Relatório substitui Conselho Curador da EBC por um Comitê Editorial

Parecer reforça a concessão de poder total ao ocupante da Presidência da República para indicação e exoneração do diretor-presidente da empresa

Foi apresentado nesta terça-feira, dia 6, na Comissão Mista do Congresso Nacional, o relatório elaborado pelo senador Lasier Martins (PDT/RS) que analisa a Medida Provisória (MP) 744/2016 – a MP altera a Lei da EBC (Lei 11.652/2011). Uma questão destacada no parecer é a criação de um Comitê Editorial e de Programação em substituição ao Conselho Curador, extinto pela MP 744. O Conselho Curador contava com representantes da sociedade civil e do governo.

Para o relator, o comitê vai resolver uma questão colocada durante as audiências realizadas para debater as mudanças na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que é a participação da sociedade nas decisões da empresa. Porém, o relatório diminui o número de integrantes das respectivas instâncias de 22 (Conselho Curador) para 11 (Comitê Editorial), além de limitar as atribuições da última exclusivamente à definição da linha editorial da EBC. “A principal diferença entre as duas instâncias é que a nova não terá nenhuma função administrativa no organograma da empresa, como o poder de destituir o diretor-presidente, prerrogativa que estava à disposição do ConselhoCurador”, reconhece o próprio Lasier Martins.

O relatório indica que as decisões do Comitê Editorial têm caráter consultivo e deliberativo, devendo ser seguidas pela diretoria-executiva da empresa. Em caso de descumprimento, o comitê acionaria a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, que intercederia junto à direção da EBC.

Um segundo ponto destacado no relatório diz respeito diretamente ao cargo de diretor-executivo da EBC. Na proposta de Lasier Martins, o diretor-presidente precisará passar por uma sabatina e pela aprovação do Senado, ainda que a sua nomeação e demissão sejam determinadas a qualquer momento pela Presidência da República. Sendo assim, o relatório do senador mantém um dos principais problemas responsáveis pela descaracterização da empresa pública trazidos na MP 744, que é o fim da estabilidade no mandato do presidente da empresa.

Controle social e gestão pública

Ainda justificando seu parecer, o senador traz dois argumentos principais para a criação do Comitê Editorial e de Programação. O primeiro é que “parece não haver divergência a respeito de que um de seus principais requisitos mínimos é possuir algum mecanismo de controle social, com a participação da sociedade”.

O segundo argumento, conforme sua fala, é de ordem financeira. Caso não seja previsto qualquer mecanismo que caracterize a EBC como gestora de comunicação pública e com participação social, isso poderia significar a extinção, por perda de objeto, da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), devida pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, nos termos da Lei nº 11.652, de 2008. Lasier Martins reforça essa questão no relatório, destacando que, “se [a EBC] não for uma empresa de caráter público, as teles não teriam razão para recolher a CFRP, que em 2015 totalizou mais de R$ 300 milhões”. A CRFP seria a principal fonte orçamentária da EBC, mas esse recurso encontra-se bloqueado hoje por uma disputa judicial.

Críticas à inconsistência do relatório

O presidente da Comissão Mista do Congresso Nacional, deputado Ságuas Moraes (PT-MT), criticou o relatório final dos trabalhos realizados pelo colegiado. Para ele, até mesmo propostas que poderiam trazer algum avanço acabam sendo anuladas por outras que retiram sua eficácia. “O relator criou, por exemplo, a figura do Comitê Editorial e de Programação para orientar a produção de conteúdo. Poderia até funcionar, mas ele determina que essa instância deva ser composta apenas por pessoas oriundas da mídia, prejudicando a voz da sociedade. Outro ponto interessante, que é a sabatina do diretor-presidente da EBC pelo Senado, acaba se perdendo quando é criada a possiblidade do presidente da República demitir sumariamente o dirigente máximo da EBC a seu bel prazer”, afirma.

Medição de audiência

Uma outra questão controversa foi a proposta do relator sobre os “métodos para elevar os índices de audiência da EBC”. O senador Lasier Martins recomenda no parecer que a empresa pública contrate regularmente pesquisas para auferir a audiência, como forma de orientar a produção de conteúdo, ignorando a contribuição da sociedade civil, em audiência pública realizada no dia 29 de novembro, em que foram feitas várias intervenções dos participantes no sentido de afirmar que a preocupação da comunicação pública deve estar na divulgação da diversidade e pluralidade brasileiras, e menos na questão de “medições de audiências”. Isso porque tais medições quantitativas foram criadas com fins mercadológicos, não tendo a complexidade necessária para avaliar os resultados da comunicação pública, conforme seus objetivos específicos.

“As funções básicas da comunicação pública são construção de cidadania, utilidade pública, interesse público, sustentar a cidadania, promover a educação, estimular a criatividade e excelência cultural, diminuir a concentração dos veículos – uma das funções muito importantes da comunicação pública também – e aumentar a pluralidade de vozes e opiniões na mídia, sem se prender à necessidade de uma medição de audiência que não representa a realidade e a totalidade da população brasileira”, enfatizou Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), durante a audiência do dia 29 de novembro.

Pessoas de notório saber

Na verdade, o Comitê Editorial e de Programação aparece no relatório mais como uma forma de minimizar as fortes críticas feitas pela sociedade civil durante as audiências públicas realizadas pela comissão. Porém, ao restringir as indicações a “pessoas de notório saber em comunicação social”, tal comitê não cumpre o papel de garantir diversidade e pluralidade na tomada de decisões. Essa é uma diferença essencial em relação ao projeto da EBC desmontado pela MP 744/2016.

O extinto Conselho Curador tinha 15 representantes da sociedade civil que não estavam necessariamente vinculados ao setor da comunicação, porém que possuíam o conhecimento de telespectador do segmento que representava naquela instância. Com o Comitê Editorial, a representação da sociedade vai se limitar aos próprios profissionais da comunicação. Serão comunicadores falando com comunicadores em nome da sociedade, sem a participação de outros sujeitos de nossa composição social.

Atribuições do Comitê Editorial

O Comitê Editorial proposto pelo senador Lasier Martins tem entre suas atribuições:

* deliberar sobre os planos editoriais propostos pela Diretoria-Executiva para os veículos da EBC, na perspectiva da observância dos princípios da radiodifusão pública;

* deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela EBC;

* propor a ampliação de espaço, no âmbito da programação, para pautas sobre o papel e a importância da mídia pública no contexto brasileiro;

* convocar audiências e consultas públicas que oportunizem a ampla discussão sobre os conteúdos produzidos e que permitam qualificar o desempenho do serviço prestado;

* formular mecanismo que permita a aferição permanente sobre a tipificação da audiência da EBC, mediante a construção de indicadores e métricas consentâneos com a natureza e os objetivos da radiodifusão pública, considerando as peculiaridades da recepção dos sinais e as diferenças regionais.

Composição do Comitê Editorial

De acordo com o relatório, o Comitê Editorial e de Programação será composto por membros indicados por entidades representativas dos seguintes setores:

* um representante de emissoras públicas de rádio e televisão;

* um representante dos cursos superiores de Comunicação Social;

* um representante do setor audiovisual independente;

* um representante dos veículos legislativos de comunicação;

* um representante da comunidade cultural;

* um representante da comunidade científica e tecnológica;

* um representante de entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes;

* um representante de entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias;

* um representante de entidades da sociedade civil de defesa do direito à Comunicação;

* um representante dos cursos superiores de Educação;

* um representante dos empregados da EBC.

Lido o relatório, foi concedida vista coletiva da matéria, com indicação de votação do parecer para esta quinta-feira, dia 8, às 9 horas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Comissão aprova mudanças na Lei de Telecomunicações, mesmo com posição contrária do TCU

A Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) aprovou nesta terça-feira, 6, alterações na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), a Lei 9.472/1997. O projeto com as modificações (PLC 79/2016), de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), permite a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização. Segundo Vilela, o projeto tem o “objetivo de estimular os investimentos em redes de suporte à banda larga, eliminar possíveis prejuízos à medida que se aproxima o término dos contratos e aumentar a segurança jurídica dos envolvidos no processo de prestação de serviços de telecomunicação”.

O projeto determina que os bens reversíveis da União ficarão agora em poder das empresas privadas de telefonia fixa, que, em “contrapartida”, deverão investir em redes de banda larga. Também cria a licença perpétua de frequência. A lei atual permite apenas uma prorrogação. A mesma alteração passa a valer para as autorizações, que têm hoje prazo de 20 anos, e para a exploração de satélites, que têm prazo atual de 15 anos. Com as alterações na lei, não há mais limite máximo de tempo. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se limita a avaliar que o novo modelo “vai atrair investimentos em banda larga”. Isso está sujeito à discussão. O que não é discutível é que o projeto de lei apresentado por Vilela favorece as empresas do setor, e não os usuários. E que tais investimentos em benefício privado serão realizados com dinheiro público.

Em julho deste ano, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) já havia se posicionado a respeito do PLC 79/2016, que naquele momento ainda tramitava na Câmara dos Deputados como PL 3.453/2015. Conforme o Idec, no formato atual, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – que significa disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter as tarifas dentro de critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar. O que resultaria em significativa perda de qualidade do serviço de telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacava à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O estudo do Idec também aponta como grave consequência da mudança do regime de concessão para o de autorização o fato de empresas do setor poderem ficar com a infraestrutura instalada por elas para a prestação do serviço de telefonia fixa. Pela legislação atual, tais infraestruturas deveriam ser repassadas à União ao final do período de concessão, em 2025 – a chamada reversibilidade dos bens. Ocorre que as empresas já receberam, e continuam recebendo, uma série de incentivos fiscais para compensar os investimentos feitos. Do que resulta que o projeto de Vilela beneficia duplamente as empresas, que não recolheram os impostos devidos e que ficarão com a propriedade dos imóveis e benfeitorias pagos com recursos públicos (que deixaram de ingressar nos cofres do Estado devido aos incentivos fiscais).

TCU aponta prejuízos ao erário

Na semana anterior, o Tribunal de Contas da União (TCU) retirou o sigilo mantido até então sobre uma auditoria que estava analisando as propostas de mudança do modelo de telecomunicações, com o fim das concessões de telefonia fixa e migração para o serviço privado na forma de autorizações, e elencou uma série de riscos para a sociedade brasileira caso as mudanças propostas no PLC 79/2016 sejam aprovadas.

Entre os riscos mais graves, o TCU apontou: os danos ao erário, caso os cálculos entre o bônus e o ônus da migração do modelo do serviço não sejam refeitos; a judicialização (disputa judicial em torno das alterações propostas), e a consequente insegurança gerada no âmbito da prestação dos serviços; a possibilidade de surgimento de um mercado de revenda de frequências, a partir da perpetuação das mesmas à iniciativa privada. O tribunal indicou ainda a possibilidade de “comprometimento da efetiva inclusão digital”, e alertou a Anatel de que ela deveria mudar a fórmula de modelo do serviço prevista no projeto.

Causa estranheza o fato de a Anatel querer avaliar o fluxo de caixa da concessão dos serviços de telefonia fixa somente a partir da solicitação da migração até o fim efetivo do contrato de concessão, em 2025. Ou seja, a agência que tem por responsabilidade fiscalizar os serviços de telecomunicações optou por ignorar todo o período transcorrido entre a assinatura dos contratos e a data da migração do modelo dos respectivos serviços para a avaliação do fluxo de caixa. O relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas, questionou o fato: ”Se o argumento para revisar o modelo é a insustentabilidade das concessões, era de se esperar que a concessão fosse avaliada como um todo, desde o seu princípio, com todas as receitas, despesas e obrigações associadas.”

Pagamento pela exploração dos serviços

O relatório do ministro Bruno Dantas analisa as propostas formuladas tanto pela Anatel e pelo Poder Executivo quanto pelo anterior PL 3453/2015, e enumera os impactos que devem ser evitados no projeto a ser aprovado. Em relação específica ao cálculo, o TCU entende que, na forma como o assunto está expresso no atual projeto de lei, as concessionárias poderiam deixar de pagar pelo direito de exploração do serviço (hoje, elas pagam pelo este benefício a cada dois anos), provocando ainda mais prejuízos ao Tesouro Nacional.

Diz o relatório do TCU: “Eliminar a cobrança de direito de exploração do serviço, hoje prevista no § 1º do art. 99 da LGT, combinada com a possibilidade de sucessivas renovações, equivale, na prática, a dar a essas empresas um título perpétuo de R$ 2 bilhões anuais. Se aplicarmos uma taxa de 10% ao ano, isso implicaria um valor presente de R$ 20 bilhões em 2025, sem qualquer compensação ao Erário.”

Entre os principais pontos da alteração legal que podem resultar em disputas no Judiciário, o TCU argumenta que poderia ser considerado “ilegal o fato de não haver alguma concessão de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), vez ser exatamente essa a modalidade de serviço de interesse coletivo para a qual a União se compromete a assegurar a existência, universalização e continuidade”.

A partir de agora, caso não haja recursos que peçam sua análise em plenário, o projeto de lei seguirá de forma direta para a sanção presidencial.

Por Ramênia Vieira – repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da Agência Senado e do Instituto Telecom

Temer tenta barrar ações contra concessões de políticos e tem pedido negado no STF

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber rejeitou o pedido de liminar de Michel Temer(PMDB) para a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de senadores e deputados federais. O atual ocupante da Presidência da República havia acionado, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o STF para tentar barrar os processos judiciais contra políticos, numa tentativa de favorecer um grupo de 40 parlamentares.

A decisão da ministra Rosa Weber foi divulgada na quarta-feira, 30, na página do STF na internet. O pedido de liminar da Presidência, elaborado pela AGU, fora encaminhado ao tribunal em 9 de novembro. Trata-se de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que pedia aos ministros que suspendessem e julgassem inconstitucionais decisões judiciais que contrariam os interesses dos deputados e senadores que possuem concessões públicas de rádio e TV, com o FALSO argumento de que tais decisões faziam “interpretações equivocadas da Constituição”.

A medida de Temer pretendia conter uma série de vitórias que as entidades dedicadas à democratização da comunicação estão obtendo nos estados, como por exemplo a decisão  por meio de liminar que determinou a interrupção, em agosto passado, das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), e o cancelamento de concessões de emissoras de rádio dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB-SP). As decisões foram tomadas após ações do Ministério Público Federal. Ações similares contra parlamentares tramitam também em outros estados. A decisão de Rosa Weber garante a continuidade destes processos.

O tema já é objeto de duas ADPFs que se encontram em análise no Supremo, a 246 e a 379, ambas movidas pelo PSOL e sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Estas arguições questionam as concessões dadas a políticos e contam com pareceres da Procuradoria-Geral da República.

Concessão a políticos é inconstitucional

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Segundo Bráulio Araújo, advogado do PSol, a “jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”

Araújo menciona em uma das petições que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão. Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.

Por mais absurdo que isso seja, é justamente esse o artigo citado pelo atual governo na peça, assinada por Temer, pela advogada-geral da União, Grace Mendonça, e pela secretária-geral de Contencioso, Isadora Cartaxo de Arruda. Sustenta a Presidência que as decisões judiciais contrárias à concessão de rádios e TVs para políticos conferem “interpretação incorreta à regra de impedimento constante do artigo 54” da Constituição Federal e “ofendem os preceitos fundamentais da proteção da dignidade da pessoa, da livre iniciativa, da autonomia da vontade, da liberdade de associação e da liberdade de expressão”.

Para o PSOL e entidades como o Intervozes, Coletivo Brasil de Comunicação e Artigo 19, o artigo 54 é claro em impedir a concessão ou a renovação de concessões de rádio e TV a empresas que tenham deputados e senadores como sócios, independentemente da retórica usada pela Presidência em sua peça judicial em defesa dos parlamentares. Além disso, a ação de Temer ignora a primeira linha do artigo 55 da Constituição, que diz claramente: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”, além de partir do princípio de que as liberdades individuais estão acima dos limites impostos pela lei, quando se sabe que não estão. Ou seja, quem afronta a Constituição é Temer e a AGU ao tentarem manter privilégios ilegais de parlamentares.

Ministra não vê divergência em decisões

Ao rejeitar o pedido de liminar, a ministra do STF Rosa Weber afirmou que não se faziam presentes na hipótese manifestada por Temer e AGU as circunstâncias excepcionais justificadoras da suspensão do andamento dos processos judiciais – o que era a pretensão dos autores. “As decisões judiciais trazidas aos autos juntamente com a exordial, a fim de demonstrar a alegada controvérsia constitucional, não evidenciam a existência de divergência interpretativa apta a ensejar uma suspensão geral dos processos”, ressaltou a ministra em sua decisão.

Influência indevida de políticos

Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs 246 e 379, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”.

Mérito da ação ainda será julgado

O mérito da questão ainda vai a julgamento no plenário do STF, sem data prevista no momento. Até lá, Rosa Weber terá de elaborar seu voto sobre a constitucionalidade ou não das concessões públicas que beneficiam parlamentares. Ao indeferir a liminar pedida por Temer, a ministra também pediu mais informações à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Ministério das Comunicações, à própria AGU e à Procuradoria-Geral da República. Por outro lado, caberá a Gilmar Mendes apresentar voto a respeito das ADPFs 246 e 379.

De acordo com levantamento do Intervozes, 40 parlamentares, sendo 32 deputados federais e oito senadores, atuam como donos de concessões de emissoras de rádio e TV no país e podem ser beneficiados pela iniciativa de Temer. Entre eles, estão os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e os ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Ricardo Barros (Saúde) – os dois últimos são deputados federais licenciados. Alguns parlamentares alegam que não têm mais participações em empresas de radiodifusão, porém continuam aparecendo nos respectivos quadros societários.

“A situação chegou a esse ponto por omissão do Poder Executivo nas últimas décadas. Questionamos essa omissão sistematicamente. Nosso objetivo [no Ministério Público] era provocar a manifestação do Supremo. O governo tenta agora justificar a omissão com essa ADPF”, afirmou em entrevista para o UOL, na semana passada, o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, que atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo e participa do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac). No entendimento de Dias, parlamentar que atua como dono de concessão não pode vender sua parte nem transferi-la a um familiar. Deve devolvê-la ao poder público.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Associação vai exigir ações afirmativas para negros/as no audiovisual

Homens negros representam menos de 2% das lideranças profissionais em grandes produções audiovisuais; as mulheres negras estão completamente ausentes

Por Marina Pita*

“A melhor resposta que poderíamos dar a essa conjuntura de avanço do conservadorismo nos níveis municipal, federal e internacional era essa”, afirmou a advogada e cineasta Viviane Ferreira, ao analisar a criação da Associação dos/as Profissionais do Audiovisual Negro (Apan).

A organização será formalizada publicamente nesta sexta-feira 2, durante a realização da série Diálogos Ausentes e 1º Seminário Audiovisual Negro. A partir de então, a Apan passará também a compor o Conselho Consultivo da SPCine – empresa de cinema e audiovisual de São Paulo ligada à Secretaria Municipal de Cultura –, criando mais uma frente de reivindicação e demanda para políticas de incentivo ao audiovisual negro.

Em uma das mesas de debate do Encontro SPCine, realizado entre 16 e 18 de novembro, em São Paulo, a fala de Viviane e o anúncio, tanto da criação da Apan, quanto da nova composição do Conselho Consultivo da SPCine, ganhou ares de momento histórico.

Isso porque a participação de profissionais negros e negras no audiovisual no País é baixíssima, quase inexistente, apesar de o Brasil ser um país cuja população é 54% negra, conforme último dado disponível do IBGE.

Pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), com as vinte maiores bilheterias de cada ano, considerando 2002 a 2014, escancarou o racismo na produção audiovisual brasileira: 84% dos cineastas são homens brancos; 14%, mulheres brancas; e 2%, homens negros.

E nestes 13 anos analisados, nenhuma mulher negra esteve à frente de uma produção de grande bilheteria, tampouco assinou roteiros. Já os homens brancos foram responsáveis por 69% dos textos.

Esta ausência não é sentida e questionada apenas no Brasil. Na edição do Oscar de 2016, a ausência de negros e negras indicados aos prêmios de atuação, roteiro e direção, mesmo havendo filmes focados na temática negra e com atores e diretores negros – caso de Selma, da diretora Ava DuVernay – repercutiu em críticas severas à academia norte-americana, que desde 2011 não mantinha negros de fora de suas indicações.

Sendo o audiovisual um setor que, em geral, exige alto investimento e qualificação específica e técnica, a reversão deste cenário – que reflete a desigualdade racial do país – sem políticas afirmativas é inviável.

“Reconhecer a impossibilidade de abdicar do esforço em construir políticas de ações afirmativas no setor audiovisual é um primeiro pressuposto, desmistificar o que vem a ser esse conjunto de políticas é o segundo”, destacou Viviane Ferreira durante a abertura do evento.

“É fundamental garantir aos protagonistas as condições materiais e simbólicas para que as dificuldades ou desníveis possam ser superados e as escolhas possam ser feitas de maneira lúcida e, consequentemente, a médio e longo prazos”, frisou, ainda.

Cenário de oportunidades

Para ela, se por um lado há o avanço do conservadorismo na política institucional, da perspectiva da audiência há o esgotamento da narrativa clássica. “O público não aceita mais essa narrativa viciada proposta pelo homem branco, heterossexual e endinheirado. Ele não consegue mais fazer o seu capital render vendendo a narrativa viciada. E aí há o momento de transição e precisamos pensar como reorganizar o diálogo e essas relações no mercado audiovisual – um diálogo de desconstrução de desigualdades”.

Um exemplo de tentativa do mercado audiovisual de suprir a demanda por um audiovisual negro, mas sem superar a estrutura excludente, é a série O Sexo e as Nega. “O audiovisual é, sobretudo, um retrato da realidade e cada um faz o retrato a partir de sua experiência de vida. A experiência de vida de um homem branco não é a experiência de vida de uma mulher negra. E aí a gente precisa entender que para conseguir avançar e sair desse jogo de manobra e apropriação cultural do que é a nossa criatividade, nossa subjetividade negra, precisamos diversificar todos os espaços do setor audiovisual”, disse.

Para Viviane, o momento pode ser muito fértil para a democratização da produção audiovisual porque além das exigências da audiência por conteúdo de qualidade e que retrate a realidade do País, as produções culturais provenientes de grupos sociais tradicionalmente marginalizados vêm paulatinamente ganhando espaço.

“Dentro da cultura, a marginalidade, embora permaneça periférica em relação ao mainstream, nunca foi um espaço tão produtivo quanto é agora. E isso não é apenas uma abertura dos espaços dominantes à ocupação dos de fora. É também resultado de políticas culturais da diferença, de lutas em torno da diferença, da produção de novas identidades e do aparecimento de novos sujeitos no cenário político cultural”, destaca. “E isto vale não apenas para raça como também para “outras “etnicidades, marginalidades, assim como para o feminismo e as políticas sexuais e movimentos LGBTs”, analisou a cineasta negra durante debate.

Por outro lado, há a preocupação e cautela da Apan em não deixar o espaço de visibilidade e diálogo em torno do cinema negro se transformar em um cubículo cuidadosamente regulado e vigiado para impedir qualquer avanço e fortalecer o racismo e suas práticas nefastas e arraigadas.

Dessa forma, a associação mantém como objetivo elaborar e pressionar pela implementação de estratégias culturais para o setor audiovisual capazes de construir uma teia para consolidar um conjunto de políticas de ações afirmativas para o setor que dê conta de aprimorar iniciativas existentes.

Uma destas iniciativas é o Curta Afirmativo, linha de financiamento audiovisual criada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) em 2014 – a primeira ação afirmativa com recorte racial do audiovisual no país.

“Há importância de existir a Apan, em diálogo com a Ancine, em diálogo com a SPCine, em diálogo com o mercado, em diálogo com a sociedade civil para entendermos como cada uma das partes pode atuar para alterar essa ordem. O audiovisual é uma brincadeira muito cara e não podemos continuar neste jogo de perde-perde apenas para garantir a continuidade do status quo racial”, afirmou a representante da Apan.

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Cena de Selma, de Ava DuVernay (EUA/2015)

“Ou a gente avança e entra no jogo de ganha-ganha, tanto materialmente quanto subjetivamente, ou a gente precisa endurecer o jogo. O conjunto identificado como massa mostra que não está mais disposto a ser manobrado e aí, a partir deste ponto, podemos alterar a ordem e resolver essa questão”, completou.

Em momento de transição tanto no governo municipal de São Paulo quanto na esfera federal, Viviane não titubeia diante da possibilidade de portas se fecharem para este diálogo tão necessário em um futuro breve.

“Como fazer para ter continuidade nas políticas afirmativas? Da perspectiva da sociedade civil, o nosso diálogo é com o Estado e seja qual for o Estado, ele precisa dialogar com a sociedade civil. Se não há espaço para isso, a gente mete o pé na porta e adentra a estrutura do Estado para garantir o diálogo”, diz.

“É importante não perder isso de perspectiva porque a estrutura do Estado não é o condomínio, o play, o apartamento de indivíduos. Posso assegurar que uma população que conseguiu sobreviver às políticas genocidas de um Estado durante 500 anos, não está disposta a deixar de combater as posturas racistas, seja lá qual for o governo”.

A seguir, algumas das propostas iniciais para políticas afirmativas:

– Garantir a presença de profissionais negros em comissões de seleções de projetos audiovisuais tanto na iniciativa pública quanto na iniciativa privada;

– Garantir a presença de profissionais negros nas instâncias decisórias dos órgãos e empresas públicas e privadas do setor audiovisual;

– Fortalecer os espaços específicos dentro dos grandes festivais e no circuito alternativo para exibição do cinema negro, como política de formação de público;

– Garantir a representação de produções e realizadores negros nos espaços principais – nas telas e nos debates – dos grandes festivais como política de reconhecimento da excelência das obras e de seus profissionais;

– Programa de fortalecimento institucional de pequenas e médias empresas geridas por pessoas negras e com forte produção e distribuição de conteúdo voltada para essa parcela da população;

– Reserva de espaço pelas programadoras e distribuidoras para aquisição obrigatória de conteúdo produzido por empresas geridas por pessoas negras com foco em produção de conteúdo voltada para a população negra;

– Estruturação de uma resolução por parte da Ancine que olhe para o princípio da isonomia alinhada com o princípio da equidade e estabeleça regras reguladoras iguais entre os iguais e diferentes para os diferentes;

– Fortalecer uma política de formação que oferte laboratórios para que pareceristas, críticos, dramaturgos, curadores, exibidores, programadores, distribuidores e realizadores para que possam compreender a diversidade de temas e possibilidades de abordagem e reconhecimento da subjetividade negra por meio da linguagem audiovisual;

 

*Marina Pita é jornalista, branca e compõe o Conselho do Coletivo Intervozes. É prima-tia de duas meninas negras e espera que as próximas gerações possam se ver nas telas – e possam estar atrás delas – e que o momento de identificação das próximas gerações de crianças negras com o conteúdo audiovisual brasileiro não seja na repercussão de tragédias como a do terremoto do Haiti, que tanto chamou a atenção das pequenas já citadas.

O mês da consciência negra e a representatividade na TV

Silêncio dos canais comerciais sobre tema ao longo de novembro reforça importância da comunicação pública para promoção da diversidade racial na mídia

Por Ana Claudia Mielke*

Recentemente fui convidada a participar de uma entrevista no programa VerTV, da TV Brasil, para falar do tema do arrendamento, isto é, a venda ilegal, de grades da programação de TV.

Respondi prontamente que falava do tema, mas indiquei um colega que também compõe o Intervozes, por achar que, na posição de advogado, ele estaria mais preparado para realizar este debate.

Ouvi a seguinte resposta do produtor: “mas nós queremos uma mulher, preferencialmente negra, participando do programa no estúdio”.

Fiquei surpresa, porém, bastante contente com a ação.

Contei esta história para introduzir um debate necessário, que é o papel da comunicação pública na promoção da diversidade étnico-racial.

Embora muitas tenham sido as análises sobre o papel dos meios de comunicação comerciais na representação negativa ou positiva da negritude, em especial neste mês de novembro, em que se celebra a consciência negra, poucas têm sido as reflexões sobre como isso se dá nos veículos de comunicação pública.

Em relação aos meios comerciais, verificamos, ano após ano, que os mesmos seguem mantendo uma postura racista ao não incorporar negros e negras de forma mais contundente em sua programação.

Por forma contundente entende-se em quantidade proporcional ao que figura na sociedade brasileira e com a qualidade e o respeito devido a esta população, promovendo a representatividade positiva e não a colocando exclusivamente em papéis historicamente tidos como de subalternidade (escravos, bandidos, domésticas, “mulatas”).

A televisão é quase sempre a mais criticada, não por acaso, já que tem um poder de penetração ainda muito superior aos demais dispositivos de mídia – a TV aberta chega 97,2% das residências brasileiras, segundo a PNAD de 2012.

Fazendo uma comparação rápida, a internet chega a pouco mais que em 50% dos lares segundo a última pesquisa TIC Domicílios feita pelo Comitê Gestor da Internet. Além disso, a televisão é uma mídia fundamentalmente audiovisual.

Seria difícil analisar a cor/raça de jornalistas, especialistas e articulistas que atuam diariamente nos jornais impressos, embora suspeitemos que a ausência de negros e negras aí também deva ser relevante.

Mas retornemos à comunicação pública. Em diálogo com pessoas que ocupam ou ocuparam cadeiras da sociedade civil no extinto Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), soube que a ideia de promover a participação de mulheres, negros e de transexuais nos veículos da empresa vinha sendo debatida nas reuniões do órgão.

Um dos documentos usados como base era o Indicadores de Perspectiva de Gênero para a Mídia, produzido pela Unesco e a ONU, em 2012. E a própria composição do Conselho Curador, que prevê representação de grupos específicos, com recorte de gênero e raça, é um elemento determinante para que estas questões de inclusão e participação sejam pautadas.

Embora não haja uma política institucionalizada de ações afirmativas para a população negra nos veículos da EBC, os exemplos trazidos aqui demonstram que existe, sim, uma preocupação, por parte de alguns funcionários e diretores, em promover maior diversidade na programação.

Esta perspectiva é o que possibilitou, por exemplo, que a emissora tenha conseguido emplacar o primeiro programa LGBT (o único na TV aberta brasileira) apresentado por uma transexual, a Candy Mel.

O Estação Plural conta também com uma apresentadora negra, a cantora Ellen Oléria, que, ao lado do jornalista Fefito Oliveira, compõe o trio de apresentadores do programa.

Em 2013, a EBC criou o Comitê pela Equidade de Gênero e Raça, que vem sendo responsável por promover este debate de forma mais institucional e recebeu, em 2015, o Selo Pró-Equidade de Gênero e Raça, concedido pela Secretaria de Política para as Mulheres.

Uma ação proposta pelo Comitê este ano foi a realização de um censo interno para conhecer como os profissionais que atuam na empresa se autodeclaram sobre raça, gênero, orientação sexual. A ação é importante, visto que não se faz política pública de inclusão sem se traçar o perfil dos excluídos e os espaços onde mais se verifica a exclusão.

Em novembro, por conta das celebrações do Mês da Consciência Negra, a programação das TVs públicas foi mais recheada de programas voltados à promoção e valorização da cultura negra e afro-brasileira.

Na TV Brasil foram produzidos especiais como o Negra Raiz (Praça São Paulo), que foi ao ar ao longo de cinco dias, e Um Abraço Negro (Praça Brasília), que promoveu inúmeras rodas de conversa.

Isto sem falar dos quadros fixos – Programa Especial, Arte do Artista, Estúdio Móvel, Nossa Língua e Caminhos da Reportagem – que trabalharam a temática, levando personagens da política, da cultura e da intelectualidade negra para dialogar sobre diferentes questões.

Na Bahia, a TV Educativa, veículo público estadual, também promoveu extensa programação a partir desta ótica.

E a TV Cultura de São Paulo dedicou pelo menos dois de seus programas – Manos e Minas e Café Filosófico – para debater ou homenagear a consciência negra.

O silêncio permanente nos meios comerciais

Nas TVs comerciais abertas, foi quase um completo silêncio. O programa Como Será?, apresentado pela jornalista Sandra Annemberg, na TV Globo, que vai ao ar às 6 horas da manhã de sábado, incluiu um quadro para celebrar o dia de Zumbi dos Palmares no dia 19 de novembro.

O mesmo fez o programa Encontro com Fátima Bernardes em sua edição do dia 18. De resto, a maioria dos canais se conformou em noticiar os atos, marchas e shows promovidos pelo Brasil em seus programas noticiosos.

Tiveram os que, ainda, optaram pela mediocridade de dar apenas uma nota de “serviço”, dizendo ao telespectador “o que abre e o que fecha” no feriado.

A ideia de que a não presença de negros e negras nos meios de comunicação fere profundamente a construção de nossa própria autoimagem individual e coletiva é tão decisiva que os casos contrários, ou seja, quando um negro é posto em uma posição de se tornar imagem refletida e refratada de nós mesmos de forma positiva, vira um evento de repercussão nacional.

A jornalista Maria Júlia Coutinho se tornou, em 2015, a primeira apresentadora negra de um quadro fixo do Jornal Nacional; Tais Araújo foi, no recentíssimo ano de 2004, a primeira negra protagonista de telenovela da TV Globo; e foram necessários 21 anos para que Malhação tivesse, enfim, a primeira negra como personagem principal – o que aconteceu este ano de 2016.

Aos trancos e barrancos, portanto, tem sido a comunicação pública, muitas vezes sem recursos e atacada por segmentos que acreditam não ser papel do Estado investir neste setor, a que mais realiza a inclusão da população negra em sua programação.

Ora pela contratação de profissionais (jornalistas, apresentadores, articulistas), ora por promover, mesmo que informalmente, ações afirmativas que garantem especialistas negros e negras na bancada de seus programas, falando de economia, política, cultura, enfim, pautas que vão além das ditas “questões raciais”.

O impacto das medidas de Temer para a diversidade racial na mídia

O desmonte da comunicação pública, cujo princípio fundamental é promover comunicação de interesse público e não estar subordinada à aferição do lucro pode significar, portanto, um retrocesso gritante para a inclusão da população negra nos espaços da mídia.

Isto sem falar que nos põe em rota de colisão direta com o preceito constitucional (Artigo 223) que prevê a necessária complementaridade do sistema de comunicação (público, privado e estatal).

Ao editar a Medida Provisória 744/2016, o Presidente Michel Temer (PMDB) já deu um grande passo rumo ao desmonte, extinguindo o Conselho Curador da empresa – justamente o órgão que iniciou o debate interno sobre a necessidade de se promover, dentro da EBC, a equidade de gênero e raça.

Mas os retrocessos não param por aí. No dia 31 de outubro, o governo Temer deu novos sinais preocupantes no que diz respeito à inclusão e valorização da cultura negra na comunicação, ao mudar, exatamente um dia antes do início do Mês da Consciência Negra, a vinheta de abertura do programa de rádio A Voz do Brasil.

A vinheta, uma versão da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, perdeu os sons de berimbaus e tambores, traços característicos da cultura negra afro-brasileira. A nova (velha) versão, traz um som mais clássico, erudito, dando ao programa, novamente, ares nacionalistas.

Os antecedentes da gestão Temer também contribuem para esta preocupação.

Não foram nomeados ministros ou secretários negros para o primeiro escalão do governo, houve a subordinação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) ao Ministério da Justiça e foi extinta a Coordenação de Gênero e Raça do Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas (IPEA) – espaço de produção e disseminação de conhecimento empírico sobre a situação social de mulheres e da população negra e de assessoria governamental para o aperfeiçoamento da política pública aos diferentes órgãos de governo.

Assim, embora o programa A Voz do Brasil não esteja no bojo da comunicação pública e embora sozinha a mudança na vinheta não revele muito das intenções que a geraram, a julgar pelo desmonte das políticas públicas de promoção da igualdade racial que estão sendo também realizadas pelo governo, a mudança da vinheta do programa sinaliza retrocessos significativos.

E não se trata apenas da política de inclusão de negros e negras (o que já seria o bastante), mas da própria compreensão do papel da população negra – 50% dos brasileiros se encontram no leque das “afro-descendências” – na constituição social, cultural e econômica deste país.

Assim, invisibilizar o negro nas ações políticas ou promover medidas de desmonte de processos que vinham sendo inclusivos, como na comunicação pública realizada pela EBC, são dois lados da mesma moeda que corroboram para a permanência do racismo estrutural no Brasil.

* Ana Cláudia Mielke é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Intervzozes. Colaborou Cecília Bizerra de Souza, jornalista, mestre em Comunicação pela UnB e membro do Intervozes.