Greve na RTV Cultura de SP é resistência ao sucateamento da emissora

O desmonte promovido pelo governo de São Paulo é o mesmo pretendido por Temer na EBC

Por Ana Claudia Mielke*

A Constituição de 1988 é clara ao estabelecer a necessidade de se garantir a complementaridade do sistema de comunicação no Brasil, que deve ser composto por mídias comerciais, públicas e estatais. Mas o artigo 223 sequer chegou a ser regulamentado, e as poucas experiências de comunicação pública existentes estão em vias de serem desmontadas.

Em São Paulo, uma greve de seis dias jogou luz ao desmonte da RTV Cultura. Entre os dias 8 e 14 de setembro, radialistas e jornalistas da emissora, juntos, promoveram uma greve geral. A reivindicação de emergência? Reajuste dos salários. Afinal estes não foram reajustados conforme acordo coletivo firmado entre as duas categorias – representadas por seus sindicatos – e as empresas de mídia privada.

As perdas, segundo os próprios sindicatos, chegam a 25% no caso dos jornalistas, que tiveram o último reajuste salarial em dezembro de 2013, e a 20% no caso dos radialistas, que tiveram o último reajuste de salário em maio de 2014.

O pano de fundo desta greve – como não poderia deixar de ser – é, no entanto, a resistência para que a comunicação pública não seja totalmente esfacelada. Não se trata de um problema novo. Há pelo menos dez anos, radialistas, jornalistas, entidades de classe e organizações da sociedade civil têm denunciado o sucateamento que vem sendo imposto à RTV Cultura de São Paulo. Estes grupos estão, desde 2015, organizados na campanha “Eu quero a RTV Cultura Viva!

A falta de investimentos em recursos humanos, a consequente a diminuição no número de funcionários e a não realização dos reajustes conforme convenção coletiva das categorias são apenas a ponta do iceberg de um verdadeiro desmonte da comunicação pública que segue em curso no Estado de São Paulo.

A RTV Cultura é gerida pela Fundação Padre Anchieta. Em seus mais de 40 anos de produção e difusão de programação (ela foi criada em 1960 e reinaugurada em 1969), foi inúmeras vezes considerada a melhor emissora do País em qualidade da programação e já figurou entre os melhores canais do mundo em programação educativa.

É também considerada um patrimônio dos paulistas (e dos brasileiros), que cresceram assistindo – até então – sua distinta programação infantil. E, durante um bom tempo, a emissora chegou a se tornar cabeça de rede de outras emissoras estaduais, fornecendo uma vasta programação a estas emissoras, sobretudo, programação infantil.

Hoje, basta sintonizar o canal para perceber que muita coisa mudou. E para pior. Muitos programas originais realizados dentro da própria emissora já não existem mais (o programa Viola Minha Viola causou comoção ao ser cancelado em 2015) e a programação tem sido substituída por enlatados, muitos destes voltados às crianças – caso de Paw Patrol (Patrulha Canina), Shimmer e Shine e Winx Club – este último com forte apelo de produtos voltados ao consumo infantil.

O número de funcionários da TV Cultura caiu pela metade nos últimos dez anos. Além disso, o interesse público que deveria orientar a grade, aos poucos, vem sendo substituído pela busca implacável por audiência.

Mesmo com a greve, a direção da Fundação Padre Anchieta sequer apresentou proposta concreta para negociar um acordo coletivo específico com os trabalhadores, demonstrando total descaso com os funcionários e com a própria continuidade do serviço de radiodifusão – houve cancelamento do Jornal da Cultura do horário do meio dia no dia 12 de setembro.

Apesar disso, na primeira audiência de conciliação, realizada no último dia 13, no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP), os trabalhadores obtiveram uma importante vitória, já que o caso será levado a julgamento pela Justiça do Trabalho. Os trabalhadores também não terão desconto dos dias parados e terão estabilidade de emprego garantida até o julgamento do dissídio.

Desmonte da EBC

No início de setembro, o governo Michel Temer editou a Medida Provisória 744, acertando em cheio o coração da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ao extinguir o princípio que afirma a autonomia em relação ao Governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão (previsto no parágrafo VIII do art. 2 da Lei nº 11.652/2008). A MP também pôs fim no Conselho Curador da empresa, órgão responsável por garantir a participação social na definição dos princípios que devem reger as emissoras que compõem o sistema.

A ideia da gestão autônoma de governos com participação da sociedade via Conselho Curador era, até então, dois dos principais pilares do projeto de comunicação pública, criado em 2009, para atender ao preceito constitucional da complementaridade. Além destes, outro pilar fundamental era a busca por consolidar um sistema público em rede, que fosse capaz de promover a cultura nacional e ao mesmo tempo estimular a produção regional e independente.

Para isso, foi criada a Rede de Comunicação Pública, em 2009, que fomentou a distribuição de conteúdos entre as várias emissoras estaduais e a EBC. Uma experiência embrionária de um sistema público de comunicação em nível nacional, cujos rumos neste momento são imprevisíveis.

Embora o sucateamento da RTV Cultura não seja recente, é possível fazer um paralelo entre ele o desmonte pretendido na EBC. Isso porque, ainda que o desmonte da EBC possa parecer um fato isolado na conturbada conjuntura pela qual passa o país, ao que parece, possui, assim como no caso paulista, o mesmo embasamento político: corte de gastos.

Na base deste argumento está a visão de que o Estado não deve ser o garantidor do direito à comunicação, logo, não deve prover o financiamento das emissoras públicas.

Financiamento

O “enxugamento da máquina” está no cerne do argumento utilizado pelos tucanos em São Paulo para dissolver, aos poucos, a RTV Cultura e agora vem sendo utilizado também pelo presidente Michel Temer (PMDB) para desidratar a EBC (desde quando assumiu o posto de interino, em maio passado, Temer já se mostrou inclinado a enfraquecer a comunicação pública do país com uma proposta de enxugamento da empresa).

Diria ainda, que nem mesmo os governos petistas, embora responsáveis pela criação da empresa, em 2009, souberam dar à comunicação pública sua real relevância – em especial num país em que o sistema comercial é bastante concentrado –, limitando ou contingenciando recursos orçamentários para a empresa e, principalmente, promovendo uma nada inocente confusão entre comunicação pública e comunicação de governo.

Em outras palavras, o sucateamento de emissoras públicas é parte de uma agenda política de retrocessos, que se pretende implementada por grupos políticos que não apostam no direito à comunicação como instrumento promotor da participação cidadã e da democracia. Para estes grupos, a comunicação pública é apenas um instrumento utilitário de informação governamental e, ainda, uma fonte inesgotável de desperdício de recursos públicos.

Porém, nem os governos tucanos de São Paulo nem as gestões do governo federal foram capazes de abrir um diálogo com a sociedade para discutir propostas concretas de financiamento da comunicação pública, como aquela que prevê a criação de um Fundo Nacional de Comunicação Pública.

Este fundo, se criado, poderia ser composto por: a) 25% da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública prevista na Lei nº 11.652; b) verbas do orçamento público em âmbitos federal e estaduais; c) recursos advindos de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), de 3% sobre a receita obtida com publicidade veiculada nas emissoras privadas; d) pagamento pelas outorgas por parte das emissoras privadas; e) doações de pessoas físicas e jurídicas; e f) outras receitas, conforme prevê a proposta de novo marco regulatório para o setor (Projeto de Lei da Mídia Democrática).

Ora, se não avançamos no debate sobre a importância do sistema público de comunicação e sobre a necessidade de prevermos para ele formas concretas e viáveis de financiamento, no frigir dos ovos, o que temos é resistência. Desta forma, fundamental foi a greve dos radialistas e jornalistas da RTV Cultura em São Paulo, que pautaram a importância da comunicação pública para além do reajuste salarial e da garantia de emprego – o que já seria bastante legítimo.

A paralisação, que ganhou amplo apoio também dos funcionários da EBC, terminou no dia 14 de setembro, após audiência de conciliação realizada um dia antes. Mas o estado de greve permanece, assim como continua a luta em defesa da comunicação pública!

*É jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Lançada Plataforma que registra violações de direitos humanos pela mídia

A Plataforma Mídia sem Violações de Direitos, idealizada pelo coletivo Intervozes em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo e com apoio da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), foi lançada nesta quarta-feira, dia 14, na Câmara dos Deputados, em Brasília.

A ferramenta permite que todo cidadão e cidadã faça reclamações sobre abusos cometidos por emissoras de televisão. As denúncias serão analisadas por um grupo de monitoramento, gerando o Ranking Nacional de Violações de Direitos Humanos na TV aberta.

Na abertura do evento, o deputado federal Jean Wyllys, coordenador da Frentecom, criticou o desrespeito à legislação brasileira por parte dos grupos midiáticos, os quais exploram e instigam a violência na televisão. O parlamentar destacou a importância da iniciativa para que se consiga combater de alguma forma as violações ocorridas. “Essa é uma plataforma fundamental. É uma batalha antiga de todos os ativistas dos direitos humanos que lutam há muitos anos contra os conglomerados de comunicação para que a mídia seja mais democrática e respeite os interesses sociais definidos pela Constituição”, afirmou.
Wyllys também comentou sobre o papel influenciador da mídia para a criminalização de segmentos da sociedade. “Alguns programas tratam de mostrar a violência de uma forma como se fosse a característica de um local e de uma determinada classe social, em especial dos negros, não abrindo o espaço para o debate social sobre o que acontece naquela comunidade”, destacou.

Para Helena Martins, representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenadora da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos, o lançamento da ferramenta na Câmara foi bastante simbólico, dado a conjuntura atual na Casa. “Nós temos bancadas que representam pautas altamente regressivas no campo dos direitos humanos e que encontram nesses lugares [os grandes conglomerados de mídia] espaços de visibilidade e vocalização de suas bandeiras. Não é à toa que temos vários deputados que são apresentadores de programas policialescos. Por isso, é fundamental fazer essa crítica e exigir que eles tenham uma outra conduta, passando a respeitar a concessão pública”, desabafa.

A representante da ANDI – Comunicação e Direitos, Miriam Pragita, apresentou as publicações resultantes do projeto Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizado ANDI em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC), o Intervozes e Artigo 19 – e que deu base para a proposta da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos. Segundo Miriam, uma das etapas do projeto consistiu no monitoramento por 30 dias de 28 programas policialescos veiculados pela televisão ou pelo rádio em dez capitais brasileiras. O estudo revelou a ocorrência de 4,5 mil violações de direitos e 15.761 infrações a leis brasileiras e a acordos multilaterais ratificados pelo Brasil.

“A nossa legislação foi várias vezes desrespeitada, e vários tratados internacionais do qual o Brasil é signatário também. A lei é ignorada pelas emissoras de TV e por quem deveria proteger a legislação. O pior é ver que muitas empresas fazem anúncios nesses programas”, lamentou.

Campeão de violações

A partir dos dados coletados pela Andi entre os dias 2 e 31 de março do ano passado, foi produzido o primeiro Ranking Nacional, que aponta o programa Cidade Alerta, da Record, como o que mais violou direitos no país. O Cidade Alerta é exibido todos os dias, de segunda a sábado, e tem alcance nacional, já que é retransmitido via satélite para todas as unidades da Federação. Segundo estudo da Andi, considerando-se apenas a exibição da versão nacional do programa na Grande São Paulo e um de seus picos de audiência, de 11.4 pontos no IBOPE, a mensagem veiculada atinge simultaneamente nada menos que 2,3 milhões de pessoas.

Helena Martins apresentou a plataforma e pontuou que vários modelos foram estudados para se chegar nesse resultado. “É uma ferramenta simples. Só é necessário registrar um e-mail para utilizar. Esperamos que, com a visibilidade ao tema e chamando a atenção da sociedade, das empresas e dos órgãos públicos, possamos ampliar o acesso à informação e contribuir para a redução progressiva das violações de direitos humanos”, afirmou.

Outra observação feita por Helena Martins é de que os programas muitas vezes excluem seus conteúdos para evitar penalizações. “Eles sabem que violam direitos e, por isso, muitas vezes é difícil recuperar o material. Queremos estimular que as pessoas gravem essas violações para ficar mais fácil na hora de comprovar a violação”.

Domingos Dresch, procurador regional da República e coordenador do grupo de trabalho Comunicação Social do Ministério Público Federal, reprovou a prática dos meios de comunicação ao não cumprirem a Constituição, ainda mais por operarem mediante concessão pública. “Há uma luta de resistência inconstitucional, ilegal, de se utilizar as concessões não para afirmar os valores constitucionais, mas para propagar o ódio de todas as formas e banalizar os direitos”, observou.

Dresch lembrou que a luta contra a violação dos direitos humanos na mídia vem de muitos anos, mas que, mesmo com as poucas vitórias obtidas, os ativistas têm se mantido na luta. “Lutamos por um marco regulatório e não conseguimos. Hoje se paga caro por isso. Lutar em defesa da Constituição Federal se tornou um ato subversivo”, lamentou.

Participaram ainda do lançamento da plataforma a presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ivana Farina, e o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), Fábio Paes.
O mote da ferramenta
Os programas “policialescos” aumentam o ódio e a falta de empatia na sociedade. Desumanizam e objetificam pessoas que, não coincidentemente, são pobres, negras e jovens. Julgam, esquecendo que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário. Expõem menores de idade, deixando de lado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Expõem famílias, desrespeitando o direito à privacidade. Gritam “Atira, meu filho!”, num arroubo de desprezo pelo estado democrático de direito e pelo ordenamento jurídico do país. Esse tipo de programa e a naturalidade cada vez maior que concedemos às mais diversas violações de direitos nos transformam em uma sociedade pior, cruel e desumana.

A plataforma apresentada é de fácil acesso e mantém a relação sigilosa no processo de denúncias. É só entrar no link:http://midiasemviolacoes.com.br. Há seis categorias de violações que podem ser denunciadas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Conselho de Comunicação do Congresso Nacional manifesta posição contrária à extinção do Conselho Consultivo da EBC

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional decidiu em reunião nesta segunda-feira (12) manifestar-se contrariamente à Medida Provisória 744/2016, que altera a direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A decisão foi tomada após debate acentuado, em votação apertada – cinco votos a quatro.

Segundo o conselheiro Celso Schröder, durante seminário realizado pelo CCS para discutir o papel da EBC, todos os presentes ressaltaram a importância do fortalecimento do caráter público da empresa. “O debate resultou em uma publicação com um conjunto de ações propostas com o intuito de fortalecer o sistema público, o que se dá por uma série de ferramentas e, nesse caso, também pela manutenção do Conselho Curador”, destacou.
De acordo com o presidente do conselho, Miguel Ângelo Cançado, as mudanças causaram desconforto na maioria dos integrantes do CCS, principalmente pela forma como foi realizada, por meio de medida provisória. A nota pode ser lida na íntegra aqui.

Intercom em defesa da EBC

Durante a reunião do Conselho de Comunicação Social, foi lida nota divulgada pela Intecom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – em repúdio às ameaças que a medida provisória impõe ao sistema público de comunicação, “em especial quanto às suas potencialidades de pluralismo, inclusão e participação social”. A nota reforça que a “extinção do Conselho Curador representa um retrocesso na construção de um sistema público em Comunicação, no que tange ao processo de construção de conhecimento e expertise na área.”

A Intercom reúne pesquisadores, professores universitários e profissionais do campo da Comunicação e áreas correlatas em atuação no país. Confira a nota aqui.

Seminário em outubro

No encontro do CCS do Congresso Nacional, também foi aprovada a realização de seminário no dia 10 de outubro, para tratar sobre os efeitos da crise econômica sobre a Comunicação Social. Para o conselheiro Nascimento Silva, o momento é de preocupação “com o desemprego e a eliminação de funções no setor de comunicação, especialmente entre radialistas”.

Por acordo dos conselheiros, o debate deverá ser ampliado também para outros temas, entre os quais tecnologia e conteúdos. Para Ronaldo Lemos, vice-presidente do CCS, o debate sobre a regulamentação da internet, por exemplo, deve envolver os setores privado, governamental, a comunidade científica e a sociedade civil.
Pautas adiadas
Foram adiadas para a próxima reunião do Conselho de Comunicação Social as apresentações dos relatórios sobre dois projetos de lei: um que trata de bloqueio de sites e aplicativos e outro (o PL 4.451/2008) que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações, estabelecendo novas normas para as licitações de outorga de concessões e permissões de serviços de radiodifusão.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

A falência da Oi e a entrega do patrimônio público

A portas fechadas, governo Temer e Anatel entregarão R$ 11 bilhões de recursos públicos de multas para a concessionária “investir” em sua própria rede

Por Marina Pita*

Em meio ao turbulento cenário político, com direito a eleições municipais, é arranjada, a portas fechadas, a solução para não deixar a Oi, maior concessionária de telecomunicações do País, fechar as portas e deixar mudos 50% dos municípios do Brasil que dependem exclusivamente de sua infraestrutura. A gravidade da situação pode levar à entrega de bilhões de reais em bens e recursos públicos para salvar não apenas o serviço, mas gerar mais uma onda de acúmulo de capital no País. Quem sairá perdendo, ao contrário do que dizem, é o cidadão.

“Não podemos deixar o sistema parar. A malha da Oi é crucial para outras operadoras. Muitas podem não falar entre si se houver problemas com a Oi”, afirmou recentemente Isaac Averbuch, assessor do conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Igor de Freitas.

A declaração, feita durante um evento do setor, publicada no site Convergência Digital, é um indício de como o piloto automático pode ser acionado sem que o interesse de longo prazo dos usuários seja considerado na prestação do serviço.

Isso porque o plano de recuperação judicial da Oi – recorde no País, de R$ 65,4 bilhões – inclui o pedido à Anatel da conversão da dívida da empresa, que chega a R$ 11 bilhões de multas, em investimentos na sua própria rede. Tais multas são resultado, em grande parte, do não cumprimento das obrigações da Oi enquanto concessionária de telefonia fixa.

Mas, por este não cumprimento, a Oi, em vez de ressarcir o Tesouro, vai usar os recursos para melhorar seu patrimônio privado. Ou seja, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), Anatel e governo federal autorizarão a entrega de recursos públicos à construção de ativos privados.

A ideia já recebeu acenos mais ou menos explícitos do comando da vez. O secretário de Telecomunicações do novo Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), André Borges, já declarou que conta com esses recursos para a ampliação das redes de banda larga no País.

Ex-diretor da NET e da Oi, com atuação na área regulatória das companhias, Borges não chega a engasgar com a proposta. Ignora a necessidade, para o País, de uma infraestrutura de banda larga gerida para atender às necessidades da população hoje excluída digitalmente. Caberá ao mercado, uma vez mais, decidir como e onde investir os recursos públicos

Ideia antiga

Nas telecomunicações, a proposta de entregar recursos e bens públicos à iniciativa privada é algo antigo. Ainda no governo Dilma Rousseff, o então ministro das Telecomunicações, Paulo Bernardo, chegou a ventilar a ideia de, em vez de garantir o retorno das redes de telecomunicação à União ao final dos contratos de concessão da telefonia fixa, o caminho seria entregá-las à iniciativa privada, como incentivo ao setor.

Organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor precisaram ameaçar o governo com uma ação civil pública para que Bernardo congelasse seus planos. O ministro percebeu a ilegalidade da medida e a derrota que viria na Justiça.

No final de 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU), entendendo que os bens reversíveis são patrimônio público, que não podem ser simplesmente entregues ao setor privado, obrigou a Anatel a apurar o valor obtido por cada concessionária em todas as alienações desses bens realizadas desde 1998.

Em março deste ano, a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor obteve uma nova vitória neste sentido. O Poder Judiciário rejeitou os pedidos da Anatel para anular sentença que protegia os bens reversíveis vinculados aos contratos de concessão da telefonia fixa.

Onde andava a Anatel?

Neste momento de “recuperação judicial” da Oi, cabe nos perguntarmos: onde estava a Anatel este tempo todo, incapaz de observar ou de agir diante dos rumos e riscos que se desenhavam para a “supertele”? Por um lado os dividendos dos acionistas foram garantidos. Por outro, vigorou a ineficiência do serviço, essencial, em pelo menos 3 mil municípios.

“Um acompanhamento mais próximo da agência poderia ter ajudado em medidas que pudessem ter mitigado o problema. É importante trazer esse tema aos debates, independente da revisão do modelo [de telecomunicações]. É preciso trazer para o âmbito da agência um acompanhamento maior das empresas, focado na prestação de serviços ao consumidor e equilíbrio econômico”, afirmou o secretário de Fiscalização de Logística e Infraestrutura de Telecomunicações do TCU, Marcelo Barros da Cunha.

“A Anatel não teve controle adequado de quanto foi o ganho das concessionárias quando o serviço era atrativo, da mesma forma que não houve controle da alienação dos bens reversíveis, que deveriam ter sido revertido para o serviço”, criticou Cunha, para quem a Anatel também deveria ter fiscalizado se houve subsídio entre os serviços de telefonia fixa e móvel prestados simultaneamente pela Oi.

“Dizer que hoje o serviço [de STFC] é inviável é óbvio, e havia esse risco. Mas há um passado que não permite afirmar com certeza se na ausência de atuação da Anatel não há responsabilidade”, completou.

Outros caminhos

Salvar a Oi e entregar ainda mais recursos públicos a seus acionistas – que já se mostraram incapazes de administrar adequadamente a empresa – ou permitir que a Anatel defina o futuro da concessionária não são, ao contrário do que querem nos fazer crer, as únicas alternativas para este imbróglio.

O governo Temer poderia, por exemplo, decretar uma intervenção na empresa, com pedido de afastamento imediato dos controladores da concessionária. Seria uma maneira de assegurar os interesses dos acionistas minoritários, de uma parte dos credores (em especial a União), da própria empresa e seus trabalhadores, mas, principalmente, dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Em junho de 2016, o então presidente da Telebras, o engenheiro Jorge Bittar, em agenda no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, chegou a aventar a possibilidade de incorporação dos bens da Oi pela estatal, de forma a garantir a continuidade do serviço.

Mas o fato é que, tanto a agência reguladora quanto o Executivo não estão interessados em se debruçar sobre as possibilidades que melhor atendem aos interesses dos brasileiros no longo prazo. Sem apresentar estudos e em reuniões a portas fechadas com os administradores da Oi, os rumos da infraestrutura essencial para o futuro do Oaís vão sendo definidos. Se a população demorar mais para reagir, pode não sobrar nada.

* Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes.

Crítica aos meios de comunicação marcou o Grito dos Excluídos 2016

O “Grito dos Excluídos”, tradicional manifestação dos movimentos sociais que tem seu ponto alto no dia 7 de Setembro, teve nesta quarta-feira como bandeiras principais de luta a crítica ao governo Michel Temer, a reivindicação de eleições diretas já e a denúncia da postura seletiva e tendenciosa dos grandes meios de comunicação na divulgação de informações e cobertura jornalística.

As manifestações do Grito dos Excluídos ocorrem no Brasil desde 1995 com o objetivo permanente de dar visibilidade e voz aos excluídos da sociedade, denunciar os mecanismos sociais de exclusão e propor caminhos alternativos para uma sociedade mais inclusiva e igualitária. Este ano, o Grito teve como lema “Este Sistema é Insuportável: Exclui, Degrada, Mata”, baseado em uma fala do Papa Francisco durante encontro de movimentos sociais realizado na Bolívia no ano passado. Em 2016, o ato ocorreu em 24 estados do país, com as manifestações sendo realizadas de forma autônoma e descentralizada.

Este ano, foi possível perceber a presença de várias pessoas que se incorporavam à mobilização pela primeira vez. A maioria delas manifestava estar insatisfeita com a atual conjuntura política no país, com o crescimento da violência policial e com a falta de democracia na mídia, além denunciar a criminalização crescente das comunidades mais carentes em diversos programas de TV.

Alessandra Miranda, que integra a coordenação colegiada da Cáritas Brasileira e a coordenação nacional do Gritodos Excluídos, enfatiza que é preciso continuar denunciando a postura da mídia nacional, comprometida ideologicamente com o poder econômico.

“Nos cartazes, nas palavras de ordem, é perceptível nas manifestações do Grito a preocupação em denunciar a participação das mídias no recente processo de impeachment. A mídia é um poder paralelo que ainda interfere negativamente na realidade de nosso país. O Grito dos Excluídos do ano passado, inclusive, tinha como lema a mídia: ‘Que país é esse que mata gente, que a mídia mente e nos consome?’. E um dos eixos de trabalho deste ano é justamente a mídia. Por tudo isso, os movimentos sociais entendem que é importante continuar este enfrentamento”, avalia Alessandra.

Em Brasília e no Rio de Janeiro, houve também manifestações em defesa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que vem passando por restruturações e mudanças por conta de cortes no orçamento, principalmente após o governo federal contingenciar recursos que já estavam previstos na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) para este ano. Outra questão fundamental levantada por manifestantes no Grito foi a extinção do Conselho Curador da EBC, que era um espaço da sociedade civil que favorecia a construção de uma empresa pública com participação social e com uma programação que contemple a diversidade e a pluralidade presentes na sociedade brasileira.

O lema do Grito dos Excluídos de 2015, lembrado por Alessandra – “Que país é esse que mata gente, que a mídia mente e nos consome?” –, tratou sobre o direito à comunicação, definido a partir do diálogo entre os movimentos sociais e populares que se organizam para fazer frente ao avanço dos conservadorismos, de reformas neoliberais e de violações de direitos humanos no Brasil. Afinal, a luta por direitos travada pelo Grito passa diretamente pela democratização dos meios de comunicação.

Um ano após o Grito de 2015, temos informações suficientes para afirmar que a escolha do lema daquele ano se mostrou mais acertada do que nunca. A mídia foi uma grande influenciadora na disputa pelo imaginário social e dosrumos que a crise política tomou no Brasil nos últimos meses. Já vimos isso antes na história de nosso país, como na eleição de Fernando Collor de Mello para a Presidência da República em 1989, cuja campanha contou com a adesão explícita da TV Globo. Depois, a emissora participou ativamente, por meio de seus noticiários e cobertura, da retirada de Collor do poder. Mas também vimos na história brasileira o movimento contrário: o silêncio da mesma Globo diante do movimento pelas Diretas Já, que só ganhou o noticiário quando já tinha tomado completamente as ruas.

Embora o lema do Grito dos Excluídos de 2016 não cite diretamente os meios de comunicação, eles estão plenamente presentes na correlação de forças que sustentam o sistema de produção capitalista, que exclui pessoas da sociedade, degrada o meio ambiente e provoca miséria e morte. Portanto, a mídia é um tema cada vez mais atual e norteador para as lutas sociais e para a garantia de direitos. Quebrar as barreiras dos grandes meios estará cada vez mais na pauta das mobilizações sociais, como forma de garantir a visibilidade das populações excluídas da divisão da riqueza e do acesso a direitos no Brasil.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação