Governo usa verba de publicidade como premiação para veículos que defenderem a Reforma da Previdência

Veículos de comunicação receberão verbas federais de publicidade se decidirem abordar o assunto sob um “ponto de vista positivo”

Para atrair apoio à Reforma da Previdência, o governo Temer decidiu usar as verbas federais de publicidade em veículos de comunicação, principalmente em rádio e TVs.

De acordo com notícia divulgada na edição desta terça-feira, dia 11, do jornal Estadão, a “estratégia do Palácio do Planalto para afastar as resistências à reforma é fazer com que locutores e apresentadores populares, especialmente no Nordeste, expliquem as mudanças sob um ponto de vista positivo. Os veículos de comunicação que aderirem à campanha terão direito à publicidade federal.”

Essa medida mostra claramente que o atual governo trata a comunicação como moeda de troca, uma estratégia muito usada no Brasil e bem conhecida desde os tempos da ditadura militar. “A relação incestuosa e ilegal de políticos que se beneficiam de espaços públicos, como as concessões de rádio e TV, para angariar votos e capital político é uma violação do direito à comunicação e um atentado à democracia”, aponta Iara Moura, jornalista e integrante do conselho diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O ato é muito criticado por se assemelhar à prática de compra de votos. Vale lembrar que, ao mesmo tempo que distribui verbas de publicidade para a mídia fazer campanha “pró-reforma”, o governo adquire apoio entre os parlamentares. “Com a estratégia, o presidente ilegítimo angaria, ao mesmo tempo, apoio no Congresso Nacional, uma vez que muitos deputados e senadores ignoram a Constituição Federal e são eles próprios donos de rádios e TVs que serão beneficiadas com o agrado do governo”, relata Iara.

O cientista político e professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha faz análise semelhante. “A ofensiva do governo Temer de abrir o canal da publicidade para veículos que tenham ‘cobertura simpática’, ou ‘agenda positiva’, parece uma tentativa um tanto desesperada de negociar apoios. Por um lado, soa como uma forma de explicitar a relação política a partir das piores tradições da atividade no Brasil; por outro, soa como um sintoma de fraqueza, um anúncio de que caso não consiga implantar o pacote de leis regressivas, seu governo pode vir a enfraquecer-se ao ponto de não ter retorno”, afirma ele.

Para Bruno, a matéria do Estadão sobre a troca de apoio publicitário por respaldo político evidencia que “nem em seu estado de origem e nas entranhas da classe dominante de São Paulo, Michel Temer consegue operar como um balizador de interesses e árbitro de conflitos no andar de cima. A tendência é o país entrar em uma paralisia decisória, onde quase todas as ações de governo sejam contestadas em sua legitimidade. O fato de angariar apoio da opinião publica vai neste sentido”.

Recursos de R$ 180 milhões
O orçamento desta campanha governamental pró-Reforma da Previdência tem recursos da ordem de R$ 180 milhões para serem repassados a rádios, TVs, jornais e internet, sem incluir as campanhas de utilidade pública. Recursos estes que não comprarão espaço publicitário, mas a opinião de articulistas, apresentadores e repórteres que puderem explicar a reforma a partir do ângulo que interessa apenas ao governo.

A medida deixou vários parlamentares eufóricos, pois justo eles serão os responsáveis pela indicação da mídia que receberá a verba. Essa euforia mira a eleição de 2018, já que, ao conseguirem esses recursos para “suas indicadas”, deputados e senadores ganham também espaço para aparecer.

A tática de despejar recursos federais em publicidade tem sido muito utilizada por Michel Temer desde que ele assumiu o cargo de presidente na condição de interino. A verba publicitária do governo federal teve um aumento de mais de 100% no mês de dezembro de 2016, se comparada com o mesmo período do ano anterior. Alguns meios receberam acréscimo inéditos em suas receitas com publicidade federal, como nos casos das revistas Veja, que recebeu um aumento de 400% nestas verbas, e da Istoé, que teve um aumento de mais de 800% de um ano para o outro.

Propaganda enganosa
Em março de 2017, a 1ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a suspensão da veiculação de publicidade relacionada ao programa de Reforma da Previdência por parte do governo federal. A decisão da juíza Marciane Bonzanini se deu em resposta a uma ação civil pública de autoria de nove sindicatos de trabalhadores do Rio Grande do Sul. No pedido, os sindicatos disseram que se trata de publicidade enganosa, com mensagens “alarmistas”, e que a campanha do governo federal “difundiu mensagens com dados que não representam de forma fidedigna a real situação financeira do sistema de Seguridade Social brasileiro e que podem induzir à formação de juízos equivocados sobre a eventual necessidade de alterações nas normas constitucionais previdenciárias”.

A juíza analisou os conteúdos disponibilizados no site do governo federal e concluiu que “a campanha publicitária retratada neste feito não possui caráter educativo, informativo ou de orientação social, como exige a Constituição em seu art. 37, parágrafo 1º. Ao contrário, os seus movimentos e objetivos, financiados por recursos públicos, prendem-se à mensagem de que, se a proposta feita pelo partido político que detém o poder no Executivo federal não for aprovada, os benefícios que compõem o regime previdenciário podem acabar”.

A decisão judicial ainda apontou o “uso inadequado de recursos públicos” e “desvio de poder que leva à sua ilegalidade”. Ao fundamentar a decisão, a magistrada disse, também, que “não há normas aprovadas que devam ser explicadas para a população; não há programa de governo que esteja amparado em legislação e atos normativos vigentes. Há a intenção do partido que detém o poder no Executivo Federal de reformar o sistema previdenciário e que, para angariar apoio às medidas propostas, desenvolve campanha publicitária financiada por recursos públicos”.

Porém, a decisão da magistrada foi suspensa com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relatório da presidente da corte, Cármen Lúcia Antunes Rocha, que derrubou a liminar a pedido do governo. Para o jornalista e professor Venício Artur de Lima, é justamente o STF que sustenta um governo sem legitimidade reconhecida por boa parte da população. “A partir do momento que o Supremo garante sua legitimidade, ele recebe autorização para atuar desta forma, se valendo do direito e o dever de tornar públicas suas ações, o governo joga dinheiro público nos veículos para endossar seus projetos”, frisa.

Segundo o relatório da ministra Carmen Lúcia, “a suspensão da campanha causa mal maior que sua continuidade, nada obstando que venha a sofrer, no futuro, restrição pontual em peça publicitária na qual venha a ser detectada propagação de informação inverídica sobre o tema”. Conforme ela, é de competência da presidência do STF “determinar providências buscando evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspendendo a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada quando a questão tenha natureza constitucional”.

Porém, Venício alerta para a diferença entre essa ação de distribuição de verba publicitária e outras semelhantes já realizadas em outros governos. “Essa ação não se limita apenas a divulgar, ela destaca a posição do governo sobre uma ação legislativa, uma matéria controversa e sobre a qual existem estudos de vários especialistas contradizendo as questões levantadas pelo governo. Não me lembro disso em nenhum outro momento na história do país pós-ditadura”, destaca o professor. Para ele, a partilha da verba publicitária a partir das indicações de parlamentares justifica o ingresso de ação legal em defesa do interesse público.

Preço do golpe
O preço do golpe, pago aos meios de comunicação, vem sendo cada vez mais alto. No último mês de março, o governo decidiu alterar o marco regulatório do setor através de uma Medida Provisória, a MP 747, em benefício das empresas. Foram excluídos do texto da lei a previsão de cumprimento de “todas as obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público” como requisitos para o direito à renovação das outorgas.

De acordo com avaliação feita por Bia Barbosa, jornalista e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a MP do governo buscava “oficializar o uso e exploração privada e particular das outorgas por meio do mercado, reduzindo as obrigações que os concessionários devem respeitar, anistiando todos aqueles que não tiveram a mínima capacidade de solicitar a renovação de suas licenças dentro dos prazos e legalizando um verdadeiro balcão de negócios das concessões de rádio e TV”.

Michel Temer joga com tudo para continuar obtendo apoio da mídia para seus projetos. Sabendo que não tem os votos necessários à aprovação de sua proposta de previdência, ele também joga com o ponto fraco dos parlamentares, que é justamente sua exposição pública. Estes, preocupados com a repercussão negativa que a votação da Reforma da Previdência pode trazer em ano eleitoral, sabem da relevância de manter uma relação vantajosa com os meios de comunicação para sustentarem uma boa imagem. Assim, o círculo de horrores está completo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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