Audiência debate cerceamento da atividade jornalística, judicialização e perseguição de profissionais

Concentração, censura judicial e perseguição aos profissionais de imprensa foram temas debatidos pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) promoveu nesta quarta-feira, dia 12, uma audiência pública sobre a situação do exercício do jornalismo no país e as perspectivas do direito à livre comunicação e expressão. O presidente da comissão e requerente da audiência, deputado federal Paulão (PT-AL), trouxe para o debate dados da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) que informam que, em 2015, oito jornalistas foram assassinados e 64 foram agredidos, além de outros 44 casos de ataques, por meio de ameaças, intimidações, ofensas e vandalismo. Segundo o deputado, a situação constatada em 2016. É igualmente preocupante. “Se, por um lado, os homicídios caíram de oito para dois, as agressões subiram para 205 casos. O que coloca o Brasil como o quinto país no mundo com mais ataques a jornalistas”, lamentou.

A primeira mesa da audiência discutiu o tema “Um panorama da comunicação no Brasil: concentração, censura judicial e perseguição aos profissionais de imprensa”. Para Bia Barbosa, jornalista e coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, o quadro de concentração dos meios de comunicação brasileiro impactou significativamente sobre o exercício da liberdade de expressão no país. “O Brasil é um dos países que têm o maior quadro de concentração da propriedade dos meios de comunicação. Não falamos em quantidade de veículos, mas sim que esses veículos estão associados a grupos econômicos e, em muitos casos, a grupos familiares, o que é uma característica da do sistema midiático brasileiro”.

Bia destacou que esses grupos econômicos se associam em rede, a ponto de todas estas redes estarem nas mãos de não mais do que oito ou dez famílias que controlam a mídia brasileira. “Vivemos no sistema capitalista, que tende à concentração da propriedade em todas as áreas, inclusive nos meios de comunicação. Mas, por causa da omissão do estado brasileiro em relação a esse assunto, quase nunca houve preocupação em garantir aquilo que a Constituição Federal estabeleceu como um princípio: que é a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal”.

A ativista relatou que o sistema privado/comercial de comunicação sempre teve todos os incentivos possíveis do estado para crescer e se consolidar, enquanto a comunicação pública sempre esteve à margem do processo de atuação estatal. Já a comunicação pública, comunitária e alternativa sempre sofreram um histórico processo de sucateamento que, em alguns casos, resultou inclusive na repressão e criminalização de vários comunicadores populares. Processados pela Justiça brasileira, estes comunicadores tiveram seus direitos à liberdade de expressão e à comunicação violados.

“Fazemos historicamente essa crítica sobre a concentração dos meios de comunicação no Brasil. Mas nós não conseguimos, nem no período mais recente, de governos minimamente atentos a essa questão, alterar esse quadro no Brasil. Ao contrário dos nossos vizinhos da América Latina, que passaram por recente processo de transformação dos seus marcos regulatórios no sentido de democratizar e ampliar as vozes, visando a diversidade e a pluralidade na comunicação”, lamentou Bia Barbosa. Segundo ela, faltou atitude ao Estado brasileiro para seguir o exemplo dos países vizinhos e atuar pela democratização da mídia. No caso brasileiro, o único movimento nesse sentido foi a criação da “primeira empresa pública de comunicação nacional, mas que está passando por um desmonte brutal” neste momento.

A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, denunciou que, além da falta de liberdade de expressão para os jornalistas dentro das empresas em que trabalham, os profissionais estão tendo que lidar ainda com a violência policial durante a realização dos seus serviços. “Os profissionais estão apanhando nas ruas e isso é gravíssimo, porque nós não podemos falar de democratização da comunicação, não podemos falar de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão, tratando o profissional com violência. Além disso, temos a violência difusa, como nos casos de censura interna nos veículos de comunicação, que são mais difíceis para denunciar justamente porque há um silêncio tácito da categoria em relação aos casos de censura interna”, ponderou.

A perseguição aos profissionais foi o tema abordado também pelo vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Thiago Correia, e pelo jornalista do portal Diário do Poder David Soares. Correia trouxe para o debate a perseguição a um colega profissional, que não pôde nem mesmo citar o nome de um deputado estadual de Alagoas. “Ele está impedido de falar o nome em qualquer circunstância que seja, não só relacionada à matéria que fez, mas como em qualquer outro momento. Essa decisão judicial acaba afetando o trabalho dele, que cobre exclusivamente a área da política”, desabafou.

O caso já foi transitado em julgado, ou seja, o jornalista tornou-se um criminoso “perante os olhos da lei por ter feito uma reportagem falando sobre a lentidão do Ministério Público Federal na apuração de um determinado caso”. O sindicalista chama atenção para a quantidade de casos como esse que vêm ocorrendo, principalmente, nos estados do eixo Norte-Nordeste, o que evidencia a existência de um coronelismo social na região.

Por sua vez, David Soares destacou os efeitos da utilização sistemática de instituições para cercear o trabalho dos jornalistas. “Existe uma utilização sistemática das instituições censurando jornalistas, o que tem imprimido um temor no profissional. Os jornalistas que atuam na política e que falam sobre as oligarquias estão sendo processados rotineiramente. É uma violência contra a liberdade de expressão e o exercício da produção de informação de qualidade”.

Além do desgaste psicológico dos profissionais, os debatedores relataram as dificuldades com as “custas dos processos judiciais”. Muitos acabam se auto cerceando, por saberem que, em caso de serem denunciados, não terão condições financeiras para arcar com a defesa. “Poucos são os que conseguem seguir em frente e manter sua autonomia e liberdade de imprensa após uma acusação”, destacou Soares.

Por fim, o jornalista Luís Nassif defendeu a restauração do direito de resposta “como contrapartida mais legítima do poder da mídia”. Em 2009, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Brito revogou o direito de resposta, declarando a inconstitucionalidade da chamada Lei de Imprensa. Luís Nassif lembrou que este amplo processo de criminalização em curso seria atenuado com a existência do direito de resposta, pois este resguardaria o direito de quem se sentisse prejudicado com uma notícia publicada ou transmitida.

Calar jamais

Bia Barbosa apresentou a Campanha Calar Jamais – campanha nacional contra a crescente ameaça e violações à liberdade de expressão no Brasil. A plataforma visa recolher denúncias e encaminhar para órgãos competentes tanto no Brasil quanto no exterior. A campanha “Calar Jamais!” é uma iniciativa do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e pode ser acessada pelo site www.paraexpressaraliberdade.org.br.

UNESCO e as normas internacionais sobre liberdade de expressão

Bia também destacou o documento “Concentração de Propriedade de Mídia e Liberdade de Expressão: Padrões e Implicações Globais para as Américas” elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que foi lançado no dia 3 de maio.

O relatório representa uma importante contribuição da UNESCO e de vários parceiros nos esforços para desenvolver padrões de comunicação que ultrapassem a barreira do exercício da liberdade de expressão, de forma a alcançar um ambiente de mídia diversificado e pluralista.

O documento elaborado por Toby Mendel, Angel Garcia Castillejo e Gustavo Gómez, especialistas mundiais na área da regulação dos meios de comunicação e em questões relacionadas à liberdade de expressão, mostra que há um esforço mundial para normatizar estas questões nos últimos 70 anos.

O relatório aborda a dupla proteção dos direitos à liberdade de expressão, do “falante” e do “ouvinte”, e apresenta ações para regular o mercado de mídia, com base no direito internacional. Este elemento proporciona a base jurídica do conceito de diversidade de meios de comunicação, o que pressupõe a colocação de obstáculos à concentração indevida da propriedade destes meios.

Neste contexto, a publicação pretende lançar luz sobre a regulamentação internacional dos meios de comunicação, bem como analisar as várias abordagens em nível nacional para fazer implementar essas normas.

Confira o relatório disponível em Espanhol e Inglês.

Encaminhamentos da audiência:

– Que a CDHM divulgue documento da Unesco “Concentração de meios e as normas internacionais sobre liberdade de expressão” que trata de mecanismos e recomendações acerca da desconcentração dos meios de comunicação
– Que a CDHM debata a regulação da mídia no Brasil
– Que a CDHM atue sobre os casos em que jornalistas sofrem tentativas de cerceamento de seu trabalho por meio de processos judiciais, especialmente no estado de Alagoas
– Que a CDHM peça informações sobre os casos recentes de assassinatos e ameaças a jornalistas no Alagoas
– Que a CDHM atue junto ao CNJ para a inclusão de jornalistas independentes na Comissão Executiva do Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa
– Que a CDHM peça informações sobre o caso do espancamento da jornalista do Mídia Ninja Karinny Rodrigues pela Polícia Militar de Belo Horizonte
– Que a CDHM elabore uma moção de apoio à situação de ameaça sofrida pelo Sr. David Soares, jornalista do portal “Diário do Poder”

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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