Legislação deve proteger dados pessoais, reivindicam entidades

Excesso de informações para adesão a serviços e acesso a arquivos sem relação com a finalidade dos dispositivos contratados são alguns dos problemas constatados

Representantes de entidades da sociedade civil consideram que o Projeto de Lei 5276/2016, do Poder Executivo, possui uma melhor definição para proteção de dados pessoais do que o Projeto de Lei (PL) 4060/2012. O primeiro é resultado de um amplo debate público promovido de forma on-line pelo Ministério da Justiça, que teve duração de quase seis meses e recebeu mais de 1.100 contribuições. Ambos os projetos tramitam de forma apensada na Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais da Câmara dos Deputados.

Segundo Bruno Bioni, do grupo de pesquisa em políticas públicas de acesso à informação da Universidade de São Paulo (Gpopai/USP), a definição apresentada no PL 4060/2012 é reducionista, pois só considera como informação pessoal os dados exatos e únicos sobre a pessoa. “É preciso entender que fragmentos de dados agregados também podem identificar uma pessoa. Essa é uma definição expansionista que é utilizada por conselhos em todo o mundo com uma preocupação real de defender os dados pessoais do cidadão”, afirma.

O pesquisador cita o artigo 13 do PL 5276/2016 como imprescindível na definição de dados anônimos que devem ser protegidos. “Pedaços de informações que, quando unificados, passam a ter rosto e endereço não podem ser ignorados na proteção de dados. Esse é um conceito de segurança jurídica aliado à inovação”, frisa Bruno.

Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entende que a proteção dos dados pessoais é fundamental e que o Brasil carece desse debate. “Existe uma mercantilização brutal do uso de dados. Precisamos passar por um processo educativo. A legislação precisa reequilibrar a relação entre mercado e usuário. A maior parte da população nem sabe que seus dados são coletados”, destaca. Bia, Bruno e outros representantes de entidades da sociedade civil participaram no dia 14 de uma audiência pública de debate sobre os projetos em tramitação.

A coordenadora lembra que a legislação da maioria dos países europeus traz elementos que favorecem aos usuários tomarem conhecimento de quais dados estão sendo compartilhados. “Essas legislações trabalham para garantir ao cidadão esse entendimento e, assim, assegurar o consentimento livre, informado, inequívoco e expresso” deste usuário sobre o compartilhamento de informações a seu respeito.

Acesso desnecessário a dados dos usuários
Bia Barbosa critica as táticas usadas por algumas empresas para colher dados dos usuários, citando como exemplo os aplicativos que pedem acesso a vários arquivos de dispositivos móveis (celulares, tablets, etc) que não são necessários para suas funcionalidades. Ela defende que o titular seja informado sobre a coleta e o uso que será feito dos dados. Também enfatiza que o usuário deve ter poder de decisão quanto à eliminação dos dados no momento da rescisão do contrato.

A coordenadora do Intervozes destaca que a inclusão de alguns termos deve ser assegurada na legislação, entre os quais:
– o entendimento de que as atividades contratadas têm boa fé;
– o princípio da finalidade (os dados recolhidos devem ter uma função específica declarada para a realização do serviço);
– a granulação de acesso aos dados, de forma que haja níveis de permissão na utilização de um serviço e o usuário possa decidir se quer ou não permitir acesso em alguma pasta de seu aparelho;
– a garantia de que as aplicações trabalharão com uma coleta mínima de dados;
– a possibilidade do titular dos dados se opor, retificar, corrigir e revogar as informações;
– a destruição dos dados a partir da decisão do usuário de rescindir o contrato.

Agente regulador independente X autorregulação
Para Rafael Zanatta, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o PL 4060/2012 desmonta tudo o que se avançou na proteção de dados nos últimos anos. Ainda assim, ele acredita que é possível dialogar com empresários para definir uma melhor solução para o consumidor.

“Temos alinhamento e acordo em algumas questões, como a regulação por uma autoridade independente, que irá garantir a segurança jurídica, expertise técnica e implementação das políticas públicas, mas divergimos no que se trata ao conceito limitado de dados pessoais e dados sensíveis. Também divergimos sobre a falta de responsabilização das empresas sobre lesões, fraudes, etc., como defendem estas empresas”, ressalta Rafael.

Ainda sobre o agente regulador, as entidades que estiveram presentes na audiência pública defendem que o mesmo seja criado a partir do Estado, pois a autorregulação – que é defendida pelos empresários – só regula o setor privado. E o setor público também faz uso da coleta de dados. Para as entidades, essa autoridade deve ser independente para garantir a privacidade e segurança dos dados pessoais.

Os representantes da sociedade civil reforçam que o projeto de lei de proteção de dados que está em discussão na comissão especial da Câmara dos Deputados não pode excluir a responsabilidade das empresas que recolhem os dados, quando houver um vazamento de informação por uma terceira parte. Na forma como se encontra, o PL 4060/2012 fere o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e jurisprudências já firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Cadastro Nacional de Acesso à Internet agride liberdade de expressão, afirmam especialistas

A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados realizou nesta terça-feira, 13, audiência pública para debater o Projeto de Lei 2390/2015, que cria o Cadastro Nacional de Acesso à Internet. Um ponto muito abordado pelos palestrantes no encontro foi o de que o mecanismo pode violar direitos, entre eles a liberdade de expressão e o acesso livre à informação, além de não ser eficaz no atendimento ao objetivo para o qual foi proposto, que é o de proteger crianças e adolescentes de conteúdo impróprio.

Cristine Hoepers, gerente-geral no Centro de Estudos, Respostas e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, apresentou em sua fala preocupações com o projeto do ponto de vista técnico. “A internet é uma rede global baseada em padrões abertos sem controle centralizado. A criação de um cadastro pode criar um ponto de falha de acesso à internet”, disse ela. Ou seja, qualquer instabilidade no cadastro poderia parar a rede no país. Cristine ainda destacou que o ponto de controle centralizado da internet poderia causar vulnerabilidade de todo o sistema a códigos maliciosos, tornando-se alvo para ataques e roubo de informações.

A representante da Associação Brasileira de Internet, Carol Conway, explanou sobre os softwares de controle parental, mais apropriados para o monitoramento de conteúdo e a proteção de crianças e adolescentes propostos do que a criação de um cadastro nacional. “Hoje, [os softwares de controle] são a melhor solução, por não interferirem na rede. Esses programas de controle dos pais permitem bloquear os sites indesejados. Não são muito conhecidos, mas são muito úteis”, frisou, destacando a importância de uma ampla divulgação desses programas.

Conway lembra que o Marco Civil da Internet no Brasil, considerado um exemplo a ser seguido por vários países europeus, destaca em seus artigos 3º e 7º a garantia da liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a preservação e garantia da neutralidade das redes. Além disso, ele já prevê a proteção de crianças e adolescentes em seu artigo 29, que trata sobre controle parental e porteira de acesso (indicação de site impróprio para menores) como forma de proteção da infância.

Outra questão levantada na audiência foi a possibilidade das pessoas procurarem provedores de fora do país, por não concordarem com o sistema de cadastro. “Essas questões influenciam inclusive na questão da economia brasileira, já que os usuários buscarão por provedores de fora do país” para garantirem sua privacidade e direitos, alerta Carol Conway.

Estruturação para combater crimes

O presidente da SaferNet Brasil, Thiago Tavares, apresentou dados sobre o impacto da criação de um Cadastro Nacional de Acesso à Internet para a sociedade brasileira. “Em 2007, já fizemos esse debate no Senado e a proposta foi superada com o debate que gerou o Marco Civil da Internet. O que falta é uma conscientização do usuário de como se portar na web”, argumentou ele, reforçando que o valor que seria investido para a criação do cadastro pode ser revertido para a estruturação dos órgãos responsáveis por combater os crimes praticados na internet.

“Hoje existem mais de 100 mil notificações de crimes contra crianças e adolescentes na rede. Porém, falta estrutura para que a Polícia Federal, Ministério Público e Polícia Civil consigam resolver os casos e aplicar as punições”, lamenta.

“O projeto é bem-intencionado, mas pode ter efeitos colaterais indesejados”, avalia Thiago Tavares. Ele também destaca que o custo para implantar a medida seria de bilhões, o que mesmo assim não garantiria sua eficiência, já que o cadastramento poderia ser facilmente burlado caso os usuários utilizassem redes abrigadas no exterior.

Um exemplo para fortalecer o uso consciente da internet, segundo Tavares, é o projeto Ministério Público pela Educação Digital nas Escolas, desenvolvido pelo Ministério Público Federal. Ele oferece a educadores das redes públicas e privadas de ensino subsídios para o desenvolvimento de atividades pedagógicas para o uso seguro e cidadão da internet.

Projeto regride em direitos fundamentais

Bia Barbosa, coordenadora-executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, reforça que direitos fundamentais estarão em risco com a criação do cadastro para acesso à internet. “Esse cadastro pede um conjunto de dados que ficaria sob ‘proteção do poder público’, e esse é um fator que permite que direitos fundamentais possam ser comprometidos e violados caso o projeto seja aprovado nos termos atuais, como temos apontado na Coalisão Direitos na Rede”, explica ela.

A coordenadora lembra que a obrigatoriedade e a restrição de acesso na forma como são trazidos no projeto de lei afetam o direito de acesso à informação. “A realização de um cadastro que precisa do deferimento de ‘alguém’ é já restritiva por si mesma. Além disso, a navegação dos usuários dependerá de uma aprovação que poderá acontecer ou não, devido a problemas técnicos”, enfatiza.

Bia também destaca que não estão claros no projeto pontos importantes como quem vai definir se os sites e seus conteúdos são apropriados ou não, a quem cabe fazer a análise desse conteúdo e quais os critérios que serão utilizados nesta análise? “Há aqui um indicativo de violação à liberdade de expressão e comunicação. A internet é um  espaço de informação, mas também um espaço de liberdade de expressão”.

Há ainda o ponto relevante da vigilância na internet, muito criticada em países europeus. Conforme lembra Bia, além da violação da privacidade ocasionada por esta vigilância, existe um forte risco de que esse “grande banco de dados” seja passível de invasão. “Os próprios direitos das crianças e adolescentes podem ser violados por serem usados para fins comerciais”, aponta.

Para Bia Barbosa, o caminho para proteger crianças e adolescentes de conteúdo impróprio na internet passa por um necessário “enfrentamento cultural do problema”, pela disseminação de melhores práticas para os pais e pela classificação do conteúdo de maneira indicativa, como o que já existe na TV, só que adaptado para a internet – indicação da faixa etária apropriada por tipo de conteúdo disponibilizado. “Temos que aproveitar as boas práticas que o Estado já desenvolveu e aplicá-las para o conteúdo da internet”, destaca.

A visão do autor do projeto

O deputado Franklin Lima (PP-MG), autor do Projeto de Lei 2390/2015, entende não haverá restrição de acesso à internet aos maiores de idade. “A internet continuará a mesma. Só quero criar um aplicativo que exija um cadastro dos usuários, para saber qual é a idade da pessoa, e que esse aplicativo bloqueie sites que não são recomendados para essa idade”.

Apesar de ter uma intenção justa, a medida é considerada um equívoco, pois não seria viável realizar a classificação de toda a rede, também devido à incompatibilidade com os termos de uso de outros países. Além de não ser eficiente e eficaz, pelos motivos apontados acima, a criação do cadastro nacional pode se tornar muito onerosa aos cofres públicos.

A deputada Luiza Erundina (Psol-SP) acompanha o andamento do projeto e acredita que o tema se torne complexo por envolver muitas áreas e assuntos, inclusive o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por isso, deveria ser estudado e debatido por mais tempo. “Não cabe ao Estado tutelar o desenvolvimento da criança”, enfatizou Erundina.

O PL 2390/2015, em análise na CCTCI, tem como relator o deputado Missionário José Olímpio (DEM-SP). O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado ainda por outras três comissões: Seguridade Social e Família; Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania.

Coalizão Direitos na Rede

A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Conselho Nacional de Direitos Humanos defende comunicação democrática

No mês do Dia Internacional dos Direitos Humanos, fazemos um balanço da atuação do CNDH na pauta da comunicação

Por Helena Martins*

Na véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro, tomou posse, em Brasília, uma nova gestão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).

Ao longo de dois anos, o conselho buscou abraçar uma agenda diversa. Os impactos da construção de Belo Monte e de outras grandes obras e projetos; o extermínio da juventude negra e dos povos indígenas; os assassinatos de defensores de direitos humanos; a negação de direitos da população em situação de rua e das pessoas com deficiência; as violações no âmbito do sistema socioeducativo e o caos no sistema prisional foram algumas delas.

Nesse contexto, o Intervozes, organização eleita para compor o fórum, e outros diversos grupos, como a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a Andi – Comunicação e Direitos, o Instituto Alana e a Artigo 19, buscaram contribuir também para a ampliação do reconhecimento da comunicação como um direito humano fundamental e, assim, da inserção de questões relacionadas à comunicação no cotidiano do Conselho.

Em um país que reconhece a comunicação como direito expressamente em uma norma, o Estatuto da Juventude, e possui pouquíssimos espaços institucionais para o debate aberto e participativo das políticas de comunicação – até hoje não possui um Conselho de Comunicação Social deliberativo, por exemplo – a criação da Comissão sobre Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão pode ser apontada como uma conquista dessa primeira gestão.

Isso porque a comissão tem o objetivo, reconhecido em normativas, de receber, analisar e monitorar denúncias de violações do direito à comunicação e dos direitos humanos na mídia, propor mecanismos de regulação dos meios de comunicação, opinar sobre políticas públicas do setor e desenvolver ações de promoção do direito à comunicação e à liberdade de expressão.

Por meio dela, especialmente, o CNDH buscou dar seguimento à deliberação de Grupo de Trabalho do CDDPH que havia aprovado a criação de um Observatório Sobre a Violência Contra Comunicadores.

Como soubemos já no apagar das luzes do governo Dilma, o Observatório, que chegou a ser objeto de portaria interministerial anunciada, porém nunca lançada, teve suas atribuições questionadas pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), que fez propostas sobre uma minuta que chegou até ela, mas não à sociedade civil.

Sem um espaço como esse, sequer as características desses crimes, que dificilmente são investigados, podem ser percebidas e utilizadas para subsidiar políticas públicas. Não à toa, o Brasil é o segundo país com o maior número de jornalistas assassinados da América Latina, atrás do México, segundo a organização Repórteres sem Fronteiras.

A perspectiva do Judiciário frente ao direito à liberdade de expressão também foi objeto de discussão. O CNDH atuou em defesa da Classificação Indicativa, política que acabou fragilizada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a vinculação horária à classificação. Também manifestou preocupação com punições rigorosas que possam intimidar os que usam a liberdade de expressão para veicular conteúdos críticos, como ocorreu no caso do jornalista sergipano Cristian Góes, punido após ter escrito uma crônica em que criticava oligarquias.

Neste caso, o Conselho destacou, em nota, que a “possibilidade de buscar informações e manifestar ideias livremente é uma conquista da sociedade brasileira e deve ser protegida por ela e pelas instituições do país, afinal não há democracia plena sem liberdade de expressão”. Afirmação ainda mais necessária nesses tempos de golpe, em que a repressão aos comunicadores – verificada em diversos momentos anteriores, como durante a Copa do Mundo – tende a crescer. Aliás, uma das agendas que deverá ganhar centralidade na próxima gestão do colegiado é exatamente a defesa da liberdade de expressão, tanto por meio de veículos midiáticos quanto nas ruas, durante protestos.

Temas de destaque durante a discussão das propostas de redução da maioridade penal, a criminalização de determinados setores da sociedade e a abordagem de temas como segurança pública, violência e direitos humanos pela mídia resultaram em amplo debate sobre os programas policialescos. A partir de provocação da Andi e outras organizações, o CNDH debruçou-se sobre essa questão, o que resultou na aprovação de um relatório que apresenta diversas recomendações aos órgãos públicos e também às empresas de radiodifusão, a fim de que atuem para garantir o respeito aos direitos humanos na mídia.

Do documento, duas propostas devem ser ressaltadas, a fim de que sejam apropriadas pelo conjunto da sociedade e reconhecidas como bandeiras de luta. Uma delas é que não seja veiculada a publicidade de órgãos públicos e empresas estatais em programas de cunho policialescos, seja como cota de patrocínio, seja nos intervalos comerciais ou por meio de merchandising. A segunda proposta aponta que sejam consideradas, na atividade de fiscalização do conteúdo dos programas de rádio e TV, para fim de aplicação de sanções, um conjunto de leis brasileiras e de tratados internacionais ratificados pelo país, que têm sido solenemente ignorados pelo Estado.

O relatório também destaca a necessidade de cumprimento das 19 resoluções aprovadas na 12ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, convocada e organizada também pelo CNDH. Entre elas, estão: elaborar e executar, nos meios de comunicação, campanhas sobre direitos humanos; garantir a democratização da comunicação e a aprovação do Projeto de Lei da Mídia Democrática e regulamentar o Marco Civil da Internet, garantindo os princípios de neutralidade de rede; respeitar as normas de acessibilidade na radiodifusão, com garantia de audiodescrição, legenda, janela e materiais em Libras, fonte ampliada, Braille e outros formatos acessíveis que garantam à pessoa com deficiência acesso igualitário à informação.

Uma das últimas ações da primeira gestão em relação à comunicação foi a defesa da manutenção do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), prontamente atacado por Temer logo após assumir ilegitimamente a Presidência da República. Por meio de Nota Pública, o CNDH posicionou-se contra a extinção do Conselho e exigiu a garantia desse importante espaço de participação da sociedade. Afirmou ainda que a extinção fragiliza o caráter público da empresa e afronta princípios constitucionais que estabelecem a comunicação pública como um direito da sociedade brasileira, além de ferir o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal da comunicação e ir de encontro ao que defendem órgãos vocacionados para a proteção dos direitos humanos.
Criação do Conselho Nacional de Direitos Humanos

Tributário de décadas de atuação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), o mais antigo colegiado do país, o CNDH foi fruto da luta da sociedade civil, que por anos demandou a efetivação de um órgão que atendesse aos chamados Princípios de Paris, adotados pela Comissão de Direitos Humanos da ONU em 1992.

Alguns deles são: autonomia para monitorar qualquer violação de direitos humanos; autoridade para assessorar o executivo, o legislativo e qualquer outra instância sobre temas relacionados aos direitos humanos; capacidade de se relacionar com instituições regionais e internacionais; legitimidade para educar e informar sobre direitos humanos; e competência para atuar em temas jurídicos.

Até hoje, exatamente por não possuir uma instância com tais características, o Brasil é um dos poucos países da América Latina que não possui uma Instituição Nacional de Direitos Humanos credenciada junto à Organização das Nações Unidas (ONU).

Isso demonstra mais que um descaso. Trata-se, em verdade, de uma tentativa histórica do Estado brasileiro, muitas vezes o principal violador de direitos, de afastar a sociedade civil da definição de políticas desse campo, bem como de reduzir a cobrança interna e também internacional em relação ao cumprimento de tarefas básicas como defender, promover e reparar direitos.

Expressão da tentativa de afirmar a autonomia do Conselho, a principal mudança do CDDPH para o CNDH é exatamente a composição do colegiado. De acordo com a Lei nº 12.986, de 2 de junho de 2014, que instituiu o CNDH, este passou a ter 22 membros, dos quais onze são organizações da sociedade civil.

Possuem assento permanente a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos estados e da União. Nove delas são eleitas pela própria sociedade civil. Além destes integrantes, outros onze são do poder público, entre os quais representantes do Ministério Público Federal (MPF), o que garantiu a destacada atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, e da Defensoria Pública da União (DPU), outra instituição que tem se mostrado cada vez mais relevante na defesa dos direitos humanos.

A lei que criou o CNDH também ampliou suas competências e, consequentemente, sua força institucional. No entanto, também houve perdas no processo de aprovação, como a dependência orçamentária do Conselho em relação ao governo. Apesar desses limites, a primeira gestão foi marcada pela tentativa de afirmar sua autonomia, abrir espaço para a participação da sociedade e abraçar uma diversificada agenda de intervenção.

O processo foi tortuoso. Ao longo do governo Dilma Rousseff, inicialmente dois ministros revezaram-se à frente da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR): Ideli Salvatti e Pepe Vargas. Em setembro de 2015, a reforma ministerial de Dilma levou ao rebaixamento do status ministerial da SDH. As secretarias de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos foram reunidas no Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, que passou a ter como ministra Nilma Lino. Parte dele, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi designada a Rogério Sottili.

A junção, aliás, fora criticada pelas organizações da sociedade civil que integravam o CNDH, as quais destacaram, em nota, tanto o desrespeito à defesa histórica da existência de pastas específicas quanto a possibilidade de criação de obstáculos à atuação em defesa dos direitos humanos.

Cada ministro, que acumulava o cargo de presidente do Conselho, imprimiu um ritmo diferente ao órgão, bem como adotou uma postura mais ou menos respeitosa em relação à autonomia dele, o que impactava o seu próprio funcionamento. Se as mudanças já causaram dificuldades para a atuação do órgão, este teve que enfrentar, ainda, a ruptura democrática confirmada com o golpe que levou Michel Temer ao poder.

Praticamente no mesmo mês do afastamento de Dilma, contudo, seguindo o regimento interno que determina a alternância, na presidência, entre governo e sociedade civil, esta, representada pela procuradora Ivana Farina, assumiu a presidência do CNDH. O mecanismo e a participação da sociedade civil, mais uma vez, mostraram-se fundamentais para garantir a continuidade da existência de um espaço que não esteja submetido às vicissitudes de governos que, em geral, não estão efetivamente comprometidos com o respeito aos direitos humanos.

Comunicação como direito humano e onda conservadora

Os enfrentamentos do CNDH no campo da comunicação não resultaram em vitórias concretas. Não seria de se esperar o contrário, tendo em vista a avassaladora onda conservadora que tem conseguido imprimir derrotas e devastar, rapidamente, direitos conquistados por meio de décadas de lutas da sociedade brasileira.

Não obstante, as medidas aqui relatadas significam avanços, tanto no debate público quanto no reconhecimento, inclusive por parte das organizações que atuam no campo mais amplo dos direitos humanos, da comunicação como um direito fundamental. E desse direito como uma bandeira que deve ser abraçada por todas e todos nós que queremos uma sociedade radicalmente distinta da que vivemos hoje. Ainda que temporária e merecedora de ações que deem continuidade a ela, essa é uma conquista que deve ser celebrada neste dia.

Para os que seguem, estaremos mais uma vez, ao lado das organizações da sociedade civil e das instituições públicas sérias que ainda nos restam, atuando pelo fortalecimento do CNDH e dos movimentos sociais comprometidos com a defesa de direitos. Porque direitos são indivisíveis e interdependes. E porque sabemos que eles nunca foram nem serão dados, mas arrancados pela mobilização popular.

*Helena Martins é jornalista, coordenadora executiva do Coletivo Intervozes e representou o Coletivo no CNDH durante os últimos dois anos

Rosa Weber nega suspender ações contra políticos donos de rádio e TV

Ao entender que as concessões nas mãos de senadores e deputados ferem a democracia, entidades realizam diálogos para fortalecer incidência na agenda

O Intervozes realizou nesta quinta-feira 8, em São Paulo, a segunda roda “Diálogos sobre o Direito à Comunicação no Brasil”, desta vez com o tema “Políticos Donos da Mídia”.

O objetivo foi discutir as ações que pedem o imediato cancelamento das concessões de emissoras de rádio e TV nas mãos de políticos, como as ações civis públicas que estão sendo movidas no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) nos estados e as ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 246 e 379, ambas ajuizadas no Supremo Tribunal Federal pelo PSOL, que questionam as concessões dadas a políticos.

A roda de diálogos contou com a participação do próprio Intervozes, representado pela advogada Veridiana Alimonti, que colaborou na elaboração das ADPFs ajuizadas pelo PSOL, além de Eugênia Augusta Gonzaga, Procuradora Regional da República em São Paulo, Camila Marques, advogada coordenadora de projeto na organização Artigo 19, Pedro Freitas, do Levante Popular da Juventude, e Ricardo Vos, da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, que compõe a campanha Fora Coronéis da Mídia. A atividade teve apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES).

A roda de diálogos ocorre no momento em que a proibição de políticos eleitos serem concessionários de empresas prestadoras de serviço público volta novamente à crista do debate. Recentemente, Rosa Weber, ministra do STF, rejeitou o pedido de liminar de Michel Temer para a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de senadores e deputados federais.

O Governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), havia entrado com a ADPF 429 no STF em 9 de novembro para tentar barrar os processos judiciais contra políticos, numa tentativa de favorecer um grupo de 40 parlamentares.

Nesta ADPF consta um pedido de liminar no qual a Presidência solicitava aos ministros que suspendessem e julgassem inconstitucionais decisões judiciais que contrariam os interesses dos deputados e senadores com concessões públicas de rádio e TV, com o falso argumento de tais decisões fazerem “interpretações equivocadas da Constituição”.

A medida de Temer pretendia conter uma série de vitórias que as entidades dedicadas à democratização da comunicação estão obtendo nos estados como, por exemplo, a decisão por meio de liminar que determinou a interrupção, em agosto passado, das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), e o cancelamento de concessões de emissoras de rádio dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB-SP).

As decisões foram tomadas após ações do Ministério Público Federal. Ações similares contra parlamentares tramitam também em outros estados.

A decisão de Rosa Weber garante a continuidade destes processos nos estados. No entanto, vale lembrar que a pauta, incluindo as ADPFs 246 e 379 e agora a 429, que se encontram em análise no Supremo, estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, que pode, portanto, alterar a decisão da ministra.

Concessão a políticos é inconstitucional

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. E ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República.

Segundo Bráulio Araújo, membro do Intervozes e advogado que elaborou as ADPFs pelo PSOL, a “jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”

Araújo menciona em uma das petições que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o STF já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.

Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.

Por mais absurdo que isso seja, é justamente esse o artigo citado pelo atual governo na peça, assinada por Temer, pela advogada-geral da União, Grace Mendonça, e pela secretária-geral de Contencioso, Isadora Cartaxo de Arruda. Sustenta a Presidência que as decisões judiciais contrárias à concessão de rádios e TVs para políticos conferem “interpretação incorreta à regra de impedimento constante do artigo 54” da Constituição Federal e “ofendem os preceitos fundamentais da proteção da dignidade da pessoa, da livre iniciativa, da autonomia da vontade, da liberdade de associação e da liberdade de expressão”.

Para o PSOL e entidades como o Intervozes e Artigo 19, o artigo 54 é claro em impedir a concessão ou a renovação de concessões de rádio e TV a empresas que tenham deputados e senadores como sócios, independentemente da retórica usada pela Presidência em sua peça judicial em defesa dos parlamentares.

Além disso, a ação de Temer ignora a primeira linha do artigo 55 da Constituição, que diz claramente: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”, além de partir do princípio de que as liberdades individuais estão acima dos limites impostos pela lei, quando se sabe que não estão. Ou seja, quem afronta a Constituição é Temer e a AGU ao tentarem manter privilégios ilegais de parlamentares.

Ministra não vê divergência em decisões

Ao rejeitar o pedido de liminar, a ministra do STF Rosa Weber afirmou que não se faziam presentes na hipótese manifestada por Temer e AGU as circunstâncias excepcionais justificadoras da suspensão do andamento dos processos judiciais – o que era a pretensão dos autores. “As decisões judiciais trazidas aos autos juntamente com a exordial, a fim de demonstrar a alegada controvérsia constitucional, não evidenciam a existência de divergência interpretativa apta a ensejar uma suspensão geral dos processos”, ressaltou a ministra em sua decisão.

Influência indevida de políticos

Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs 246 e 379, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”.

Mérito da ação ainda será julgado

O mérito da questão ainda vai a julgamento no plenário do STF, sem data prevista no momento. Até lá, Rosa Weber terá de elaborar seu voto sobre a constitucionalidade ou não das concessões públicas que beneficiam parlamentares. Ao indeferir a liminar pedida por Temer, a ministra também pediu mais informações à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Ministério das Comunicações, à própria AGU e à Procuradoria-Geral da República. Por outro lado, caberá a Gilmar Mendes apresentar voto a respeito das ADPFs 246 e 379.

De acordo com levantamento do Intervozes, 40 parlamentares, sendo 32 deputados federais e oito senadores, atuam como donos de concessões de emissoras de rádio e TV no país e podem ser beneficiados pela iniciativa de Temer.

Entre eles, estão os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e os ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Ricardo Barros (Saúde) – os dois últimos são deputados federais licenciados. Alguns parlamentares alegam que não têm mais participações em empresas de radiodifusão, porém continuam aparecendo nos respectivos quadros societários.

“A situação chegou a esse ponto por omissão do Poder Executivo nas últimas décadas. Questionamos essa omissão sistematicamente. Nosso objetivo [no Ministério Público] era provocar a manifestação do Supremo. O governo tenta agora justificar a omissão com essa ADPF”, afirmou em entrevista para o UOL publicada na semana passada, o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, que atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo e participa do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac).

No entendimento de Dias, parlamentar que atua como dono de concessão não pode vender sua parte nem transferi-la a um familiar. Deve devolvê-la ao poder público.

Texto produzido a partir da reportagem “Temer tenta barrar ações contra concessões de políticos e tem pedido negado no STF” da repórter Ramênia Vieira, do Observatório do Direito a Comunicação.

Aprovada em Comissão a MP que altera estrutura da EBC

A Comissão Mista formada para analisar a Medida Provisória (MP) 744/2016, que altera a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aprovou nesta quinta-feira, 8, o parecer do relator, senador Lasier Martins (PDT-RS). Com isso, estão mantidas as modificações propostas na MP, entre elas a transformação do antigo Conselho Curador da empresa em um Comitê Editorial, com menor capacidade de decisão e menor representação, voltado especificamente para as questões de programação.

A extinção do Conselho Curador foi duramente criticada por entidades, profissionais e pesquisadores que defendem a importância da comunicação pública para uma sociedade democrática, e também por funcionários da empresa. Entre as justificativas para a MP 744, editada em 2 de setembro, o governo de Michel Temer afirmava que o Conselho Curador “estava partidarizado, o que atrapalhava sua atuação de forma isenta”. Entretanto, as audiências públicas realizadas pela Comissão Mista para debater a Medida Provisória mostraram que o processo de escolha dos integrantes do conselho não passava por interferências do Executivo. Aliás, pelo contrário: são as alterações impostas por Temer na MP 744 que diminuem o caráter público e a autonomia da EBC, deixando a empresa à mercê dos interesses do governo de turno.

Como tentativa de obter consenso para a questão, o senador Lasier Martins propôs em seu relatório a substituição do Conselho Curador por um Comitê Editorial. Também propôs a diminuição do número de integrantes de 22 para 11 nesta remodelação, além de limitar as atribuições do comitê à observação da linha editorial da EBC e de restringir a sua composição a pessoas de “notório saber” na área da comunicação. Antes, na composição do Conselho Curador, estava prevista a atuação de profissionais de diversas áreas do saber, o que enriquecia as análises feitas no âmbito da instância e melhor representava a pluralidade e diversidade presentes na sociedade brasileira.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos

O senador Paulo Rocha (PT-PA), que participa da Comissão Mista da MP 744/2016, critica a restrição imposta à indicação dos membros do Comitê Editorial. Ele observa que esta limitação vai impor à instância uma atuação com o viés da comunicação e do conhecimento técnico, que também são importantes, mas que não levará em consideração a função social dos organismos e a representação da sociedade civil organizada, que são ainda mais relevantes para um órgão de tais características no âmbito de uma empresa pública de comunicação.

Rocha também trouxe para debate uma comunicação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), para a secretária de Direitos Humanos do governo Temer, Flávia Piovesan. O texto, assinado pelo relator especial para a Liberdade de Expressão na CIDH, Edison Lanza, questiona os motivos que levaram o governo de Michel Temer a deslocar a EBC da Secretaria de Comunicação Social para a Casa Civil. Sobre isso, o senador Paulo Rocha faz uma ressalva: “se a proposta é fortalecer a comunicação pública e torná-la independente, não faz sentido vincular [a EBC] à Casa Civil, que é um órgão de assessoramento direto da Presidência da República”.

O relator especial para a Liberdade de Expressão na CIDH também questiona o fato de a MP 744/2016 permitir que o governo de plantão mexa à vontade na diretoria da empresa, assim como os motivos para a extinção do Conselho Curador da empresa pública. Antes da edição da MP pelo governo Temer, a única estrutura que podia demitir o presidente da EBC era justamente o Conselho Curador. Essa prerrogativa garantia a independência da Empresa Brasil de Comunicação frente aos governos. Agora, com a MP 744, o ocupante do cargo de presidente da República pode alterar a direção da EBC a qualquer momento que lhe convier. “Reconhecendo-se que a liberdade de expressão exige necessariamente uma ampla pluralidade de informações, é essencial garantir que esses meios públicos sejam independentes do governo”, enfatiza Edison Lanza.

Gastos em publicidade aumentaram 1000%

Durante o debate, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) frisou que votaria favoravelmente ao parecer por “consideração ao relator”, mas ressaltou deveria ser pedido ao governo Michel Temer a total extinção da empresa pública. Na sua avaliação, a EBC é “onerosa e desnecessária num momento de crise financeira”. Vale lembrar que o orçamento da EBC não chega à metade do que o governo repassa às mídias privadas. Desde que Michel Temer passou a ocupar a Presidência da República, as empresas privadas de comunicação tiveram um aumento de quase 1000% nos recursos que recebem em publicidade do governo federal. Portanto, se o senador Ronaldo Caiado está de fato preocupado com os gastos públicos, deveria estar questionando Temer sobre os valores que a União repassa às emissoras privadas de televisão e rádio e às mídias impressas.

A deputada Angela Albino (PCdoB-SC) rebateu a posição de Caiado e criticou a ausência de vários parlamentares nos debates realizados previamente à leitura do relatório na Comissão Mista. “Vamos ouvindo as falas e vão ficando claras duas diferenciações. A primeira é quem tem vocação para a convivência democrática e os que não têm. E a segunda é quem acompanhou o desenvolvimento dessa comissão e quem não acompanhou. Cada um discursa para a sua plateia, mas em momento nenhum aqui nós discutimos a eliminação de empregos [com uma eventual extinção da EBC]”, rebateu a deputada, fazendo referência ao fato do senador Caiado não ter participado de nenhuma outra sessão da comissão, muito menos dos debates realizados.

O deputado Chico D’Angelo (PT-RJ) questionou as verdadeiras intenções da MP 744/2016, lembrando que só a mudança na forma de escolha da presidência da empresa já demarca a intenção de torná-la estatal, retirando seu caráter público e eliminando sua autonomia em relação ao governo. D’Angelo reprovou a atitude do atual diretor-presidente da EBC, Laerte Rimolli, ao demitir arbitrariamente a jornalista Leda Nagle, apresentadora do programa Sem Censura há 20 anos. “Se estamos falando em uma empresa pública de qualidade e que tenha apelo de audiência, qual a motivação para demitir uma jornalista que atuava num dos programas mais assistidos da grade da EBC?”, perguntou ele.

Como fica a estrutura da EBC com a Medida Provisória

De acordo com o parecer aprovado na Comissão Mista da MP 744/2016, o presidente da EBC cumprirá mandato de até quatro anos, sem recondução. Será nomeado pelo presidente da República, após aprovação em sabatina no Senado Federal, mas tanto ele quanto os demais diretores-executivos poderão ser indicados e exonerados a qualquer momento pela Presidência da República. A composição da Diretoria-Executiva passará dos atuais oito integrantes para seis, todos também de livre nomeação e exoneração pelo presidente da República.

O Conselho de Administração agregará novos membros: os representantes dos Ministérios da Educação e da Cultura, além de um representante dos empregados da empresa. Eles se somam aos representantes dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Planejamento e da Casa Civil. Já o Comitê Editorial e de Programação terá a função de assegurar que a programação proposta pela diretoria da EBC cumpra os princípios e os objetivos da comunicação pública. O comitê será composto por 11 membros, todos designados pelo presidente da República a partir de uma lista tríplice.

O Comitê Editorial e de Programação terá um representante de cada um dos seguintes segmentos, o qual deverá ter “notório saber” em comunicação:

– emissoras públicas de rádio e televisão;

– cursos superiores de Comunicação Social;

– setor audiovisual independente;

– veículos legislativos de comunicação;

– comunidade cultural;

– comunidade científica e tecnológica;

– entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes;

– entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias;

– entidades da sociedade civil de defesa do direito à Comunicação;

– cursos superiores de Educação e;

– empregados da EBC.

Vedadas indicações de partidos e entidades religiosas

Será vedada a participação em consulta pública, para a formação do Comitê Editorial e de Programação, de indicações oriundas de partidos políticos, instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais ou confessionais, atendendo proposta da deputada Ângela Albino. O mandato dos integrantes do comitê terá duração de dois anos, sem possibilidade de recondução.

O senador Lasier Martins manteve em seu relatório a proposta de que o Comitê Editorial estude a formulação de mecanismo de aferição e tipificação permanentes da audiência da EBC, mas com indicadores e métricas que considerem a natureza e os objetivos da radiodifusão pública, as peculiaridades da recepção dos sinais e as diferenças regionais. Caso a Diretoria-Executiva da empresa não considere as determinações do comitê para este e outros temas, a instância deverá acionar a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado Federal, a quem caberá as providências cabíveis.

O parecer passará a tramitar agora como projeto de lei de conversão (PLV) 35/2016 e seguirá para o plenário da Câmara dos Deputados, onde deve ser votado até o próximo dia 13, e depois para o plenário do Senado. A previsão é de que a votação da MP 744 seja concluída definitivamente no retorno dos trabalhos legislativos, após os recessos de final de ano. A intenção do governo é votar a medida provisória no Senado entre os dias 7 e 8 de fevereiro, já que a mesma expira no dia 10 de fevereiro. Caso a MP não seja aprovada pelo Congresso Nacional até lá, volta a valer a legislação anterior.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação