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O LOBBY DA INDÚSTRIA DE DIREITO AUTORAL PARA BLOQUEAR SITES NO BRASIL

Pressão dos grandes estúdios e produtores de conteúdo contra compartilhamento de arquivos ganha força no Congresso. Saiba o que você perde

Por Marina Pita*

Há alguns anos, copiar um filme para uso doméstico, emprestar para os amigos uma fita VHS ou uma cassete com suas músicas favoritas era parte do nosso cotidiano.

Com a passagem do mundo analógico para o digital, a prática da cópia passou a ser vista como algo criminoso – mesmo que copiar seja muito diferente de roubar. Quando se copia, ninguém fica sem, vale lembrar.

Mesmo assim, as entidades representantes de grandes produtoras de conteúdo investem cada vez mais pesado em mídia e lobby para que a distribuição de conteúdos seja tratada como crime da mesma gravidade que o terrorismo, tráfico de drogas, exploração sexual de crianças e adolescentes e tráfico internacional de armas. Não fosse a lavagem cerebral feita diariamente sobre os consumidores, este tipo de comparação soaria ultrajante.

Não negamos aqui que a legislação de direitos autorais no Brasil precisa ser atualizada diante dos avanços tecnológicos.

Todos os setores, tanto as grandes empresas controladores de milhares de registros de direito autoral, quanto educadores, autores, músicos e defensores da liberdade de expressão concordam com isso. Mas como atualizar a lei é a grande polêmica.

De um lado, estão aqueles que defendem que os direitos autorais devem ser defendidos a todo custo – doa a quem doer. De outro, os que entendem que o direito autoral não é mais eficaz para garantir a produção artística e, por isso, propõem modelos alternativos para o setor.

Parcela dos especialistas, talvez a maioria, também aponta a importância de regular de maneira diferente segmentos diferentes.

Trata-se de um debate que precisa ser feito com profundidade, envolvendo todos os diferentes interesses em jogo – inclusive o dos cidadãos, que tem direito de acesso à informação e à cultura no mundo digital.

O problema é que o poder econômico da indústria do direito autoral tem falado mais alto. O circo está pegando fogo, queimando rápido, sem que a maioria se dê conta disso.

Em 2016, no apagar das luzes da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos chamados crimes cibernéticos, a Motion Picture Association (MPA) – que representa mega estúdios como Disney, Fox, Sony, NBC, Universal e Viacom –, junto com associações de caráter semelhante, conseguiram inserir no relatório final da CPI a previsão para o bloqueio total de sites que violem direitos autorais.

A medida teve pouca repercussão na época, até porque parte da imprensa brasileira – sobretudo os veículos ligados ao Grupo Globo – também tem interesse no assunto. Aprovado na CPI, o texto começou a tramitar na Câmara dos Deputados.

Agora, o lobby dos estúdios encontrou uma ótima brecha para que ele seja aprovado rapidamente, sem qualquer debate público. Pretendem pegar carona na votação de um projeto, que já se encontra do plenário da Câmara, em fase final de votação, que pretende justamente o contrário: impedir o bloqueio de sites e aplicativos como o WhatsApp.

A jogada da MPA é inserir uma emenda no PL criando uma exceção para os sites que violem direitos autorais – que poderiam, então, sem bloqueados totalmente.

Por que bloquear sites por infração de direitos autorais é um problema

Não é a primeira vez que a indústria do direito autoral tenta resolver seus interesses econômicos pegando carona em outras leis em debate no Parlamento.

Quando o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estava sendo debatido, também houve enorme pressão para que ele trouxesse a previsão de que conteúdos supostamente violadores de direitos autorais fossem removidos das redes sem ordem judicial.

Na época, felizmente se compreendeu que o tema era bem mais complexo e que tais questões deveriam ser tratadas num processo específico, de reforma da Lei de Direitos Autorais.

Na época, o tema estava em discussão no Ministério da Cultura, mas agora também foi congelado. Os grandes produtores de conteúdo voltaram então à baila para criar um novo penduricalho legal, agora se aproveitando do PL que impede o bloqueio de sites e aplicativos.

Além de ignorar a complexidade do tema, que requer uma discussão minimamente aprofundada na sociedade, autorizar o bloqueio de sites por infração de direitos autorais terá consequências problemáticas.

Em primeiro lugar, a medida pode impedir que páginas online dedicadas ao compartilhamento de arquivos entre pessoas se tornem inacessíveis no Brasil, mesmo que elas não sejam usadas exclusivamente para compartilhar conteúdos violadores de direitos autorais.

Várias plataformas de troca de conteúdo entre pessoas de diversas partes do mundo podem ser penalizadas, fazendo com que o mal uso dessas plataformas por parte de seus usuários impeça que a plataforma em si exista.

A proposta de bloquear sites inteiros também é ineficaz. Hoje, mesmo quando plataformas usadas exclusivamente para compartilhar conteúdos protegidos são tiradas do ar, rapidamente outras equivalentes são criadas.

E cada vez mais cresce o número de usuários capazes de mascarar tecnicamente a origem de suas conexões e assim navegar na rede como se estivessem em outra parte do mundo, escapando os bloqueios determinados em um ou outro país.

O esforço técnico e econômico para barrar tais contornos de acesso a páginas eventualmente bloqueadas claramente não valeria a pena. A lista de sites seria sempre crescente, num jogo de gato e rato infinito.

Argumentar que este tipo de lei vem sendo adotado em vários países europeus e, por isso, o Brasil deveria seguir o mesmo caminho, também é algo que não se sustenta.

Não há como comparar o Brasil com a França ou com a Bélgica em termos de capacidade de acesso das populações a bens culturais. Também a posição econômica dos países na cadeia de produção dos bens culturais é outra.

É mais interessante para um país que recebe vultosos recursos em direitos autorais e taxas de propriedade intelectual defender a implementação deste tipo de lei. Aqui, o caso é diferente.

Soluções alternativas

No Brasil, o surgimento de novos modelos de oferta de conteúdo – como rádios digitais e locadoras de vídeo virtuais – tem se mostrado efetivo para converter tradicionais usuários de serviços de compartilhamento de arquivos em consumidores registrados e pagantes.

A facilidade e a garantia de segurança no acesso ao conteúdo convencem boa parte da população com recursos a arcar com  assinaturas dos serviços.

E, ainda que nem todos os usuários da Internet deixem de consumir, irregularmente, em casa, conteúdos protegidos por direito autoral, isto não é necessariamente ruim.

O impacto que este tipo de bloqueio total pode ter no acesso a bens culturais em um país de extrema desigualdade social como o Brasil é algo a se considerar seriamente.

A própria indústria detentora dos direitos autorais poderia perder, já que lucra cada vez mais com o licenciamento de produtos (roupas, brinquedos, acessórios em geral) relacionados ao conteúdo original.

Quanto menos gente tem acesso a eles, menos produtos são vendidos. Estamos falando de um país em que metade da população não tem acesso ao cinema.

Nessas circunstâncias, permitir a aprovação de uma mudança legislativa dessa forma é mais do que temerário. O que o Brasil precisa é de uma agenda legislativa e de políticas culturais relacionadas ao mundo digital que respondam às necessidades do país e de sua população, 50% ainda desconectada.

Aprovar o total bloqueio de sites e aplicações em função de uma suposta proteção aos direitos autorais dos grandes estúdios só ampliará a exclusão cultural – prática que começa a virar moda no Brasil de hoje.

* Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Intervozes.

 

As duas caras do Netflix

por Marco Konopacki*

O recente acordo para embarcar o Netflix nos setup boxes xfinity(X1)[1] da Comcast mostra que o original engajamento do Netflix na defesa da neutralidade de rede, demonstrado através de posts em seu blog corporativo[2], pode ser flexibilizado quando a empresa tem a oportunidade de ganhar uma grande vantagem na distribuição do seu serviço. Com essa postura, o Netflix está mostrando ter duas caras quando o assunto tratado é neutralidade da rede.

 

O Netflix se tornou referência numa árdua batalha pela garantia à neutralidade de rede nos Estados Unidos. Durante janeiro de 2013 e janeiro de 2014 o serviço de streaming de vídeos sob demanda teve sua velocidade de entrega gradualmente reduzida para usuários da Comcast, numa clara manipulação do tráfego de rede daquela operadora para prejudicar o Netflix (https://is.gd/W29qCC). Porém, no momento que o Netflix fez um acordo comercial com a operadora de telecom, os valores na velocidade de entrega subiram exponencialmente, demonstrando o poder que as operadoras tem para manipular o tráfego de rede e o quanto isso pode ser usado para fins comerciais na exploração de “novos negócios”.

 

O tema ganhou tanta notoriedade nos Estados Unidos que a FCC (Federal Communications Commission), a Anatel estadunidense, promoveu uma consulta pública para discutir a neutralidade de rede, a qual recebeu mais de 1 milhão de contribuições[3] em favor (com um empurrãozinho de John Oliver, é verdade). No Brasil, a neutralidade é um valor defendido e consolidado com o Marco Civil da Internet, reforçado pelo seu decreto de regulamentação que, no Art. 9, proíbe qualquer acordo que limite “o caráter amplo e irrestrito” da internet.

 

Recentemente, a Comcast passou a aplicar os famigerados limites de dados para banda larga. Muito diferente do que se queria fazer aqui pelo Brasil, com miseráveis 10Gb para planos pequenos, lá o limite médio está entre 700Gb e 1Tb. Ainda assim, com a demanda crescente por acesso a dados pesados, como o streaming de vídeos, talvez essa franquia em breve fique pequena, até para essa quantidade de dados. Por isso, algumas empresas de conteúdo estão fazendo acordo com as telcos para que seus serviços tenham bandeira livre para trafegar, sem descontar o valor da franquia contratada. Essa prática é conhecida como tarifação reversa ou, também, zero-rated services. Muitas pessoas vem defendendo que a prática de zero-rating fere a neutralidade da rede, pois cria guetos de acesso, o que vai de encontro ao espírito original da internet: a integração de redes para o compartilhamento amplo e irrestrito de conteúdos. As telcos se defendem com o argumento que isso faz parte da liberdade de modelo de negócio e que limitar essa prática feriria princípios básicos da livre iniciativa. No Brasil, a regulamentação do Marco Civil da internet vedou esse tipo de prática por ferir o caráter “universal e irrestrito da internet”.

 

Este ano a Comcast lançou o seu setup box X1, uma espécie de AppleTV ou Chromecast, em que ela disponibiliza alguns aplicativos de conteúdo que rodam usando a internet, seus e de parceiros. A Comcast anunciou que os aplicativos que usarem o seu X1 não terão os dados trafegados contados, ou seja, todo aplicativo no X1 será zero-rated e isso retomou a discussão se seria quebra de neutralidade ou não. Algumas pessoas defendem que o X1 é, na verdade, um serviço de IPTV, que usa a internet para um fim específico, numa rede específica, mas não é internet e, por isso, não feriria a neutralidade. No caso do Brasil, um serviço como esse seria vedado, uma vez que fere o inciso III do Art. 9, que limita a oferta de vantagem para aplicativos ofertados pela própria telco. Mas se fosse considerado um aparelho de IPTV, essa interpretação já mudaria, pois seria usado para um fim específico (televisão), ofertado a um grupo específico (Art. 2 inciso II alínea b) e, por isso, não feriria nenhuma regra. A verdade é que, com a convergência digital, a fronteira do que é entendido como internet ou não está cada vez mais turva. O que vem a ser a internet no momento em que praticamente tudo está conectado a internet de pessoas a objetos? Existe uma tendência a tudo convergir para internet, afinal esse foi o meio mais eficiente e barato pra transmitirmos todo tipo de conteúdo, desde um e-mail a um vídeo em 4K.

 

Zero-rating ferir ou não a neutralidade está ligado à capacidade de concentração do poder econômico na oferta de alguns serviços. Algumas empresas poderiam criar acordos capazes de formar bolhas de acesso, induzindo alguns usuários, em especial aqueles em fragilidade econômica, a acessarem serviços que lhes forem “mais vantajosos” e não de fato “o que se quer ou pode acessar”. Acabaria que a liberdade de acessar qualquer coisa na internet passaria a ser orientada por uma decisão econômica, induzida por acordo comerciais entre grandes operadores da rede. Isso é uma ameaça a ideia igualitária e distribuída com a qual a internet foi criada, criando ao contrário, “guetos internéticos” e determinando qual internet os pobres terão acesso e qualquer internet para os ricos. Os operadores de redes tem um poder desproporcional nesse jogo. Imagine um país com estradas por toda parte que permite o trânsito livre de pessoas para todo lado. Agora imagine a internet como sendo essa rede de estradas e que essas estradas são controladas por 4 ou 5 empresas. Agora imagine que essas empresas se organizam para determinar o preço dos pedágios das estradas e limitar quantos veículos podem trafegar nessas estradas. Pior, imagine que pessoas com muito dinheiro poderiam trafegar na pista do BRT e sem pagar pedágio. Isso com certeza geraria diferenças abissais com relação ao acesso aos recursos do mundo, e quem tem mais recursos já largaria quilômetros a frente.

 

Quando se fala que o Netflix está mostrando ter duas caras nesse jogo é porque a empresa que sofreu muito pelo controle de tráfego ao seu conteúdo agora está fechando um acordo para ser um dos aplicativos embarcados no X1 da Comcast. Parece que o Netflix vê a quebra da neutralidade no caso na manipulação da velocidade do tráfego, mas não vê problema em se beneficiar do tráfego não tarifado da Comcast. Mas imagine a concorrência desleal que isso representa para startups de conteúdo, com um modelo de negócio parecido com o do Netflix, que tentarem oferecer seu produto no mercado e que encontrarem uma série de barreiras comerciais porque estas empresas não tem dinheiro para oferecer seu serviço na modalidade zero-rated. Numa decisão puramente racional econômica, seria muito mais vantajoso qualquer consumidor optar por um produto que não aumenta minha conta de internet. O Netflix quer chutar a escada que o tornou num dos maiores serviços de streaming do mundo.

 

Mais uma vez, tentando contextualizar com a realidade brasileira, nós temos um sistema de radiodifusão mais concentrados do mundo. Apenas 7 famílias dominam toda a cadeia de conteúdo, desde a produção, passando pelo empacotamento até a distribuição. Além dessa concentração vertical, existe a concentração horizontal, em que os mesmos grupos econômicos dominam rádios e jornais. A internet surgiu como uma grande ferramenta para romper esse oligopólio, mas será que num cenário zero-rated isso seria assim? Imagine que a NET Serviços de Internet é parte do grupo econômico de uma dessas 7 famílias e imagine a imposição da limitação de franquia de dados para banda larga fixa se tornando realidade. Agora imagine que essa operadora comece a não tarifar quando você acessa conteúdos do grupo Globo de comunicação. Qual dos conteúdos vocês acham que terão mais chance de ser acessados? Bingo, a lógica oligopolista do conteúdo se reforça e pode ser que daqui alguns anos estejamos nos lamentando que a internet foi dominada por 7 famílias. Será a tragédia se repetindo, agora como farsa.

[1] http://www.techhive.com/article/3091722/streaming-services/netflix-will-land-on-comcasts-x1-platform-later-this-year.html

[2] http://www.huffingtonpost.com/2014/03/20/netflix-net-neutrality_n_5002935.html

[3] http://www.savetheinternet.com/press-release/105672/more-1-million-people-call-fcc-save-net-neutrality

*Pesquisador de internet e democracia. Mestre em Ciência Política UFPR. Doutorando em Ciência Política UFMG

Por que criticar, desde já, uma parceria entre o Governo Federal e o Facebook?

Por Marina Cardoso*

A presidenta Dilma Rousseff posou para foto vestida em um casaco com o logo do Facebook, ao lado de seu criador, o norte-americano Mark Zuckerberg. Assim, ela anunciou possível acordo entre o governo brasileiro e a plataforma de rede social para trazer a iniciativa Internet.org para o Brasil. O projeto é uma parceria do Facebook com empresas de telefonia para viabilizar acesso à Internet gratuitamente para determinadas partes da rede. Mas o que está em questão, para além do aparente benefício, é a nossa privacidade e o próprio modelo de Internet que ele impulsiona.

A empresa de Zuckerberg mantém atualmente uma experiência em Heliópolis, bairro popular do estado de São Paulo. Lá os moradores são estimulados a usar a maior rede social do mundo para promover negócios próprios. Segundo a presidenta, esta seria a base para um futuro acordo com o Facebook. Em entrevista recente a um grupo de blogueiros, Dilma falou na possibilidade de, em uma segunda etapa, o Facebook garantir infraestrutura de banda larga em regiões onde atualmente não há.

Mas por que desde já é preciso criticar esta “parceria” com o Facebook? Primeiro, porque não se trata de inclusão digital. O Internet.org costuma envolver a garantia de que, mesmo quem não tenha pacote de dados, tenha acesso à timeline do Facebook. Isto estimula a concentração da Internet em um único aplicativo/plataforma, cujo lucro principal está no acesso de dados de cada usuário e na publicidade vendida a partir dos dados gerados por ele.

Uma pesquisa realizada pela Quartz, agência de notícias sobre mundo digital, é bastante esclarecedora sobre os rumos da concentração de uso da Internet apenas no Facebook. A reportagem “Milhões de usuários de Facebook não têm ideia que estão usando a Internet” mostra que os novos usuários da rede, em países em desenvolvimento, não usam e muitas vezes não sabem que existem navegadores, que têm esse nome por permitir nos levar a diferentes caminhos. Quando perguntados se o Facebook é a Internet, mais da metade dos usuários brasileiros que participaram da pesquisa disseram “sim”.

A situação da concentração já é alarmante. O Facebook não é um local público, por mais que pareça. É uma empresa com interesses privados e regras próprias. Ela tem o poder, sozinha, de alterar aparição das notícias e demais conteúdos que aparecem na linha do tempo dos cidadãos.

O jornalista Alex Hern, do inglês The Guardian, expressou sua preocupação com essa situação na reportagem “Quando algoritmos definem nossas notícias, deveríamos ficar aliviados ou preocupados?”. Hern estava obviamente preocupado. Ele relata que, durante as manifestações decorrente do assassinato de um jovem negro por um policial, nos Estados Unidos, o Facebook concentrava a lista de posts em referências aos vídeos de balde de gelo na cabeça, campanha de divulgação da esclerose que ganhou adepto de artistas.

A mobilização em torno do assassinato, aponta Hern, ficou por conta do Twitter, que não gerencia os posts de seus usuários; a ausência desse tipo de filtro permitiu muita gente ficar sabendo do que estava acontecendo. Para o jornalista, o fato de o Facebook querer que seus usuários entrem na rede social, cada vez mais, para vender anúncios a eles pode direcionar o conteúdo. Por exemplo, a empresa pode priorizar a circulação de notícias felizes, a fim de não afugentar os clientes.

O Facebook é um espaço murado, privado, onde valem as opções da empresa acerca do que pode ser publicado ou não. O controle do conteúdo e a imposição de suas regras têm sido frequentemente expostos. Nesta semana, o Ministério da Cultura (MinC) informou que iria acionar judicialmente a empresa por ela ter deletado postagem com fotografia de um casal de Índios Botocudos que mostrava uma índia com o dorso nu. Inicialmente, a rede negou o pedido do ministério de liberar a foto, alegando que ela não estava de acordo com suas regras. A censura só foi desfeita na noite de ontem (18), depois da ameaça de ação judicial.

Situação semelhante tem sido denunciada por entidades de mulheres que querem que o Facebook não censure imagens de amamentação. Se a sociedade inteira faz um movimento para estimular o aleitamento materno, por que estimular uma plataforma que joga contra? Também as integrantes de movimentos feministas como a Marcha das Vadias reclamam de terem posts censurados. Os exemplos são muitos. Nos EUA, a organização Eletronic Frontier Foundation (EFF) estuda se o Facebook não trata diferentemente posts de denúncia de violência praticadas por palestinos e israelenses.

Outra questão se trata de como o Facebook participaria da construção de infraestrutura no país. As notícias dão conta de que Governo Federal e Facebook estão discutindo o tema. Isto já causa espanto, pois a defesa do Estado brasileiro apoiou a neutralidade de rede, princípio basilar do Marco Civil da Internet. O controle da infraestrutura por uma só plataforma ou empresa fere frontalmente o coração do Marco Civil, legislação apontada como das mais avançadas do mundo na área.

Vale ressaltar que, exatamente por defenderem a neutralidade de rede, empresas indianas anunciaram nesta semana a saída da parceria que beneficia o Facebook.

Privacidade

Se firmado o acordo, é provável que o Facebook se torne a plataforma prioritária de comunicação dos brasileiros, potencializando, com isso, a capacidade da rede de sugar os dados dos usuários. Tendo em vista que a plataforma é uma das empresas que disponibiliza o acesso ao seu centro de processamento de dados para Agência Nacional de Segurança dos EUA, fica a questão: como é possível defender a soberania nacional se estimularmos a entrega da privacidade dos cidadãos?

Tal parceria já seria, assim, contraditória diante da postura do Brasil frente às denúncias de espionagem reveladas por Edward Snowden. O próprio Snowden, aliás, apontou que o Facebook estaria permitindo que governos vissem as mensagens dos internautas. Diante disso, fica claro que é incompatível estimular o uso da rede, quando a mesma empresa desrespeita os direitos à privacidade.

Inovação e modelo da Internet em jogo

Ao liberar acesso e estimular o Facebook, o acordo poderá custar a possibilidade de manter o ritmo de inovação da Internet. A rede, até hoje, manteve um nível de concorrência sem precedentes. Mesmo pequenas empresas conseguiram entrar no mundo virtual e desenvolver novos produtos, isso porque até aqui as dificuldades para entrar nesse mercado eram baixas, assim como o preço da conexão e a dificuldade de acesso às plataformas de comunicação.

A lógica do acordo proposto também atinge o modelo de Internet que conhecemos. Até aqui, os pontos conectados podem ver outros pontos conectados igualmente. O que Zuckerberg propõe é que sua rede (e quem sabe possível parceiros) tenha prioridade nesse circuito.

É como se o portal para o mundo da Internet estivesse começando a se fechar em torno de diversas empresas norte-americanas e do Norte Global como um todo. Triste isso, ainda mais para um país como o Brasil que apenas engatinha em construção de plataformas digitais. A porta pode se fechar antes de o Sul Global passar de fato, o que manterá a desigualdade entre Norte e Sul na produção de comunicação.

Inclusão digital como política pública e não negócio

Enquanto a presidenta Dilma diz que deve sentar com Zuckerberg para discutir o acordo, a sociedade civil segue aguardando uma agenda com o governo para debater a universalização do acesso à rede. Inclusão digital não pode ser encarada como um simples projeto social, mas sim como política pública que garanta o acesso universal à conexão banda larga enquanto um direito, além de informação e formação para que os cidadãos possam ser sujeitos na rede, capazes de escolher quais plataformas vão adotar, quais conteúdos vão produzir e fazer circular.

Um possível acordo com o Facebook jamais poderá ser comparado à inclusão digital. Trataria, apenas, de vender nossa privacidade, independência, possibilidade de inovação e de criação livre de narrativas. Uma grande cilada!

* Marina Cardoso é integrante do Intervozes

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Edward Snowden: agora é a nossa vez de colaborar

Por Bruno Marinoni*

No dia 16 de julho, foi apresentada no parlamento australiano, terra de Julian Assange, uma proposta de lei para perseguir e prender jornalistas que noticiarem informações vazadas sobre operações de espionagem. A ação acontece às vésperas de expirar o prazo de asilo concedido pela Rússia à Edward Snowden e expressa a mobilização das forças conservadoras para defender nacionalismos tacanhos contra o avanço dos direitos humanos no plano internacional.

No mesmo dia 16, mais de 60 entidades brasileiras entregaram, no Ministério da Justiça, uma carta dirigida à presidenta Dilma Roussef, reivindicando um posicionamento sobre o pedido de asilo para Snowden no Brasil. A ação faz parte de uma campanha em apoio ao exilado, que tem sua permanência na Rússia garantida apenas até o dia 31 de julho.

Snowden afirmou, em entrevista exclusiva à Rede Globo, que havia oficializado o seu pedido de asilo no Brasil, mas o chanceler brasileiro Luiz Alberto Figueiredo alegou que o Ministério das Relações Exteriores não recebeu a solicitação. O analista de sistemas teria solicitado também a prorrogação da sua permanência na Rússia, além da colaboração de outros países como o Equador, que hoje abriga o australiano Julian Assange, outro perseguido por revelar informações ultrassecretas da diplomacia internacional.

Motivos para colaborarmos com Edward Snowden não nos faltam. Podemos começar, por exemplo, pelo mais elementar: retribuição. O ex-funcionário da CIA revelou um esquema estadunidense de espionagem por meio da agência NSA que tinha como um dos seus principais alvos o Brasil. Agora que o conhecemos, podemos tomar algumas medidas necessárias para nos proteger. Por isso, somos gratos.

Se tivermos alguma inclinação para qualquer tipo de nacionalismo, mais uma vez temos motivos para ajudar Snowden. O analista de sistemas permitiu que conhecêssemos um mecanismo que roubava informações relativas à estratégia política e econômica do Brasil, penetrando nos sistemas de comunicação dos mais altos escalões do governo. Até mesmo as investidas sobre as comunicações pessoais da presidenta da República foram reveladas. Mais um ponto para ele.

Destacamos, porém, o motivo que nos aparece como o principal. A ação de Snowden trouxe para o centro da discussão internacional a importância de se regular os sistemas de telecomunicação tendo em vista direitos fundamentais como a privacidade e o direito à informação.

Os direitos fundamentais sobrepuseram-se, assim, às estratégias de concorrência entre nações e as telecomunicações se revelaram como ambiente no qual a tensão entre a violação e a garantia desses direitos se coloca em plano global.

Com o empurrãozinho que nos foi dado pelo caso Snowden, conseguimos fortalecer nossa luta em defesa da garantia de direitos fundamentais, o que resultou na aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil e na realização do NET Mundial, primeiro encontro mundial e multissetorial tendo como agenda central o debate sobre o futuro de uma nova governança da Internet. Defender esse exilado contra a perseguição que vem sofrendo atualmente é reafirmar como prioridade a salvaguarda desses direitos.

A carta entregue no Ministério da Justiça pode ser acessada aqui: http://www.fndc.org.br/system/uploads/ck/files/CartaAbertaaPresidenta-AsiloaoSnowdenPT%282%29.pdf

Mais informações sobre a campanha em: https://www.facebook.com/asiloparasnowden

*Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Entidades reivindicam urgência na votação do MCI

Entidades da sociedade civil seguem mobilizadas para que o Marco Civil da Internet seja aprovado no Senado. O presidente da casa, Renan Calheiros (PMDB/AL), recebeu, no dia 9 de abril (quarta), representantes de trinta organizações não-governamentais que reivindicam uma rápida aprovação da matéria sem modificações. Foi realizada também uma reunião no dia 10 com o Ministério da Justiça para cobrar do governo o apoio no processo de tramitação.

O grupo de entidades, acompanhado pelos deputado Alessandro Molon (PT/RJ) e pelo senador Lindbergh Farias (PT/RJ), propôs ao presidente do Senado que a votação do Marco Civil da Internet acontecesse até o dia 22 de abril, antecedendo assim o “Net Mundial – Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet”. “Vou conversar com os líderes e apresentar a proposta que vocês trazem. Mas, do ponto de vista da democracia, é importante que haja o convencimento dos parlamentares e temos que garantir isso no Senado”, afirmou Calheiros

Carlos Afonso, representante da sociedade civil no Conselho Gestor da Internet (CGI), lembrou que “mesmo não estando em vigor, o MCI já é citado em decisões judiciais, que exploram as contribuições deste texto”. O pesquisador considera que a proposta já pode ser considerada uma realidade que se apresenta no cenário internacional.

Segundo Bia Barbosa, representante do Intervozes, uma das entidades que participa das mobilizações em defesa do MCI, “entre erros e acertos do texto, o balanço certamente é positivo. E por isso os internautas e defensores da liberdade de expressão, que construíram o Marco Civil da Internet e atuaram persistentemente, nas redes e no Parlamento, para vê-lo aprovado, seguirão alertas”.

Na conversa com o Ministério da Justiça, o governo se mostrou interessado em também votar rapidamente o MCI, pois a realização da Copa e das eleições de 2014 podem dificultar o processo no segundo semestre. As entidades envolvidas prometem realizar uma série de atividades na semana que vem, para chamar a atenção da sociedade para a necessidade de urgência da votação.