O governo enterrou de novo o debate da regulação da mídia?

Por Pedro Ekman*

No segundo turno da campanha eleitoral do ano passado, Dilma Rousseff sinalizou que, finalmente, levaria ao debate público o tema da regulação da comunicação. Afirmou, inclusive, que faria a “regulação econômica da mídia”. Logo no início do novo governo, o novo ministro da pasta, Ricardo Berzoini, reiterou a proposta e chamou a sociedade civil para dialogar. Então, disse que as ações em torno do tema começariam em março. Mas parece que o que era um compromisso político mais uma vez foi abandonado.

Nesta quarta (29/04), o ministro participou de audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Por mais de duas horas, discursou sobre a agenda do Ministério das Comunicações. Ao ser questionado sobre a necessidade de um novo marco regulatório, o ministro respondeu apenas que a liberdade de expressão deve ser exercida em equilíbrio com os demais direitos consagrados na Constituição Federal. Ele não tocou no tema da abertura do debate com a sociedade, ausência que confirma o que a própria presidenta Dilma havia sinalizado no início deste mês. Então, em entrevista coletiva a blogueiros, ela afirmou que “não há a menor condição de abrirmos essa discussão neste momento, por conta de toda a situação”. A frase, registrada pela jornalista Cynara Menezes, foi seguida pela seguinte pérola: “Me disseram que vocês estão para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular, que estão colhendo assinaturas. Não sei como ele é, nunca vi mais gordo, mas acho que pode ser interessante”.

Pelo visto, mais uma vez, o governo abriu mão de travar o debate e promover políticas em uma área fundamental para qualquer sociedade democrática.

Ao mesmo tempo em que continuaremos cobrando os compromissos firmados anteriormente pelo governo, seguiremos a pautar a necessidade de regulação da mídia. Isso porque os meios de comunicação ocupam no sistema democrático, hoje, o lugar importante do debate sobre temas de interesse público. Em uma sociedade como a em que se vive em 2015, tomar decisões em praça pública com centenas de milhões de pessoas ao mesmo tempo não é algo factível. A Internet talvez um dia permita isso, mas, com o nível de exclusão digital que temos, este cenário continua distante. O papel de mediação ainda é desempenhado pelos meios tradicionais, como a televisão.

Aliás, foi para enfrentar o problema da impossibilidade de reunir todos fisicamente em um espaço público comum que inventamos dois instrumentos: o sistema de representação política e a comunicação social eletrônica, ambos descritos e definidos na Constituição Federal. O Congresso Nacional passa a ser o lugar central dos debates, do qual participam com direito a voto os representantes eleitos da sociedade. Já por meio do rádio e da TV, a sociedade obtém o conhecimento de informações para tomar suas decisões, como eleger representantes ou sair às ruas para protestar contra o que percebe estar errado.

Vale notar que tanto o Congresso como os canais de rádio e TV são espaços públicos. A Constituição Federal fez questão de defini-los assim, pois eles são estruturantes do sistema democrático representativo. O problema é que a política brasileira privatizou o espaço público ao longo de sua história, favorecendo os interesses privados em detrimento dos interesses públicos e republicanos. Os representantes do nosso Parlamento são eleitos com campanhas milionárias, financiadas por corporações que passam a ter seus interesses verdadeiramente representados no Congresso. As cédulas de dólares e reais substituem as de votação em importância, corrompendo a estrutura do sistema. Da mesma forma, os canais de rádio e TV são entregues a poucas empresas privadas, que definem o debate político e cultural do país.

Para termos ideia do impacto da concentração de mercado no debate público, podemos analisar a discussão que ocorre neste momento sobre a possibilidade da redução da maioridade penal. Como será a reação de uma sociedade que é bombardeada diariamente por programas policialescos e telejornais que veiculam crimes cruéis supostamente cometidos apenas por adolescentes? Com adolescentes condenados na praça pública da TV, sem sequer ter o direito constitucional da presunção da inocência, a sociedade se vê impelida a apoiar a redução da maioridade penal, já que esse é o caminho mostrado como razoável diante dos fatos que foram selecionados para serem levados ao debate.

Não à toa, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, aprovou esta semana a convocação dos jornalistas Marcelo Rezende (TV Record), José Luiz Datena (Bandeirantes), Rachel Sheherazade (SBT) e Caco Barcellos (Globo) para uma audiência pública sobre o tema. Os três primeiros são recorrentes defensores da mudança e usam a televisão para divulgar suas ideias com veemência. Isso sem que o Ministério das Comunicações, por exemplo, os puna por, entre outros casos, incitar à violência, como feito por Sheherazade ao comentar ação de “justiceiros”, no ano passado. A falta de vontade política do governo, aliás, se dá não apenas quando ele se nega a travar o debate estrutural da comunicação, mas também quando se nega a fazer o que deveria e já pode ser feito com as leis existentes no país.

Diante desse cenário, a democracia existe no papel, mas não se realiza na prática. O artigo 220 da Constituição define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. A Globo, no entanto, controla 70% do mercado, faturando sozinha mais do que todas as demais empresas de comunicação. Isso acontece porque o Congresso Nacional nunca elaborou leis definindo mecanismos que impedissem a formação de monopólio. Por que o Congresso tem sido omisso nas suas obrigações? O artigo 54 da mesma Carta Magna determina que deputados e senadores não podem ser donos de concessionárias de serviço público (o que inclui canais de rádio e TV). No entanto, a família Sarney, os senadores Fernando Collor, Aécio Neves, Agripino Maia e Edson Lobão Filho são apenas exemplos das dezenas parlamentares que controlam inúmeras emissoras em seus estados.

Criar leis que tornem viáveis os objetivos constitucionais é justamente o que se chama de regulamentar a Constituição, um passo fundamental para a regulação do sistema de comunicações do país, para que o jogo democrático possa ser justo e equilibrado. No entanto, congressistas e grandes emissoras de TV definem a regulação da mídia como cerceamento da liberdade de expressão e como um ataque de um suposto governo autoritário, que quer impedir críticas à sua gestão. Isso acontece porque as corporações de mídia, ao reconhecerem a possibilidade de um cenário em que terão que dividir o bolo que sempre comeram sozinhas, atacam a proposta e provocam medo na sociedade, para que ela também reaja contra a medida.

“Podemos tirar, se achar melhor”

Muitas vezes, o mais importante não é o que se comunica, mas aquilo que se deixa de comunicar. Recentemente, as redes sociais foram surpreendidas por uma notícia que foi ao ar com uma nota do jornalista ao editor que dizia: “Podemos tirar, se achar melhor”. A frase estava inserida após um trecho da reportagem que ligava o esquema de corrupção da Petrobras ao governo FHC. O diálogo entre um jornalista e um editor é algo absolutamente trivial mas, ao expor a preferência de se levar ao debate público algumas informações e não outras, ele provocou a reflexão sobre quantas notas não foram tornadas públicas e quantas informações foram simplesmente retiradas do debate. O fato de que a mídia tem lado, posicionamento e opinião contraria o discurso corrente de que os meios são técnicos e sempre optam pela melhor forma de informar. Tendo isso claro, fica fácil perceber que um cenário de mercado altamente concentrado, onde apenas poucos empresários decidem o que toda a sociedade vai debater, é algo mortal para uma sociedade que se pretende democrática.

Regular a mídia não é censura e nem coisa de comunista. Países não comunistas como a Inglaterra, a França, a Alemanha e até os Estados Unidos regulam as comunicações de maneira mais determinada que o Brasil. Enquanto os donos do The New York Times não podem ser os mesmos donos de uma emissora de TV, em Nova York, porque a regulação americana coloca limites à propriedade cruzada dos meios de comunicação, aqui os donos da Globo podem ter canais de TV, rádio, jornais, editoras, gravadoras e outros tantos veículos, sem qualquer limite. Se, no Brasil, as emissoras de TV questionam na Justiça a Classificação Indicativa (mecanismo de regulação de conteúdo para proteger as crianças de cenas impróprias), na Suécia a publicidade infantil é absolutamente proibida. Estados Unidos e Suécia estão longe do projeto comunista e nem por isso definem regulação como censura.

Entendendo que a solução para esse problema não virá espontaneamente do Congresso Nacional e cansada de esperar por um governo que decida enfrentar a questão de fato, a sociedade civil brasileira elaborou e colhe assinaturas para o Projeto de Lei da Mídia Democrática (aquele que a Presidenta disse desconhecer). Vários meios alternativos e outras iniciativas de comunicação, além de ações diversas das organizações sociais, buscam fomentar esse debate. Se, com todo o esforço da sociedade em pautar o assunto, ele não aparece na TV e no rádio, é porque certamente alguém achou melhor tirar. E isso sim é praticar censura.

* Pedro Ekman é membro da Coordenação Executiva do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

“Só com regulamentação política vamos acabar com os monopólios na internet”

A CryptoRave reuniu hackers, ativistas e estudiosos da internet em uma maratona de atividades em 24h seguidas, na cidade de São Paulo, nos dias 24 e 25 de abril. Foram 37 espaços que debateram segurança, criptografia, vigilância de agências de segurança – como a estadunidense NSA -, liberdade de expressão e privacidade, além dos monopólios da internet.

O sueco Peter Sunden, cofundador do The Pirate Bay, um dos maiores sites de busca, download e envio de arquivos – muitos dos quais “piratas”, como o nome sugere – foi um dos participantes da Rave.

O site e seus fundadores são alvos de constante perseguição. Em 2008, Sunden e mais três fundadores do Pirate Bay foram levados a julgamento pela Justiça sueca, acusados de “ajudar (outros) a infrigir leis de copyright”. Em 2009, ele foi condenado a um ano de prisão.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Sunden analisa como a internet se tornou centralizada e cheia de monopólios. Ele também aponta as consequências da coleta de dados pelas agências de vigilância e questiona a parceria que o governo brasileiro está fazendo com o Facebook.

Brasil de Fato – Qual sua opinião sobre o funcionamento da internet hoje?

Peter Sunden – A internet vai contra todos os ideais sob os quais ela foi fundada. Basicamente, criamos um sistema descentralizado, mas toda a informação foi centralizada por grandes empresas. É como dar ao mundo uma geladeira, mas usar um único compartimento gigante para armazenar tudo, o que é muito estúpido.

Devemos começar a perceber que com essa centralização vamos perder em termos de informação, cultura, comunicação e, também, infraestrutura, porque tudo depende mais e mais da internet. Somos ingênuos, deixamos chegar a este ponto porque utilizamos essa tecnologia por muito tempo sem pensar no que ela significava.

O que você diria para alguém que fala que a internet é um espaço livre e democrático?

P.S. – O capitalismo promete várias coisas, mas nunca te diz o custo. Na internet, você pode ficar no seu canto, criar uma rede social livre, mas os usuários não vão vir, porque eles estão nesse shopping chamado Facebook. Você pode ter sua lojinha, mas nunca terá clientes. Por isso, do jeito que usamos a internet hoje, a internet não é realmente “livre”.

O principal problema é que não há regulação. Não criamos leis que protegessem nossa privacidade, nossos direitos, porque a rede é vista como um “mercado aberto”, que todos poderiam usar. Mas não devemos tratar a internet como um mercado. Ela é uma infraestrutura, e temos que discutir quem a controla e as leis para seu funcionamento.

Como o The Pirate Bay foi criado?

P.S. – Eu queria dizer que tínhamos um grande plano, mas não era o caso. Começamos o Pirate Bay porque queríamos brincar com tecnologia nova.

Como você enxerga a pirataria, tanto no mundo real como no virtual?

P.S. – A pirataria no mundo real, se falarmos de informação, como filmes que são gravados num cd, tem um custo de produção. A pirataria online não tem esse custo, pois não há o objeto físico que deve ser produzido. Se você é contra as pessoas que lucram com a pirataria, a pirataria online resolve isso, tirando o dinheiro da equação.

Fora isso, elas são similares, pois dão a pessoas que não teriam condições de obter um certo produto ou informação a chance de tê-lo.

Qual o impacto que as leis de copyright causam na cultura?

P.S. – Essas leis são uma doença e estão se espalhando rapidamente. O Brasil tentou, com [o ex-ministro] Gilberto Gil e outras pessoas visionárias, fazer algo sobre isso e trabalhar com Creative Commons e outras alternativas ao copyright.

O copyright não é feito para pessoas, é feito para companhias, empresários que já dominam o mercado e podem comprar copyright dos artistas para controlar o mercado. E então os consumidores são obrigados a pagar o preço que essas pessoas querem. Isso que é o copyright é: um monopólio para empresas e pessoas ricas.

Como você avalia o trabalho do Wikileaks? Há formas de melhorar a plataforma e permitir que mais documentos vazem?

P.S. – Com o Wikileaks temos novamente o problema de centralizar a comunicação na rede. Independente de sua importância, o Wikileaks não é a única plataforma de vazamento de arquivos; há outras, mas estas não recebem atenção. A maior coisa que devíamos fazer em relação à internet é descentralizar, e isso vale para todas as áreas.

Não deveríamos ter só um sistema de compartihamento de arquivos, devemos ter vários; não devemos ter só uma plataforma para vazar aquivos, precisamos de várias. Há outros grupos como o Intercept, do Glenn Greenwald, que tenta fazer o mesmo que o Wikileaks faz, mas com um viés mais jornalístico.

Quando Edward Snowden entregou os documentos ao Greenwald, eles tiveram uma forma de vazar os arquivos interessante, liberando documentos de pouco em pouco, deixando que eles causassem impacto. É uma alternativa melhor ao que o Wikileaks faz, de despejar centenas de milhares de documentos de uma vez sobre um tema, como fizeram com a Guerra do Afeganistão.

Como é possível descentralizar a internet, dado esse panorama de monopólios?

P.S. – Infelizmente, com regulação política. Passamos da época em que a tecnologia sozinha resolveria o problema. Podemos criar a melhor rede social possível, aberta, mas ela não teria usuários, pois os usuários estão no Facebook.

A regulação deveria funcionar para proteger os usuários e impedir que as companhias utilizem os dados deles à vontade. Por exemplo, se o Facebook quer ter usuários brasileiros, ele deveria assinar um acordo no qual os dados são do usuário, não da empresa. Se criarmos regras e padrões assim, alguma coisa pode mudar.

Agora, não importa se você tem a tecnologia sem os usuários. E discutir esses assuntos no Facebook é difícil, porque eles censuram muitas coisas que você escreve e posta, muitas vezes sem que você saiba.

O Facebook é a maior ditadura que existe no mundo. Com uma população maior que a da China, e tem um ditador totalitário. É um “país” assustador que emerge, e precisamos de regulação para combater isso.

Qual o objetivo da coleta massiva de informações da internet, por agências como a NSA?

P.S. – Você pode usar informação, mesmo se não souber para o quê ainda. Um exemplo clássico é que na Suécia o governo começou um programa chamado PKU. A ideia era que cada criança recém-nascida que faria parte do programa doaria uma amostra de sangue. Com tantas amostras, era possível resgatar as árvores genealógicas e fazer estudos sobre doenças genéticas. É um ótimo sistema, que ajudou muitas pessoas e curou doenças, além de avançar na pesquisa contra o câncer.

Em 2003, a ministra de assuntos internacionais da Suécia, Anna Lindh, foi assassinada, e a polícia, que tinha amostras de DNA do assassino, mas não sabia quem era, foi até o laboratório do PKU, que tinha o registro de todo mundo nascido desde 1979, e descobriu quem era o assassino. A partir daí, o registro ao PKU foi obrigatório e as pessoas não podem sair mais do projeto.

De fato, isso pode ajudar a resolver crimes, mas nós concordamos com isso como sociedade? Não, nunca discutimos. E isso é o que ocorre hoje na internet: a NSA pode não ter necessidade ou saber o uso que essas informações terão hoje, mas um uso vai existir no futuro. E será muito bom para o governo estadunidense ter guardado tudo isso.

E costumamos esquecer a história rapidamente. Os nazistas usaram arquivos com os nomes e endereços dos judeus para encontrá-los e realizar assassinatos. Então, o objetivo das agências de inteligência não é só guardar uma coisa sem ter motivo; num futuro essas informações podem ter uso, e isso vai ser problemático para nós.

Como uma pessoa normal pode proteger seus dados na internet?

P.S. – Existem ferramentas, mas o problema é que essas ferramentas são separadas dos sistemas que as pessoas usam. Mesmo se criarmos um ótimo sistema de chat, as pessoas vão continuar conversando pelo Facebook. A criptografia, por mais segura que seja ao impedir que o conteúdo da mensagem seja visto, não impede que as agências de vigilância saibam quem fala com quem.

Você pode se proteger usando encriptação, e é importante, mas isso é basicamente uma camisinha. Você está protegendo você e a outra pessoa contra a doença, mas não está protegendo a todos, nem curando a doença. E acho que precisamos fazer ambos. Temos que nos proteger e ensinar mais pessoas a utilizarem essas “camisinhas da internet”, como criptografia e plataformas alternativas de comunicação, mas também precisamos evitar o avanço da doença.

Só vamos fazer isso pressionando os políticos, os governos e fazendo com que eles entendam os problemas que essa vigilância causa a um país e criem formas de regulamentação. Está na hora de colocar os pés no chão e impedir que isso continue, antes que seja tarde demais.

Qual a sua opinião sobre a parceria que o governo brasileiro fez com o Facebook para levar internet a regiões mais remotas?

P.S. – Acho estúpido o governo brasileiro ir a apenas uma companhia para fazer um projeto assim. Deveriam trabalhar com todos. Não tenho certeza quais os termos do acordo, mas para o Facebook isso é uma manobra de relações públicas. E não entendo o porquê dessa parceria agora.

O Facebook não tem nenhum interesse com a privacidade, eles querem o oposto. E um projeto assim permite que se domine a infraestrutura, o que facilita controlar os usuários e ter certeza que eles não deixem a rede.

O Governo Lula apoiava softwares livres e soluções mais democráticas para a rede. Não sei porque o interesse de começar a trabalhar com alguém que é o inimigo neste caso. O Facebook não vai ajudar a manter a privacidade das pessoas intacta.

Entrevista concedida a José Coutinho Júnior, publicada em Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br

População de baixa renda pode ficar fora da interatividade na TV digital

O Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (GIRED), da Anatel, irá definir, nesta quarta (29/4), o modelo dos conversores digitais que serão distribuídos para aos 14 milhões de família beneficiárias do programa Bolsa Família. Essa decisão pode acabar com o futuro da interatividade e da multiprogramação para TV digital no Brasil. Isso porque as empresas de radiodifusão e de telefonia querem escolher de uma caixa de conversão mais barata, deixando de fora o grande diferencial da TV digital desenvolvida no Brasil: o uso da interatividade gratuita através do controle remoto e a multiprogramação. Essas características da TV Digital brasileira podem ajudar a incluir, via aparelho de televisão, cerca de 60 milhões de brasileiros de baixa renda que não tem acesso a internet, mas possuem um aparelho de TV e sabem usar o controle remoto.

O que é o GIRED e quem participa

Criado pela Anatel em dezembro de 2014, o GIRED define em que e como serão aplicados os 3.6 bilhões de reais entregues pelas empresas de telefonia celular que obtiveram o aceite de suas propostas durante o leilão da faixa espectral de 700 Mhz.

O GIRED está decidindo sobre todo o processo de migração das TVs analógicas para os canais digitais. Isso significa decidir sobre como deverá ser feita esta migração, a distribuição dos conversores de TV digital, antenas e filtros para a população de baixa renda, e as cidades onde poderá haver a antecipação do cronograma do apagão dos canais analógicos. E também que tipo de conversores digitais os 14 milhões de famílias que serão beneficiadas vão receber.

O GIRED é formado pelos representantes dos radiodifusores e das empresas de telefonia móveis, além de contar com um titular do ministério das Comunicações e outro da Anatel. As entidades que representam os radiodifusores são: Abert; Abra, Abratel, Band e Globo, pelas empresas privadas, EBC e TV Câmara, pelas empresas públicas. Das telefônicas, os representantes são: Claro, Algar Celular, Tim Celular e Telefônica Brasil.

Quais as vantagens da interatividade na TV?

Através do middleware Ginga, sistema desenvolvido no Brasil em código aberto, acoplado dentro da caixa de conversão para o sinal digital, as famílias podem receber informações sobre diferentes questões, inclusive ter um canal de serviços públicos através da multiprogramação. Essas informações podem ser dados atualizados diariamente sobre oferta de empregos sem sair de casa, marcar consultas no SUS sem ficar na fila, fazer cursos pela televisão, pagar contas em bancos públicos, enviar informações (a partir do controle remoto) para receber benefícios de saúde, aposentadoria, direitos da mulher, etc.

Com a multiprogramação nas TVs públicas, pode aumentar o número de canais disponíveis gratuitamente. Já pensou ter um canal só de esportes, um canal só de cinema brasileiro e latino-americano, um canal só de notícias, sem precisar pagar nada por isso? Aumenta a programação, a diversidade e também a demanda por profissionais de comunicação.

Além disso…

Em coletiva de imprensa realizada no dia 7/4, o conselheiro da Anatel e presidente do GIRED, Rodrigo Zerbone (que representa o grupo Bandeirantes), afirmou que a compra dos conversores servirá como meio de aquecer a oferta de conversores no mercado. Ou seja, a definição do padrão de interatividade não afetará somente a população de baixa renda, mas também a oferta e preço de conversores disponíveis no mercado para todos os lares que precisarão adaptar seu televisor para receber o sinal de TV digital.

Por que não contaram isso antes?

Porque as empresas privadas de televisão aberta – que também são donas ou parceiras dos canais de TV a pago – não querem perder o lucro que têm. E as empresas de telefonia móvel não tem interesse de modificar um mercado aonde os brasileiros são mero consumidores.

Fonte: Campanha Interatividade Sim

Protestos no dia do aniversário da Globo dizem não ao monopólio e à manipulação

Por Bia Barbosa*

Depois de uma semana de programação televisiva exaltando seus próprios feitos em celebração ao aniversário de 50 anos, a Rede Globo recebeu visitantes não-convidados para a festa na porta de diversas de suas emissoras pelo país. Em capitais como São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre, movimentos sociais e ativistas se reuniram diante das sedes da Globo para dizer não ao monopólio e à concentração da mídia no Brasil, e sim à diversidade e à pluralidade nos meios de comunicação de massa. A Globopar, holding que não inclui os jornais e rádios do grupo, já é hoje a 5a maior empresa brasileira em lucro líquido, e sua receita representa mais de 60% do capital do setor no país.

Em São Paulo, a preparação para o ato começou às 15h na Praça Gentil Falcão, na zona Oeste. De lá, mais de 500 pessoas, integrantes de organizações como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Intervozes, CUT, Levante Popular da Juventude, MST, MTST, Barão de Itararé, UJS, entre outras, caminharam ao som de uma batucada até a porta da Globo. Com faixas denunciando a relação íntima entre a Vênus Platinada e a ditadura militar e o histórico de manipulações e de criminalização e invisibilização dos movimentos sociais na programação da emissora, protestaram durante todo o percurso de ida e volta pela Avenida Luís Carlos Berrini e Avenida Roberto Marinho. Nos portões da Globo, deixaram seu recado com frases como “Globo mente” e marcaram as paredes de tinta vermelha. O Manifesto de Descomemoração dos 50 anos, lançado por centenas de organizações na última semana, foi lido em coro pelos presentes.

Em Brasília, cerca de 250 pessoas se reuniram em frente à sede do canal, no Plano Piloto, no ato batizado de “Domingão do Povão”, de caráter político e cultural. Representantes de entidades, sindicatos e inúmeros cidadãos e cidadãs de Brasília e do entorno, incluindo os acampamentos do MST “Roseli Nunes” e “8 de Março”, de Planaltina, ocuparam o microfone em crítica à atuação da emissora. Foram lembrados diversos episódios negativos da Globo, como sua origem num acordo ilegal com a gigante americana Time-Life; a manipulação do debate eleitoral de 1989, entre Collor e Lula; o preconceito propagado em seus programas humorísticos e a ausência da diversidade cultural do país na grade da emissora. Os manifestantes também criticaram o discurso massivo da Globo contra qualquer medida de democratização das comunicações no país e coletaram assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática.

Uma roda de samba e uma bateria de ativistas de Sobradinho, cidade satélite do Distrito Federal, lembraram músicas do período militar, tão apoiado pela Globo. A já conhecida frase “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” foi entoada diversas vezes pelos presentes. Ao final, participantes jogaram tinta vermelha no painel em frente à entrada da emissora, para lembrar aqueles que morreram em defesa da democracia e da liberdade de expressão.

No Recife, 150 pessoas, animadas pela batucada do Levante Popular da Juventude marcharam pelas ruas da cidade e criticaram a sonegação de impostos por parte da emissora, já investigada pela Polícia Federal. Segundo o serviço de inteligência da Polícia Federal, em 2006 a empresa deixou de recolher impostos que, à época, com multa e correção, chegavam a R$ 615 milhões. Hoje, a dívida com o Tesouro ultrapassaria R$ 1 bilhão. De acordo com Ivan Moraes Filho, do Fórum Pernambucano de Comunicação, um dos organizadores do protesto, a Globo é um símbolo da luta contra a concentração da propriedade dos meios de comunicação no Brasil e contra o monopólio da mídia, que é proibido pela Constituição federal, que segue sendo desrespeitada. E a descomemoração de seus 50 anos é sintoma desta brutal concentração que temos em nosso país.

“Vale lembrar que em todos os países mais ou menos democráticos do mundo há normas estruturais claras e objetivas que ordenam a distribuição e o uso dos canais que são escassos e públicos. Um exemplo que sempre uso é o dos EUA, o país mais liberal do mundo. Lá a propriedade cruzada tem diversas restrições e nenhuma rede de televisão aberta pode ter audiência média superior a 39%. Assim, cinco redes competem pelo público, com discursos mais ou menos diversos (ainda que sofrendo do mesmo hipercomercialismo que sofremos). Na Europa, é dada prioridade à mídia pública (não estatal)”, lembra.

“Dizer que a Globo é a emissora que produz melhor, que é a tamporosa e por isso está sendo injustiçada, não cola. Em qualquer mercado oligopolizado, de qualquer setor, funciona da mesma forma. Quem domina a área, tem mais dinheiro, mais margem para arriscar, e acaba – mesmo – lançando os melhores produtos. E alguns dos piores também”, acrescenta Ivan Moraes.

Em Belo Horizonte, diante da Globo Minas, os manifestantes abriram uma enorme faixa dizendo: “O povo não é bobo! Abaixo à Rede Globo!”.

No Rio Grande do Sul, as emissoras da RBS nos municípios de Bagé, Caxias do Sul, Erechim, Pelotas, Passo Fundo, Santa Maria, Santa Cruz e Santa Rosa foram palco de escrachos públicos pela juventude do MST. Afiliada da Globo na região, a RBS detém o monopólio das comunicações no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em seu site institucional, a empresa não tem qualquer pudor em se apresentar como “a maior rede regional de TV do país, com 18 emissoras distribuídas no RS e em SC, com 85% da programação da Rede Globo”. A RBS concentra ainda 25 emissoras de rádio, 8 jornais diários, 4 portais na internet, uma editora, uma gráfica, uma gravadora e uma empresa de logística, entre outros empreendimentos.

No Paraná, os protestos continuam ao longo desta semana, com muito humor e criatividade. Nesta segunda-feira, foi divulgada uma “nota de falecimento” da Dona Concentração, “tão amada pela Rede Globo”, cujo velório acontecerá às 18h no dia 29/04, na Praça Santos Andrade, seguido de um cortejo fúnebre até a Boca Maldita, no centro de Curitiba. Ali, às 19h, acontecerá mais uma aula pública de descomemoração dos 50 anos da Globo, organizada pela Frente Paranaense pelo Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão.

* Bia Barbosa é jornalista e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes. Colaboraram Veridiana Alimonti (SP), Jonas Valente (DF) e Eduardo Amorim (PE), também do Intervozes. Com informações do MST-RS.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Organizações e movimentos irão ‘descomemorar’ 50 anos da Globo

No próximo dia 26, a rede Globo de Televisão completa 50 anos de existência. A data mobilizou diversas organizações e movimentos sociais para atos e debates públicos que irão “descomemorar” o aniversário da emissora – símbolo do monopólio midiático no Brasil.

Atos de rua estão marcados em diversas capitais. No manifesto “50 anos da TV Globo: vamos descomemorar!”, entidades como o Intervozes, o Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), dentre outras, repudiam o  autoritarismo da linha editorial da emissora e denunciam o seu envolvimento em suspeitos casos de corrupção e sonegação fiscal.

 “Sem enfrentar o poder e colocar limites à maior emissora do Brasil – e uma das cinco maiores do mundo – não será possível garantir a regulamentação dos artigos da Constituição que proíbem o monopólio para levar a cabo a democratização do país”, completam.

Nesta quinta-feira (23/04), no Rio de Janeiro, ativistas realizaram um protesto nos portões de entrada do Maracanãzinho, onde convidados esperavam para ingressar e ver o show em comemoração aos 50 anos da emissora. Com faixas, cartazes, bandeiras e camisetas estampando slogans e frases contra a TV Globo, os manifestantes distribuíram milhares de panfletos e se revezaram no microfone para lembrar aos presentes as constantes práticas de manipulação da informação e a histórica vinculação com a Ditadura Civil-Militar no Brasil.

Agenda

Em São Paulo, a manifestação está programada para este domingo, às 15h, com concentração na Praça General Gentil Falcão. Na mesma data, Brasília concentra seu ato em frente à Globo, às 13h e, além das manifestações políticas, está programado atos culturais com grupos de samba e hip-hop.  Já em Porto Alegre, o protesto “Fora Globo/RBS” A festa acabou: 50 anos de mentira!” está marcado para às 14h, com concentração no Arco da Redenção.

Em Belo Horizonte, a “Descomemoração” dos 50 anos da Globo” acontecerá às 13 horas, na Avenida Carlos Luz, 800 (próximo a igreja Santa Clara), bairro Caiçara. Em Recife, o ato, que também Descomemora os 50 anos da emissora, acontece na Praça do Arsenal, no Centro.  O Paraná, por sua vez, realiza uma semana com atividades presenciais e virtuais que irão até o dia 29 de abril.

 Confira o Manifesto:

 50 ANOS DA TV GLOBO: VAMOS DESCOMEMORAR!

A TV Globo festejará os seus 50 anos de existência no dia 26 de abril. Serão promovidos megaeventos e lançados vários produtos comemorativos. No mesmo período, porém, muita gente está disposta a promover a “descomemoração” do aniversário do império global, um ato de repúdio ao papel nocivo desse grupo de mídia na história do país. Uma palavra-de-ordem que se destaca em todo o Brasil em manifestações recentes é: “O povo não é bobo. Fora Rede Globo”. E motivos não faltam para esta revolta.

A emissora é filha bastarda do golpe militar de 1964. O então diretor do jornal “O Globo” Roberto Marinho foi um dos principais incentivadores da deposição do presidente João Goulart, dando sustentação ideológica à ação das Forças Armadas. Um ano depois, foi fundada a sua emissora de televisão, que ganhou as graças dos ditadores. O império foi construído com incentivos públicos, isenções fiscais e outras mutretas. Os concorrentes no setor foram alijados, apesar do falso discurso global sobre o livre mercado.

Nascida da costela da ditadura, a TV Globo tem um DNA golpista. Apoiou abertamente as prisões, torturas e assassinatos de inúmeros lutadores patriotas e democratas que combateram o regime autoritário. Fez de tudo para salvar o regime dos ditadores, inclusive omitindo a jornada das Diretas Já na década de 80. Com a democratização do país, ela atuou para eleger seus candidatos – os falsos “caçadores de marajás” e os convertidos “príncipes neoliberais”. Na fase recente, a TV Globo militou contra toda e qualquer avanço mais progressista, atuando na desestabilização dos governos que não rezam integralmente a sua cartilha. Nas marchas de março desse ano, ela ajudou a mobilizar o anseio golpista e garantiu a ele todos seus holofotes.

A revolta contra a Globo que ganha corpo está ligada também à postura sempre autoritária diante dos movimentos sociais brasileiros. As lutas dos trabalhadores ou não são notícia na telinha ou são duramente criminalizadas. A emissora nunca escondeu o seu ódio ao sindicalismo, às lutas da juventude, aos movimentos dos sem-terra e dos sem-teto. Através da sua programação, não é nada raro ver a naturalização e o reforço ao ódio e ao preconceito. Esse clima de controle e censura oprime jornalistas, radialistas e demais trabalhadores da empresa, que são subjugados por uma linha editorial que impede, na prática, o exercício do bom jornalismo, servidor do interesse público, em vez da submissão à ânsia de poder de grupos privados.

Além da sua linha editorial golpista e autoritária, a Rede Globo – que adora criminalizar a política e posar de paladina da ética – está envolvida em inúmeros casos suspeitos. Até hoje, ela não mostrou o Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) do pagamento dos seus impostos, o que só reforça a suspeita da bilionária sonegação da empresa na compra dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. A falta de transparência do império em inúmeros negócios é total. Ela prega o chamado “Estado mínimo”, mas vive mamando nos cofres públicos, seja através dos recursos milionários da publicidade oficial ou de outros expedientes mais sinistros.

Essas e outras razões explicam o forte desejo de manifestar o repúdio à TV Globo em seu aniversário de 50 anos. Assim, vamos realizar em torno do dia 26 de abril uma série de manifestações, em todo o país, para denunciar a emissora como golpista ontem e hoje; exigir a comprovação do pagamento de seus impostos; e reforçar a luta por uma mídia democrática no Brasil.

Sem enfrentar o poder e colocar limites à maior emissora do Brasil – e uma das cinco maiores do mundo – não será possível garantir a regulamentação dos artigos da Constituição que proíbem o monopólio para levar a cabo a democratização do país. Por isso, vamos às ruas contra a Globo e convidamos todos os brasileiros comprometidos com a democracia, a liberdade de expressão, a cultura nacional, o jornalismo livre e a soberania popular a participar das manifestações em todo o país.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.