Intervozes lança pesquisa sobre cobertura jornalística das manifestações de junho

Na última quinta-feira, 16 de abril, o bloco dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) recebeu o lançamento da pesquisa Vozes Silenciadas Mídia e protestos: a cobertura das manifestações de junho de 2013 nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo. O idealizador da pesquisa, professor doutor Sivaldo Pereira da Silva, concedeu entrevista para a Assessoria de Comunicação – Jornalismo e Relações Públicas detalhando o processo desse estudo que conta com o auxilio de alguns estudantes de Jornalismo e do coletivo Intervozes, organização responsável pela publicação da pesquisa e que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil.

Ascom – Jornalismo e Relações Públicas: Como surgiu a ideia de analisar a cobertura dos protestos ocorridos em 2013 e transforma-las em pesquisa?

S.P. – Eu tenho realizado estudos comparativos há algum tempo e também estudos sobre comunicação e política. O Intervozes, organização civil que atua no campo da democratização da comunicação e que publicou o trabalho, também tem desenvolvido estudos em parcerias com pesquisadores neste campo. Assim, a ideia de analisarmos protestos surge justamente porque se trata de um evento importante da história recente do país e queríamos compreender como os meios de comunicação, especialmente o jornalismo, fizeram a cobertura deste evento.

Como se deu a formação da equipe de pesquisa e o processo de apuração?

S.P. – Como se tratava de um grande volume de material, com mais de mil notícias, onde cada texto era analisado e seus dados colocados em uma planilha eletrônica, então precisávamos fazer double checking, isto é, confirmar o mesmo dado duas vezes, por duas pessoas diferentes. Para viabilizar isso, o Intervozes disponibilizou algumas bolsas para estudantes auxiliarem neste processo e assim pudemos contar com a participação de sete estudantes: Ariane Sapucaia, Beatriz Alexandrino, Eduardo Jorge, Filipe Rodrigues, Larissa Vasconcelos, Márcio Anastácio e Uiliana Lima. A maioria fazia parte do Coscentro, projeto de extensão que coordeno ou do GpoliTICs, grupo de pesquisa que também coordeno. Alguns bolsistas participaram no início da coleta, outros mais no final. Quanto ao processo de apuração dos dados, os pesquisadores recebiam informações e treinamento básico para entender as categorias da planilha e como operar a planilha eletrônica. Faziam aplicações testes para verificar se estavam aptos para continuar. E a partir daí, aplicava a planilha em cada matéria respondendo questões qualitativas e quantitativas solicitadas. Ao final do processo de coleta eu reuni as informações de todas as matérias e fiz a tabulação e análise, isto é, cruzamento de dados, identificação de padrões, produção de gráficos e texto com os resultados finais do estudo. Foi um trabalho que durou cerca de 6 meses sendo bastante árduo pelo volume de informações que trabalhamos.

A pesquisa possui um olhar objetivo apenas em função da análise ou toma forma critica a respeito do modo como as coberturas jornalísticas foram feitas na época?

S.P. – A metodologia foi desenvolvida para tentar analisar indicadores que pudessem esclarecer elementos importantes nas matérias, principalmente questões de cunho normativo e qualitativo. Por exemplo, como os manifestantes eram qualificados; se as matérias ouviam os dois lados quando traziam acusações; quem eram as fontes mais ouvidas; quem as matérias apontavam como causador de atos violentos nos protestos… Enfim, uma série de indicadores como esses. Por isso, buscamos fazer uma análise objetiva baseando-nos em números e qualificações objetivas. Justamente pelo fato do jornalismo ter um importante papel na construção da vida social, esses problemas têm impacto político e por isso a pesquisa nos permite tecer algumas críticas neste sentido. Portanto, podemos dizer que é um estudo crítico baseado nos resultados de uma análise objetiva.

Quais foram os resultados obtidos pela pesquisa?

S.P. – Os resultados demonstram uma série de problemas na cobertura dos jornais que envolvem qualidade da apuração jornalística; não cumprimento de princípios normativos e éticos. Por exemplo, cerca de 40% das matérias só ouvem uma fonte, sendo as autoridades governamentais e policiamento as únicas fontes mais ouvidas. Cerca de 77% das matérias trazem acusações, mas não ouvem os dois lados da questão, sendo os manifestantes aqueles que mais são acusados sem serem ouvidos. No geral, em 69% do total das matérias, os manifestantes não são ouvidos. Os números apontam que há um padrão na cobertura dos três jornais analisados: não se trata de casos isolados. Um cenário que implica não apenas na qualidade do texto noticioso, mas tem repercussões na vida real, pois demonstra que há pouca pluralidade de vozes na cobertura e um viés institucionalista no jornalismo brasileiro. Os resultados completos do estudo foram publicados em formato impresso e também em formato digital. Quem tiver interesse, pode baixar gratuitamente em PDF no site do Intervozes.

Link: http://goo.gl/ekiMbG

Entrevista concedida a Diogo Maia, publicada no portal da Universidade Federal de Alagoas – www.ufal.edu.br

Por que criticar, desde já, uma parceria entre o Governo Federal e o Facebook?

Por Marina Cardoso*

A presidenta Dilma Rousseff posou para foto vestida em um casaco com o logo do Facebook, ao lado de seu criador, o norte-americano Mark Zuckerberg. Assim, ela anunciou possível acordo entre o governo brasileiro e a plataforma de rede social para trazer a iniciativa Internet.org para o Brasil. O projeto é uma parceria do Facebook com empresas de telefonia para viabilizar acesso à Internet gratuitamente para determinadas partes da rede. Mas o que está em questão, para além do aparente benefício, é a nossa privacidade e o próprio modelo de Internet que ele impulsiona.

A empresa de Zuckerberg mantém atualmente uma experiência em Heliópolis, bairro popular do estado de São Paulo. Lá os moradores são estimulados a usar a maior rede social do mundo para promover negócios próprios. Segundo a presidenta, esta seria a base para um futuro acordo com o Facebook. Em entrevista recente a um grupo de blogueiros, Dilma falou na possibilidade de, em uma segunda etapa, o Facebook garantir infraestrutura de banda larga em regiões onde atualmente não há.

Mas por que desde já é preciso criticar esta “parceria” com o Facebook? Primeiro, porque não se trata de inclusão digital. O Internet.org costuma envolver a garantia de que, mesmo quem não tenha pacote de dados, tenha acesso à timeline do Facebook. Isto estimula a concentração da Internet em um único aplicativo/plataforma, cujo lucro principal está no acesso de dados de cada usuário e na publicidade vendida a partir dos dados gerados por ele.

Uma pesquisa realizada pela Quartz, agência de notícias sobre mundo digital, é bastante esclarecedora sobre os rumos da concentração de uso da Internet apenas no Facebook. A reportagem “Milhões de usuários de Facebook não têm ideia que estão usando a Internet” mostra que os novos usuários da rede, em países em desenvolvimento, não usam e muitas vezes não sabem que existem navegadores, que têm esse nome por permitir nos levar a diferentes caminhos. Quando perguntados se o Facebook é a Internet, mais da metade dos usuários brasileiros que participaram da pesquisa disseram “sim”.

A situação da concentração já é alarmante. O Facebook não é um local público, por mais que pareça. É uma empresa com interesses privados e regras próprias. Ela tem o poder, sozinha, de alterar aparição das notícias e demais conteúdos que aparecem na linha do tempo dos cidadãos.

O jornalista Alex Hern, do inglês The Guardian, expressou sua preocupação com essa situação na reportagem “Quando algoritmos definem nossas notícias, deveríamos ficar aliviados ou preocupados?”. Hern estava obviamente preocupado. Ele relata que, durante as manifestações decorrente do assassinato de um jovem negro por um policial, nos Estados Unidos, o Facebook concentrava a lista de posts em referências aos vídeos de balde de gelo na cabeça, campanha de divulgação da esclerose que ganhou adepto de artistas.

A mobilização em torno do assassinato, aponta Hern, ficou por conta do Twitter, que não gerencia os posts de seus usuários; a ausência desse tipo de filtro permitiu muita gente ficar sabendo do que estava acontecendo. Para o jornalista, o fato de o Facebook querer que seus usuários entrem na rede social, cada vez mais, para vender anúncios a eles pode direcionar o conteúdo. Por exemplo, a empresa pode priorizar a circulação de notícias felizes, a fim de não afugentar os clientes.

O Facebook é um espaço murado, privado, onde valem as opções da empresa acerca do que pode ser publicado ou não. O controle do conteúdo e a imposição de suas regras têm sido frequentemente expostos. Nesta semana, o Ministério da Cultura (MinC) informou que iria acionar judicialmente a empresa por ela ter deletado postagem com fotografia de um casal de Índios Botocudos que mostrava uma índia com o dorso nu. Inicialmente, a rede negou o pedido do ministério de liberar a foto, alegando que ela não estava de acordo com suas regras. A censura só foi desfeita na noite de ontem (18), depois da ameaça de ação judicial.

Situação semelhante tem sido denunciada por entidades de mulheres que querem que o Facebook não censure imagens de amamentação. Se a sociedade inteira faz um movimento para estimular o aleitamento materno, por que estimular uma plataforma que joga contra? Também as integrantes de movimentos feministas como a Marcha das Vadias reclamam de terem posts censurados. Os exemplos são muitos. Nos EUA, a organização Eletronic Frontier Foundation (EFF) estuda se o Facebook não trata diferentemente posts de denúncia de violência praticadas por palestinos e israelenses.

Outra questão se trata de como o Facebook participaria da construção de infraestrutura no país. As notícias dão conta de que Governo Federal e Facebook estão discutindo o tema. Isto já causa espanto, pois a defesa do Estado brasileiro apoiou a neutralidade de rede, princípio basilar do Marco Civil da Internet. O controle da infraestrutura por uma só plataforma ou empresa fere frontalmente o coração do Marco Civil, legislação apontada como das mais avançadas do mundo na área.

Vale ressaltar que, exatamente por defenderem a neutralidade de rede, empresas indianas anunciaram nesta semana a saída da parceria que beneficia o Facebook.

Privacidade

Se firmado o acordo, é provável que o Facebook se torne a plataforma prioritária de comunicação dos brasileiros, potencializando, com isso, a capacidade da rede de sugar os dados dos usuários. Tendo em vista que a plataforma é uma das empresas que disponibiliza o acesso ao seu centro de processamento de dados para Agência Nacional de Segurança dos EUA, fica a questão: como é possível defender a soberania nacional se estimularmos a entrega da privacidade dos cidadãos?

Tal parceria já seria, assim, contraditória diante da postura do Brasil frente às denúncias de espionagem reveladas por Edward Snowden. O próprio Snowden, aliás, apontou que o Facebook estaria permitindo que governos vissem as mensagens dos internautas. Diante disso, fica claro que é incompatível estimular o uso da rede, quando a mesma empresa desrespeita os direitos à privacidade.

Inovação e modelo da Internet em jogo

Ao liberar acesso e estimular o Facebook, o acordo poderá custar a possibilidade de manter o ritmo de inovação da Internet. A rede, até hoje, manteve um nível de concorrência sem precedentes. Mesmo pequenas empresas conseguiram entrar no mundo virtual e desenvolver novos produtos, isso porque até aqui as dificuldades para entrar nesse mercado eram baixas, assim como o preço da conexão e a dificuldade de acesso às plataformas de comunicação.

A lógica do acordo proposto também atinge o modelo de Internet que conhecemos. Até aqui, os pontos conectados podem ver outros pontos conectados igualmente. O que Zuckerberg propõe é que sua rede (e quem sabe possível parceiros) tenha prioridade nesse circuito.

É como se o portal para o mundo da Internet estivesse começando a se fechar em torno de diversas empresas norte-americanas e do Norte Global como um todo. Triste isso, ainda mais para um país como o Brasil que apenas engatinha em construção de plataformas digitais. A porta pode se fechar antes de o Sul Global passar de fato, o que manterá a desigualdade entre Norte e Sul na produção de comunicação.

Inclusão digital como política pública e não negócio

Enquanto a presidenta Dilma diz que deve sentar com Zuckerberg para discutir o acordo, a sociedade civil segue aguardando uma agenda com o governo para debater a universalização do acesso à rede. Inclusão digital não pode ser encarada como um simples projeto social, mas sim como política pública que garanta o acesso universal à conexão banda larga enquanto um direito, além de informação e formação para que os cidadãos possam ser sujeitos na rede, capazes de escolher quais plataformas vão adotar, quais conteúdos vão produzir e fazer circular.

Um possível acordo com o Facebook jamais poderá ser comparado à inclusão digital. Trataria, apenas, de vender nossa privacidade, independência, possibilidade de inovação e de criação livre de narrativas. Uma grande cilada!

* Marina Cardoso é integrante do Intervozes

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

2º ENDC repudia possibilidade de acordo com Facebook

Além da Carta de Belo Horizonte, a plenária final do 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC) aprovou moção de repúdio à possibilidade de parceria entre o governo federal e o Facebook. A notícia do possível acordo foi dada na semana passada (10/4) e pegou as entidades sociais organizadas de surpresa. O objetivo seria ampliar o acesso à internet e a serviços públicos no país e o Facebook entraria com a infraestrutura tecnológica.

A conversa entre a presidenta e Mark Zuckerberg, criador e gestor da maior rede social do mundo, aconteceu na Cidade do Panamá, durante reunião paralela à 7ª Cúpula das Américas. Em entrevista ao E-Fórum ainda na manhã do dia 12 de abril (domingo), Flávia Lefèvre, da campanha “Banda Larga é um Direito Seu!”, destacou como o principal ponto negativo da possível parceria a quebra do princípio da neutralidade da rede, um dos principais avanços do Marco Civil da Internet. “Esperamos que a presidenta esteja sensível a isso, pois ela aprovou o Marco Civil da Internet e não pode fragilizar a lei dessa maneira”.

O possível acordo, aliás, vem sendo alvo de críticas durante toda a semana por outros motivos além da quebra da neutralidade. Um deles é o fato de que o Facebook, ao lado de outras gigantes como Google, Yahoo, Apple, Microsoft e Skype, ser um dos principais fornecedores de dados para o programa de espionagem internacional da norte-americana Agência Nacional de Segurança (NSA), como lembra a secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Renata Mielli (foto ao lado).

Flávia Lefèvre lembra que a principal característica do acordo é levar banda larga para os mais pobres por meio da rede móvel e de parceiros comerciais que não têm nada a ver com os interesses governamentais nem públicos. “Ou seja, ferindo as leis de concorrência e o Direito do Consumidor, pois o acordo possibilitaria que as pessoas atingidas tivessem acesso somente a alguns conteúdos e não a toda a rede”, completa.

A ativista lembra que o acordo também é mal avaliado do ponto de vista do estímulo à inovação. “As grandes empresas de telecomunicações geralmente se associam com esses provedores de conteúdo e de aplicações numa base de consumidores muito grande. Então para uma pequena empresa conseguir concorrer nesse nível é muito difícil. Consequentemente, startups e outros pequenos empreendedores ficarim à margem desse processo”, problematiza.

Para Lefèvre, se o governo de fato firmar o acordo estará fazendo uma escolha muito equivocada. “Vai viabilizar a criação de castas de consumidores: os que terão uma banda larga de qualidade, via rede fixa, e os pobres que terão uma banda larga na rede móvel, restrita a determinados sites”.

A representante da campanha Banda Larga é um Direito Seu ainda ressalta o fato de que o Brasil certamente tem condições de ampliar o acesso à banda larga por meio de recursos próprios, como o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). “O Fust poderia ser aplicado na implantação da infraestrutura necessária para a banda larga, mas infelizmente o governo se nega a cumprir o que está na lei. Por isso que nossa campanha existe há mais de quatro anos lutando pela inclusão da banda larga no serviço público”, finaliza.

Fonte: FNDC

Em PE, silêncio sobre o Estelita contrasta com a valorização dos atos anti-Dilma

Por Eduardo Amorim*

Muito já se falou sobre o quanto a mídia nacional assume posturas distintas em relação às diversas manifestações que ocorrem no país desde junho de 2013. Mas é interessante perceber como nos jornais locais esse fenômeno se repete. No Recife, no último domingo, enquanto foi organizada uma manifestação claramente anti-Dilma no bairro Boa Viagem, no Cais José Estelita havia a mobilização Ocupe Campo-Cidade, que pela primeira vez uniu os diversos grupos que compõem o Movimento Ocupe Estelita, o Levante Popular da Juventude e grupos que fazem a luta no campo, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), representantes do povo Xukuru e agricultores agroecológicos.

Nos jornais do fim de semana, as mobilizações anti-Dilma ganharam dezenas de chamadas, assim como na programação nacional das principais redes de televisão. Já o Ocupe Campo-Cidade, teve apenas algumas reportagens publicadas em sites de organizações sociais, como o Centro Sabiá (onde atuo profissionalmente), e de portais como o Leia Já e Diário de Pernambuco.

Na segunda-feira, os três principais jornais pernambucanos admitiram o fracasso de público das manifestações pelo Brasil e no Recife, mas suas manchetes reafiramam que a pressão é cada vez maior contra a presidenta Dilma Roussef. Todos praticamente ignoraram o protesto relacionado ao próprio estado e que, nos últimos meses, conseguiu trazer à tona a discussão sobre o modelo de cidade que vem sendo produzido.

No Jornal do Commercio, único que teve uma pequena chamada de capa para o protesto organizado pelos movimentos sociais, uma foto grande de público vestindo amarelo estava acompanhada pelo título “Protesto menor. Governo silencia”. A exposição contrasta com a nota de apenas uma coluna com o nome “Estelita”. Em uma página preta e branca, na parte inferior e menos valorizada do periódico, o JC publicou a única matéria da imprensa escrita sobre o Ocupe Campo-Cidade. Com maior destaque e cores, vieram as reportagens sobre o ato anti-PT em Boa Viagem e no resto do país.

Na caderno Poder do Diário de Pernambuco, a capa e duas páginas coloridas trazem a cobertura dos protestos nacionais e do que aconteceu no Recife, o Ocupe Campo-Cidade só aparece no site e em uma nota com foto na parte inferior esquerda do caderno Local. A Folha de Pernambuco destou exclusivamente o ato “anti-PT”, embora tenha pontuado a diminuição do número de participantes, na comparação com o ato do dia 15 de março. De propriedade do usineiro Eduardo Monteiro, o jornal não mencionou o Ocupe Campo-Cidade nem mesmo no seu site.

A valorização de um em detrimento do outro também se dá na contagem dos participantes. Curiosamente, o texto Jornal do Commercio JC sobre o Ocupe Campo-Cidade fala na presença de 3.000 pessoas, mas a única imagem que foi publicada é fechada e tem três pessoas comprando produtos agroecológicos de um vendedor com a bandeira do (tão criticado) Movimento Sem Terra tomando quase metade do espaço.

O Ocupe Campo-Cidade vinha sendo planejado desde janeiro e tinha como principal objetivo mostrar as similaridades entre os problemas enfrentados nos meios rural e urbano. Entre elas, as irregularidade no leilão que possibilitou o início do projeto Novo Recife, projeto idealizado para ser realizado na área do Cais José Estelita, que foi ocupada por 50 dias pelo movimento e teve uma violenta desocupação realizada em dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo pela Polícia Militar. A lógica em nada difere da grilagem de terras denunciada por diversos movimentos ligados ao campo. Bem como não difere o uso da violência do Estado contra os movimentos sociais.

Não é possível aceitarmos a continuidade da imposição do silêncio e de lógicas opressoras. “O exercício do bom senso, com o qual só temos o que ganhar, se faz no ‘corpo’ da curiosidade. Nesse sentido, quanto mais pomos em prática de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso” dizia Paulo Freire.

Um dos pernambucanos mais conhecidos de todos os tempos, o pedagogo não é nome de nenhuma importante praça, avenida, ponte ou monumento no Recife. Conhecido internacionalmente pelas suas pesquisas e pelo trabalho de alfabetização de adultos, ele acabou virando referência negativa de um grupo de manifestantes que foi às ruas no início das manifestações anti-Dilma.

Mas a comunicação em geral tem dois lados e certamente a faixa levada pelo grupo e que dizia “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire” serviu mais para alertar para a necessidade de se voltar ao trabalho do criador do Programa Nacional de Alfabetização (criado no governo João Goulart e extinto pela Ditadura Militar) do que como crítica ao autor falecido em 1997. E também mostra a despolitização de algumas das lideranças da onda generalizada de protestos anti-Governo.

Reagindo a essa tendência, é preciso afirmar a crítica e trazer à tona as indagações. Há de se questionar a escolha de fazer uma cobertura abrangente, com foco nas demandas da população, espaço para comentários de diversas fontes, reserva inclusive de horários e espaços normalmente destinados ao entretenimento para alguns, enquanto a outros é destinada a sobra. Quando é.

É preciso fazer uma leitura crítica desse fenômeno. Será que, a partir de agora, os protestos dos movimentos do campo não precisam ter seus cartazes mostrados no horário nobre? Finalmente os desapropriados pelas obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas terão suas histórias dramáticas contadas sem cortes nas principais emissoras do país? Aparentemente, nenhuma mudança significativa aconteceu nos veículos de mídia nacional e nem nos de Pernambuco.  Mas as perguntas são necessárias para quem assistiu de casa ou participou nas ruas dos protestos do último domingo no Recife, para que comecemos a virar uma página importante da alfabetização política no Brasil.

Um crítico da cobertura da TV Globo pode corretamente identificar que a emissora, assim como outros grandes veículos, usou técnicas publicitárias para fazer que os protestos anti-Dilma conseguissem realmente mobilizar grande quantidade de pessoas em todo o país. As chamadas durante toda a semana e desde cedo pela manhã faziam com que os cidadãos já amanhecessem sabendo o que esperava o domingo na Avenida Boa Viagem, na Paulista, em Copacabana e em tantas outras cidades.

Os maiores veículos locais do país reverberaram esse aquecimento. No último domingo, a TV Globo, pela segunda vez, iniciou a cobertura dos protestos logo após o Globo Rural, repetindo o que já havia acontecido no 15 de março.

Quantos protestos no Brasil não mereciam o destaque que receberam essas duas mobilizações? O cuidado de se investigar o que querem os manifestantes, que em certo momento até confundiu quem estava assistindo pela TV, só me fez lembrar das dezenas de vezes que vi nas ruas questões extremamente relevantes serem silenciadas pela mídia.

Os manifestantes majoritariamente de esquerda que estiveram no Ocupe Campo-Cidade certamente tiveram suas lições de alfabetização para a era digital. Agora, um outro grupo identificado provavelmente com ideias mais conservadoras chega às ruas e muitos deles certamente com desejo efetivamente de melhorar o país. Das lições que trago de junho de 2013,  diria que Paulo Freire e a alfabetização de adultos já não é suficiente, precisamos falar também em política e educação para a mídia e a era digital.

Para voltar pedagogicamente ao educador, lembro que para ele “seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”. Para que a comunicação contribua no processo de transformação social, como esperava Freire, não basta sonhar que alguns destaques de cobertura do protesto anti-Dilma servissem também para o Ocupe Campo-Cidade ou pautas similares dos movimentos do campo e rural, que pregam a reforma agrária (MST), a agroecologia ou uma nova relação do poder público com as terras urbanas, como o Movimento Ocupe Estelita. É preciso que seja vista como direito. Direito exercido por todos e todas nós.

*É integrante do Intervozes e mestrando em Comunicação pela UFPE.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Liberdade de expressão? A gente não vê por aqui

Por Bia Barbosa*

Nesta terça-feira (14), a Câmara dos Deputados realizou sessão solene para homenagear os 50 anos da Rede Globo de Televisão. No plenário da Casa, ilustres autoridades, como o embaixador do Reino Unido e a representação da Unesco no Brasil. Os artistas Glória Menezes, Juca de Oliveira e Milton Gonçalves, que se definiu como um dos “fundadores” da emissora, também marcaram presença. O espaço, no entanto, ao contrário do que sempre ocorre em sessões solenes, foi fechado para os não-convidados. Estudantes de jornalismo que tentaram acompanhar a atividade foram retirados do plenário por seguranças, porque não tinham convite. As galerias, como começa a virar praxe na gestão Eduardo Cunha, também foram fechadas.

Ao longo de mais de uma hora, lideranças partidárias se revezaram para elogiar o grupo de comunicação, seu padrão de qualidade e sua contribuição “para a construção da história e da democracia brasileira”.

“Celebramos os 50 anos da Globo para prestigiar a maior emissora do Brasil, que sempre valorizou toda a nossa diversidade cultural”, disse o presidente da Câmara, destacando a “extensa pluralidade” que encontramos na sua programação, que leva “talento, informação e, principalmente, isenção à casa dos brasileiros”. “O comportamento histórico da Rede Globo pode nos ajudar a manter a democracia no Brasil”, acredita Cunha, cuja esposa é ex-apresentadora da empresa homenageada.

O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), um dos proponentes da sessão, lembrou o Globo Rural “e seu papel de divulgação da agricultura pujante do nosso Brasil”. Rômulo Gouveia (PSD/PB), outro proponente da homenagem, lembrou o “importante papel social da Globo na área da educação”, dizendo que teve a ideia da sessão solene para “imortalizar os 50 anos da emissora que tem um valor muito grande para o povo brasileiro”. Hildo Rocha (PMDB/MA) fez questão de contar as histórias de quando trabalhou na afiliada da Rede Globo em seu estado, e conseguiu levar o sinal da emissora para todo o interior do Maranhão, saindo de lá como diretor do canal. “Devemos à Globo protestos de respeito e admiração pela valorização da arte e da cultura do Brasil, pela ampla difusão das notícias, pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas, pela formação da opinião pública e pela contribuição para a ordem democrática no Brasil”, declarou.

O jornalismo da Rede Globo foi especialmente lembrado por Sergio Zveiter (PSD/RJ), por sua “ética, independência, imparcialidade, isenção, correção e agilidade”. Miro Teixeira (PROS/RJ) agradeceu ao departamento jurídico da Globo por contribuir nos embates sobre liberdade de expressão travados em julgamentos do Supremo Tribunal Federal. O líder do DEM, Mendonça Filho, assumiu o compromisso público de combater, na Câmara, qualquer tentativa de se limitar a imprensa livre e a liberdade de expressão no país. “Esta é a Casa da democracia”, garantiu.

Mas parece que a liberdade de expressão na Câmara só vale para quem concorda com os deputados. Durante a fala de Heráclito Fortes (PSB/PI), três militantes, entre eles Pedro Vilela, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), tentaram abrir uma faixa com os dizeres “A verdade é dura: a Globo apoiou a ditadura” e foram imediatamente detidos pelos seguranças da Polícia Legislativa. A faixa sequer pode ser aberta. Ao serem retirados à força, protestaram: “cadê a liberdade de expressão, Mendonça Filho?”. Na sequência da expulsão dos ativistas, os deputados manifestaram toda a sua solidariedade à emissora.

João Roberto Marinho, presidente do Conselho Editorial da Globo, reagiu dizendo que sabe que a Globo não agrada sempre. “O que vimos aqui não poderia ser diferente. Toda democracia é barulhenta (…) A TV Globo não quer fazer barulho, mas é obrigada a exibi-lo. E temos consciência que ora desagradamos uns, ora outros. Mas não defendemos partidos, religiões, comportamentos. Defendemos a democracia, a república, o império da lei e do voto”.

Ao final da sessão solene, entrevistei o presidente da Câmara sobre a expulsão dos manifestantes do plenário:

Eduardo Cunha: Os protestos tem que ser feitos dentro da ordem. Eles estavam interrompendo um orador.
Mas eles foram retirados a força antes de dizerem qualquer coisa. Era pra ser um protesto silencioso. Foram detidos no momento em que tiraram a faixa da mochila.
Eduardo Cunha: Faixa tem que ser na galeria.
Mas o senhor fechou as galerias, deputado.
Eduardo Cunha:
Foram distribuídas senhas e convites para esta sessão.
Então era só pra convidados? Não havia possibilidade de um protesto silencioso?Eduardo Cunha: Não foi silencioso. Eu vi bem lá de cima quando eles começaram a gritar.
Mas isso foi quando eles foram retirados à força.
Eduardo Cunha Eles já estavam interrompendo o orador antes.

Vamos dormir com um barulho desses?

Protestos em diversas capitais estão sendo organizados para o dia 26 de abril, data oficial do aniversário da TV Globo. Que a liberdade de expressão seja um direito de todos em todas. Inclusive dentro da Câmara dos Deputados.

Atos fora Globo: 50 anos de mentira
São Paulo: https://www.facebook.com/events/373059119549128/

Belo Horizonte: https://www.facebook.com/events/1434303450215252/
Brasília: https://www.facebook.com/events/1422568291383735/

Curitiba – Semana de Descomemoração de Aniversário da Globo: https://www.facebook.com/events/1576318852652962/permalink/1576373409314173/

* Bia Barbosa é jornalista e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.