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O caso Snowden e a espionagem que chegou ao Brasil

O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (16/07) pela TV Brasil examinou a repercussão das revelações do consultor em sistemas de computação Edward Snowden. De acordo com o jornalista Glenn Greenwald, do jornal britânico Guardian, que publicou as informações em primeira mão, Snowden tem dados que poderiam causar sérios danos aos Estados Unidos. Um mês depois da revelação da rede de monitoramento de comunicações montada pelo governo dos Estados Unidos há dez anos, o escândalo chegou ao Brasil. Na semana passada, o jornal O Globo teve acesso a documentos que mostram que milhões de e-mails e ligações telefônicas de indivíduos e empresas sediadas no Brasil foram monitorados pela Agência de Segurança Nacional Americana (NSA, na sigla em inglês).

O Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos, onde 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens foram rastreados pelo programa, batizado de Prism. E-mails, chats online e chamadas de voz dos serviços da Apple, Facebook, Google, Microsoft, YouTube, Skype, AOL, Yahoo e PalTalk estão na mira do monitoramento norte-americano. A Microfoft teria colaborado com a NSA e ajudado a burlar o próprio sistema de criptografia, segundo os dados apontados por Snowden.

Investigações preliminares do Ministério da Defesa e das Forças Armadas não encontraram indícios de invasão no sistema de criptografia de informações estratégicas do Brasil. As denúncias repercutiram no Congresso Nacional: uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada para investigar o monitoramento e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado convocou o jornalista Glenn Greenwald para detalhar o processo de vigilância. O escândalo levou o governo a pedir que a Câmara dos Deputados aprecie com urgência o Marco Civil da Internet. O texto já teve a votação adiada diversas vezes por questões políticas e interesses empresariais.

Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o jornalista José Casado, que assina a cobertura do caso no jornal O Globo. Casado integra a editoria de Opinião e é colunista do vespertino eletrônico para tablets O Globo A Mais. Em São Paulo, o programa contou com a presença dos jornalistas Bob Fernandes e Caio Túlio Costa. Bob Fernandes é editor-chefe da Terra Magazine e comentarista da TV Gazeta, em SP, e Rádio Metropole, da Bahia. Foi redator-chefe da revista CartaCapital, repórter especial dos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil. Caio Túlio Costa é professor de Ética Jornalística e consultor de mídias digitais. Trabalhou na Folha de S.Paulo durante 21 anos, onde foi o primeiro ombudsman da imprensa brasileira. É um dos fundadores do UOL e foi presidente do iG.

Sem barreiras contra a lupa

Antes do debate ao vivo, em editorial, Dines sublinhou o despreparo do Brasil para enfrentar o monitoramento: “Nosso país é o mais informatizado do sub-continente. Isso explica muita coisa. Porém, é o mais desprotegido e, sobretudo, o mais desregulado. O ministro da Defesa, Celso Amorim, acrescentou uma forte dose de ceticismo no tocante à nossa vulnerabilidade digital quando declarou que há muito tempo não usa a internet para assuntos importantes. A mídia está agitada, mas apenas na direção da ‘espionagem’ e xeretagem internacional. Ainda não se deu conta de que, nesta história de violação de privacidades e de soberanias, quem está sob forte suspeita – e por muito tempo – é o próprio sistema w.w.w que a mídia contemporânea vem entronizando como a plataforma informativa do futuro”.

A reportagem exibida antes do debate ao vivo ouviu a opinião do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. O ministro admite a possibilidade de vazamento e acredita que os Estados Unidos podem ter acessado o conteúdo de conversas. “O governo tem redes corporativas seguras, redes onde nós transitamos as nossas informações, documentos, atos que precisam ser tomados pelo governo e nós não temos problema. Agora, aquilo que nós colocamos na rede e a forma pela qual nós nos comunicamos, por exemplo, a presidenta Dilma me liga seguidamente e liga no meu celular. Ela, nesse momento, está se comunicando com a mesma condição de qualquer cidadão. Se todo esse rastreamento está acontecendo, então, é evidente que essa ligação também vai ser abrangida”, alertou o ministro.

Para Paulo Bernardo, o monitoramento não é uma surpresa: “Essas notícias de espionagem, bisbilhotagem e monitoramento em uma escala global, isso é muito recorrente de sair na mídia, seja na mídia alternativa ou grandes veículos de comunicação. Então, quem disser que não sabia nada é porque nunca se interessou pelo assunto. Agora, o governo nunca teve conhecimento de espionagem realizada em território brasileiro ou de cooperação de empresas brasileiras com isso”.

À luz da Lei

O especialista em Direito Digital Luiz Moncau ressaltou que as denúncias de Snowden evidenciam a urgência na tramitação dos diversos projetos ligados à internet que estão parados no Congresso Nacional, sobretudo o Marco Civil. “Ele tem uma série de princípios e diretrizes que tratam da proteção dos dados pessoais e da privacidade. Um outro Projeto de Lei que tem sido discutido ainda em nível governamental seria o de proteção dos dados pessoais. Vários países hoje em dia já possuem não só uma legislação específica para proteger os dados pessoais como órgãos legisladores, agências especializadas na proteção desses dados pra proteger principalmente o consumidor, o usuário, contra práticas abusivas de empresas ou de terceiros”, destacou Moncau.

A Constituição dos Estados Unidos exige ordem judicial para qualquer interferência do governo em canais de comunicação privada, mas há brechas na lei, como o Ato Patriota, criado após os atentados de 11 de setembro de 2001. “Existe a possibilidade de se investigar casos com acesso específico, em circunstâncias pontuais, a canais de telecomunicação quando existe a suspeita fundamentada de terror. Se não existe a suspeita fundamentada de terrorismo não é possível você realizar esse tipo de quebra de sigilo em canais de telecomunicação. É entendido como um abuso de Direito. O Prism, de certa forma, viola a 4ª emenda [da Constituição dos Estados Unidos], só que acaba se apoiando em outros princípios do governo americano para tentar sustentar a sua legalidade. Que é justamente a proteção à segurança nacional ou a própria segurança dos meios de telecomunicação do país”, explicou o especialista em Direito Digital Victor Auilo Haikal.

O jornalista Carlos Alberto Teixeira, colunista de Tecnologia do jornal O Globo, comentou que programas de criptografia permitem uma navegação mais segura, mas nem todos os usuários tem interesse em codificar os seus dados. “Como é que o cidadão pode se proteger, o cidadão, a empresa, a instituição? Encapsulando esse fluxo de informações como se fosse uma armadura digital. Criptografando, codificando isso de uma forma que quem interceptar a informação não consiga ler o que está ali, só o destinatário consegue ler. É o que eles chamam de criptografia por chave pública. Ou seja, o remetente e o destinatário têm uma chave para decodificar aquela informação. Mas quem estiver no meio não consegue. Não é nada complicado usar, não é nada muito complicado. É um pouquinho a mais do que um usuário comum consegue resolver em casa”, detalhou o jornalista.

“A maioria dos cidadãos não está muito interessada em esconder essas comunicações de e-mail, qual é a sua navegação na web. Você não tem interesse, eu não tenho. Agora, uma corporação, uma empresa, uma instituição ou algum terrorista, alguém que está fazendo mal, têm interesse em esconder isso”. Para Carlos Alberto Teixeira, as denúncias de Snowden só surpreendem os mais ingênuos. “A função dos departamentos de espionagem, as redes de inteligência, tanto a NSA, americana, como a Abin, como o Mossad, a função deles todos é pegar informação. O que a gente vê hoje é um desdobramento, uma atualização desse sistema que já existe há tanto tempo. As repercussões, isso aí a gente está vendo, um terremoto político no mundo inteiro. E estamos só começando”, alertou o jornalista.

A fragilidade da rede

No debate ao vivo, Dines ressaltou que o material coletado por Edward Snowden mostra que toda a web está sendo posta em questão e perguntou ao jornalista José Casado se a equipe que foi montada para esta cobertura – que inclui os repórteres Roberto Maltchik e Roberto Kaz – se surpreendeu com a magnitude dos dados revelados pelo consultor em sistemas de computação. Casado contou que, após avaliar parte das informações entregues por Glenn Greenwald, que vive no Brasil há oito anos, a equipe percebeu que tinha em mãos algo surpreendente.

“Por mais que você possa imaginar, você não tem ideia da dimensão que esse programa americano [de monitoramento] tomou”, disse o jornalista. Casado chamou a atenção para o fato de que o objetivo do governo dos Estados Unidos, em tese, era proteger a segurança nacional, mas o limite entre o dever e a invasão da privacidade de cidadãos ao redor do mundo é tênue. Este é um assunto para legisladores refletirem e a sociedade tem mecanismos, na opinião de Casado, para discutir a questão. Com base nos arquivos coletados por Snowden, a que O Globo teve acesso, Casado assegura que não há a menor possibilidade de um cidadão estar seguro a respeito da privacidade de seus dados pessoais.

Casado lamentou a situação em que Edward Snwden se encontra desde que decidiu levar a público os documentos coletados na NSA. Depois de um périplo internacional, o ex-consultor aguarda no aeroporto de Moscou que algum país conceda asilo político. No entanto, de acordo com o jornalista, a maioria dos governos rejeita o visitante incômodo por temer a reação dos Estados Unidos. “Você pode ter duas leituras dentro do bom e velho maniqueísmo: a do herói e a do traidor. O governo americano o vê como um traidor. Nas redes sociais ele se tornou um herói”, resume.

Exibir vs. esconder

Dines comentou que há entidades europeias contrárias ao Facebook por acreditar que o site de relacionamento não respeita as leis de privacidade. Casado sublinhou que os Estados Unidos são o centro produtor do sistema desvelado por Edward Snowden, mas outros governos também promovem espionagem em menor escala e há a colaboração de empresas privadas. Um exemplo é o Facebook, que tem contrato com a NSA. As empresas possibilitam o acesso do usuário à internet e depois entregam as informações para o monitoramento pela agência. “Isso é cobrado. E você, quando compra determinado produto ou passa a ser usuário, não sabia”, alerta Casado. O jornalista ressaltou que a legislação nos Estados Unidos proíbe a espionagem doméstica exceto em casos de terrorismo, ao mesmo tempo em que protege parcerias entre agências de espionagem americanas e empresas privadas instaladas no país. Este monitoramento teria como foco cidadãos, empresas e instituições estrangeiras e teria se tornado um negócio altamente lucrativo.

Caio Túlio Costa comentou que a história da espionagem no mundo é antiga, porém, a dimensão do programa revelado por Edward Snowden é preocupante e “demoníaca”. Para o jornalista, o assunto é explosivo e o destaque dado pela mídia tradicional não foi proporcional à capacidade de invasão que o governo norte-americano demonstrou ter ao montar o programa de monitoramento. “Quem se surpreende com isso não tinha atentado para essa vocação de polícia do mundo que os Estados Unidos têm e cultuam de forma obsessiva”, sublinhou.

O jornalista explicou que tanto o Facebook quanto o Google têm sistemas que permitem traçar um perfil de navegação do usuário através do seu histórico e montar um projeto de publicidade voltado para os interesses específicos dos internautas. Além de armazenar os dados dos usuários, as empresa os negocia: “Isto é uma invasão de privacidade, mas é consentida porque você, quando assina o Facebook, se compromete a concordar com os termos de uso onde ele diz que faz isso”, criticou Caio Túlio. Portanto, o ato não é ilegal, mas “acostuma” o usuário a ser monitorado. Assim, pode-se perceber que a espionagem não acontece apenas sob os auspícios do governo dos Estados Unidos. Também atinge empresas privadas que trabalham em larga escala e que estão repassando informações através de sites de busca ou de relacionamento.

História antiga

O jornalista Bob Fernandes disse ficar admirado com as declarações de surpresa em torno da espionagem dadas pelo atual governo, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo Congresso Nacional. Entre 1999 e 2004, a CartaCapital publicou oito reportagens de capa detalhando como agências do porte da CIA e do FBI operavam no Brasil. Os pormenores incluíam escutas nos palácios da Alvorada e do Itamaraty. Algumas das atividades de espionagem datavam nos anos 1960, como na área de biossegurança, e ainda estão em curso. Além da espionagem “por atacado” da NSA mostrada por Snowden, há também atividades de “varejo” promovidas pela CIA e pelo FBI, que a cada ano precisam disputar verbas orçamentárias no Congresso Nacional dos Estados Unidos.

“É o fim dos 500 anos da Era de Gutenberg e nós estamos iniciando e vivenciando uma outra Era que é essa, sem controle nenhum”, sentenciou o jornalista. Para ele, há uma grande incompreensão a respeito dos poderes e problemas da internet. Enquanto a rede mundial de computadores tem a capacidade de fazer a informação transitar em larga escala, ao mesmo tempo, a velocidade da informação leva a pouca compreensão dos temas mais importantes da sociedade.

Na pauta também, uma outra mídia!

Como esta rede de protestos teria crescido tanto em tão pouco tempo se não fossem os meios de comunicação? Certamente não saberíamos tantas informações se não estivéssemos constantemente conectados à internet, assistindo televisão, lendo jornal, ouvindo rádio. Como estaríamos vendo e ouvindo as declarações de Marcos Feliciano defendendo a proposta da “cura gay”? Me digam como estaríamos deixando de ter aula ou saindo mais cedo do trabalho pra assistirmos aos jogos da seleção brasileira na Copa das Confederações? Então, não temos dúvida alguma do poder da comunicação na sociedade.

Mas o que está em questão é: a serviço de que e de quem está o poder da mídia brasileira convencional? Este quarto (ou primeiro) poder que chega à maioria do povo brasileiro, que conduz suas opiniões, que manobra contextos políticos, constrói cenários, elege ou tira do poder governos, partidos, etc. Esta que num dia noticia protestos colocando todas as pessoas envolvidas como “vândalos” e no outro já diz que manifestações pacíficas sofrem descaracterização devido a ação isolada de pequenos grupos infiltrados. Cadê a objetividade, a responsabilidade com a informação, a pluralidade de fontes, tudo tão teoricizado nos bancos das faculdades de jornalismo?

A imprensa tem lado, não se engane mais, se você ainda não sabia.

Uma nova Lei de Comunicação

Nestes últimos dias, no Brasil muita gente tem descortinado o olhar para uma série de problematizações necessárias na (re)construção cotidiana de uma sociedade. O povo não estava dormindo, só estava esperando uma oportunidade de levantar mais alto as bandeiras, fazer tantos gritos ecoarem mais longe. Não venha agora usar as redes sociais pra destilar hipocrisias, comemorar que o povo acordou, se você esteve dormindo até agora e provavelmente nem tenha coragem de ir pra rua com apito e cartaz na mão. Quer dizer que não havia mais luta nenhuma? E de onde vieram as conquistas reivindicadas nas ocupações, nas greves, nos enfrentamentos, nas conferências, nas negociações? A juventude do país inteiro estava apática? Não, muita gente sempre esteve acordada, atenta, discutindo, mobilizando, propondo, acordando sempre mais alguém e mais alguém… Porém, uma visão romântica da força das massas já não cabe mais, a cooptação é uma estratégia real e eficaz. Não se trata ainda de uma revolução. Nem todo mundo sabe o quer, pelo que está lutando, até onde pode ir, muita gente simplesmente tá na rua! Mas é aí que mora a oportunidade de perceber-se enquanto sujeito maior de uma efetiva mudança social. Aproveitemos!

Mas e a mídia, qual tem sido seu papel frente a todas essas problematizações? A luta por uma comunicação democrática também sai fortalecida neste contexto de protestos. A mídia não é mais capaz de esconder do povo o jogo de interesses que a conduz, que define suas linhas editoriais. As pessoas enxergam com muita nitidez o que está por trás de cada cobertura de protesto, cada programa especial, cada termo usado para reportar os fatos. Não entremos aqui no mérito do oportunismo dos partidos conservadores, da oposição que quer voltar a reinar sozinha, do populismo escancarado de muitos grupos políticos ou na insistência de grupos que querem dar outro tom às reivindicações. Em se tratando de liberdade de expressão saímos no lucro. É hora de reafirmar, também nas ruas, mas não só, que precisamos mudar também a mídia. Que uma nova Lei de Comunicação é mais do que urgente e que os poderes brasileiros precisam fazê-la se cumprir. O monopólio e oligopólio, a ausência da pluralidade de ideias, da diversidade, da produção regional em maior escala, dentre outros elementos, é que nos faz reprodutores de uma “opinião pública” ditada por poucas famílias/grupos que controlam os meios de comunicação no país.

Direitos se conquistam

Os protestos… Já não importa mais de onde partiram, muita gente boa agora tá “colada”, fazendo as mais diversas pautas serem ouvidas. Outra coisa: ninguém tá dizendo que a luta é por um impeachment do governo, se o governo bem souber, pode se sair muito bem. As vozes clamam por um governo melhor! Não é de hoje que as comunidades tradicionais pedem respeito; que as florestas, caatingas, rios, serras agonizam com tanta exploração; que as favelas multiplicam-se e com elas a violência, as desigualdades, as opressões. Não é de hoje que a juventude (negra principalmente) vem sendo exterminada, como também os Comitês que discutem os impactos da Copa não foram criados nestas duas semanas, muito menos começou agora a atitude repressiva da polícia para com quem se manifesta insatisfeita com o modelo de “ordem e progresso” atual.

Bom, também não é só agora que a “grande” mídia criminaliza os movimentos sociais ou qualquer forma de reação popular. Por isso não é de hoje a movimentação em torno de uma nova Lei para uma Mídia Democrática. Depois de muitas outras táticas para avançar nesta luta, foi lançado o ano passado a campanha “Para expressar a liberdade: uma nova lei para um novo tempo” e desde o dia 1º de maio deste ano estamos nas ruas coletando assinaturas para o Projeto de Lei da Mídia Democrática (Projeto de Iniciativa Popular). Veja informações no site da campanha (http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/).

Aqui pelas barrancas sertanejas do São Francisco, onde os protestos de rua estão se espalhando como as faíscas das fogueiras de São João, não estamos dormindo não. O Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco, com apoio da Uneb, vem levantando, desde 2009, esta bandeira.

Porque a “comunicação é um direito humano e direitos se conquistam!”


Érica Daiane Costa é jornalista, militante do Movimento pelo Direito à Comunicação e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Mídia e crise de representação, tudo a ver

Muito se tem escrito sobre a importância das novas TICs (tecnologias de informação e comunicação) para as manifestações de junho, ao mesmo tempo aparentemente anárquicas e organizadas. Procuro, ao contrÁrio, identificar questões específicas relativas ao papel da grande (velha) mídia em todo esse complexo processo.

Redes sociais vs. grande (velha) mídia

Em texto anterior (ver “As manifestações de junho e a mídia”) chamei atenção para um paradoxo que se observa nas manifestações que pipocam por todo o país.

Apesar de “conectados” pelas redes sociais na internet e, portanto, de não se informarem, não se divertirem e não se expressarem (prioritariamente) através da grande (velha) mídia, os milhares de jovens que detonaram os protestos dela dependem para alcançar a visibilidade pública, isto é, para serem incluídos no espaço formador da opinião pública.

É a grande (velha) mídia, sobretudo a televisão, que (ainda) controla e detém o monopólio de “tornar as coisas púbicas” – e assim, além de dar visibilidade, ela é indispensável para “realimentar” o processo e permitir a continuidade das manifestações.

Vale dizer, as TICs (sobretudo as redes sociais virtuais acessadas via telefonia móvel) não garantem a inclusão dos jovens – e de vários outros segmentos da população brasileira – no debate público cujo monopólio é exercido pela grande (velha mídia). A voz deles não é ouvida publicamente.

Crise de representação

Emerge, então, um indicador novo da crise de representação política que, como se sabe, não é exclusiva da democracia brasileira, mas um sinal de esgotamento de instituições tradicionais das democracias representativas no mundo contemporâneo.

A ausência de sintonia crescente ou o descolamento da grande (velha) mídia da imensa maioria da população brasileira vem sendo diagnosticada faz tempo. Além disso – ao contrário do que ocorre em outras democracias –, no Brasil a grande (velha) mídia praticamente não oferece espaço para o debate de questões de interesse público. Aliás, salvo raríssimas exceções na mídia impressa, não oferece nem mesmo um serviço de ouvidoria (ombudsman) que acolha a voz daqueles que se considerem não representados.

Dessa forma, a ampla diversidade de opiniões existente na sociedade não encontra canais de expressão pública e não tem como se fazer representar no debate público formador da opinião pública.

Não estariam criadas condições para alimentar a violenta hostilidade revelada nas manifestações contra jornalistas, equipes de reportagem e veículos identificados com emissoras de TV da grande (velha) mídia?

Peculiaridades brasileiras

Em entrevista recente, o professor Wanderley Guilherme dos Santos chamava atenção para o fato de que “as classes C e D têm uma representação majoritária na sociedade em diversos sindicatos, entidades etc., mas são minoritárias na representação parlamentar de seus interesses. Ou seja, (…) elas tem menos capacidade de articulação no âmbito das instituições [políticas] do que as classes A e B” (cf. Insight Inteligência, fev-mar 2013 ).

Esse déficit na representação política do Parlamento, acrescido da exclusão histórica de vozes no debate público e a consequente corrupção da opinião pública talvez nos ajude a compreender, pelo menos em parte, a explosão das ruas nas últimas semanas.

Mudança radical

O que se observa, no entanto, na cobertura que a grande (velha) mídia tem oferecido das manifestações é uma mudança radical. O que começou com veemente condenação se transformou, da noite para o dia, não só em tentativa de cooptação, mas de instigar e pautar as manifestações, introduzindo bandeiras aparentemente alheias à motivação original dos manifestantes.

Aparentemente a grande (velha) mídia identificou nas manifestações – iniciadas com um objetivo específico, a redução das tarifas de ônibus na cidade de São Paulo – a oportunidade de disfarçar o seu papel histórico de bloqueadora do acesso público às vozes – não só de jovens, mas da imensa maioria da população brasileira. Mais do que isso, identificou também uma oportunidade de “descontruir” as inegáveis conquistas sociais dos últimos dez anos em relação ao combate à desigualdade, à miséria e à pobreza.

Não é a primeira vez em nossa história política recente que a grande (velha) mídia se autoatribui o papel de formadora e, simultaneamente, de expressão da vontade das ruas – vale dizer, da “opinião pública”.

Embora consiga disfarçar com competência suas intenções, tudo indica que, ao proceder assim, a grande (velha) mídia na verdade agrava – e não atenua – a crise de representação política.

Se não existem as condições para a formação de uma opinião pública democrática – de vez que a maioria da população permanece excluída e não representada no debate publico – não pode haver legitimidade nos canais institucionalizados (partidos políticos) através dos quais se escolhe os representantes da população.

Ademais, tudo isso ocorre no contexto histórico de uma cobertura política sistematicamente adversa que tem, ao longo dos anos, ajudado a construir uma cultura política que desqualifica tanto a política como os políticos (ver “As manifestações de junho e a mídia”).

O que fazer?

Na semana em que o ministro das Comunicações do governo Dilma Rousseff concede duvidosa entrevista e é celebrado pela revista Veja, símbolo de resistência a qualquer inciativa de regulamentação das comunicações no país, talvez uma das consequências da atual crise seja a adesão dos manifestantes à coleta de assinaturas para “uma lei para expressar a liberdade” promovida pelo FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (ver aqui).

É inadiável que uma reforma política inclua a regulação das comunicações e exista condições para formação de uma opinião pública onde mais vozes sejam ouvidas e participem do debate público – vale dizer, para que mais brasileiros sejam democraticamente representados.

A ver.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros

A volta do futebol à rede pública de TV

Com o término dos campeonatos estaduais no final de semana, as atenções passarão a se voltar para as quatro divisões do Campeonato Brasileiro, por mais que estas parem durante a Copa das Confederações. A novidade, em termos de transmissão televisiva, é o retorno da TV Brasil como exibidora da Série C, que começa no dia 1º de junho. A emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) chegou a transmitir a fase final da terceira divisão em 2010, mas não comprou os direitos de transmissão do torneio em 2011, alegando que os valores eram muito altos (entre R$ 14 milhões e R$ 16 milhões). Além disso, no mesmo ano a emissora pública cobriu os Jogos Mundiais Militares, que requereram grande investimento.

Com as duas principais divisões nacionais organizadas no sistema de pontos corridos há algum tempo, a Série C vai para o seu segundo ano com dois grupos regionalizados com 10 clubes cada. Desde o ano passado, a SporTV transmite partidas do torneio pela TV fechada. O apelo a ele está com a presença de clubes populares em seus estados, como Santa Cruz (PE), Fortaleza (CE), Sampaio Correia (MA), Guarani (SP), Vila Nova (GO) e CRB (AL). A divisão da cota dos direitos de transmissão é um importante acréscimo à renda dos clubes, que sonham por voos mais altos, e valores mais altos, nas séries superiores, cujo número de rodadas, e de transmissões, é maior.

A TV Brasil deve transmitir dois jogos por rodada, um no sábado e outro no domingo, além de liberar a transmissão local de partidas de clubes dos Estados das emissoras que fazem parte da Rede Pública de Televisão. Recorda-se que no Acre e no Pará, respectivamente a TV Aldeia e a TV Cultura, transmitem as participações dos clubes locais nos estaduais e em torneios nacionais.

7 milhões de euros

O possível questionamento a investimentos de uma rede pública de comunicação no futebol pode ser combatido com a importância deste programa para a atração da audiência, não à toa gerando tantas brigas para a aquisição de seus direitos de transmissão. Através de um elemento popular, pode-se conquistar a audiência para outros programas da emissora e, principalmente, o reconhecimento dela por parte da população, por mais que já esteja com cinco anos de existência, dadas as dificuldades históricas para a comunicação não comercial no Brasil.

Lembra-se ainda que a aquisição de direitos de transmissão de eventos esportivos por emissoras não privadas é comum em outras partes do mundo, principalmente porque em outros países a radiodifusão se desenvolveu por muito tempo através do monopólio estatal. Ainda assim, décadas depois da abertura deste mercado, pode-se saber de notícias sobre a aquisição do direito de exibir eventos por parte de emissoras públicas.

Em março deste ano, a federação alemã de futebol confirmou que a ARD, rádio pública com 10 emissoras espalhadas por toda a Alemanha, comprou em leilão três dos quatro pacotes de direitos oferecidos na cobertura da primeira e da segunda divisão do campeonato local, a Supercopa da Alemanha e o playoff do rebaixamento. Especula-se que serão pagos 7 milhões de euros.

O fortalecimento da rede pública

O contrato de lá permite que a emissora transmita as partidas na íntegra e tenha privilégios na entrevista com jogadores, ainda que isto não ocorra de forma exclusiva. O pacote restante foi para a transmissão de áudio pela internet, que ficou com o Sport1.

No Brasil, apesar das tentativas do Atlético-PR sob o comando de Mario César Petraglia, não há limites para a transmissão das rádios. O que deve mudar apenas com os torneios Fifa, em que apenas as emissoras que adquirirem os direitos poderão transmitir os jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, o que faz com que emissoras formem pools de transmissão.

Voltando às transmissões da TV Brasil, o Comitê Olímpico Internacional vendeu os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, a serem realizados no Rio de Janeiro, para Globo, Record e Band, mas libera as imagens para as emissoras públicas, independente do tempo e da logomarca da responsável pela transmissão. Será outra boa oportunidade para o crescimento e o fortalecimento de uma rede pública de televisão, sob a perspectiva do operador nacional digital.

Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos

Benefícios fiscais: Um presente para a mídia

O governo federal resolveu dar uma mãozinha às empresas de comunicação social, ao anunciar a desoneração de tributos sobre a folha de pagamentos. A notícia foi publicada no final da noite de segunda-feira (8/4) no boletim eletrônico do grupo Meio&Mensagem, mas não pareceu interessar aos jornais, embora o anúncio tenha sido feito de manhã pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Pelo menos até onde se podia pesquisar na terça-feira (9/4), a imprensa tradicional não pareceu interessada em discutir o benefício. Nos meios digitais, pode-se localizar uma nota publicada em dezembro de 2012 no site da Associação Nacional de Jornais, na qual se noticiava que a medida havia sido proposta pelo senador fluminense Francisco Dornelles (PP).

Segundo o Meio&Mensagem, Mantega anunciou duas medidas que reduzem tributos de vários setores da economia, entre eles os de mídia e comunicação, “beneficiando diretamente os setores de jornais, revistas, livros, rádio, televisão e internet”. A ideia é reduzir as contribuições sociais dessas empresas, de 20% da folha de pagamento para 1% a 2% do faturamento.

Estima-se que o setor de mídia venha a economizar R$ 1,2 bilhão por ano, a partir de janeiro 2014, quando o benefício entra em vigor. Aparentemente, não há exigência de uma contrapartida, embora o ministro tenha afirmado que o governo espera que as empresas aproveitem para ampliar investimentos e assegurar a renda de seus funcionários.

Paralelamente, desmancha-se nos meios oficiais o debate sobre o projeto de regulamentação da mídia. O tema foi capa da revista Carta Capital na semana passada (edição 742), na qual o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, era apresentado como “o ministro do Plim-Plim e do Trim-Trim”, por supostamente favorecer o grupo Globo e as operadoras de telefonia, ao barrar a modernização da lei da radiodifusão e oferecer benefícios ao setor de telecomunicações.

Falta transparência

Os jornais noticiaram amplamente o anúncio do programa de desonerações de 14 setores da economia, feito há uma semana, que tinha originalmente o objetivo de aumentar a competitividade de áreas ligadas à infraestrutura e exportações, sem as habituais críticas à política econômica do governo.

Trata-se de um movimento que as autoridades monetárias consideram parte de uma reforma tributária, expressão que os jornais ainda não assumiram, e compõe os esforços para manter a inflação sob controle. Estranha, portanto, que ao se concretizar o benefício direto ao setor de mídia, a imprensa tente esconder a informação, evitando destacar esse aspecto no pacote de medidas governamentais.

O leitor atento também haverá de registrar que a oficialização de futuros benefícios para as empresas de comunicação social coincide com a aplicação de nova medida de contenção de gastos no Estado de S.Paulo, que consiste basicamente no enxugamento do jornal e consequente demissão de jornalistas.

Há pelo menos dois aspectos interessantes a serem observados neste caso: em primeiro lugar, os jornais evitam apoiar explicitamente uma decisão governamental que, em todos os aspectos, vai ao encontro de antigas reivindicações de empresas, agasalhadas entusiasticamente pela imprensa, encaminhando mudanças no sistema fiscal e tributário que são uma espécie de mantra dos economistas mais queridos da mídia; em segundo lugar, os jornais noticiam o pacote de incentivos mas não informam que o seu setor será amplamente beneficiado, por depender intensivamente de mão de obra qualificada.

Claro que uma medida que desonera o custo do trabalho deveria suscitar outras discussões, como a crescente informalização das redações e a expansão do uso de free-lancers, por exemplo, que foi tornada oficial pela Folha de S.Paulo na última semana.

A precarização do mercado de trabalho para jornalistas está diretamente relacionada ao custo das contratações, e a medida anunciada pelo ministro da Fazenda cria para a imprensa a obrigação moral de trazer esse tema para o debate público, uma vez que o benefício será concedido com recursos da sociedade brasileira.

Mas transparência nunca foi uma qualidade das empresas de comunicação social no Brasil, principalmente no que se refere ao ambiente interno de seus negócios.