Conselho de Comunicação da Bahia completa primeiro ano

Neste dia 10 de janeiro o Conselho de Comunicação da Bahia completa um ano de posse. O sentimento ainda é de frustração aos que dedicaram tantos anos para sua efetivação.  A situação é delicada. Para terminar o primeiro mandato cumprindo sua principal atribuição apontada pela Lei –  a elaboração do Plano Estadual – o Conselho já deveria ter planejamento traçado e um diagnóstico nas “mãos”.

Na última reunião colegiada, no fim de novembro, foi apontado pela maioria dos presentes que o órgão sofre de um problema “vertebral”: não tem metodologia e estrutura adequada, em especial no funcionamento das comissões. Problema alertado por este blogueiro dois meses depois da posse. Até mesmo as duas coisas que foram efetivamente encaminhadas e aprovadas pelo Conselho padeceram de qualidade no processo.

O primeiro encaminhamento foi o regimento interno. Apesar do governo demorar dois meses para convocar a primeira reunião após a posse, a proposta de regimento chegou com cerca de 48 horas de antecedência.  Ainda assim optou-se em aprová-lo em menos de três horas, tempo recorde, e cheio de lacunas que foram perceptíveis ao longo do tempo.

O segundo foi o orçamento para os anos de 2012 e 2013. Um comissão ficou responsável pelo tema, fez uma primeira reunião proveitosa, e depois parou. Resultado, o tempo ia expirar, e a comissão aprovou sem antes passar por todo o colegiado do Conselho.

No geral, várias reuniões das comissões foram desmarcadas pelo governo nas vésperas, ou até mesmo no mesmo dia. Sem as comissões, não tem Conselho, porque as reuniões colegiadas acontecem de forma ordinária a cada três meses, e contam com mais de 20 presentes.

Tal situação foi potencializada no período eleitoral. Tudo ficou parado por quase quatro meses por causa da centralização nas decisões da Secom, bem como o fato da principal agência de publicidade licitada pelo governo, a Leiaute, estar na campanha do candidato à prefeito de Salvador Nelson Pelegrino.

Depois do pleito a Secom voltou a sinalizar que pretende dedicar-se ao funcionamento do Conselho e da implementação de políticas públicas apontadas desde Conferência Estadual de 2008. Bem ou mal, a derrota eleitoral resultou em críticas a estrutura de comunicação que circunda o governo, que agora precisa se movimentar.

Desde então foi realizada uma reunião do colegiado, e outra de uma Comissão, sob nobre responsabilidade de desenvolver uma metodologia permanente e um processo de elaboração do Plano Estadual. A primeira reunião a Comissão foi proveitosa, mas parou por aí.

Nos últimos meses a Secom também foi incrementada com a transferência de Sueide Kintê do Irdeb para a assessoria de políticas públicas, responsável por secretariar o Conselho e implementar as políticas. Sueide tem trajetória no movimento social, ao mesclar luta antirracista, feminista e comunicação. Além disso, no Irdeb passou pela redação, e assessorou a diretoria de rádio e depois a geral.

Qualquer sorte, a primeira gestão não terminou, e ainda há – pouco – tempo em dar respostas efetivas à sociedade.  Mesmo sem o Plano, é importante que o Conselho avalie as verbas publicitárias, que na Bahia se quer tem transparência em conformidade com a Lei  – ao contrário do Distrito Federal, Brasília, Ceará e até mesmo no Governo Federal, aqui ainda não se sabe quanto dos recursos é destinado diretamente aos veículos de comunicação.

Enfim, nem tudo está perdido. Mas está bem perto disto. Esta lentidão, amenizada com pequenas doses de esperança, está esgotando. E o prejuízo pode ser bem grandinho em 2014 ao continuar a subestimar os instrumentos de participação, e principalmente a necessidade de reformulações reais na política de comunicação na terra símbolo do “coronelismo midiático”.

Pedro Caribé é membro do Intervozes e um dos representantes da sociedade civil no Conselho Estadual de Comunicação da Bahia

2012 teve avanços ainda que pontuais na comunicação

No balanço de 2012, alguns pontos positivos também são apresentados pelas entidades e militantes do movimento pelo direito à comunicação, embora seja criticada a sua fragmentação, sem uma visão que abarque o conjunto de iniciativas e o setor de comunicação como um todo.

Para Paula Martins, coordenadora da Artigo 19 no Brasil, um desses pontos diz respeito 2012 ao primeiro ano de vigência da nova Lei de Acesso a Informação (Lei n. 12.527/11) . “A LAI não apenas facilita o exercício do direito à informação pelos cidadãos e cidadãs, mas também fornece um importantíssimo instrumento para o trabalho do movimento pela democratização das comunicações”, afirma. Com essa ferramenta, a sociedade pode exigir informações sobre problemas como concentração; celebração de contratos de gaveta e negociação das concessões como comércio privado; mudanças ilegais na localização de antenas; duplicidade de outorgas; concessões a políticos (inclusive membros das comissões que decidem sobre renovação desses direitos); e tratamento desigual e discriminatório conferido aos radiodifusores comunitários.

Veriana Alimonti, advogada do IDEC, aponta como iniciativas importantes no ano de 2012 “a suspensão da venda de chips das operadoras de celular, as medidas de transparência da Anatel, ou um final de ano com a Telebrás ativando a rede de banda larga na região Nordeste”, embora faça a ressalva de que tais iniciativas “não superam os pontos estruturantes que permanecem problemáticos”, como, por exemplo “os serviços [de telefonia e TV por assinatura] propriamente ditos, que aumentam o número de acessos, mas a qualidade fica bem aquém do que se promete”.

Para João Brant, do Intervozes, é possível acrescentar a essa lista de iniciativas positivas a entrada em vigor da Lei do Serviço de Acesso Condicionado (Lei n. 12.485/11) , que regula a TV por assinatura, e os padrões de qualidade dos serviços de banda larga fixa e móvel. “Pela primeira vez, o Brasil implementa cotas de produção nacional e independente, seguindo o que afirma a Constituição; e os parâmetros de qualidade da internet significam que também pela primeira vez os usuários passam a ter alguns instrumentos em mão para enfrentar os absurdos das teles no setor”, afirma.

A ampliação da participação institucional da sociedade civil na discussão das políticas de comunicação foi conquistada em alguns locais do país, como na Bahia, em que o Conselho Estadual tomou posse no dia 10 de janeiro de 2012. Ainda que signifique um avanço, a viabilização desse instrumento ainda sofre com os percalços. Para Pedro Caribé, membro do conselho pela sociedade civil, “embora o sentimento ainda seja de frustração aos que dedicaram tantos anos para sua efetivação, a primeira gestão não terminou, e ainda há tempo de dar respostas efetivas à sociedade”. Segundo ele, há um sentimento por parte da maioria dos membros de que “o órgão sofre de um problema "vertebral": não tem metodologia e estrutura adequada, em especial no funcionamento das comissões”.

A Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina conhecida por “Ley de Medios” que já foi aprovada há três anos tinha previsão de ser implementada em 2012, quando vencia a medida cautelar do Grupo Clarín que obstruía sua aplicação. Criou-se por causa dos avanços que estão contidos nessa legislação um sentimento positivo internacional em relação aos limites que podem vir a ser colocados à concentração de veículos de comunicação por grupos privados.

“A sociedade civil e o governo entendem que a lei amplia a liberdade de expressão e com isso a própria democracia ao distribuir as licenças antes exclusivas de canais com fins lucrativos em três partes iguais contemplando também canais sem fins lucrativos e públicos.”, relata Pedro Ekman, do Intervozes, que esteve na Argentina no dia 7 de dezembro (o famoso 7-D), quando estava previsto o vencimento da medida cautelar que, porém, foi prorrogada. “A recusa deste único grupo em cumprir uma determinação legal amplificou o debate em torno do impacto que a lei tem nas comunicações e na própria democracia daquele país. A sociedade como um todo passou a debater comunicação, a pauta ganhou as ruas e deixou de ser exclusiva de uns poucos especialistas”, completa.

Freenet seleciona 15 jovens para oficina de vídeo em Teresina

Redação – Observatório do Direito à Comunicação

O projeto Freenet, em parceria com o Instituto Comradio, promove em Teresina (PI), na Associação Brasileira de Documentaristas (ABD-PI), de 21 de janeiro a 1º de fevereiro, uma "Oficina Avançada de Vídeo" para 15 jovens entre 16 e 30 anos. Serão produzidos materiais em video de diferentes formatos (entrevistas com a população, debates entre os participantes e reportagens feitas pelos jovens) abordando temas relacionados às liberdades na Internet e que podem vir a integrar o documentário final produzido pelo projeto.

A oficina objetiva engajar usuários da rede, explorar novas formas de traduzir para linguagem audio-visual as ameaças diárias aos nossos direitos na rede mundial de computadores e fomentar a colaboração na  plataforma de compartilhamneto do Freenet. Oficinas similares acontecerão também no Quênia e na Índia, visando formar uma rede de colaboradores para o projeto.

Os selecionados receberão ajuda de custo no valor de R$ 300, mais almoço nos dias em que as atividades da oficina durarem o dia todo e um vertificado de participação ao fim.

Para se inscrever os interessados devem preencher até 16 de janeiro o formulário no link: http://comradio.com.br/freenet-formulario/

O resultado será publicado até o dia 18 no site comradio.com.br

“E a liberdade de expressão?”, questiona Carlos Latuff

A conta não fecha: quando um jornal europeu acaba sendo alvo de protestos por publicar charges ofensivas ao profeta Maomé, a liberdade de expressão é invocada em defesa da publicação. “Mas quando um cartunista como eu, que não tem foco sobre o judaísmo ou questões raciais, dedica seu trabalho a expor o apartheid israelense sobre os palestinos, recebe difamação”, resume Carlos Latuff.

Esta difamação voltou à tona na virada de 2012 para 2013, quando o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Simón Wiesenthal, entidade israelense sediada em Los Angeles, colocou o cartunista na terceira posição de uma lista que aponta dez organizações ou pessoas consideradas mais antissemitas. Na tentativa de ilustrar sua posição no seu relatório, o instituto utilizou charge de Latuff que mostra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, torcendo um cadáver palestino para obter votos eleitorais.

“Não fiquei surpreso. Não é a primeira vez que acontece esta tática de associar crítica ao estado de Israel ao antissemitismo. Existe uma série de organizações nos Estados Unidos e na Europa que se dedicam a este tipo de tarefa: identificar na imprensa, na Internet, artigo e opiniões que sejam contrárias à política de Israel para expô-los como antissemitas”, lembra Latuff.

A lista do Centro Simón Wiesenthal é encabeçada por Mohammed Badie, líder da Irmandade Muçulmana (grupo islâmico), seguido por Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã. O terceiro nome é do cartunista brasileiro – que está, na lista, à frente do partido nazista grego, por exemplo. Nada que abale a disposição de Latuff em continuar denunciando os crimes do estado de Israel sobre os palestinos por meio de suas charges.

“Na verdade, (a lista) deixa a gente satisfeito porque mostra que o trabalho está surtindo efeito. O que lamento é a utilização do antissemitismo para fins políticos”, diz ele. Uma petição online, já assinada por mais de 450 pessoas, exige “o fim da manipulação do antissemitismo para fins políticos”.

A seguir, confira resumo da entrevista que o site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio fez com Carlos Latuff na última quinta-feira (3/1). O cartunista fala, entre outras coisas, sobre sua segurança e a cobertura da imprensa no conflito entre Israel e Palestina.

Você pensa em tomar alguma atitude jurídica em relação à acusação de antissemitismo?

Se estivesse nos Estados Unidos, talvez faria. Mas do Brasil fica mais complicado abrir processo. Esta lista na verdade é uma disputa ideológica. Quando coloca uma pessoa que tem trabalho destacado em favor dos palestinos numa lista junto com gente de extrema direita e fundamentalista, está se tentando confundir, colocar no mesmo barco, ódio com críticas ao estado de Israel. O que está em jogo é uma disputa política e ideológica. Eu emiti uma nota a respeito disso. Respondi com uma charge. A resposta tem que se dar também no nível político-ideológico. Críticas ao estado de Israel não são ataques aos judeus.

Há temor pela sua segurança depois da divulgação da lista?

Quando se apresenta um crítico como sendo racista, antissemita, abre-se a possibilidade de que ele seja alvo de ações violentas – oficiais ou não oficiais. Lembro de um site, ligado ao Likud (partido de direta de Israel), que em 2006 publicou, em hebraico, artigo longo a meu respeito. O autor do texto cobrava providências: onde está Israel que não fez nada contra Latuff? Mesmo que a lista não seja uma ameaça objetiva, expõe você a qualquer tipo de ação.

Qual a sua avaliação da cobertura da grande imprensa sobre o conflito entre Israel e Palestina?

No Ocidente são notáveis as coberturas pró-Israel. Reforçam a ideia de que Israel é uma eterna vítima e de que os palestinos são agressores. Existe quase uma orquestração neste sentido. Ela reforça estereótipos, o senso comum, e não apresenta o lado dos palestinos. Mas não é só neste ponto: a violência policial sobre pobres e negros nas favelas é sempre tendenciosa, em favor da polícia. Particularmente depois do fenômeno Tropa de Elite (filme) e as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), a imprensa cada vez mais tem apoiado integralmente as forças de repressão em detrimento das comunidades de favelas. Pede-se cada vez mais polícia, mas não se questiona que polícia vamos colocar nas ruas. A grande imprensa é tendenciosa. No passado, os estados autoritários tinham máquinas de propaganda. Hoje, no caso do Brasil, as oligarquias não precisam de ministros da propaganda, elas têm a grande imprensa para defender seus interesses.

Comunicação 2012, um balanço: não foi fácil, e nunca será

Não há como ignorar certa monotonia nos balanços de fim de ano do setor de comunicações. Sem muito esforço, um observador atento constatará que:

1.Os atores e interesses que interferem, de facto, na disputa pela formulação das políticas públicas são poucos: governo, empresários de mídia (inclusive operadores de telefonia e fabricantes de equipamento eletroeletrônico) e parlamentares.

Há que se mencionar ainda o Judiciárioque, por meio de sua mais alta corte, o Supremo Tribunal Federal (STF), tem interpretado a Constituição de 1988 de maneira a legitimar uma inusitada hierarquia de direitos em que prevalece a liberdade da imprensa sobre a liberdade de expressão e os direitos de defesa e proteção do cidadão (acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – nº 130, de 2009). Aguarda decisão, por exemplo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 2404 na qual os empresários de radiodifusão, usando a sigla do PTB e representados pelo ex-ministro Eros Grau, pedem a impugnação do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente – vale dizer, questionam a política pública definida pelas portarias 1220/2006 e 1000/2007 do Ministério da Justiça que estabeleceram as normas para Classificação Indicativa de programas de rádio e televisão.

Não me esqueci da chamada “sociedade civil organizada” – movimentos sociais, partidos, sindicatos, ONGs, entidades civis, dentre outros. Todavia, como sua interferência continua apenas periférica no jogo político real, prefiro tratá-la como um não-ator.

2.Alguns atores ocupam posições superpostas, por exemplo: ministro das Comunicações e/ou parlamentar (poder concedente) é, simultaneamente, empresário de mídia (concessionário de radiodifusão); e,

3.As principais regras e normas legais são mantidas ou se reproduzem, ao longo do tempo, mesmo quando há – como tem havido – um processo de radicais mudanças tecnológicas.

Essa realidade pode ser verificada, em seus eixos principais, pelo menos desde a articulação que levou à derrubada dos 52 vetos do então presidente João Goulart ao Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT (Lei 4.117/1962) e que deu origem à criação da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), 50 anos atrás. Depois disso, no que se refere às concessões do serviço de radiodifusão, mais ou menos a cada dez anos as regras se consolidam: primeiro na Lei 5.785/1972; depois no Decreto 88.066/1983 e na Constituição de 1988 e, mais recentemente, no Decreto 7670/2012.

O resultado é que, ano após ano, permanece praticamente inalterada a supremacia de determinados grupos e de seus interesses na condução da politica pública de comunicações.

Creio que as políticas de radiodifusão no Brasil constituem um exemplo daquilo que, em Ciência Política, os institucionalistas históricos chamam de “dependência de trajetória” (path dependency), isto é, “uma vez iniciada uma determinada política, os custos para revertê-la são aumentados. (…) As barreiras de certos arranjos institucionais obstruirão uma reversão fácil da escolha inicial” (Levi).

O eventual leitor(a) poderá constatar esta “dependência de trajetória” nos balanços que tenho publicado neste Observatório desde 2004 (ver “Adeus às ilusões“, “Balanço de muitos recuos e alguns avanços“, “Notas de um balanço pouco animador“, “Balanço provisório de um semestre inusitado“, “Mais recuos do que avanços“ “Algumas novidades e poucos progressos“, “O que se pode esperar para 2009? (1)“, “O que se pode esperar para 2009? (final)“, “Por que a mídia não se autoavalia?“ e “Os avanços de 2011“).

2011 versus 2012

No fim de 2011, escolhi fazer um breve “balanço seletivo” registrando fatos que poderiam ser considerados como avanços no sentido da democratização da comunicação (ver “Os avanços de 2011“). Um ano depois, muito do que se esperava que acontecesse no curto prazo, de fato, não se concretizou. Exemplos:

(a)o marco civil da internet não foi votado pelo Congresso Nacional;

(b)o esperado crescimento e fortalecimento dos movimentos em prol da criação dos conselhos estaduais de comunicação social em vários estados da Federação não ocorreu: o movimento prossegue em Brasília; o conselho da Bahia foi instalado, mas funciona precariamente; e o projeto no Rio Grande do Sul ainda não foi encaminhado à Assembleia Legislativa; e,

(c)a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (Frentecom), que havia sido criada em abril e da qual se esperava um papel relevante no encaminhamento de questões relativas às comunicações na Câmara dos Deputados, apesar do esforço de vários de seus integrantes tem sido ignorada pela direção da Casa.

Por outro lado, 2012 poderá ser lembrado por alguns acontecimentos protagonizados direta ou indiretamente pela grande mídia, no Brasil e no exterior.

Inglaterra e Argentina

O primeiro registro há de ser para Inquérito Leveson (The Leveson Inquiry) cujo relatório final foi apresentado em novembro. Nele está uma descrição/diagnóstico de práticas “jornalísticas” que, infelizmente, não ocorrem apenas na Inglaterra. Há também um conjunto de propostas de ações institucionais para evitar o desvirtuamento completo da liberdade da imprensa, inclusive a criação de uma instância reguladora autônoma, tanto em relação ao governo quanto aos empresários de mídia. Independente dos resultados concretos, o relatório Leveson deveria ser lido e discutido entre nós (ver, neste Observatório, “Um documento com lugar na história“, “Areopagítica, 368 anos depois“ e “O vespeiro do controle externo“).

O segundo registro é a batalha judicial que ocorre na Argentina entre o governo e o Grupo Clarín. Um projeto que surgiu de amplo debate nos mais diferentes segmentos da sociedade foi submetido ao Congresso Nacional – onde tramitou, recebeu emendas, foi aprovado e transformado em lei. Mesmo tendo essa origem, a Ley de Medios de 2009 vem enfrentando, por parte de um dos principais oligopólios de mídia da América Latina e de seus aliados, inclusive no Brasil, uma resistência feroz, como se constituísse uma ameaça – e não uma garantia – à liberdade de expressão. Como afirmou recentemente o relator especial da ONU para liberdade de expressão, a Ley de Medios argentina deveria ser estudada como um exemplo de regulação democrática, protetora da liberdade de expressão plural e diversa.

Discurso único

No Brasil, o ano de 2012 foi dominado pelo discurso único da grande mídia – antes, durante e depois das eleições municipais – em torno do julgamento da Ação Penal nº 470 e da CPI do Cachoeira. O macarthismo praticado no tratamento de vozes discordantes confirma ad nauseamo papel da grande mídia de julgar, condenar e/ou omitir, seletiva e publicamente, ignorando o princípio da presunção de inocência e/ou a ausência de provas.

A defesa corporativa e intransigente de jornalistas envolvidos em práticas suspeitas, a transformação do julgamento no STF em espetáculo, o massacre seletivo a determinados políticos e partidos e a mitificação (ou a execração) pública de juízes, reafirmam o papel político/partidário que a grande mídia tem desempenhado em momentos decisivos de nossa história, a rigor, desde o início do século 19.

Numa época em que os impressos atravessam uma crise de variadas dimensões; jornais e revistas tradicionais são fechados (Jornal da Tarde eNewsweek, por exemplo) e “práticas jornalísticas” são questionadas (exemplo: o Inquérito Leveson, na Inglaterra), não deixa de surpreender a intolerância arrogante dos pronunciamentos na reunião anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), ocorrida em outrubro, em São Paulo, e manifestações e documentos provenientes dos institutos Millenium e Palavra Aberta (think tankse lobistas do empresariado), como se os donos da imprensa se constituíssem no inquestionável padrão ético de referencia para a liberdade e a democracia.

Inércia governamental

O ano de 2012 ficará também marcado pela inquietante inércia do governo federal em relação ao setor de comunicações. Salvo o decreto que regulamentou a Lei de Acesso à Informação (Decreto 7.724, de 16/05/2012) e a norma do Ministério das Comunicações que regulamenta o Canal da Cidadania (previsto no Decreto 5820/2006 para a transmissão de programações das comunidades locais, e para a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal), não há praticamente nada.

Onde estão as propostas (mais de seiscentas) aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e encaminhadas ao governo federal em dezembro de 2009?

Onde está o projeto de marco regulatório elaborado no fim do governo Lula e encaminhado pelo ministro Franklin Martins ao ministro Paulo Bernardo, em janeiro de 2011?

Por outro lado, uma leitura equivocada das normas legais de distribuição de recursos publicitários pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR) vem sufocando financeiramente a chamada mídia alternativa e consolidando ainda mais a concentração de grupos oligopolísticos. A mídia alternativa, por óbvio, não tem condições de competir com a grande mídia se aplicados apenas os chamados “critérios técnicos” de audiência e CPM (custo por mil).

Se fossem cumpridos os princípios constitucionais (muitos ainda não regulamentados), o critério de distribuição de recursos deveria ser “a máxima dispersão da propriedade” (Edwin Baker), isto é, a garantia de que mais vozes fossem ouvidas no espaço público promovendo a diversidade e a pluralidade – vale dizer, mais liberdade de expressão.

E o Parlamento?

Além da não votação do marco civil da internet, impedida pelos poderosos interesses das empresas de telecom em relação à neutralidade da rede, há de se mencionar a reinstalação, em julho, do Conselho de Comunicação Social (CCS), depois de quase seis anos de inatividade ilícita. A mesa diretora do Congresso Nacional, presidida por José Sarney, cuja família é historicamente vinculada a concessões de radiodifusão, ignorou a Frentecom e articulou a nova composição do CCS fazendo que nele prevaleçam interesses oligárquico-empresariais e religiosos.

Os não-atores

Por fim, os não-atores. O destaque é o lançamento pelo renovado coletivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) dacampanha nacional “Para expressar a liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”(em abril) e seus vários eventos regionais e locais, incluindo a vinda ao Brasil de Frank La Rue, o relator especial pela liberdade de expressão da ONU (em dezembro). Apesar do boicote sistemático da grande mídia, a atenção que a campanha tem recebido na mídia alternativa constrói um embrionário espaço público onde circulam informações que não estão disponíveis nas fontes dominantes.

Registre-se ainda que partidos políticos – sobretudo a partir do julgamento da Ação Penal nº 470 – finalmente parecem se dar conta da importância fundamental das comunicações no jogo político. Salvo raras exceções, todavia, não se tem até agora resultados concretos na atuação partidária no Congresso Nacional, nem na proposta de projetos e/ou ações junto à sociedade.

Não será fácil

O mundo não acabou, como muitos acreditavam. Os índices de desemprego nunca foram tão baixos e o salário médio tão elevado. A ascensão social fez as classes A e B crescerem 54% na última década e, nos próximos três anos, outras oito milhões de pessoas serão a elas incorporadas. O Corinthians, patrocinado pela Caixa Econômica Federal, é campeão mundial de futebol. O nível de satisfação do brasileiro nunca esteve tão elevado (de acordo com pesquisas do Data Popular, IBGE e Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República).

A novela Avenida Brasil dominou as telas de TV ao longo de seis meses com audiências médias de 50% (Ibope). A grande mídia – sustentada em boa parte por verbas oficiais (70% dos recursos distribuídos nos primeiros 19 meses do atual governo foram destinados a apenas 10 grupos privados, de acordo com a Secom-PR) – celebra a condenação dos “corruptos” na Ação Penal nº 470; se apresenta como defensora da ética pública e das liberdades – sobretudo da liberdade de expressão –; e prossegue na sua obsessão seletiva de mobilizar a “opinião pública” contra determinados políticos e partidos.

As médias de aprovação tanto do governo como da presidente Dilma Rousseff batem recordes após recordes: 62% e 78%, respectivamente, de acordo com a última pesquisa CNI/Ibope (dezembro).

Diante desses fatos, sejamos razoáveis.

Como fazer que uma população majoritariamente feliz se dê conta de que seu direito fundamental à liberdade de expressão está sendo exercido apenas por uns poucos oligopólios que defendem os seus (deles) interesses como se fossem o interesse publico?

Mais ainda: como esperar que um governo em lua-de-mel com a “opinião pública” corra o risco de enfrentar o enorme poder simbólico de oligopólios de mídia, capaz de destruir reputações públicas construídas ao longo de uma vida inteira em apenas alguns segundos?

Em 2013 não será fácil – como, aliás, nunca foi.

A ver.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.