Governo decide unilateralmente alterar o Comitê Gestor da Internet

Atitude contraria o multissetorialismo nas decisões que impactam uso e gestão da internet pelo qual o Brasil é mundialmente reconhecido e respeitado

Por Marina Pita*

Um e-mail de Maximiliano Martinhão, secretário de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), informando a proposta de avaliar a necessidade de mudanças do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que ele coordena neste momento, chegou às caixas de entrada dos conselheiros da organização no domingo 6. Já na segunda-feira 7, os representantes do terceiro setor, academia e mesmo representantes dos empresários foram surpreendidos ao serem informados de que uma consulta pública sobre o assunto seria publicada no Diário Oficial da União já no dia seguinte, como, de fato, ocorreu.

A ação unilateral, sem qualquer processo de diálogo interno no Comitê, vai contra tudo o que o CGI.br defendeu e construiu nos últimos 20 anos e pelos quais é respeitado internacionalmente. Inclui-se aí a construção de diálogo multissetorial (multistakeholder, em inglês), ou seja, entre governo, empresas, academia, técnicos e sociedade civil para estabelecer as normas e os procedimentos para uso e desenvolvimento da rede.

A posição autocrática assumida pelo governo Kassab/Temer, como bem definiu a Coalizão Direitos na Rede em nota que repudia o processo iniciado unilateralmente pelo governo é, inclusive, uma ruptura com a postura que o Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores, assumiu em âmbito internacional, no sentido de solicitar a participação multissetorial em todos os processos, etapas e esferas de deliberação acerca da internet, incluindo a independência da IANA, que trata da raiz do sistema de nomes de domínio na internet, do Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Ora, não é evidente que a necessidade de consulta pública do próprio CGI.br e o modelo a ser utilizado, inclusive a plataforma mais adequada, deveriam ter sido discutidos por todos os conselheiros do CGI.br?

O problema não está em fazer uma consulta pública para discutir a necessidade, ou não, de atualizá-lo, uma vez que o último decreto que o regulamenta é de 2003 e, portanto, anterior à aprovação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e de seu decreto regulamentador que conferiu ao CGI.br atribuições importantes e cujo desenvolvimento será definidora do futuro da internet no Brasil. A questão está em como isso será feito.

E já o fato de ele acontecer a pedido de um governo ilegítimo é, por si só, algo temerário. Sem prévio debate interno no CGI.br e dos setores por ele representados é ainda pior. Dizer antidemocrático não seria exagero.

Pressão do empresariado

Há indicações de que esta consulta pública seja tratada apenas como formalidade para uma mudança já decidida entre um seleto grupo e que certamente não envolve você, usuário. Nos bastidores, sabe-se que há pelo menos três anos o setor de telecomunicações vem se mostrando descontente com seu menor poder de influência no CGI.br, alegando que seu poder econômico está sub-representado.

Também a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não ficou nada satisfeita ao perder a disputa em torno de quem dará as cartas na neutralidade de rede no País, durante o desenvolvimento do Marco Civil da Internet e sua posterior regulamentação.

É de dar calafrios as notícias de que está planejada a criação de novos assentos no conselho do CGI.br para o setor empresarial e para o governo. As pessoas que acompanham o processo do CGI.br por dentro indicam que há uma tendência de se criar uma cadeira para, por exemplo, o setor de conteúdos, mas com a pré-definição de que esta seria para a Motion Pictures Association na América Latina. Além disso, haveria mais uma cadeira para o setor de telecomunicações e outras para o governo. Fica a dúvida: como será a representação dos cerca de 200 milhões de brasileiros, da academia e dos especialistas?

Entre as questões sobre as quais o conselho do CGI.br vem publicando orientações e para os quais tem atribuição está o princípio da neutralidade de rede. Sabe-se que o CGI.br, mesmo com sua diversidade, vem sendo um importante bastião de defesa desse princípio que permite que os usuários da rede decidam, sem interferência dos detentores da infraestrutura, os conteúdos a serem acessados. Também o CGI.br teve um papel fundamental ao emitir nota para que uma decisão sobre a permissão de franquia de dados na banda larga fixa se dê apenas após aprofundado estudo sobre necessidade e impactos de tal medida no Brasil.

Pesquisas e projetos sob risco

Também pode estar sob risco o trabalho realizado por meio do Núcleo de Informação e Comunicação do Ponto BR (NIC.br) e do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), tais como registro de nomes de domínio, importantes projetos técnicos e de infraestrutura para a internet, medidas e políticas de segurança, realização de estudos sobre acesso e uso da internet no Brasil, bem como acerca da qualidade e velocidade da banda larga.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet (IGF) no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”, conforme denunciado também pela Coalizão Direitos na Rede. A pressão da sociedade civil para a retomada dos trabalhos do CGI.br surtiu efeito, e o novo conselho do CGI.br deve se reunir no próximo dia 18.

Assim, o que faz uma decisão como essa ocorrer de forma tão apressada e antidemocrática? Uma vontade de evitar que este conselho siga com os trabalhos já iniciados, antes da mudança nas cadeiras do conselho? Que tipo de transição seria esta que o governo aponta na consulta pública? Será uma vontade de alterar já esta gestão do conselho do CGI.br?

Diante dos fatos, diversos especialistas em internet no Brasil apontam para a necessidade de a condução do processo de consulta pública se dar de forma transparente, buscando representatividade entre os segmentos econômicos e sociais. Mas, avaliando a situação adequadamente, é fácil concluir que isso só pode ocorrer se este processo de consulta pública for cancelado e seus parâmetros, formato e acompanhamento forem previamente discutidos, como defende a Coalizão Direitos na Rede.

*Jornalista e membro da coordenação executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

MPF/PE entra com ação contra parlamentares com participação em empresas de radiodifusão

Segundo o MPF, deputados Gonzaga Patriota (PSB) e Adalberto Cavalcanti (PTB) são sócios ou tem familiares sócios de duas empresas de radiodifusão com sede no interior de Pernambuco

O Ministério Público Federal em Pernambuco (MPF/PE) ajuizou ação civil pública solicitando a Justiça Federal com urgência a suspensão da concessão de serviço de radiodifusão da Rede Brasil de Comunicações Ltda, de Sertânia, e da Rádio Rio Pontal FM Ltda, de Afrânio, ambas no interior pernambucano. A ação foi ajuizada, pois o deputado federal Gonzaga Patriota (PSB) seria sócio da Rede Brasil e familiares do deputado federal Adalberto Cavalcanti (PTB) participariam do quadro societário da Rádio Pontal. A ação, de responsabilidade da procuradora da República Mona Lisa Ismail, foi ajuizada contra os parlamentares, as rádios e a União.

Na ação o MPF-PE destaca que a situação é inconstitucional, pois haveria o risco de violação do direito fundamental à liberdade de informação e expressão. Como tratam-se de parlamentares à frente de empresas de comunicação, haveria a possibilidade de se utilizarem das empresas em prol de interesses próprios ou de terceiros.

A procuradora Mona Lisa Ismail, se pronunciou na ação afirmando que a sócia-gerente da Rádio Sertânia, filiada a Rede Brasil de Comunicações Ltda, Geannedy Laureliza Leite Patriota, durante a investigação administrativa no MPF, afirmou que “a vedação não se aplica à participação do parlamentar Gonzaga Patriota na empresa de radiodifusão porque diz respeito à gestão da empresa. Ou seja: não haveria irregularidade na participação do deputado federal no quadro societário da rádio, uma vez que não exerce função de diretor/gerente e que o contrato de concessão em tela obedece a cláusulas uniformes”, diz trecho da ação civil pública.

O deputado federal Adalberto Cavalcanti, fez parte do quadro societário da Rádio Pontal até julho de 2016. Na época houve uma alteração no contrato, devido a uma notificação do então Ministério das Comunicações em que o parlamentar se retirou da sociedade, sendo substituído por sua filha Marília Mariana Cavalcanti. Para a procuradoria da República essa alteração indica que o parlamentar estaria simulando não ser mais sócio, porém ele continuaria no comando da empresa por meio de familiares. “Não se trata de contrato de cláusulas uniformes, que se refere a contratos de adesão de natureza consumerista, firmados entre congressistas e empresas prestados de serviços públicos, o que não é o caso da concessão do serviço de radiodifusão outorgado às rádios”, disse a procuradora, por meio de nota

A participação dos deputados nas emissoras, reforça o MPF, é inconstitucional, tendo em vista o potencial risco de se utilizarem do canal para defesa ou divulgação de interesses próprios ou de terceiros, violando o direito fundamental à liberdade de expressão e informação.

Conforme consta na ação, Adalberto Cavalcanti foi sócio da rádio até julho de 2016, quando houve alteração contratual após notificação pelo MPF. Segundo a procuradora da República, no entanto, a alteração indica a intenção de simular a regularização da sociedade, uma vez que o deputado continuaria a participar da empresa por meio de familiares.

Além da sispensão o MPF requer que a Justiça deixe de conceder novas outorgas de serviço de radiodifusão para as empresas Rede Brasil de Comunicações Ltda. e da Rádio Rio Pontal FM Ltda., ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócias. O MPF também pede que a a União seja condenada a realizar nova licitação do serviço outorgado as empresas.

O que diz a Constituição

A posse de veículos de radiodifusão por políticos é um fenômeno presente em diversos países em desenvolvimento e identificado no Brasil pela expressão “coronelismo midiático”. Em junho de 2016, a ONG Repórteres Sem Fronteiras destacou em um relatório que critica a “parede invisível formada por dinheiro e conflitos de interesse” que afeta a liberdade de informação.

A investigação sobre a propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos foi iniciada pelo MPF em São Paulo, a partir de um levantamento feito em todo o país das concessões de radiodifusão que tinham políticos como sócios. A partir disso, várias ações foram iniciadas em vários estados.

Já existem decisões judiciais em tribunais superiores retirando as concessões das mãos de parlamentares, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal – que também já se manifestou contrário ao controle de políticos sobre veículos de comunicação

Segundo o artigo 54, inciso I, a, da Constituição Federal, deputados e senadores não podem celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, o que inclui as emissoras de rádio e TV. Já o inciso II, a, do mesmo artigo, veda aos parlamentares serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei.

Tal regra também impede a participação de congressistas em prestadoras de radiodifusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação.A situação revela ainda um claro conflito de interesses, uma vez que cabe ao Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação das licenças de emissoras de rádio e TV, além de fiscalizar o serviço. Dessa forma, parlamentares inclusive já participaram de votações para a aprovação de outorgas e renovações de suas próprias empresas.

Sendo assim o cancelamento das concessões visa a evitar o tráfico de influência e proteger os meios de comunicação da ingerência do poder político.

Coronéis da Mídia têm apoio do governo

A pedido de Michel Temer a Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro de 2016 ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo Tribunal Federal que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações como amicus curiae, entregaram ao ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379, uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas em ambas as ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas no fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam pela apresentação de voto de Gilmar Mendes.

Coronéis da Mídia

O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil*, apontou que, na atual legislatura na Câmara dos Deputados (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Casa. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa.

Os números revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de “laranjas” ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos de comunicação.

O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação da radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo. Assim, os parlamentares que mantém concessões de rádio e TV são responsáveis por apreciar os atos de outorga e renovação de suas próprias concessões e permissões de radiodifusão.

*retirado do ar por falta de financiamento

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do MPF/PE

Coalizão Direitos na Rede divulga nota “contra ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil”

A Coalizão Direitos na Rede divulgou hoje, dia 09, uma nota questionando o governo federal que por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciou ontem, uma consulta pública que pode alterar o modelo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), principalmente em relação às atribuições e à composição do Comitê. A atitude do governo de forma unilateral e sem diálogo prévio no interior do CGI.br é considerado um equívoco para entidades que compõe a Coalizão Direitos na Rede.

Para a Coalizão o governo “passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil”. O grupo reforça que a atual composição do Comitê Gestor tem sido fundamental para a defesa da manutenção das conquistas obtidas com o Marco Civil da Internet e de princípios básicos para a garantir uma internet livre, aberta e plural.

Criado em 1995 o CGI.br é responsável pelo estabelecimento das diretrizes do setor; a promoção de estudos e padrões técnicos para segurança e serviços de internet; recomendações de procedimentos e padrões técnicos e promoção de programas de pesquisa e desenvolvimento.

Na nota a Coalizão Direitos na Rede pede o cancelamento imediato da consulta e explica que a “iniciativa” do governo não respeitou os processos democráticos.

Confira a nota na íntegra:

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil. Referência internacional de governança multissetorial da Internet, o Comitê teve seu papel fortalecido após a promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as. Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu, principalmente por parte das operadoras de telecomunicações, apoiadoras do governo. Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças – a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos. Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores, dentro e fora do Brasil, contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

Original em: https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/

Censura e sucateamento: a comunicação pública agoniza

Corte de 63% dos recursos e censuras aos conteúdos determinam o fim do caráter público da EBC transformam a empresa em máquina de propaganda de Temer

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) sofreu duros retrocessos após o golpe parlamentar dado pelo grupo político de Michel Temer em 2016. No exato dia seguinte à posse, uma medida provisória destituiu o Conselho Curador, órgão representante da sociedade civil na empresa. Em outra “canetada”, Temer também acabou com um mecanismo que garantia mínima autonomia à empresa: a nomeação do diretor-presidente, antes com mandato de quatro anos, agora podendo ser feita na hora que bem entender o presidente da República. A EBC, assim, encontra-se hoje em mal estado, na UTI, respirando por aparelhos. Mas, como se isso não bastasse, agora convive com censuras diárias e um contínuo enxugamento do seu orçamento.

A fórmula é conhecida e foi usada pelos tucanos em São Paulo, com a TV Cultura. Junto com demissões em massa e cortes de verba, programas históricos saíram do ar como “Zoom”, “Grandes Momentos do Esporte”, “Vitrine” e “Cocoricó”. Na TV Brasil, as transmissões dos campeonatos das séries C e D (que traziam grande audiência e cumpriam a missão pública da emissora) acabaram. Também foram dispensados o “Observatório da Imprensa” (no ar há 16 anos), “Arte do Artista” e “Estúdio Móvel”.

As rádios públicas também vêm sendo desprestigiadas.  A histórica Rádio Nacional do Rio de Janeiro simplesmente juntou-se com a também histórica Rádio Nacional de Brasília. Outro caso, ainda mais grave: a Rádio Nacional da Amazônia, símbolo da integração do País, com enorme audiência de ribeirinhos, pescadores e indígenas (atinge potencialmente 60 milhões de pessoas) está simplesmente fora do ar devido a falta de investimento, o que, nesse caso, pode ser enquadrado como crime de responsabilidade da atual diretoria da EBC.

Além do corte excessivo de verba, casos de censura são relatados cotidianamente pelos jornalistas concursados da casa. Os funcionários resumem assim o que vem acontecendo na EBC: a parte estatal está virando publicidade do governo e a parte pública está virando estatal. Hoje, a empresa presta serviços ao governo federal (via contrato e pagamento mensal) para a produção e a exibição da TV NBR e do programa de rádio “A Voz do Brasil”.

Antes, o foco era no cidadão, na prestação de serviços públicos. Mas, ao que tudo indica, os ventos mudaram. Relatos dão conta de textos alterados, transformados em mera publicidade. A cobertura do “Criança Feliz” é um exemplo. Repórteres concursados são destacados para pautas já direcionadas, com elogios exagerados ao programa e trechos de enaltecimentos à sua principal condutora: a primeira-dama, Marcela Temer.

Na parte pública, apesar da separação com a parte estatal ainda permanecer no texto legal (Lei n° 11.652 – que, como na Constituição Federal, prevê a complementariedade entre os serviços de televisão público, estatal e privado) os casos de censura são graves e atingem a TV Brasil, as rádios e a Agência Brasil.

No último carnaval, a ordem de cima veio expressa, textual: cinegrafistas não poderiam filmar cartazes com “temas políticos”. Basta recorrer à memória para lembrarmos que o único “pedido político” desse período no Brasil foi o “Fora, Temer”, uma vez que Dilma Rousseff já tinha sofrido impeachment e praticamente não houve manifestações contra o ex-presidente Lula no carnaval. Ou seja, para bom entendedor, meia ordem bastaria: cartazes que pediam a saída de Temer estavam oficialmente proibidos.

Pós-carnaval, no entanto, mal sabiam os funcionários que o pior ainda estava por vir. Recentemente, outras coberturas chamaram a atenção. Quando o governo Temer completou um ano, a baixa popularidade, o desemprego e a quantidade de ministros que diminuía a cada passo da Operação Lava Jato não entraram no “balanço” do período.

Já a cobertura das delações de Joesley Batista, da JBS, serviu para manchar a história da comunicação pública no Brasil. Bastava uma breve pesquisa nas manchetes da Agência Brasil para saber que os conteúdos mais graves envolvendo Michel Temer estariam nos últimos parágrafos, isso quando não foram suprimidos dos textos dos repórteres.

Também têm sido comuns as mudanças de títulos para “suavizar” as críticas ao governo. O mais grave é que, além de envergonhar qualquer profissional com formação jornalística, tais censuras tiram do cidadão o direito de ser informado, como prevê a Constituição. Se isso vale para o restante dos veículos de mídia no País, deveria valer ainda mais para uma empresa com missão pública, voltada à sociedade e não ao lucro nem tampouco ao governante de plantão.

São casos como esses que serviriam de exemplo para a atuação do Conselho Curador, extinto pelo governo. Hoje, até restam outras poucas opções, canais de denúncia. É o caso da Ouvidoria-Geral, comandada pela jornalista Joseti Marques.

Nos últimos boletins publicados, ela apontou casos de excessivo governismo nas pautas, em especial no programa comandado pela ex-jornalista do sistema Globo de Rádio, Roseann Kennnedy. Bastam poucos minutos do “Corredores do Poder” para que o telespectador verifique que a apresentadora consegue defender melhor as reformas da Previdência e trabalhista do que o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Outro canal de debate seria o Comitê Editorial, pedido antigo dos sindicatos e da comissão de empregados. Finalmente constituído em 2016, hoje foi colocado para escanteio. Os 12 membros e 12 suplentes, boa parte formada por jornalistas da casa, não são chamados para as reuniões desde o ano passado. As reuniões, que deveriam ser bimestrais – fato também questionado pelos membros do Comitê – devem ser convocadas pelo Diretor de Jornalismo, Lourival Macêdo.

Em um dos únicos quatro encontros, qualquer tentativa de debate editorial, como, por exemplo, sobre as delações premiadas, foram classificadas como “fora de pauta”. Em seguida, os chefes aproveitavam para dizer como seriam as coberturas de eventos, citavam agendas e cronogramas, claramente deslegitimando a instância de um Comitê cujo nome diz tudo: editorial.  Oficialmente o Comitê não deixou de existir, mas na prática, sua não convocação já dá o tom dos sérios problemas da EBC.

Além das censuras e do sucateamento, há outra grave insegurança com relação ao futuro da empresa pública de comunicação. Ela diz respeito ao atual diretor-presidente, Laerte Rímoli. A recente prisão da irmã de Aécio Neves, Andrea Neves, fez acender um alerta na EBC. Laerte atuou como coordenador chefe da comunicação da campanha do PSDB para a Presidência, em 2014. Foi o braço direito, portanto, da dupla de irmãos agora investigados pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República.

Isso poderia trazer consequências para o atual presidente da EBC? Enquanto a incógnita segue, Laerte, como responsável pela empresa, segue aceitando pacificamente o sucateamento proposto pelo governo federal. Neste ano, a verba destinada para custeio e investimento, na ordem de 172 milhões de reais, teve um corte de aproximadamente 108 milhões, o equivalente a 63% dos recursos. Qual empresa sobrevive com um corte de orçamento dessa natureza?

Também já foi anunciado um Programa de Demissão Voluntária (PDV), que pode retirar 600 profissionais da empresa. Hoje, isso seria o equivalente a saída de quase 25% do quadro efetivo. O temor de funcionários é que haja verdadeiro apagão tecnológico nas próximas semanas ou, ainda, que isso sirva de desculpa “perfeita” para, por exemplo, unificar formalmente a parte pública com a estatal, sempre em nome da economia de recursos.

Evitar o sucateamento e o fim do caráter público da EBC são deveres de todos os cidadãos. Para isso, é preciso fortalecer a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, formada por organizações sociais e militantes que lutam pela democratização da comunicação. Enquanto a informação for entendida pelos governos como propaganda e não como um direito fundamental das pessoas, será difícil a consolidação de uma comunicação pública independente e autônoma. Torna-se urgente, assim, barrar os planos do atual governo e da diretoria da empresa de acabarem com a pública, democrática e, acima de tudo, resistente EBC.

Globo ataca, mas mídia segue dividida sobre futuro de Temer

Enquanto a Globo segue na artilharia para desgastar o presidente, grupos como Estadão e Band parecem aliviados após denúncia da PGR ser barrada

Por Bia Barbosa e Camila Nóbrega*

O que quer a Rede Globo ao direcionar todo o seu jornalismo para desgastar Temer ao mesmo tempo em que outros grandes veículos preferem a suposta estabilidade que o governo traria à economia?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares.

Desde as denúncias contra Michel Temer feitas pelos donos da JBS, em maio passado, uma das grandes questões que tem intrigado os que acompanham o noticiário político é por que o principal grupo de comunicação do país entrou de cabeça na derrubada do presidente enquanto outros parecem ainda apostar na sobrevivência da atual gestão.

Ninguém parece conseguir cravar uma resposta.

Mas uma análise da cobertura feita pela chamada grande mídia da votação realizada nesta quarta-feira 2 na Câmara dos Deputados pode dar algumas pistas.

É possível, por exemplo, afirmar que a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) não foi suficiente para mexer de maneira significativa as peças do tabuleiro político.

Se, de um lado, a Globo e seus veículos usaram a votação no Congresso para fritar um pouco mais Temer, houve quem saísse quase que aliviado deste processo – mesmo que o resultado final, favorável ao Planalto, já estivesse previsto.

Como anunciado diversas vezes em sua programação, a TV Globo interrompeu sua programação normal para transmitir ao vivo, no canal aberto, a votação nominal dos deputados.

Foram quase quatro horas ininterruptas, que justificaram a não apresentação do Jornal Nacional e da novela Força do Querer, programas nobres da emissora, no período da noite.

A análise detalhada do resultado do plenário coube, então, ao “time de especialistas” – como gostam de se auto-denominar – do Jornal das Dez, na Globonews, canal pago da emissora.

Ao longo de uma hora de programa, eles fizeram questão de destacar como o Palácio jogou pesado para conseguir votos e como, apesar de ter barrado a continuidade das investigações, Temer não saiu vitorioso do processo.

“O governo trabalhou pesado, atendendo no atacado e no varejo, ao longo do dia, os pedidos de seus aliados. Até a última hora e durante a sessão, o Presidente trabalhou pessoalmente para barrar a investigação”, anunciou a âncora Renata LoPrete.

“Havia expectativa de poucos encontros hoje no Palácio. Mas ao longo do dia, pelo menos 21 deputados foram recebidos por Temer, além dos governadoras do Rio Grande do Norte e Tocantins e dos ministros Gilberto Kassab e Blairo Maggi”, completou o repórter Murilo Salviano, ao vivo do Planalto.

A reportagem que veio na sequência contou sobre os 10 ministros e dois secretários de governo que reassumiram seus mandatos na Câmara para votar com Temer.

Para a comentarista Cristiana Lobo, foi uma vitória “magra”.

“Temer se apresentou para ser um Presidente reformista e o número de votos que obteve não é suficiente pra isso. Vai ter que repactuar toda a sua base, o que não é tarefa fácil. Chamo atenção para o número de votos contra. O cálculo dos governistas chegava no máximo a 200. Mas a oposição teve 227 votos. Temer foi igualmente ruim de norte a sul do Brasil”, criticou.

Para Merval Pereira, o governo conseguiu escapar usando “os mesmos métodos de Dilma”: “Só conseguiu porque tem mais história, é mais simpático e conhece melhor os deputados. Mas foi mais uma vitória do clientelismo e da politicagem do baixo clero. O resultado mostra que, apesar da luta contra a corrupção, a política continua sendo feita da mesma maneira”.

Mais tensão nas costas do peemedebista foi colocada pela Globo com a entrevista, ao vivo, do presidente da Câmara Rodrigo Maia, que afirmou categoricamente : “Para o futuro, foi um resultado ruim, porque, com 263 votos, não emendaremos a Constituição para fazer a Reforma da Previdência”.

Maia ainda atacou o Planalto, que o acusou de estar atuando contra Temer nos bastidores: “Sempre fui fiel ao governo e nunca esperei que o entorno do presidente fosse jogar tão baixo comigo”.

Vale lembrar: há poucas semanas, foi na casa de um alto executivo da Globo que Rodrigo Maia se reuniu com deputados aliados.

Merval Pereira sentenciou: “O governo queria transformar essa votação em em vitória retumbante e Maia já saiu atacando. O deficit é imenso, a crise é gravíssima e o governo errou porque aumentou as despesas para obter essa vitória. Então vai ser uma parceria complicada”.

A mala e os áudios de Joesley 

A GloboNews exibiu ainda uma matéria específica sobre as acusações da PGR, colocando novamente no ar as imagens da mala de dinheiro carregada por Rocha Loures e trechos da transcrição da conversa do Presidente com Joesley Batista.

Lembrou que ainda há duas possíveis denúncias contra Temer na fila: por formação de organização criminosa, em casos de fraude na Petrobras junto com o PMDB, e por obstrução da Justiça, no caso de Cunha.

E questionou: será que o governo tem cacife e orçamento para enfrentar as outras que vierem agora?

No telejornal do canal aberto, mais tarde, William Waack lembrou que, em seu pronunciamento, feito logo após da votação, “Temer falou muito da economia e pouco das acusações. Fez questão de reiterar que agora teria condições de fazer as reformas que, todos sabemos, pararam diante da crise. Mas não falou nada sobre as denúncias ou sobre a JBS”, afirmou o âncora.

Outro destaque dos analistas da GloboNews, repetido depois no Jornal da Globo, foi o racha do PSDB na votação e os prejuízos que daí virão para Temer.

A fala do líder tucano na Câmara, Ricardo Tripoli, orientando a bancada a votar pela investigação, foi repetida inúmeras vezes: “os brasileiros estão cansados de tanta suspeita sobre seus representantes”.

Segundo a correspondente Andrea Sadi, o chamado centrão já quer os cargos ocupados pelo PSDB hoje no governo. Tanto no Jornal da Dez quanto no Jornal da Globo, os canais mostraram as manifestações e panelaços que aconteceram em 15 estados da federação contra Temer.

Portanto, a linha defendida no editoral de O Globo neste dia 2 de agosto, assim como nas manchetes online do jornal após a votação (“Com 263 votos, Câmara ignora provas e barra denuncia contra Temer”; “Com sorriso no rosto, Temer diz que resultado não é vitória pessoal”, “Deputado preso em regime semiaberto vota a favor de presidente”, “Internautas promovem vomitaço em rede social de Michel Temer”), seguirá a todo vapor.

Com menos sangue nos olhos, mas também no campo de ataque ao governo – certamente em busca da aproximação com os 81% da população que defendem que Temer seja investigado – a Folha de S.Paulo estampou nesta quinta 3: “Temer usa máquina, demonstra força e barra denúncia”.

Dentro, afirmou: “Balcão de negócios com o recurso público garante vitória governista”, e trouxe duas páginas centrais sob o título “Placar da Denúncia”, com fotos, nomes e partidos dos deputados e como cada um votou.

Na coluna de opinião, soltou o artigo de Bernardo Mello Franco com o título  “Vitória da mala”. “Ao blindá-lo, os deputados deixaram claro que provas não importam. O que mantém um presidente na cadeira é a sua capacidade de manter o Congresso no cabresto”, afirmou o colunista.

Em mais de uma reportagem, o jornal destacou o papel do ministro Antonio Imbassahy, flagrado negociando emendas no plenário da Câmara.

Na versão online, a Folha abriu espaço para o trabalho da Agência Lupa, que apurou quanto cada deputado recebeu de emendas nas duas últimas semanas. O Uol, do mesmo grupo, destacou: “Temer sobrevive” e “Em dia de votação de denúncia Governo libera R$ 658 mi para sete ministérios”.

Os aliados

Se saísse da Globo e mudasse de canal na TV, o telespectador teria encontrado uma cobertura bem mais favorável a Temer nas emissoras do Grupo Bandeirantes.

Uma das maiores beneficiadas pelo aumento de verbas publicitárias distribuídas pelo Planalto no último ano, a TV Bandeirantes tem dado pouco destaque à crise política em seu noticiário, e feito longas matérias em defesa da agenda das reformas.

Na noite desta quarta 2, não foi diferente. Encerrada a sessão na Câmara, a emissora logo mostrou a continuidade no alinhamento com presidente e a bancada governista. Colocações comedidas e até sorridentes deram o tom.

Ao vivo de Brasília, repórteres ressaltaram que a vitória de Temer foi muito comemorada nos bastidores. “Aqui no Planalto, o clima é de vida que segue, página virada”, dizia um dos repórteres, complementando que o pronunciamento do Presidente destacou a construção mais ampla da base aliada para a aprovação dasreformas.

Jornal da Noite, da Bandnews, destacou: “Mercado financeiro e empresários defendem continuidade de Michel Temer na Presidência”. Em seguida, uma longa reportagem ouviu empresários de diversos setores, especialmente da indústria (produção de aço, extração de petróleo, plástico, etc), dizendo o quão a permanência do Temer é bem vista porque as reformas vão continuar.

Em total alinhamento com as justificativas de voto dadas pouco tempo antes no plenário da Câmara, os entrevistados da Band declararam: “Essa instabilidade política atrapalha muito a economia”, a despeito da grave acusação ao Presidente.

Em toda a cobertura, quase nada se falou sobre a situação do país e o baixíssimo índice de aprovação do governo. Pós-discurso de Temer, a chamada foi: “Vitória é conquista do Estado Democrático de Direito”.

Aliado histórico da indústria paulista e do mercado financeiro, o jornal O Estado de S. Paulo também contribuiu para dar um ar de normalidade ao que se passou no Congresso.

Ao contrário da Globo – para quem “foi uma sessão inédita e histórica” –, o Estadão não deu qualquer destaque à denúncia em si da PGR.

Aliás, um leitor pouco informado teria dificuldades para entender as razões da consulta feita à Câmara.

Nenhuma menção direta ao fato de que Temer é acusado de destinatário de propina negociada entre o dono da JBS e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures.

Também não fizeram parte dos destaques matérias sobre as negociações e ofertas de recursos aos parlamentares para proteção do Presidente.

Quando o mínimo de votos necessários para barrar a denúncia foi atingido na Câmara, a chamada no site do Estadão era: “Temer já tem votos suficientes para barrar denúncia, acompanhe ao vivo”. Encerrada a votação, o destaque também foi o pronunciamento do Presidente: “Após barrar denúncia, Temer diz que é urgente pôr o país nos trilhos”.

Outras chamadas na capa compunham um cenário de apoio ao governo: “Em nome da economia, aliados votam para arquivar denúncia” e “Bolsa sobe 1% e volta ao nível de pré-crise política”.

O tom alinhado com o Planalto seguiu na versão online do jornal desta quinta 3: “Após vitória na Câmara, próxima batalha é a Previdência, diz Padilha”, em referência à reforma também apoiada pelo jornal. Já sumiu da página principal a matéria publicada na véspera, que dizia “Janot pede Temer, Padilha e Moreira Franco no quadrilhão do PMDB”. O texto principal de Opinião do site é “A política radical de Lula”.

Entender o jogo que a grande mídia tem feito não é tarefa, portanto, para principiantes.

O que importa todo leitor e telespectador considerar é que, nem de longe – assim como ocorreu com a cobertura do impeachment de Dilma Rousseff –, o que conduz a linha editorial dos veículos em relação a Temer se resume ao mero exercício do jornalismo.

Há muito mais por trás das câmeras, telas e páginas de jornal do que se pode imaginar.

Sigamos de olhos abertos.

* Bia Barbosa e Camila Nóbrega são jornalistas. Colaborou Cinthya Paiva, advogada. Todas integram o Intervozes.