro geral, restará sempre uma dúvida: se fosse a petista Dilma Rousseff e não o peemedebista Michel Temer a presidir o país, teríamos em 2017 uma febre amarela midiática?
*Claudia Malinverni é jornalista e doutora pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O artigo completo sobre o tema foi publicado no n° 2 da revista Reciis (Icict/Fiocruz) deste ano

Conselho de Comunicação faz recomendação ao Congresso sobre critérios de escolha dos representantes da sociedade civil

Proposta do colegiado é de que os representantes sejam indicados por organizações de âmbito nacional de segmentos expressivos da sociedade e por instituições de pesquisa sobre comunicação social, entre outras

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional realizou nesta segunda-feira, dia 3, a última reunião do biênio 2015/2017, aprovando na ocasião a Recomendação 1/2017, sobre a eleição dos representantes da sociedade civil no colegiado. A recomendação será encaminhada à Mesa Diretora do Congresso Nacional.

A proposta aprovada propõe que os representantes da sociedade civil no Conselho sejam indicados por organizações de âmbito nacional de segmentos expressivos da sociedade, como de defesa dos direitos das mulheres, de negras e negros e de jovens; por instituições de pesquisa sobre comunicação; por organizações que atuam na comunicação social e que não estejam representadas nas vagas destinadas às empresas privadas; por organizações de âmbito nacional que comprovadamente atuem no campo jurídico e por organizações que atuam na área da comunicação social.

A decisão do CCS vem ao encontro de uma preocupação levantada pela Frente Parlamentar Pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom), a de que, na atual gestão do órgão, foram indicados em vagas da sociedade civil nomes que não representam esta parcela social. As últimas indicações feitas pelo CCS foram criticadas por incluírem até mesmo ministros de Estado, que não compareceram sequer a uma só das reuniões agendadas.

A FrenteCom também criticou o fato de a Mesa Diretora do Congresso Nacional, no último dia 30 de maio, ter apresentado uma lista de nomes para a composição da próxima gestão do Conselho sem que este debate tivesse avançado no próprio CCS. A lista, cuja apresentação não constava na pauta, só não foi submetida à votação dos parlamentares devido ao questionamento de alguns partidos políticos.

Maria José Braga, conselheira responsável pela relatoria da reunião, reforçou que a Recomendação 1/2017 do CCS é imprescindível, pois faz proposições de encaminhamentos que dizem respeito à discussão da composição do Conselho. “O interesse foi balizar minimamente os critérios, para que não se cometam erros como os cometidos para a indicação da atual composição. E para que não se cometam erros que já estão mais ou menos configurados na lista que foi tornada pública na última reunião do Conselho, que tem indicações de pessoas e de entidades para a representação da sociedade civil que não são representativas da sociedade civil”, enfatizou.

A relatora também destacou que acatou as sugestões encaminhadas pela FrenteCom, mas se absteve de opinar sobre o PLS 111/2017 por haver um consenso entre os membros do Conselho de que, diante da complexidade do tema, o debate sobre a escolha dos representantes do CCS deve ser aprofundado por meio de audiências públicas e seminários para que, somente depois disso, o órgão emita um parecer conclusivo. O PLS 111/2017, de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), dispõe justamente sobre a composição e o processo de escolha dos membros do Conselho de Comunicação.

Durante a reunião do CCS, ainda foram encaminhadas as sugestões dos conselheiros Davi Emerich e Walter Ceneviva para os debates posteriores sobre a composição do CCS. O primeiro quer evitar reserva de mercado para entidades, enquanto o segundo sugere a introdução no colegiado de representantes da academia e de pessoas com notório saber sobre a comunicação social.

Composição e funcionamento
O texto aprovado pelo CCS estabelece que os 13 membros titulares do Conselho e seus respectivos suplentes sejam eleitos em sessão conjunta do Congresso, a partir de indicações das entidades representadas no órgão, para cumprirem um mandato de dois anos, permitida uma recondução.

Atualmente, o colegiado é composto por representantes das empresas de rádio, de televisão e da imprensa escrita; das categorias profissionais dos jornalistas, radialistas, artistas e do cinema e vídeo; por cinco representantes da sociedade civil e por um engenheiro com notórios conhecimentos na área de comunicação social.

O Conselho de Comunicação elabora estudos, pareceres e atende solicitações encaminhadas pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal sobre assuntos que digam respeito à comunicação social. Entre eles, a liberdade de manifestação do pensamento; publicidade, diversões e espetáculos públicos; produção e programação das emissoras; monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação; e outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Gilmar Mendes se pronuncia sobre pedido da Abert menos de 48 horas após receber manifestação

Requerimentos de amicus curiae da Artigo 19 para ADPF 246 e do FNDC para a ADPF 379 ficaram mais de um ano na gaveta do ministro do STF e só foram analisados agora na carona do pedido dos empresários

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes aceitou três pedidos de amicus curiae protocolados na Corte para a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 246), de dezembro de 2011, que tramita junto com a APDF 379, de dezembro de 2015. As arguições ajuizadas no STF têm Mendes como relator e estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. Ambas as arguições contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República.

As entidades que apresentaram os amicus curiae foram a organização não-governamental Artigo 19 e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que protocolaram, a primeira entidade em 2012 e a segunda em julho do ano passado, além da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) que havia protocolado o pedido no último dia 20 de junho. Ou seja, o mesmo ministro que permanecia em silêncio há cinco anos sobre os pedidos da sociedade civil levou apenas dois dias para se manifestar após ser demandado por representantes dos empresários – Mendes se pronunciou no dia 22. Um indicativo forte de que o ministro Gilmar Mendes se pauta pelos interesses de um segmento social em especial, e não pelos da coletividade.

Os amicus curiae permitirão que as entidades sejam ouvidas no processo que tenta barrar a posse de veículos de comunicação por políticos. Nas duas arguições, ambas protocoladas pelo PSOL, é sustentado que as concessões, permissões e autorizações de radiodifusão controladas por políticos violam a liberdade de expressão, o direito à informação, a divisão entre os sistemas estatal, público e privado de radiodifusão, o direito à realização de eleições livres, a soberania popular, o pluralismo político, o princípio da isonomia, o direito à cidadania, o direito de fiscalizar e controlar o exercício do poder estatal e a própria democracia. Resumindo, violam preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988.

Para manter a independência e autonomia e cumprir seu papel na democracia, diz o PSOL, os órgãos de imprensa não podem ter entre seus associados ou controladores pessoas que exercem o poder estatal. Afinal, conforme o partido, “se a função da imprensa é fiscalizar os que exercem os poderes estatais, então estes não podem ser controladores dos veículos da imprensa – não pode a imprensa ser controlada por quem ela deve controlar”. Ainda de acordo com o partido, “a importância da imprensa para a democracia é tal que não pode haver conflito de interesses real nem potencial no interior de seus órgãos”.

AGU saiu em defesa dos políticos

O governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), havia ingressado com a ADPF 429 no STF em novembro de 2016 para tentar barrar os processos judiciais contra políticos, numa tentativa de favorecer um grupo de parlamentares. Nesta ADPF, constava um pedido de liminar no qual a Presidência da República solicitava aos ministros que suspendessem e julgassem inconstitucionais decisões judiciais que contrariavam os interesses dos deputados e senadores que detinham concessões públicas de rádio e TV, com o falso argumento de que tais decisões judiciais faziam “interpretações equivocadas da Constituição”.

A medida de Temer pretendia conter uma série de vitórias que as entidades dedicadas à democratização da comunicação estão obtendo nos estados, como, por exemplo, a decisão por meio de liminar que determinou a interrupção de operação de concessões concedidas às famílias de Jader Barbalho e de Aécio Neves, entre outros.

Apesar de não entrar com amicus curiae nessa ADPF, a solicitação da Abert requer do STF a interrupção de ações sobre o tema em instâncias inferiores, até que a Corte analise o mérito. “Há insegurança jurídica. Já foram cinco decisões para tirar rádios do ar”, disse Cristiano Flores, da Abert, à coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, demonstrando a posição da entidade.

Procuradoria da República apóia ADPFs

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto de 2016, apoiou a iniciativa das ADPFs 246 e 379, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”.

De acordo com levantamento do Intervozes, 40 parlamentares, sendo 32 deputados federais e oito senadores, são donos de concessões de emissoras de rádio e TV no país e podem ser beneficiados pela iniciativa de Temer. Entre eles, estão os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e os ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Ricardo Barros (Saúde) – os dois últimos são deputados federais licenciados. Alguns parlamentares alegam que não têm mais participações em empresas de radiodifusão, porém continuam aparecendo nos quadros societários das respectivas empresas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação