Entidades e parlamentares entram com representação contra privatização de satélite brasileiro

Governo Federal lançou edital abrindo a exploração de satélite geoestacionário para empresas privadas sem exigências prévias de universalização da banda larga ou fixação de preço mínimo para venda

Entidades da sociedade civil e parlamentares estiveram reunidos nesta quarta-feira, dia 19, na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília (DF), para entregar uma representação dirigida ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) contra a privatização do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).

O equipamento adquirido pela Telebrás tem bandas Ka (de uso civil) seria usado para comunicações estratégicas do governo e para ampliação da oferta de banda larga no país, especialmente em áreas remotas, e X (de uso militar), que corresponde a 30% da capacidade do satélite, de uso exclusivo das Forças Armadas.

A aquisição de um satélite próprio para as comunicações civis e militares brasileiras foi uma decisão estratégica encampada pelos militares “para garantir a soberania nacional”, idealizada durante o governo Lula e executada no governo Dilma Rousseff. Segundo o Ministério da Defesa à época, “os satélites que prestam serviço no Brasil ou são controlados por estações que estão fora do país ou possuem o controle de atitude nas mãos de empresas de capital estrangeiro”. Foi com esse argumento que o ministério conseguiu convencer a então presidenta Dilma a comprar o satélite.

O projeto inicial, que contou com um investimento de mais de R$ 2 bilhões, tinha como objetivos garantir que não houvesse “interrupções dos serviços em uma situação de conflito internacional ou decorrente de outros interesses políticos ou econômicos”, além de levar banda larga de qualidade para todo o país, principalmente escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, para a região amazônica e outras áreas de baixa densidade demográfica, que são preteridas pelas grandes empresas do país, de forma a promover um preço mais acessível, a partir da mediação de pequenos provedores.

Porém, com as mudanças realizadas na proposta após o processo de impeachment, a gestão de Michel Temer optou por vender o satélite a preço sigiloso para grandes empresas de comunicação. O que faz com que as entidades da sociedade civil denunciem os riscos que o projeto passa a apresentar para a massificação do acesso à banda larga e para a promoção da inclusão digital. “O caráter público, motivo pelo qual foi decidido a compra do satélite, será abandonado e grandes operadoras de telecomunicação se beneficiarão, sem exigência de qualquer meta de universalização, ou preço mínimo de venda”, destaca Bia Barbosa, secretária executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O edital lançado em março passado privatiza a banda Ka do satélite e não especifica um valor mínimo para o arremate. De acordo com a deputada federal, Margarida Salomão (PT-MG) o documento afirma que “sairá vencedora do leilão a empresa que ofertar o maior valor para explorar a concessão, no entanto, o preço mínimo exigido está mantido sob sigilo”, explica Margarida Salomão.

Para Margarida ainda mais grave é o descumprimento da missão social do projeto. “O edital não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço. Não foi sequer utilizada a tradicional mescla entre áreas nobres com áreas pouco rentáveis. O edital exige apenas o vago ‘cumprir’ as metas do PNBL”, critica a deputada apontando que o investimento público feito no satélite tem que de alguma forma estar previsto no edital como retorno para a população, caso contrário, a medida contesta aos princípios da transparência e moralidade, publicidade e interesse público no qual o governo deve se guiar.

Assinam a representação os deputados federais, Margarida Salomão (PT-MG), Carlos Zarattini (PT-SP), Luiza Erundina (Psol-SP), Luciana Barbosa (PCdoB-PE), André Figueiredo (PDT-CE) e Alessandro Molon (Rede-RJ) e os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Fátima Bezerra (PT-PB), Roberto Requião (PMDB-PR).

E as entidades representativas: Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social; Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PROTESTE), Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Associação Internet Sem Fronteiras – Brasil, Instituto Beta para Internet e Democracia (IBIDEM); Coletivo Digital, Actantes; e Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação (Instituto Nupef).

O SGDC é o único satélite de alta capacidade em banda Ka com cobertura totalmente nacional. A vida útil do equipamento será de 18 anos. O satélite terá dois centros de controle (em Brasília e no Rio de Janeiro), além de contar com cinco gateways – estações terrestres com equipamentos que fazem o tráfego de dados do satélite – instalados em Brasília, Rio de Janeiro, Florianópolis, Campo Grande e Salvador. As operações devem começar no segundo semestre de 2017. O SGDC já está no Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, de onde será lançado.

O Brasil contava com satélites próprios para as comunicações militares até 1998, quando a então Embratel foi privatizada. Desde então, o país só tem satélites de baixa órbita que são usados, por exemplo, para monitoramento ambiental, principalmente na Amazônia. O Satélite Geoestacionário vai ser o primeiro satélite nacional de comunicação após a privatização da Embratel, mas já vê o seu projeto novamente sendo aberto para a privatização.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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