Lançada Plataforma que registra violações de direitos humanos pela mídia

A Plataforma Mídia sem Violações de Direitos, idealizada pelo coletivo Intervozes em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo e com apoio da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), foi lançada nesta quarta-feira, dia 14, na Câmara dos Deputados, em Brasília.

A ferramenta permite que todo cidadão e cidadã faça reclamações sobre abusos cometidos por emissoras de televisão. As denúncias serão analisadas por um grupo de monitoramento, gerando o Ranking Nacional de Violações de Direitos Humanos na TV aberta.

Na abertura do evento, o deputado federal Jean Wyllys, coordenador da Frentecom, criticou o desrespeito à legislação brasileira por parte dos grupos midiáticos, os quais exploram e instigam a violência na televisão. O parlamentar destacou a importância da iniciativa para que se consiga combater de alguma forma as violações ocorridas. “Essa é uma plataforma fundamental. É uma batalha antiga de todos os ativistas dos direitos humanos que lutam há muitos anos contra os conglomerados de comunicação para que a mídia seja mais democrática e respeite os interesses sociais definidos pela Constituição”, afirmou.
Wyllys também comentou sobre o papel influenciador da mídia para a criminalização de segmentos da sociedade. “Alguns programas tratam de mostrar a violência de uma forma como se fosse a característica de um local e de uma determinada classe social, em especial dos negros, não abrindo o espaço para o debate social sobre o que acontece naquela comunidade”, destacou.

Para Helena Martins, representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenadora da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos, o lançamento da ferramenta na Câmara foi bastante simbólico, dado a conjuntura atual na Casa. “Nós temos bancadas que representam pautas altamente regressivas no campo dos direitos humanos e que encontram nesses lugares [os grandes conglomerados de mídia] espaços de visibilidade e vocalização de suas bandeiras. Não é à toa que temos vários deputados que são apresentadores de programas policialescos. Por isso, é fundamental fazer essa crítica e exigir que eles tenham uma outra conduta, passando a respeitar a concessão pública”, desabafa.

A representante da ANDI – Comunicação e Direitos, Miriam Pragita, apresentou as publicações resultantes do projeto Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizado ANDI em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC), o Intervozes e Artigo 19 – e que deu base para a proposta da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos. Segundo Miriam, uma das etapas do projeto consistiu no monitoramento por 30 dias de 28 programas policialescos veiculados pela televisão ou pelo rádio em dez capitais brasileiras. O estudo revelou a ocorrência de 4,5 mil violações de direitos e 15.761 infrações a leis brasileiras e a acordos multilaterais ratificados pelo Brasil.

“A nossa legislação foi várias vezes desrespeitada, e vários tratados internacionais do qual o Brasil é signatário também. A lei é ignorada pelas emissoras de TV e por quem deveria proteger a legislação. O pior é ver que muitas empresas fazem anúncios nesses programas”, lamentou.

Campeão de violações

A partir dos dados coletados pela Andi entre os dias 2 e 31 de março do ano passado, foi produzido o primeiro Ranking Nacional, que aponta o programa Cidade Alerta, da Record, como o que mais violou direitos no país. O Cidade Alerta é exibido todos os dias, de segunda a sábado, e tem alcance nacional, já que é retransmitido via satélite para todas as unidades da Federação. Segundo estudo da Andi, considerando-se apenas a exibição da versão nacional do programa na Grande São Paulo e um de seus picos de audiência, de 11.4 pontos no IBOPE, a mensagem veiculada atinge simultaneamente nada menos que 2,3 milhões de pessoas.

Helena Martins apresentou a plataforma e pontuou que vários modelos foram estudados para se chegar nesse resultado. “É uma ferramenta simples. Só é necessário registrar um e-mail para utilizar. Esperamos que, com a visibilidade ao tema e chamando a atenção da sociedade, das empresas e dos órgãos públicos, possamos ampliar o acesso à informação e contribuir para a redução progressiva das violações de direitos humanos”, afirmou.

Outra observação feita por Helena Martins é de que os programas muitas vezes excluem seus conteúdos para evitar penalizações. “Eles sabem que violam direitos e, por isso, muitas vezes é difícil recuperar o material. Queremos estimular que as pessoas gravem essas violações para ficar mais fácil na hora de comprovar a violação”.

Domingos Dresch, procurador regional da República e coordenador do grupo de trabalho Comunicação Social do Ministério Público Federal, reprovou a prática dos meios de comunicação ao não cumprirem a Constituição, ainda mais por operarem mediante concessão pública. “Há uma luta de resistência inconstitucional, ilegal, de se utilizar as concessões não para afirmar os valores constitucionais, mas para propagar o ódio de todas as formas e banalizar os direitos”, observou.

Dresch lembrou que a luta contra a violação dos direitos humanos na mídia vem de muitos anos, mas que, mesmo com as poucas vitórias obtidas, os ativistas têm se mantido na luta. “Lutamos por um marco regulatório e não conseguimos. Hoje se paga caro por isso. Lutar em defesa da Constituição Federal se tornou um ato subversivo”, lamentou.

Participaram ainda do lançamento da plataforma a presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ivana Farina, e o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), Fábio Paes.
O mote da ferramenta
Os programas “policialescos” aumentam o ódio e a falta de empatia na sociedade. Desumanizam e objetificam pessoas que, não coincidentemente, são pobres, negras e jovens. Julgam, esquecendo que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário. Expõem menores de idade, deixando de lado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Expõem famílias, desrespeitando o direito à privacidade. Gritam “Atira, meu filho!”, num arroubo de desprezo pelo estado democrático de direito e pelo ordenamento jurídico do país. Esse tipo de programa e a naturalidade cada vez maior que concedemos às mais diversas violações de direitos nos transformam em uma sociedade pior, cruel e desumana.

A plataforma apresentada é de fácil acesso e mantém a relação sigilosa no processo de denúncias. É só entrar no link:http://midiasemviolacoes.com.br. Há seis categorias de violações que podem ser denunciadas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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