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Temer mandou, a imprensa obedeceu: cobertura não fala ou foca na greve

No dia em que milhões de trabalhadores pararam o país contra as reformas da previdência e trabalhista o jornalismo brasileiro não falou em greve geral

Por Bia Barbosa e Mônica Mourão*

Manda quem pode, obedece quem tem juízo, diz a sabedoria popular. Bastou a primeira greve no país desde que assumiu ilegitimamente o governo para se perceber que a relação entre a imprensa comercial e Michel Temer é de servidão ou sintonia.

O posicionamento oficial do governo, divulgado através de nota do Presidente e em entrevista do ministro da Justiça Osmar Serraglio, estava no mesmo tom da cobertura feita nesta sexta (28) pelos principais veículos do país. A ordem era não falar em “greve geral”, mas sim em “dia de protestos” e, no máximo, “paralisações”.

E isso foi o difundido para a população brasileira.

Segundo a BandNews, o que houve no Rio de Janeiro “não foi uma greve. […] Foi um dia de muitos problemas, de muito caos para as pessoas que seguiam para o trabalho, que queriam tocar a vida”. No Jornal Hoje, da Globo, foram ao ar 40 minutos de matérias sobre a greve sem que a palavra fosse usada. Falou-se em “paralisação de 24 horas chamada pelos sindicatos”. Na Record, nada da expressão “greve geral”. O tom da cobertura deu ênfase para as depredações e nenhuma explicação das motivações do movimento.

Nos bastidores do jornalismo, circulou a notícia de que essa foi uma orientação das chefias em diferentes veículos, de grupos de mídia diversos. Mas aí não houve coincidência, e sim uma orquestrada combinação entre governo e corporações midiáticas, que os jornalistas – também trabalhadores – tiveram que seguir.

Palavras são arma sem pólvora e, quando apontadas para o mesmo lado, têm um grande poder de destruição de certas ideias e construção de outras. Afinal, o que se espera de uma greve e qual a diferença entre ela e protestos de rua?

A greve é justamente um momento chave na consciência da classe trabalhadora, que se nega a vender o único bem que possui para a economia: sua força de trabalho. O que se espera de uma greve é, portanto, o esvaziamento do comércio, das escolas, repartições, escritórios. Justamente o contrário de um “dia de protestos”, cujo sucesso pode ser medido por ruas cheias, tomadas por manifestantes. Embora também houvesse atos de rua marcados para 28 de abril, reduzir a data a isso e “esquecer” de mencionar ou adotar o termo “greve geral” (ou mesmo “greve”) faz com que a população não tenha acesso ao básico para compreender o que aconteceu no dia de ontem – e o que está em curso no país.

Definir a sexta-feira como “dia de protestos”, como também fez a GloboNews durante todo o dia, não só distorceu o que de fato ocorria como legitimou as declarações da gestão Temer de que “tudo não passou de vias interditadas”. A parceria Planalto-grande mídia continua firme.

O foco nos transtornos e na violência, o silêncio dos manifestantes

“Protesto de centrais afeta transportes e tem violência” (O Globo), “Greve afeta transporte e comércio e termina com atos de vandalismo” (O Estado de S. Paulo), “Greve afeta transporte e termina em vandalismo” (Correio Braziliense), “Greve atinge transportes e escolas em dia de confronto” (Folha de S. Paulo).

As manchetes dos jornais deste sábado (29) não conseguiram mais omitir o termo vetado durante o dia de ontem. Mas mostram, uma vez mais, que a mídia pratica o velho “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”. Enquanto publica matérias sobre como a criatividade brasileira pode nos tirar da crise, segue com a mesma velha fórmula em coberturas de manifestações: foco nos transtornos gerados nos transportes para quem quis trabalhar (sem ouvir se essa escolha de fato existia) e na violência dos “vândalos”.

Ao longo da sexta-feira, o Intervozes acompanhou a cobertura jornalística dos principais noticiários do Brasil, na televisão (Globo, GloboNews, Record), na internet (Uol, R7, G1, Correio, Veja, Portão Estadão) e no rádio (BandNews, CBN e Agência Brasil). Com algumas sutilezas, em especial no Jornal Nacional, o tom foi o mesmo das manchetes de hoje. E a cobertura foi abundante, durante todo o dia, ao contrário do silêncio sobre as mobilizações registrado na véspera da greve. Mesmo sendo de conhecimento público que ela estava programada para aquele dia, a mídia preferiu não anunciá-la.

Na Globo, o Jornal Nacional foi o único a falar sobre o conteúdo das reformas trabalhista e da previdência. Em cerca de 4 minutos, ao final das reportagens sobre as manifestações, apresentou as principais propostas de cada uma. Dos 50 minutos totais de programa, toda a primeira parte do jornal, de 20 minutos, foi dedicada à greve geral. O termo acabou sendo usado pelos apresentadores, depois de ter sido evitado ao longo do dia. Foram entrevistadas 16 pessoas (entre elas Paulinho da Força Sindical, o presidente da CUT Wagner Freitas e o ministro da Justiça Osmar Serraglio) e lida a nota de Michel Temer. O JN tentou equilibrar as opiniões sobre a greve, ao contrário dos outros telejornais da emissora.

Pela manhã, no Bom Dia Brasil, a culpabilização dos sindicatos foi gritante. Segundo Alexandre Garcia, “o movimento sindical não quer deixar de receber o valor de um dia de trabalho do assalariado com a contribuição sindical, ainda tira mais um dia de trabalho do país que precisa produzir, voltar a crescer e gerar emprego”. A pauta reduziu-se a uma tentativa de se manter “privilégios” desse grupo.

No Jornal da Record, foi entrevistado um advogado que disse: “Nunca vi sindicato pagar multa, nunca vi sindicato fazer uma prestação de contas em relação aos seus sindicalizados do movimento e nunca vi o sindicato obedecer ordem judicial”. O mesmo tom seria depois repetido na fala do ministro da Justiça Osmar Serraglio, mostrando mais uma vez a orquestração da mídia com o governo.

No rádio, a Agência Brasil, agora com sua independência cerceada pelas mudanças na lei da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) feitas via Medida Provisória, veiculou notas do governo e defendeu amplamente as reformas trabalhista e da previdência. No CBN Brasil, só foram lidos os comentários de ouvintes contrários à greve. A propaganda da previdência privada do Bradesco, veiculada várias vezes durante o programa, explica bem os interesses em jogo.

Enquanto se ouviu muito sobre transtornos e vandalismo, o silenciamento dos principais atores da mobilização foi brutal. O Jornal da Record conseguiu não dar voz sequer a um manifestante ou sindicalista, enquanto deu espaço para Temer e seu ministro da Justiça. No Jornal Hoje, da Globo, sindicatos só foram citados ao mencionar os números de adesão à greve. Em 40 minutos de cobertura, foram reservados menos de 10 segundos para ouvir um manifestante e um sindicato. A primeira fala de uma central sindical na programação da GloboNews foi veiculada, pasmem, às 22h18 – e não durou um minuto.

A velha tática de mostrar cenas de violência para colocar a população contra as manifestações também se repetiu. Na GloboNews, quatro horas praticamente ininterruptas (das 16h30 às 20h30) mostrando a ação de black blocs. Como não se indignar com o movimento? Na internet, durante todo o dia, as fotografias que representavam a greve mostravam pneus queimados, policiais enfileirados e armados, confronto entre manifestantes e polícia. Houve muito destaque para as falas de João Doria, prefeito de São Paulo (que chamou os grevistas de “vagabundos”), do ministro da Justiça e, no final da noite, de Temer. O foco das coberturas em tempo real era a divulgação dos serviços em funcionamento e notícias sobre o trânsito. De novo, nada sobre as cerca de 100 categorias que pararam neste dia 28. E quase nada sobre as propostas de reforma em tramitação no Congresso.

Repórteres no chão: as sutilezas da manipulação midiática

Não se pode dizer que a mídia não aprendeu com as manifestações dos últimos anos, especialmente do emblemático 2013. Depois de a grande imprensa ter sido confrontada principalmente pela cobertura em tempo real da Mídia Ninja, a GloboNews resolveu incorporar seu modus operandi. Nesta sexta, jornalistas da emissora estiveram no chão, em meio às manifestações, e não cobrindo apenas a partir do helicóptero da empresa. Fizeram transmissões ao vivo com imagens de baixa qualidade técnica, ficaram sufocados com gás lacrimogêneo, correram ofegantes.

Assim, as denúncias de parcialidade (já que estariam “mostrando tudo” em “tempo real”) poderiam ser rebatidas. No Estudio I, uma das comentaristas falou claramente que não se podia criminalizar os movimentos. Mas até que ponto, vale perguntar, com o espaço para as divergências sendo tão residual, essa suposta “reaproximação” com os fatos não seria mais uma estratégia de marketing para ampliar o público (como já fez com a criação do aplicativo Na Rua) e para se sintonizar com uma audiência privilegiada (apenas 32% têm TV por assinatura no Brasil) que têm acesso a outras fontes de informação?

Novamente, a diferença na cobertura internacional

Se o discurso arquitetado politicamente na imprensa nacional garantiu que a maior parte da população brasileira passasse o dia desinformada sobre a greve que de fato ocorria no país, uma vez mais os leitores de outros países tiveram mais chances de compreender o que aconteceu neste 28 de abril.

O The New York Times não teve dúvidas: afirmou “Brasil imobilizado por greve geral contra medidas de austeridade”. Pode-se até divergir do discurso sobre a austeridade, mas o primeiro parágrafo do texto fazia, de cara, a relação das paralisações também com os escândalos de corrupção do governo Temer e dava voz a um cidadão que declarou: “Temer odeia os trabalhadores. Este é o pior governo que o Brasil já teve”. Mais adiante, a reportagem explicava as medidas propostas pelas reformas previdenciária e trabalhista, apresentava os baixíssimos índices de popularidade de Temer (apenas 4%) – que não foram mencionados por nenhuma emissora de TV em sua cobertura da greve – e falava das denúncias de propina contra o próprio presidente.

“Seus principais assessores denunciaram a greve, com o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, fazendo pouco caso dela e taxando a mobilização de “nonsense” e de “baderna generalizada” em uma entrevista. Mas com os membros do Congresso tentando preservar os benefícios de sua generosa aposentadoria, a elite política parece mesmo ignorar o humor das ruas”, criticou o NYT.

O francês Le Monde chamou a greve de “histórica”, relatando os diversos setores e categorias que cruzaram os braços. O foco, ao contrário do dado pela imprensa brasileira, ficou longe dos transtornos da greve nos transportes. Falaram de bancos, correios, escolas públicas e privadas, comércio e do setor de saúde, divulgando a estimativa, dos sindicatos, de 40 milhões de trabalhadores parados. E como direito trabalhista é algo que a França costuma valorizar, o Le Monde também explicou as propostas inclusas nas reformas em debate no Congresso – algo que os veículos nacionais não acharam importante fazer nesta sexta. Tampouco as definiram como “modernização na legislação”, como orienta a cartilha do Planalto.

A BBC destacou que esta foi a “primeira greve geral em duas décadas” no Brasil. E achou jornalisticamente relevante – porque de fato é – informar que diversas denominações religiosas tenham apoiado a paralisação. Ouviu o porta-voz da igreja anglicana, que explicou a posição de encorajar seus seguidores a participarem do movimento “porque entende a situação política” atual e as condições de vida do povo.

Os exemplos mostram que, se quisesse fazer bom jornalismo nesta cobertura, seria muito fácil. A imprensa alternativa fez, com destaque para a intensa cobertura da equipe do jornal popular Brasil de Fato. Mas os tradicionais veículos brasileiros mais uma vez passaram bem longe disso. Um dia, a fatura chegará.

*Bia Barbosa e Mônica Mourão são jornalistas e integram o Conselho Diretor do Intervozes. Colaboraram: Alex Pegna Herzog, Eduardo Amorim, Olívia Bandeira, Ramênia Vieria e Raquel Dantas, todos integrantes do Intervozes. 

1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde enfatiza defesa da democracia

Encontro realizado em Brasília contou com a participação de entidades da sociedade civil pautadas pela democratização da comunicação e pela defesa da saúde pública

Realizada entre os dias 18 e 20 de abril, a 1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde discutiu estratégias de democratização do acesso a informações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). A relevância dos direitos à saúde e à comunicação, identificados como pilares da democracia, foi refletida no grande número de pessoas presentes na conferência. O público foi formado principalmente por comunicadores, membros de conselhos de saúde, estudantes, assessores de comunicação e parlamentares, entre outros.

Já na mesa de abertura, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Santos, afirmou que o principal desafio do Brasil no momento é garantir a manutenção da democracia e de direitos como o acesso à saúde e a liberdade de comunicação. Segundo Santos, é preciso “juntar nossas energias para que esses elementos que traduzem nossa evolução civilizatória não deixem de existir”.

Para ele, a conferência foi uma oportunidade de reflexão sobre o momento atual do país e de discussão de estratégias de ação contra as violações de direitos verificadas nos últimos meses. Ronald Santos ainda pontuou que, no caso específico do Sistema Único de Saúde (SUS), o principal retrocesso foi a promulgação da Emenda Constitucional 95/2016, que congela os investimentos da União na área social por um período de 20 anos. Pois a emenda impede o SUS de enfrentar seu principal desafio, o subfinanciamento.

Renata Mieli, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), também reafirmou a relevância da conferência. “A mídia produz um discurso hegemônico que desqualifica o serviço público como um todo, mas isso fica mais evidente quando se trata da saúde”, ponderou. Para ela, a luta em defesa da liberdade de expressão e do direito de acesso à informação são complementares à luta pelo direito universal à saúde.

Segundo Renata, é preciso construir uma rede de iniciativas que dialoguem em defesa da saúde pública. “O discurso da mídia comercial encobre as mazelas do sistema privado de saúde e exalta os equipamentos privados como a melhor saída para os problemas do SUS. É uma fala coordenada com os interesses empresariais que atuam no setor da saúde. Desconstruir isso é urgente e fundamental para que a população possa entender a saúde como um direito e passe a ampliar as vozes dos que estão há anos lutando por ele”, afirmou.

Rede de Comunicadoras/es em defesa do SUS

Entre as discussões apresentadas na conferência, destacou-se a criação de uma rede de comunicadoras e comunicadores voltada à produção de conteúdos diversificados sobre o SUS. Isso permitiria à população conhecer melhor este sistema público e exercer de forma mais ampla o direito constitucional à saúde.

A necessidade de comunicadoras/es da mídia alternativa criarem uma rede de difusão de conteúdo diversificado sobre o SUS foi a tônica do segundo dia do encontro, em 19 de abril, quando se debateu sobre o papel da comunicação na defesa da informação em saúde.

A jornalista e blogueira Cynara Menezes apontou um exemplo da necessidade de criação de uma rede alternativa de comunicação: o Programa Mais Médicos, criado no governo da presidenta Dilma Rousseff para melhor distribuir geograficamente a assistência médica no país. “O Programa Mais Médicos recebeu uma abordagem altamente negativa da mídia hegemônica, enquanto a mídia alternativa não fez um contraponto mostrando os avanços trazidos pelo programa”, avaliou Cynara, acrescentando que, em função disso, o resultado foi que o Mais Médicos ficou fragilizado enquanto política pública.

Desconhecimento sobre o sistema público

Adriane Cruz, assessora de Comunicação Social do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), enfatizou que “a avaliação sobre o SUS é pior entre os que não utilizam o sistema”. Para ela, esse é uma prova cabal de que a desinformação está na origem da abordagem preconceituosa da mídia hegemônica em relação ao SUS. Neste ponto do debate, o público presente se manifestou tecendo algumas críticas ao fato de o SUS gastar muitos recursos com publicidade na “grande mídia”, recebendo como retorno um tratamento preconceituoso no noticiário.

Os debatedores também discutiram alternativas para enfrentar o monopólio da comunicação no Brasil. A mesa intitulada “Desafios de Comunicação em Saúde” foi intermediada por Francisca Rêgo, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e contou com a participação de Alexandre Padilha, ex-ministro da área; da gerente do Canal Saúde da Fiocruz, Márcia Corrêa e Castro; e da conselheira do CNS Carmen Lúcia Luiz. Os palestrantes sustentaram que a própria concepção de saúde coletiva, enquanto direito de todos e dever do estado, é distorcida pela imprensa. “A concepção da mídia privada é de que a saúde coletiva está relacionada somente às ações do Estado (vigilância, controle dos riscos) e não à saúde do indivíduo”, apontou Padilha.

Márcia Corrêa frisou que o enfrentamento ao monopólio da comunicação é necessário para a construção de uma narrativa em defesa do Sistema Único de Saúde. Entre as alternativas, ela citou a atuação de comunicadores nas redes sociais, assim como a qualificação das discussões entre os defensores do sistema. “É necessário fazer esse debate sabendo que todas as mazelas do SUS têm sido apropriadas como discurso para desmontar o sistema. Precisamos nos comunicar para que a população se sinta dona do SUS, sem contribuir com o discurso de desmonte”, destacou.

Equívocos e desinformação

Na última mesa de debates da 1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde, realizada na quinta-feira, dia 20, foram apresentadas algumas experiências de coletivos de comunicação. Marina Pita, do conselho diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social abordou a comunicação em seus aspectos relacionados ao acesso, produção e distribuição de conteúdo. Ela lembrou também da regulação da propaganda, cujo rol de produtos anunciados não pode “ser prejudicial à saúde. Entretanto, os comerciais de cerveja ainda estão liberados para passar em qualquer horário”.

Marina ainda citou casos de abordagens científicas precipitadas e até mesmo equivocadas em programas de entretenimento e até mesmo na programação mais especializada no tema da saúde, como no caso do tratamento dado ao tema do HIV pela novela teen Malhação, em 2016. No episodio em questão a mocinha Luciana (Marina Moschen) ficou ferida durante um jogo de basquete após esbarrar no colega Henrique (Thales Cavalcanti). Preocupada, a menina correu para a enfermaria do colégio e pediu um coquetel de medicamentos contra o HIV, já que Henrique é soropositivo.

Na época Lucinha Araújo, mãe do cantor Cazuza (morto em decorrência da Aids nos anos 1990) manifestou publicamente sua indignação:

“Depois de 30 anos de trabalho para combater o preconceito e informar corretamente as formas de transmissão do HIV, vemos um programa destinado ao público jovem aconselhar soropositivos a não praticar esportes, a mostrar um médico receitar medicamento antirretroviral numa situação onde dois jovens dão uma cabeçada é no mínimo de chorar.”

 

Outro relato apresentado por Marina se referiu ao programa Bem Estar, também da Rede Globo de Televisão, durante o qual foi dito que o correto é o bebê parar de mamar no peito com um ano e meio de idade ou quando começa a andar. Alertada sobre o desserviço dado à população, a emissora decidiu não atender a um pedido de correção feito pelo Ministério Público.

Neste aspecto, Marina frisou a importância da TV pública como contraponto da comunicação comercial e as perdas advindas da fusão do Ministério da Comunicação com o da Tecnologia, o que ocasionou retrocessos como o adiamento de abertura de editais para funcionamento de emissoras de rádio em comunidades tradicionais. O que também demonstraria a importância da internet como novo meio de comunicação. Também participaram desta mesa Pablo Capilé, do Mídia Ninja, e Bruno César Dias, do Abrasco Divulga. A mediação ficou por conta de Charô Nunes, do Blogueiras Negras.

Propostas do FNDC

Conheça o resumo das propostas do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) para as estratégias de democratização do acesso da população a informações sobre a saúde:

1) Defesa de uma comunicação pautada nos princípios do SUS, como universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação.

2) Defesa da democratização dos meios de comunicação de massa no Brasil.

3) Defesa da comunicação pública e, em especial, da retomada do caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), como estratégia central para o exercício da liberdade de expressão dos diferentes segmentos de nossa sociedade.

4) Garantia dos canais públicos de televisão previstos no Decreto nº 5.820, que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, e manutenção do Canal Saúde no sinal aberto digital, com a implementação de mecanismos e estruturas que garantam a gestão democrática e participativa da programação destes canais.

5) Defesa da universalização do acesso à internet banda larga no Brasil.

6) Defesa do princípio da privacidade, previsto no Marco Civil da Internet, e de uma lei de proteção de dados pessoais que garanta aos usuários/as do SUS que sua privacidade não seguirá sendo explorada e usada para atender aos interesses econômicos das empresas de saúde.

7) Defesa da regulamentação da publicidade dirigida às crianças e de produtos que possam colocar a saúde em risco (tabaco, agrotóxicos, medicamentos, álcool, alimentos, etc).

8) Defesa da responsabilização, com a retirada de recursos publicitários governamentais, de veículos que publiquem notícias que induzam à automedicação.

9) Fomento aos espaços de participação direta da população na gestão dos pontos da rede de saúde.

10) Defesa da implementação de estratégias de comunicação em saúde por parte do SUS e de sua rede de atendimento.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do portal SUS Conecta

Entidades e parlamentares entram com representação contra privatização de satélite brasileiro

Governo Federal lançou edital abrindo a exploração de satélite geoestacionário para empresas privadas sem exigências prévias de universalização da banda larga ou fixação de preço mínimo para venda

Entidades da sociedade civil e parlamentares estiveram reunidos nesta quarta-feira, dia 19, na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília (DF), para entregar uma representação dirigida ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) contra a privatização do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).

O equipamento adquirido pela Telebrás tem bandas Ka (de uso civil) seria usado para comunicações estratégicas do governo e para ampliação da oferta de banda larga no país, especialmente em áreas remotas, e X (de uso militar), que corresponde a 30% da capacidade do satélite, de uso exclusivo das Forças Armadas.

A aquisição de um satélite próprio para as comunicações civis e militares brasileiras foi uma decisão estratégica encampada pelos militares “para garantir a soberania nacional”, idealizada durante o governo Lula e executada no governo Dilma Rousseff. Segundo o Ministério da Defesa à época, “os satélites que prestam serviço no Brasil ou são controlados por estações que estão fora do país ou possuem o controle de atitude nas mãos de empresas de capital estrangeiro”. Foi com esse argumento que o ministério conseguiu convencer a então presidenta Dilma a comprar o satélite.

O projeto inicial, que contou com um investimento de mais de R$ 2 bilhões, tinha como objetivos garantir que não houvesse “interrupções dos serviços em uma situação de conflito internacional ou decorrente de outros interesses políticos ou econômicos”, além de levar banda larga de qualidade para todo o país, principalmente escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, para a região amazônica e outras áreas de baixa densidade demográfica, que são preteridas pelas grandes empresas do país, de forma a promover um preço mais acessível, a partir da mediação de pequenos provedores.

Porém, com as mudanças realizadas na proposta após o processo de impeachment, a gestão de Michel Temer optou por vender o satélite a preço sigiloso para grandes empresas de comunicação. O que faz com que as entidades da sociedade civil denunciem os riscos que o projeto passa a apresentar para a massificação do acesso à banda larga e para a promoção da inclusão digital. “O caráter público, motivo pelo qual foi decidido a compra do satélite, será abandonado e grandes operadoras de telecomunicação se beneficiarão, sem exigência de qualquer meta de universalização, ou preço mínimo de venda”, destaca Bia Barbosa, secretária executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O edital lançado em março passado privatiza a banda Ka do satélite e não especifica um valor mínimo para o arremate. De acordo com a deputada federal, Margarida Salomão (PT-MG) o documento afirma que “sairá vencedora do leilão a empresa que ofertar o maior valor para explorar a concessão, no entanto, o preço mínimo exigido está mantido sob sigilo”, explica Margarida Salomão.

Para Margarida ainda mais grave é o descumprimento da missão social do projeto. “O edital não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço. Não foi sequer utilizada a tradicional mescla entre áreas nobres com áreas pouco rentáveis. O edital exige apenas o vago ‘cumprir’ as metas do PNBL”, critica a deputada apontando que o investimento público feito no satélite tem que de alguma forma estar previsto no edital como retorno para a população, caso contrário, a medida contesta aos princípios da transparência e moralidade, publicidade e interesse público no qual o governo deve se guiar.

Assinam a representação os deputados federais, Margarida Salomão (PT-MG), Carlos Zarattini (PT-SP), Luiza Erundina (Psol-SP), Luciana Barbosa (PCdoB-PE), André Figueiredo (PDT-CE) e Alessandro Molon (Rede-RJ) e os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Fátima Bezerra (PT-PB), Roberto Requião (PMDB-PR).

E as entidades representativas: Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social; Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PROTESTE), Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Associação Internet Sem Fronteiras – Brasil, Instituto Beta para Internet e Democracia (IBIDEM); Coletivo Digital, Actantes; e Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação (Instituto Nupef).

O SGDC é o único satélite de alta capacidade em banda Ka com cobertura totalmente nacional. A vida útil do equipamento será de 18 anos. O satélite terá dois centros de controle (em Brasília e no Rio de Janeiro), além de contar com cinco gateways – estações terrestres com equipamentos que fazem o tráfego de dados do satélite – instalados em Brasília, Rio de Janeiro, Florianópolis, Campo Grande e Salvador. As operações devem começar no segundo semestre de 2017. O SGDC já está no Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, de onde será lançado.

O Brasil contava com satélites próprios para as comunicações militares até 1998, quando a então Embratel foi privatizada. Desde então, o país só tem satélites de baixa órbita que são usados, por exemplo, para monitoramento ambiental, principalmente na Amazônia. O Satélite Geoestacionário vai ser o primeiro satélite nacional de comunicação após a privatização da Embratel, mas já vê o seu projeto novamente sendo aberto para a privatização.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

FrenteCom indicará nomes para representar sociedade civil no Conselho de Comunicação Social do Congresso

Atualização: Entidades terão até terça-feira, dia 25, para indicar nomes pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom) 

Mandato dos atuais conselheiros se encerra em agosto. Falta de transparência na indicação dos integrantes é criticada pelas entidades da sociedade civil

Representantes de várias entidades que fazem parte da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom) estiveram reunidos na semana passada com o coordenador, o deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), para debater, entre outras pautas, a composição do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS-CN).

O mandato dos atuais integrantes do CCS-CN finaliza em agosto de 2017. O presidente do Congresso Nacional já enviou ofício às entidades que representam as empresas e os trabalhadores da comunicação pedindo suas indicações. Também foram enviados ofícios a entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Durante a reunião, foi lembrado que, em 2015, quando a última gestão do CCS foi escolhida, a FrenteCom realizou audiências públicas prévias ao processo e apoiou o nome de 10 representantes da sociedade civil (cinco titulares e cinco suplentes), além de ter apresentado critérios para a indicação de nomes ao processo, previsão que até hoje não existe no processo de composição do CCS. Esses critérios serão debatidos pelo atual CCS em reunião agendada para o próximo dia 8 de maio.

A FrenteCom vai apresentar novamente um conjunto de critérios considerados primordiais para este debate, com base no que foi discutido e aprovado em 2015. Além de apresentar ao presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), nomes para compor o Conselho nas cinco vagas destinadas à representação da sociedade civil.

Segundo o deputado Jean Wyllys a FrenteCom permanece com “o firme compromisso de continuar lutando por um CCS plural e representativo que corresponda aos reais anseios democráticos da sociedade brasileira”, por isso espera contar com a colaboração do parlamento.

As entidades farão um chamamento público para o levantamento de nomes a serem indicados até esta quinta-feira, dia 20 de abril. Na próxima segunda-feira, dia 24, uma nova reunião da FrenteCom ocorrerá para a definição dos 10 indicados. Entre os critérios a serem adotados pela Frente para a escolha, estão: “possuir um histórico de relação com a luta pela democratização da comunicação”; “dialogar com movimentos de diferentes áreas do conhecimento, como cultura, tecnologias livres e abertas, produção audiovisual, defesa do consumidor, academia, mundo do trabalho, luta pela terra, etc”; “ter conhecimento e experiência do ponto de vista de receptor (o cidadão ouvinte, telespectador, leitor e/ou internauta)”.

A previsão é a de que a Mesa Diretiva do Congresso Nacional submeta a lista com suas indicações de nomes à apreciação dos Plenários da Câmara e do Senado em uma sessão conjunta. Não existe nenhuma informação prévia sobre critérios a serem utilizados pela Casa para a formação desta lista. Normalmente, os parlamentares apenas referendam os nomes apresentados. A falta de transparência no processo de composição do CCS é justamente um dos temas mais criticados pela FrenteCom. Por esse motivo, foi solicitada uma reunião com o senador Eunício Oliveira.

Atribuições do CCS

O Conselho de Comunicação Social tem como atribuição realizar estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional em diálogo com Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal: Da Ordem Social – Comunicação Social (art. 224 da CF e art. 2º da Lei nº 8.389/91). O CCS é constituído por 13 conselheiros (e seus respectivos suplentes), sendo quatro deles representantes das empresas de comunicação (um com notório saber); quatro, representantes dos trabalhadores da área; e os outros cinco, representantes da sociedade civil.

Outras pautas da FrenteCom

Entre os demais assuntos debatidos junto ao coordenador da FrenteCom, estava a denúncia e a articulação de estratégias para barrar a utilização dos meios de comunicação públicos da Câmara dos Deputados na propaganda da Reforma da Previdência, como vem acontecendo de forma indevida e partidária. “Um projeto que ainda está em debate aqui dentro e que prejudica seriamente os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, sendo propagado pelos meios de comunicação da Casa com um viés doutrinatório e não informativo”, como destaca o próprio deputado Jean Wyllys.

Uma audiência pública será solicitada em conjunto com o Senado, nas Comissões de Cultura, Ciência e Tecnologia, Direitos Humanos e Legislação Participativa, para debater as prioridades da agenda legislativa da Frente. Esse debate incluirá a atuação do Conselho de Comunicação Social, cuja nova gestão deve tomar posse em agosto/setembro deste ano.

Participaram da reunião da FrenteCom, realizada no último dia 10, representantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Distrito Federal (Sinttel-DF), Federação dos Radialistas (Fitert), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Coletivo Fora do Eixo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Governo usa verba de publicidade como premiação para veículos que defenderem a Reforma da Previdência

Veículos de comunicação receberão verbas federais de publicidade se decidirem abordar o assunto sob um “ponto de vista positivo”

Para atrair apoio à Reforma da Previdência, o governo Temer decidiu usar as verbas federais de publicidade em veículos de comunicação, principalmente em rádio e TVs.

De acordo com notícia divulgada na edição desta terça-feira, dia 11, do jornal Estadão, a “estratégia do Palácio do Planalto para afastar as resistências à reforma é fazer com que locutores e apresentadores populares, especialmente no Nordeste, expliquem as mudanças sob um ponto de vista positivo. Os veículos de comunicação que aderirem à campanha terão direito à publicidade federal.”

Essa medida mostra claramente que o atual governo trata a comunicação como moeda de troca, uma estratégia muito usada no Brasil e bem conhecida desde os tempos da ditadura militar. “A relação incestuosa e ilegal de políticos que se beneficiam de espaços públicos, como as concessões de rádio e TV, para angariar votos e capital político é uma violação do direito à comunicação e um atentado à democracia”, aponta Iara Moura, jornalista e integrante do conselho diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O ato é muito criticado por se assemelhar à prática de compra de votos. Vale lembrar que, ao mesmo tempo que distribui verbas de publicidade para a mídia fazer campanha “pró-reforma”, o governo adquire apoio entre os parlamentares. “Com a estratégia, o presidente ilegítimo angaria, ao mesmo tempo, apoio no Congresso Nacional, uma vez que muitos deputados e senadores ignoram a Constituição Federal e são eles próprios donos de rádios e TVs que serão beneficiadas com o agrado do governo”, relata Iara.

O cientista político e professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha faz análise semelhante. “A ofensiva do governo Temer de abrir o canal da publicidade para veículos que tenham ‘cobertura simpática’, ou ‘agenda positiva’, parece uma tentativa um tanto desesperada de negociar apoios. Por um lado, soa como uma forma de explicitar a relação política a partir das piores tradições da atividade no Brasil; por outro, soa como um sintoma de fraqueza, um anúncio de que caso não consiga implantar o pacote de leis regressivas, seu governo pode vir a enfraquecer-se ao ponto de não ter retorno”, afirma ele.

Para Bruno, a matéria do Estadão sobre a troca de apoio publicitário por respaldo político evidencia que “nem em seu estado de origem e nas entranhas da classe dominante de São Paulo, Michel Temer consegue operar como um balizador de interesses e árbitro de conflitos no andar de cima. A tendência é o país entrar em uma paralisia decisória, onde quase todas as ações de governo sejam contestadas em sua legitimidade. O fato de angariar apoio da opinião publica vai neste sentido”.

Recursos de R$ 180 milhões
O orçamento desta campanha governamental pró-Reforma da Previdência tem recursos da ordem de R$ 180 milhões para serem repassados a rádios, TVs, jornais e internet, sem incluir as campanhas de utilidade pública. Recursos estes que não comprarão espaço publicitário, mas a opinião de articulistas, apresentadores e repórteres que puderem explicar a reforma a partir do ângulo que interessa apenas ao governo.

A medida deixou vários parlamentares eufóricos, pois justo eles serão os responsáveis pela indicação da mídia que receberá a verba. Essa euforia mira a eleição de 2018, já que, ao conseguirem esses recursos para “suas indicadas”, deputados e senadores ganham também espaço para aparecer.

A tática de despejar recursos federais em publicidade tem sido muito utilizada por Michel Temer desde que ele assumiu o cargo de presidente na condição de interino. A verba publicitária do governo federal teve um aumento de mais de 100% no mês de dezembro de 2016, se comparada com o mesmo período do ano anterior. Alguns meios receberam acréscimo inéditos em suas receitas com publicidade federal, como nos casos das revistas Veja, que recebeu um aumento de 400% nestas verbas, e da Istoé, que teve um aumento de mais de 800% de um ano para o outro.

Propaganda enganosa
Em março de 2017, a 1ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a suspensão da veiculação de publicidade relacionada ao programa de Reforma da Previdência por parte do governo federal. A decisão da juíza Marciane Bonzanini se deu em resposta a uma ação civil pública de autoria de nove sindicatos de trabalhadores do Rio Grande do Sul. No pedido, os sindicatos disseram que se trata de publicidade enganosa, com mensagens “alarmistas”, e que a campanha do governo federal “difundiu mensagens com dados que não representam de forma fidedigna a real situação financeira do sistema de Seguridade Social brasileiro e que podem induzir à formação de juízos equivocados sobre a eventual necessidade de alterações nas normas constitucionais previdenciárias”.

A juíza analisou os conteúdos disponibilizados no site do governo federal e concluiu que “a campanha publicitária retratada neste feito não possui caráter educativo, informativo ou de orientação social, como exige a Constituição em seu art. 37, parágrafo 1º. Ao contrário, os seus movimentos e objetivos, financiados por recursos públicos, prendem-se à mensagem de que, se a proposta feita pelo partido político que detém o poder no Executivo federal não for aprovada, os benefícios que compõem o regime previdenciário podem acabar”.

A decisão judicial ainda apontou o “uso inadequado de recursos públicos” e “desvio de poder que leva à sua ilegalidade”. Ao fundamentar a decisão, a magistrada disse, também, que “não há normas aprovadas que devam ser explicadas para a população; não há programa de governo que esteja amparado em legislação e atos normativos vigentes. Há a intenção do partido que detém o poder no Executivo Federal de reformar o sistema previdenciário e que, para angariar apoio às medidas propostas, desenvolve campanha publicitária financiada por recursos públicos”.

Porém, a decisão da magistrada foi suspensa com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relatório da presidente da corte, Cármen Lúcia Antunes Rocha, que derrubou a liminar a pedido do governo. Para o jornalista e professor Venício Artur de Lima, é justamente o STF que sustenta um governo sem legitimidade reconhecida por boa parte da população. “A partir do momento que o Supremo garante sua legitimidade, ele recebe autorização para atuar desta forma, se valendo do direito e o dever de tornar públicas suas ações, o governo joga dinheiro público nos veículos para endossar seus projetos”, frisa.

Segundo o relatório da ministra Carmen Lúcia, “a suspensão da campanha causa mal maior que sua continuidade, nada obstando que venha a sofrer, no futuro, restrição pontual em peça publicitária na qual venha a ser detectada propagação de informação inverídica sobre o tema”. Conforme ela, é de competência da presidência do STF “determinar providências buscando evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspendendo a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada quando a questão tenha natureza constitucional”.

Porém, Venício alerta para a diferença entre essa ação de distribuição de verba publicitária e outras semelhantes já realizadas em outros governos. “Essa ação não se limita apenas a divulgar, ela destaca a posição do governo sobre uma ação legislativa, uma matéria controversa e sobre a qual existem estudos de vários especialistas contradizendo as questões levantadas pelo governo. Não me lembro disso em nenhum outro momento na história do país pós-ditadura”, destaca o professor. Para ele, a partilha da verba publicitária a partir das indicações de parlamentares justifica o ingresso de ação legal em defesa do interesse público.

Preço do golpe
O preço do golpe, pago aos meios de comunicação, vem sendo cada vez mais alto. No último mês de março, o governo decidiu alterar o marco regulatório do setor através de uma Medida Provisória, a MP 747, em benefício das empresas. Foram excluídos do texto da lei a previsão de cumprimento de “todas as obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público” como requisitos para o direito à renovação das outorgas.

De acordo com avaliação feita por Bia Barbosa, jornalista e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a MP do governo buscava “oficializar o uso e exploração privada e particular das outorgas por meio do mercado, reduzindo as obrigações que os concessionários devem respeitar, anistiando todos aqueles que não tiveram a mínima capacidade de solicitar a renovação de suas licenças dentro dos prazos e legalizando um verdadeiro balcão de negócios das concessões de rádio e TV”.

Michel Temer joga com tudo para continuar obtendo apoio da mídia para seus projetos. Sabendo que não tem os votos necessários à aprovação de sua proposta de previdência, ele também joga com o ponto fraco dos parlamentares, que é justamente sua exposição pública. Estes, preocupados com a repercussão negativa que a votação da Reforma da Previdência pode trazer em ano eleitoral, sabem da relevância de manter uma relação vantajosa com os meios de comunicação para sustentarem uma boa imagem. Assim, o círculo de horrores está completo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação