Comissão amplia prazo para radiodifusores pedirem renovação de outorgas

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática aprovou o Projeto de Lei 1107/15, da deputada Renata Abreu (PTN-SP), o qual possibilita que as emissoras de rádio e TV apresentem pedido de renovação de suas outorgas de três a nove meses antes do término delas. O prazo atual é de três a seis meses anteriores ao fim das outorgas.

Deputado João Fernando Coutinho apresentou emenda que só permite extinção de outorga depois que a emissora for notificada
Segundo a Agência Câmara Notícias, o projeto também estabelece a notificação, pelo ministério, dos radiodifusores que não solicitarem a renovação até seis meses antes do término da outorga. O alerta deverá ser feito com aviso de recebimento, independentemente do meio utilizado para a comunicação.

A Constituição Federal determina a duração de 10 e 15 anos para as outorgas do rádio e da televisão aberta, respectivamente. De acordo com a autora do projeto, são inúmeros os casos em que emissoras perdem prazos legais para solicitar a renovação das outorgas por falta de conhecimento sobre o fim dos contratos.

O projeto tramita anexado ao Projeto de Lei 916/15, também apresentado pela deputada Renata Abreu. O parecer do relator, deputado João Fernando Coutinho (PSB-PE), foi pela rejeição da proposta principal e pela aprovação do PL 1107/15, anexado, com emenda.

Hoje, quando as emissoras não fazem o pedido de renovação no prazo previsto, elas perdem o direito de renovar a concessão. A emenda apresentada pelo relator prevê que não será cabível abertura de processo de prescrição ou extinção da outorga até que ela seja notificada e seja concedido prazo adicional de 90 dias para a regularização do processo de renovação.

A proposta deve ser avaliada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: FNDC

Conselho de Comunicação do Congresso: participação para inglês ver

Por Bia Barbosa e Mariana Martins*

O desfile de golpes praticados pelo Congresso Nacional contra os interesses da sociedade parece não ter fim. Nesta quarta-feira 15 tomou posse, com a presença dos presidentes da Câmara e do Senado, a nova gestão do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Parlamento para projetos relacionados às comunicações. Após praticamente um ano sem funcionamento do CCS, foram empossados conselheiros que, na realidade, não foram eleitos.

Exato. A sessão do Congresso do dia 8 de julho, que supostamente escolheu os 13 titulares e suplentes do órgão, não registrou quórum mínimo de 257 deputados e 41 senadores para deliberação – no dia, menos de 90 deputados e apenas 14 senadores estavam reunidos. Segundo a Lei 8.389, de 30 de dezembro de 1991, que cria o CCS, o Conselho deve ser eleito em sessão conjunta das duas Casas. Ainda contrariando o Regimento Comum do Congresso Nacional, a pauta desta votação não foi distribuída aos parlamentares com a antecedência de 24h, bem como as indicações não foram submetidas à votação secreta em plenário.

Como se não bastasse a flagrante violação de dispositivos constitucionais e legais, ainda foram nomeados para uma das vagas destinadas à sociedade civil dois ministros de Estado: Henrique Eduardo Alves (Turismo – titular) e Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia – suplente). Entre os ocupantes de outras vagas para a sociedade civil estão um ex e um atual servidor da Secretaria de Comunicação do Senado e a diretora do Instituto Palavra Aberta, que só tem organizações empresariais como associadas. Vale lembrar que o setor empresarial já possui vagas próprias na composição do CCS.

Em nota pública, organizações e movimentos com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) afirmaram que “o Congresso Nacional dá um novo golpe contra a sociedade civil, desrespeitando por completo este espaço de participação social e demonstrando não ter discernimento nem mesmo para reconhecer, de forma transparente e republicana, as organizações sociais que atuam no campo das comunicações no país”.

Para tentar barrar tamanha afronta, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), juntamente com outros parlamentares e entidades sociais, deu entrada em um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular o ato que nomeou os novos integrantes do Conselho. A posse realizada nesta quarta, portanto, encontra-se sob judice. Os autores da ação defendem que o processo que levou à homologação da nova composição do CCS foi ilegítimo, inconstitucional e antirregimental. O Supremo deve pronunciar-se após o recesso do Judiciário.

Neste cenário, o professor e pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) da Universidade de Brasília (UnB), Murilo César Ramos, um dos indicados como suplentes para as vagas da sociedade civil, renunciou à sua indicação e não tomou posse, para não legitimar o processo.

O mesmo, no entanto, não aconteceu com os demais indicados, que ocuparam seus assentos de maneira vergonhosamente silenciosa. Nem mesmo o protesto das entidades signatárias do mandado de segurança, realizado durante a cerimônia de posse no Salão Nobre do Senado, foi suficiente para constranger os novos conselheiros. Por ordem do presidente da Casa, os cartazes – que diziam “Sociedade civil excluída do Conselho de Comunicação Social: #GolpenoCCS” – foram recolhidos. Pasmem, na posse do Conselho de Comunicação Social, é vedada a liberdade de expressão; é vedado o direito de, mesmo silenciosamente, manifestar-se.

A sessão seguiu, sem que nenhum dos conselheiros fizesse menção ao fato. Justo eles que lá estão para defender, de saída, a liberdade de expressão e o direito à informação, ambos “garantidos” na Constituição Federal.

Em entrevista concedida à imprensa após a posse, o ministro Aldo Rebelo se defendeu, alegando que não foi escolhido como representante do governo, mas como jornalista. “Sou jornalista, pago o sindicato e a confederação há mais de 30 anos. Portanto, acho que tenho legitimidade para participar. A legitimidade é conferida pela lei. Não houve nenhuma violação. Os membros do Congresso escolhem. Há uma eleição. Portanto, não há irregularidade”, afirmou.

OAB na presidência

Após a sessão solene de posse, teve início a reunião que elegeu o presidente e vice-presidente do Conselho. Foram escolhidos para dirigir o órgão o advogado Miguel Ângelo Cançado, representando a OAB, e Ronaldo Lemos, pesquisador. Neste momento, o representante dos trabalhadores radialistas, Nascimento Silva, manifestou-se sobre o fato de a eleição do CCS estar sendo questionada na Justiça e de ministros de Estado terem ocupado vagas da sociedade civil. Sua fala, tampouco, ecoou entre seus pares. Todos mantiveram-se surdos a um mandato que já começa falido em sua representatividade.

Desde seu início, o Conselho funciona sem critérios claros para sua composição, sobretudo no que diz respeito às cinco vadas da sociedade civil. Por isso, em abril de 2014, um significativo conjunto de entidades, que acompanham de perto o trabalho do Conselho e reconhecem sua importância para o diálogo com a sociedade sobre assuntos estratégicos para o país, lançou uma plataforma defendendo maior transparência e participação no processo de escolha dos representantes do Conselho de Comunicação Social.

Neste documento, foi proposto que, entre os critérios que o Congresso deveria considerar para indicar os representantes da sociedade civil, deveria constar justamente o fato do conselheiro/a ser representante de meios comunicação comunitários, universitários e públicos ou de organizações atuantes no tema das comunicações – visando, justamente, a garantia da pluralidade no âmbito do órgão. Na ocasião, também foi defendida como premissa a equidade nas questões de raça, gênero e regionalização dos representantes. Com base nestes critérios, foram indicados, com o apoio da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (Frentecom), da Câmara dos Deputados, um conjunto representativo de nomes.

Nesta quarta-feira, uma maioria de homens brancos, que defendem interesses privados, passou a compor a nova gestão do CCS.

* Bia Barbosa e Mariana Martins são jornalistas e integrantes do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Programas policialescos: a legitimação da barbárie

Por Bia Barbosa*

 “87% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal”
Datafolha, 24 de abril de 2015

“A Rocam está em cima! Atira, meu camarada! É bandido!”
Cidade Alerta, 23 de junho de 2015

“Livres para matar: Redução da maioridade penal é rejeitada por cinco votos”
Brasil Urgente, 1º de julho de 2015

“Esses são os estupradores. Dos cinco, três são menores de idade, com 14, 15 e 16 anos”
Brasil Urgente, 3 de julho de 2015

“Brasil tem um linchamento por dia, não é nada excepcional”
El País, 8 de julho de 2015

Já passou da hora de os setores efetivamente democráticos da sociedade repudiarem com seriedade aquilo que, todos os dias, invade nossa casas e nos expõe ao que há de mais bárbaro na programação da televisão brasileira: os chamados programas policialescos. Por horas a fio, ao vivo, durante o dia, assistimos a um desfile de cadáveres, agressões, suspeitos achacados em delegacias, vítimas expostas e, invariavelmente, discursos contrários aos direitos humanos e em defesa da violência policial, dos justiçamentos e, claro, da redução da maioridade penal.

Quem acha que chegamos ao índice de um linchamento por dia ou a 87% da população apoiando o encarceramento juvenil sem a legitimação dessas práticas por tais programas é porque: 1. Não assiste televisão aberta e não sabe como esse tipo de programação domina a grade das emissoras ou 2. Prefere acreditar que o conservadorismo crescente no País não passa por aquilo que se consome cotidianamente na tevê.

Pesquisa realizada pela Andi, em parceria com o Intervozes: Artigo 19 de Ministério Público Federal revelou os principais tipos de violação de direitos praticados pelos policialescos: desrespeito à presunção de inocência; incitação ao crime, à violência, à desobediência às leis ou às decisões judiciárias; exposição indevida de pessoas e famílias; discurso de ódio e preconceito; identificação de adolescentes em conflito com a lei; violação do direito ao silêncio; tortura psicológica e tratamento desumano ou degradante. Tudo de acordo com a legislação atualmente em vigor no Brasil, com os tratados e convenções internacionais ratificados pelo País – o que falar então do Código de Ética dos Jornalistas… – e com exemplos incontáveis que comprovam a sistemática dessas violações.

Ou seja, não estamos falando de episódios isolados, que geram algum tipo de comoção nacional, como quando a repórter Mirella Cunha, da TV Bandeirantes na Bahia, em 2012, humilhou um suspeito de estupro por ele desconhecer o tipo de exame a ser feito no corpo da vítima. Ou quando a TV Cidade, retransmissora da Record no Ceará, exibiu por cerca de 20 minutos cenas de uma menina sendo estuprada. Ou, ainda, quando, no mês passado, os dois líderes de audiência do gênero – Brasil Urgente, do apresentador José Luiz Datena (Bandeirantes), e Cidade Alerta, do apresentador Marcelo Rezende (Record) – transmitiram uma perseguição policial, ao vivo, que terminou com um PM atirando quatro vezes à queima-roupa em dois suspeitos. Trata-se de uma postura editorial cotidiana, que não tem limites entre canais ou redes de televisão, regiões do País ou horário na grade. Vale tudo, a qualquer momento e em qualquer lugar (mesmo com as crianças na sala), em um modelo de negócios que já se tornou para lá de lucrativo para as empresas de comunicação.

Problema antigo

No fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, os programas policialescos eram um “formato a ser explorado”. Restritos a algumas redes de tevê e poucas capitais do Brasil, não chamavam tanta atenção, tampouco geravam o impacto de atualmente. Mesmo assim, traziam em sua origem a tônica da barbárie que carregam até hoje.

Já há mais de dez anos o Ministério Público Federal (MPF) atua para tentar frear suas violações. Em março de 2006, por exemplo, a Procuradoria da República no Distrito Federal moveu uma Ação Civil Pública contra os responsáveis pelo Barra Pesada, então exibido de segunda a sexta-feira à tarde, na TV Brasília. O objetivo era proteger os direitos dos telespectadores de cenas “explícitas e detalhadas” de violência, entre as quais, a exposição de cadáveres.

Em uma das edições do programa, em dezembro de 2005, após narrar a prisão de um assaltante em Taguatinga, na qual o acusado foi inquerido de costas, o apresentador do Barra Pesada, Geraldo Naves, bradou no estúdio:

“Tem que mostrar a cara desse canalha. Esse é um canalha. Tem que mostrar a cara dele pra mim ver. Isso é um covarde. Um viciado, maconheiro! […] Sabe o que eu gosto? Eu gosto quando a polícia pega um palhaço – palhaço não; palhaço dá alegria – um paspalho como esse, entendeu? E coloca a cara […] tem que pegar e virar a cara, pra mostrar pra população. […] esse aí é um maconheiro, entendeu? Ele anda armado, assaltando, precisa de dinheiro, é um incompetente, asno, asno, entendeu? Asno! Inconsequente! Nem bobo não é. É um asno, uma anta ambulante”.

Na ação em questão, o MPF destacou que, mesmo que a legislação brasileira, baseada na premissa da liberdade de informação jornalística, autorize a divulgação de notícias sobre ocorrências criminosas, com a emissão de opiniões a respeito dos fatos, jamais a manifestação do pensamento pode ser incondicional, a ponto de violar a dignidade humana, sobretudo com o intuito puramente sensacionalista. Segundo a procuradora Lívia Tinôco, responsável pela ação, “à medida em que ocorre a difusão da ideia de que o preso não tem nenhum direito, e que não merece qualquer respeito e de que o seu extermínio é necessário […] não ocorre tão só o ferimento nos direitos individuais indisponíveis dos cidadãos […], mas também são atingidos os valores éticos e sociais de toda uma sociedade”.

Enquanto isso, na Esplanada dos Ministérios…

O Ministério das Comunicações, responsável por regular a radiodifusão no que diz respeito ao conteúdo veiculado, alega que tem muito pouco a fazer diante de tais violações, e que o Brasil precisaria de normas específicas para punir as emissoras por esse tipo de programa.

Como já relatamos neste blog, a maior multa aplicada a um programa policialesco foi de pouco mais de 23 mil reais – justamente para a TV Cidade, de Fortaleza, que já tinha antecedentes infracionais e, por isso, recebeu um acréscimo em sua sanção. Atualmente, as multas que podem ser aplicadas pelo Ministério das Comunicações em casos como este têm como teto o valor de 89 mil reais, que está longe de ser dissuasivo para os canais.

Na próxima semana, o Intervozes entrará com representação junto ao Ministério Público Federal, solicitando que o mesmo emita recomendação ao órgão brasileiro para responsabilizar as emissoras e seus patrocinadores, assim como suspender programas que desrespeitem sistematicamente a legislação brasileira em vigor. E nós, vamos ficar só assistindo?

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Internet.org não é acesso à web

Embora metade dos brasileiros ainda não tenha acesso à internet (IBGE 2015), iniciativas como o Internet.org, liderado pelo Facebook, estão longe de ser uma solução adequada para garantir a entrada dessa parcela da população na rede mundial de computadores. O alerta foi dado por representantes de entidades da sociedade civil durante audiência pública realizada esta semana (30/6), na Câmara dos Deputados, para discutir o possível acordo entre o governo brasileiro e a corporação. Para os ativistas, o desafio da conexão à internet no Brasil deve ser enfrentado a partir da presença e da responsabilidade do poder público, com a complementaridade do setor privado, mas observando as legislações em vigor e a garantia de neutralidade da rede e da livre circulação de ideias e informações, o que o Internet.org não possibilita.

Coube a Bruno Magrani, gerente de Relações Governamentais do Facebook no Brasil, defender o projeto liderado pela companhia. Segundo ele, o aplicativo Internet.org é uma das três iniciativas do Facebook para eliminar as barreiras de acesso à internet e consiste em oferecer serviços gratuitos básicos através de parcerias com operadoras. “Isso resolveria o paradoxo que é 90% da população global residir em áreas com cobertura celular mas somente um terço ter acesso à internet”, afirmou, explicando que o objetivo maior da iniciativa é mostrar pra essas pessoas os benefícios da conectividade. “E quando essas pessoas puderem arcar com os custos comprarem seu próprio pacote de dados”, arrematou.

O serviço gratuito básico oferecido pelo Internet.org, na verdade, é o acesso à rede social Facebook e a outros aplicativos desenvolvidos por parceiros, ou seja, não significa acesso à internet, mas a um conteúdo pré-definido e não escolhido pelo usuário. Até o momento, a iniciativa foi lançada em 15 países: Colômbia, Guatemala, Bolívia, Zâmbia, Tanzânia, Kenia, Gana, Malawi, Angola, Senegal, Índia, Bangladesh, Paquistão, Filipinas e Indonésia. Ainda segundo Magrani, o Facebook tem incentivado desenvolvedores locais a disponibilizar aplicações, já que o foco do projeto será oferecer conteúdo local e em português, desenvolvido por programadores brasileiros. O executivo informou que a iniciativa não gera receita e nem promove publicidade.

Iniciativa não permite acesso à internet, mas ao Facebook

Coube a representantes de entidades que militam pela democratização da comunicação fazer o contraponto ao discurso do Facebook. A principal preocupação dos movimentos sociais, que deram voz à sociedade civil durante a elaboração do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), é que o Internet.org não representa, de fato, acesso à rede, mas acesso ao Facebook. “Entendemos que o acesso restrito a determinadas aplicações e conteúdos contraria a neutralidade de rede e viola direitos do consumidor”, refirmou a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, conselheira jurídica da Proteste e representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br).

Para Lefèvre, o real objetivo do Facebook é “fisgar usuários para a plataforma do Facebook e para as empresas parceiras que atuam em infraestrutura e desenvolvem conteúdos e aplicações, ampliando seu poder de comercializar publicidade no mundo inteiro”.  Renata Mielli, secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), afirmou que a discussão sobre acesso à internet no Brasil não pode acontecer de forma isolada, mas como uma continuidade dos debates que culminaram no Marco Civil da Internet. “Defendemos universalização da internet, e não universalização do Facebook”, provocou. Mielli também ressaltou que os movimentos sociais não se opõem a modelos de negócio do Facebook ou de qualquer outra empresa, mas à possibilidade de que a conexão à internet seja prestada apenas pelo mercado privado e de forma precária e enganosa.

A ativista afirma que a disputa política e econômica em torno da internet hoje está justamente assentada no conceito de acesso integral e livre. “É preciso adotar políticas públicas e investir na expansão da infraestrutura, garantir que as pessoas possam ter livre acesso a informação e serviços públicos, produzir e compartilhar conteúdos, decidir que aplicativos usar. Enfim, exercer sua cidadania e ter direito ao mesmo tipo de conexão que a parcela conectada já tem. A aprovação do Marco Civil não encerrou essa disputa”.

Enclausuramento da internet

Para as ativistas, o Internet.org não é internet, porque não oferece acesso gratuito à rede. “O que ele faz na prática é enclausurar a internet na timeline no Facebook, da qual o usuário não poderá sair, já que a parceria da rede social com as teles não inclui esse acesso livre”, alertou Renata Mielli.

Veridiana Alimonti, representante do Coletivo Intervozes, lembrou que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como principal objetivo promover o direito de acesso à rede para todos, o que não é possível por meio do aplicativo Internet.org. “Quando a gente discute isso é necessário ter duas imagens na cabeça: a primeira, de uma rede mundial de dispositivos e pessoas conectadas, trocando informações, criando e publicando vídeos, por exemplo. A outra imagem é de uma fração ínfima disso tudo, com texto e imagens de baixa resolução, sem vídeos, sem voz sobre IP e sem a possibilidade de acessar conteúdo externo ao Facebook, exceto aquele produzido por seus parceiros”.

Governo ainda estuda parceria

Miriam Wimmer, diretora do Departamento de Serviços e de Universalização de Telecomunicações do Ministério das Comunicações (MiniCom), reafirmou o que o governo vem divulgando desde abril, quando a possibilidade do acordo foi anunciada na imprensa: que não firmou nenhum acordo com o Facebook, e que a iniciativa está sendo estudada pelo grupo de trabalho formado no início de junho pelos Ministérios da Comunicação, da Ciência e Tecnologia e da Justiça.

A audiência pública foi realizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), por requerimento da deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) e do deputado Luiz Lauro Filho (PSB-SP). Representantes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), do Ministério da Justiça, do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) e da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) também participaram do debate.

O vice-presidente da Anatel, Marcelo Bechara, afirmou que a obsessão do governo deve ser levar a internet aos cem milhões de brasileiros que ainda estão desconectados, independentemente do tipo de acesso. “A preocupação não deve ser a discussão de modelos de negócios”, afirmou. Ressaltando que a Agência ainda não tem posição formal e oficial sobre o assunto, ele afirmou que o governo pode exigir que o Facebook ou o Google contribuam decisivamente com a ampliação da capacidade de inovação no país e que não adianta discutir se o programa irá trazer “internet de pobre”, mas pensar que metade da população não tem nenhum acesso à rede.

Escrito por Elizângela Araújo
para o FNDC

Ministro do STF: “Regulação da mídia é necessária à liberdade de expressão”

Por Helena Martins*

O julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4679, 4747, 4756 e 4923, ajuizadas contra a Lei do Serviço de Acesso Condicionado (12.485/2011) teve nesta quinta-feira 25 um capítulo importante, não só para os atores diretamente envolvidos no mercado de TV por assinatura, mas para a defesa da regulação democrática dos meios de comunicação como um todo.

Movidas pelo DEM e por associações comerciais como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) e a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura em UHF (ABTVU), as ações questionam principalmente dois aspectos da lei, que em 2011 colocou em vigor um novo marco legislativo para todos os serviços de TV paga no País: o impedimento de que uma mesma empresa seja produtora e distribuidora de conteúdo, e a determinação de cotas de conteúdo nacional na programação dos canais.

O relator da matéria, ministro Luiz Fux, não apenas invalidou praticamente todas as alegações das autoras, considerando a quase totalidade dos artigos da lei como constitucionais, como proferiu um voto que mostra, de forma inequívoca, a validade – e mesmo a necessidade – da regulação da mídia para a garantia da liberdade de expressão, diversidade e pluralidade no sistema de comunicação do País.

Algumas passagens do voto merecem ser rememoradas, pois lançam luz sobre um debate feito em geral de forma enviesada pela própria mídia brasileira. Segundo Fux, os dispositivos da lei “respaldam, a toda evidência, uma postura não meramente passiva do Estado na regulação da TV por assinatura, viabilizando (e porque não dizer: reclamando) verdadeira atuação positiva do Poder Público na promoção dos valores constitucionais pertinentes ao setor”.

Indo, inclusive, além do debate sobre a estruturação do mercado de tevês pagas, o ministro do Supremo destacou a necessidade de se estabelecer mecanismos que garantam a diversidade nos meios de comunicação. Referindo-se às cotas para conteúdo nacional e independente garantidas na lei, afirmou que “o mercado audiovisual – deixado por si próprio – é incapaz de promover a diversidade de conteúdo e o pluralismo que se espera dos meios de comunicação de massa” – conforme previsão da Constituição Federal de 1988.

Ratificou, ainda, que a lei ora questionada atende à concretização não apenas do que dispõe a Constituição, mas também a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, promulgada pela Unesco e ratificada pelo Brasil. O tratado internacional diz que “cada parte poderá adotar medidas destinadas a proteger e promover a diversidade das expressões culturais em seu território”. Entre as medidas, a convenção cita aquelas destinadas a “fornecer às indústrias culturais nacionais independentes e às atividades no setor informal acesso efetivo aos meios de produção, difusão e distribuição das atividades, bens e serviços culturais.”

O posicionamento de Fux, como ele mesmo afirmou, considerou o papel crucial da comunicação social e sua enorme capacidade de influenciar a opinião da população.

Contra o abuso de poder

Durante a quase uma hora de apresentação de seu voto, Luiz Fux defendeu a lei, diante dos olhares inquietos dos representantes das empresas – que esperavam encontrar ali acolhida para seus argumentos contrários à legislação e a marcos regulatórios equivalentes estabelecidos nos mais diferentes países do mundo. O ministro do STF foi categórico ao afirmar que a 12.485 contribui para a diversificação do conteúdo e “tende a evitar que o mercado de TV por assinatura se feche, ampliando as fontes de informação disponíveis e o espaço para a manifestação de novos entrantes”.

A afirmação encontra eco nos dados apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU) no julgamento da quinta 25. Segundo o órgão, após sua entrada em vigor, com a previsão de reserva de 3 horas e meia por semana nos canais de espaço qualificado para conteúdos brasileiros (dos quais metade é produzida por produtoras independentes), o mercado de TV por assinatura deu um salto significativo.

O número de canais que veiculam mais de 21 horas de programação nacional passou de 7 em 2010, para 22 em 2015. A quantidade de séries produzidas e veiculadas no País também cresceu. Eram 73 em 2011 e, no ano passado, somaram 506 produções.

Os advogados do mercado repetiram o mantra habitual do setor empresarial. Consideram a lei inconstitucional porque, a seu ver, ela fere a livre iniciativa, a “propriedade intelectual dos canais” e a liberdade de expressão.

O argumento foi questionado por Bráulio Araújo, representante do Intervozes, que participou do julgamento na figura de amicus curiae. Ele sustentou que a livre iniciativa e a livre concorrência não são normas absolutas e que, ao Estado, é necessário atender ao interesse público e aos princípios constitucionais em sua ação – tanto no estabelecimento de limites à concentração dos meios quanto em relação às normas de promoção da diversidade, por meio do incentivo à produção regional e independente.

“A eficiência dessa técnica e sua adequação ao ordenamento jurídico é comprovada pela experiência internacional, haja vista que uma série de países – tais como França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Holanda, Austrália, EUA e Argentina – adotam regras que impõem limites fixos à concentração de poder econômico sobre os meios de comunicação”, destacou o Intervozes.

“A comunicação é o único setor econômico em que a Constituição Federal proíbe expressamente o monopólio e o oligopólio, porque ela reconhece que os meios de comunicação não são apenas bens econômicos; são espaços fundamentais para a democracia”, afirmou Araújo. Nesse sentido, o prejuízo à democracia causado pela concentração midiática é maior do que qualquer benefício econômico que essa situação passa vir a gerar.

O julgamento das ações foi paralisado logo após a leitura do voto do relator Luiz Fux. Além de Fux, nenhum ministro se manifestou sobre o caso, que deve voltar ao plenário do STF no segundo semestre. Até lá, fica a esperança de que seja aberto, no Judiciário, um novo capítulo do debate sobre as comunicações no País, hoje marcado pela desinformação e pela manipulação do discurso.

É hora de o Brasil se alinhar aos demais países democráticos que reconhecem a centralidade de uma comunicação plural e diversa para as sociedades contemporâneas. E, com isso, romper com o histórico de omissão do Estado em sua regulação e de privilégio do exercício da liberdade de expressão por poucos, com o total silenciamento das maiorias sociais.

Leia aqui a íntegra do voto do ministro Luiz Fux.

*Helena Martins é jornalista, doutoranda pela Universidade de Brasília e integrante do Conselho Diretor do Intervozes. 

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.