Com a decisão, o TRF da 1ª Região fez valer a norma constitucional, que veda que políticos no exercício de mandato sejam proprietários de concessões. Uma vitória histórica da luta pelo controle social da mídia e contra o monopólio dos meios de comunicação.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, suspendeu a concessão da Rádio Clube do Pará (PRC5), de propriedade do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e de sua ex-esposa, a deputada federal Elcione Barbalho (PMDB-PA).
Desde a sexta-feira, dia 9 de junho, a Rádio Clube do Pará está fora do ar, por determinação do TRF1, em caráter de antecipação de tutela. Em caso de descumprimento, será imposta multa pecuniária de R$ 50 mil por dia. A rádio deve ficar fora do ar durante o trâmite do processo movido pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará, que contesta as concessões de rádio e televisão de posse de políticos detentores de mandato eleitoral, pois estas são vedadas pela Constituição brasileira.
No caso de mantida a liminar e acatadas as razões de mérito, as consequências podem resultar inclusive na perda dos mandatos do senador e da deputada federal, donos da emissora.
A liminar foi concedida em razão do Agravo de Instrumento nº 0012093-34.2017.4.01.0000/PA (processo original nº 0027003-40.2016.4.01.3900), interposto contra decisão proferida pela 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União Federal, a Rádio Clube do Pará PRC-5 Ltda., Elcione Therezinha Zahluth Barbalho e Jader Fontenelle Barbalho.
A decisão de suspender a Rádio Clube foi proferida pelo desembargador federal Souza Prudente no dia 31 de maio, acatando, portanto, recurso do MPF que buscou reformar a decisão de 1ª instância da Justiça Federal em Belém, tomada em 2016. A decisão impede a emissora de fazer transmissões.
O senador alegou em sua defesa no processo que seu nome não constava mais no quadro de acionistas da rádio, mas, para o TRF1, a manutenção de outros membros da família no controle societário indica possível manobra para ocultar a identidade dos reais controladores. No lugar do senador figura o nome de uma sobrinha, Giovana Centeno Barbalho.
O MPF ajuizou cinco ações judiciais para cancelar as concessões de radiodifusão que têm como sócios detentores de mandatos eleitorais no Pará e no Amapá. Para a instituição, os deputados federais Elcione Barbalho e Cabuçu Borges (PMDB/AP) e o senador Jader Barbalho violam a legislação ao figurarem no quadro societário das rádios e de uma emissora de televisão.
“O fato de ocupante de cargo eletivo ser sócio de pessoa jurídica que explora radiodifusão constitui afronta à Constituição Federal”, diz o MPF no processo judicial, movido em Belém pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.
Foram pedidos pelo Ministério Público Federal na ação o cancelamento das concessões de radiodifusão ligadas aos políticos, a condenação da União para que faça nova licitação para tais concessões e a proibição de que eles recebam qualquer outorga futura para exploração dos serviços de radiodifusão.
Além da Rádio Clube do Pará, as outras quatro emissoras de rádio que podem ter a concessão cancelada são a Beija-Flor Radiodifusão, o Sistema Clube do Pará de Comunicação, a Carajás FM e a Belém Radiodifusão, mais a Rede Brasil Amazônia de Televisão. Com exceção da Beija-Flor Radiodifusão, do deputado Cabuçu Borges, as demais emissoras pertencem a Elcione Barbalho e a Jader Barbalho, todas operando no território paraense. Já a rádio de Cabuçu Borges transmite na região sudeste do estado.
O que diz a Constituição
A posse de veículos de radiodifusão por políticos é um fenômeno presente em diversos países em desenvolvimento e identificado no Brasil pela expressão “coronelismo midiático”. Em junho de 2016, a ONG Repórteres Sem Fronteiras destacou Aécio como “coronel” da mídia em um relatório que critica a “parede invisível formada por dinheiro e conflitos de interesse” que afeta a liberdade de informação.
A investigação sobre a propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos foi iniciada pelo MPF em São Paulo, a partir de um levantamento feito em todo o país das concessões de radiodifusão que tinham políticos como sócios. A partir disso, várias ações foram iniciadas em vários estados.
Já existem decisões judiciais em tribunais superiores retirando as concessões das mãos de parlamentares, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal – que também já se manifestou contrário ao controle de políticos sobre veículos de comunicação.
Segundo o artigo 54, inciso I, a, da Constituição Federal, deputados e senadores não podem celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, o que inclui as emissoras de rádio e TV.
Já o inciso II, a, do mesmo artigo, veda aos parlamentares serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei. Tal regra também impede a participação de congressistas em prestadoras de radiodifusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação.
A situação revela ainda um claro conflito de interesses, uma vez que cabe ao Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação das licenças de emissoras de rádio e TV, além da responsabilidade de fiscalizar o serviço. Dessa forma, há histórico de parlamentares que inclusive já participaram de votações no Congresso aprovando outorgas e renovações de suas próprias empresas.
Assim, segundo o Ministério Público Federal, o cancelamento das concessões citadas visa evitar o tráfico de influência por meio das emissoras e proteger os meios de comunicação da ingerência do poder político.
AGU tenta barrar vitórias judiciais
A Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro de 2016 ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados, como, por exemplo, a decisão por meio de liminar que determinou a interrupção das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), em agosto passado.
Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo Tribunal Federal que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações como amicus curiae, entregaram ao ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379, uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas em ambas as ADPFs.
As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas no fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam pela apresentação de voto de Gilmar Mendes.
Coronéis da Mídia
O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil, aponta que, na atual legislatura na Câmara dos Deputados (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Casa. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa. Entre estes senadores, além de Jader Barbalho, figuram nomes como Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Agripino Maia* (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA).
Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de “laranjas” ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos de comunicação.
O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação da radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo. Assim, os parlamentares que mantém concessões de rádio e TV são responsáveis por apreciar os atos de outorga e renovação de suas próprias concessões e permissões de radiodifusão.
*Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, o senador Agripino Maia e seu filho, o deputado Felipe Maia, venderam a participação no Sistema Tropical de Comunicação. Porém, a concessão continua nas mãos de familiares, assim como ocorreu entre a família Barbalho.
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Ministério Público Federal no Pará