Ocupantes da Câmara do Rio discutem direito à comunicação

Ocupantes das escadarias da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro e seu apoiadores concentraram-se na última quinta-feira (12) para assistir e debater uma aula sobre direito à comunicação. O evento “A verdade é dura: nossa mídia é filha da ditadura” foi promovido pelos coletivos Intervozes e Projetação em solidariedade aos manifestantes que acampam na Cinelândia há mais de um mês, em protesto contra as tentativas de atrapalhar a investigação sobre a máfia do transporte público, e que contribuíram para a realização da atividade.

As atividades foram iniciadas com a apresentação dos vídeos “Levante sua Voz”, “Globogolpe remix” e “Freenet – Neutralidade de rede” e sucedidas por uma apresentação feita por Gustavo Gindre, militante na luta pela democratização da comunicação e integrante do Intervozes.

Os presentes debateram a apropriação privada das concessões públicas, a importância da comunicação pública, as possibilidades de uso da multiprogramação permitida pelo processo de digitalização das TV, a concentração dos meios de comunicação, a proteção da infância contra a possibilidade e outros temas relacionados. Gindre considera que o fato de as concessões outorgadas às emissoras de TV e rádio serem bens públicos se dilui no imaginário da sociedade, que se relaciona com elas como se fossem bens privados. “O prédio é da Globo, a antena é da Globo, mas o canal é nosso”, afirmou.

A realização do evento junto com os ocupantes da Câmara reafirma o crescimento da atenção que os movimentos sociais e a esquerda têm dirigido à mídia. Mônica Mourão, do Intervozes, considera que “a ocupação da câmara é um espaço simbólico de resistência das manifestações que vêm ocorrendo desde junho”. Segundo ela, “estamos convencidos de que o direito à comunicação é uma pauta fundamental para todo o movimento social, porque a partir desse direito se pode conquistar outros”.

Durante a aula pública, foi apresentada a proposta de Projeto de Lei por uma Mídia Democrática e foram coletadas assinaturas de apoio à iniciativa. Uma da cópia da lista permaneceu com os ocupantes à espera de mais declarações de apoio.

O Ocupa Câmara Rio há mais de um mês faz pressão para que se desfaça a CPI dos Ônibus, esterilizada pela ocupação de suas vagas por defensores das empresas de ônibus, e se realize uma investigação legítima e verdadeira do setor. De acordo com a página dos manifestantes nas redes sociais, “queremos que as licitações de ônibus sejam investigadas a fundo e quem não se posiciona a favor da realização das investigações, não são as pessoas mais indicadas para cumprir este papel”.

Funcionários exigem reformas nas TVs públicas

A negligência com que os governos tratam as emissoras públicas tem encontrado sua contrapartida interna, nas reivindicações de seus funcionários.  Foi realizada, no dia 10 (terça), uma audiência pública em Belo Horizonte para discutir a situação da TV pública do estado, alvo de uma campanha iniciada no mês de agosto com o expressivo nome de “Salve a Rede Minas”. De forma semelhante, no Paraná, o sindicato dos jornalistas (Sindijor-PR) encampa uma briga por melhorias na Rádio e Televisão Educativa do Paraná (RTVE).

No centro das discussões se encontram a luta trabalhista de funcionários que debatem a necessidade (e a forma) de abertura de concursos públicos, o temor frente às políticas de demissão, a luta pela ampliação da autonomia da comunicação pública em relação aos sucessivos governos e a busca por maior participação da sociedade nas emissoras, em que se espera a implementação efetiva de conselhos que possam acompanhar e orientar a gestão das televisões públicas.

Os problemas trabalhistas e de gestão se refletem na qualidade da programação. No caso específico da TV Minas, por exemplo, no manifesto da campanha “Salve a Rede Minas”, consta que “os atuais 25 programas da grade da TV podem ser, de uma hora para outra, reduzidos a apenas 5”. De acordo com o documento, 5 programas já teriam sido encerrados, 50 funcionários demitidos e se estima que esteja nos planos do governo a exoneração de mais 300.

A demissão de 20 jornalistas e o exercício da atividade profissional sem contrato algum constam entre os principais alvos das denúncias no Paraná. No abaixo-assinado apresentado pelos Sindijor-PR, reclama-se também que  “a RTVE continua à deriva, ao sabor dos interesses do grupo de plantão no comando do estado, situação que já ocorreu em governos anteriores”. Como principais consequências desse quadro aponta-se que a emissora se estrutura como “uma televisão que não explora todo o seu potencial criativo, limitada a ser uma retransmissora de conteúdo. Sufocada pela falta de espaço, não apresenta pluralidade na programação e maior abertura para a produção jornalística local e informativa”.

Segundo um dos diretores do Sindijor-PR, Pedro Carrano, “há uma situação bem problemática” no Brasil, pois governos “de direita” estariam fazendo uma política de “terra arrasada” com as emissoras públicas, enquanto os governos mais “progressistas” não teriam compreendido ainda bem o “caráter plural” que essas tevês deveriam ter.

Integrante do movimento “Salve a Rede Minas”, Leandro Lopes considera que “há uma grande confusão no Brasil sobre o que é uma TV pública e o que é uma TV estatal”. Dessa forma, os governos e grande parte da população têm dificuldade em não diferenciar uma emissora independente de um veículo de propaganda e porta-voz institucional. Entre as propostas da audiência, foi proposto que se criasse uma empresa estadual de comunicação conforme o modelo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), como já aconteceu este ano em Pernambuco.

Precedentes

Em 2012, a TV Cultura de São Paulo, uma das principais emissoras públicas do país enfrentou sua maior crise. Ativistas foram às ruas denunciar o processo de sucateamento e privatização da emissora. Nos dois anos em que foi comandada por João Sayad, a Fundação Padre Anchieta, que administra a tevê, teria demitido mais de mil funcionários, extinto programas, enfraquecido a produção própria de conteúdo e entregue horários na programação para meios de comunicação privados, como a Folha de São Paulo.

Aula pública na Cinelândia debate direito á comunicação

Redação – Intervozes

O povo nas ruas grita desde junho contra a mídia brasileira. A verdade é dura. Nessa quinta-feira, dia 12, vamos discutir como a configuração atual do rádio e da tevê no Brasil foi definida dentro do projeto de desenvolvimento autoritário da ditadura militar. Também será debatida a suposta democracia por meio da internet, muitas vezes vista como um oásis de liberdade e diversidade em meio ao deserto do discurso único.

A atividade acontece a partir das 19h, na ocupação da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia. Haverá a exibição dos vídeos “Levante sua voz!”, produzido em 2009 pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, e “Freenet?”, realizado em 2012 por um conjunto de entidades (Centro de Tecnologia e Sociedade – CTS/FGV, Insituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor – Idec, Instituto Nupef e Coletivo Intervozes.

O aulão público sobre comunicação vai ser conduzido por Gustavo Gindre, jornalista e mestre em Comunicação e Cultura. Gindre foi membro eleito do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). É fellow da Ashoka Society e servidor público concursado, especialista em regulação da atividade cinematográfica e audiovisual. Gindre também é integrante do Coletivo Intervozes, um dos organizadores da atividade, junto com o Coletivo Projetação e com a Ocupação da Câmara.

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Violência policial atenta contra direito à comunicação

A cena vem se tornando corriqueira: jornalistas, fotógrafos, repórteres cinematográficos, midialivistras ou qualquer pessoa, com uma câmera ou smartphone, que presencie ou questione algum ação desproporcional da polícia, tem sido agredida. As ferramentas são inúmeras: spray de pimenta, balas de borracha, ordens de prisão sem justificativa plausível, etc. As justificativas do comando policial também repetem o mesmo script: "a polícia agiu dentro da normalidade", "eventuais exageros serão minuciosamente apurados".

Durante atos realizados em meio às comemorações do 7 de setembro, fui uma das inúmeras pessoas agredidas pelo "crime" de cobrir os eventos. Em Brasília, testemunhei policiais da Tropa de Choque atirarem uma bomba de gás lacrimogêneo contra a cabeça de um manifestante que criticava a ação da polícia. Ao tentar apurar o ocorrido, mesmo me apresentando como repórter, fui agredido por três policiais com spray de pimenta e vários empurrões.

Os policiais claramente queriam evitar que eu identificasse o policial que cometeu a violência. E esse não foi um fato isolado. Colegas de profissão, em várias cidades, também foram atacados/as, o que foi condenado por organizações como a Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Sindicato do Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Até mesmo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) criticou a ação truculenta da polícia (embora não tenha deixado de igualá-la aos atos dos manifestantes).

Os fatos que assistimos tornam ainda mais necessária a discussão sobre a ação dos aparelhos de repressão do Estado, pois são agentes públicos que assumem o papel de violadores de direitos humanos.  Pesa contra o Estado, ainda, a aprovação das ações. Segundo o comandante-geral da Polícia Militar do DF, Jooziel Freire, os ataques decorreram da dificuldade dos "militares distinguirem repórteres na multidão de mascarados. Repórteres sem identificação, usando máscaras e capacetes, podem estar sujeitos à abordagem policial", disse. Para a corporação, parece que a questão se restringe ao uso ou não de equipamentos de proteção, de modo que possam distinguir os profissionais da imprensa dos outros manifestantes.

É, neste ponto, que reside a armadilha. Ao propor este tipo de prática, o aparato de segurança pública objetiva restringir o direito de qualquer cidadão de buscar e difundir informações, princípios basilares do direito à comunicação. Pode-se dizer que a "solução" tem endereço certo: os diferentes grupos de comunicadores, blogueiros e midialivristas que acompanham as manifestações e que fazem um excelente contraponto à cobertura dos grandes meios de comunicação. O que está havendo, portanto, é a banalização da violência, conforme mostra vídeo que circula na Internet, no qual policiais militares aparecem impedindo um grupo de manifestantes de seguir marcha. O integrante do Batalhão de Choque da PM aparece na gravação agredindo os manifestantes com spray de pimenta, sem razão aparente. Perguntado sobre o porquê do feito, responde sorridente, ciente da impunidade: “Porque eu quis. Pode ir lá denunciar”.

Por outro lado, há registros de violência contra profissionais de imprensa praticada por manifestantes, sob o argumento de insatisfação com a forma como as notícias veiculadas pelos grandes veículos. Nestes casos, confundem jornalista com a empresa e descarregam a insatisfação na pessoa. Um tipo de violência que também tem que se repudiada, uma vez que atenta contra trabalhadores que estão exercendo a sua função. Mas que tem que ser percebida desde suas origens: as críticas à cobertura feita pelos meios de comunicação. Isso evidencia a necessidade de se promover mudanças no setor, com vista à democratização da comunicação. Ademais, levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) aponta que, das vinte agressões registradas contra jornalistas nos protestos, 85% foram cometidas pela PM.

Essa situação de violência não se restringe ao contexto das manifestações. Em janeiro, a RSF apresentou um relatório a respeito da liberdade de imprensa. Entre os elementos analisados para avaliar o grau de liberdade dos veículos de imprensa estão a violência contra jornalistas e até a legislação do setor. O levantamento mostra que o Brasil perdeu nove posições no ranking mundial de liberdade de imprensa, em 2013, passando da 99ª posição, em 2012, para a 108ª posição da lista, que é composta por 179 países. Ano passado, o país já havia caído 41 posições em relação a 2011.

Estudo similar realizado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CJP) indica que, em 2012, o Brasil ocupava o terceiro lugar nas Américas, atrás da Colômbia e do México, e o 11º no mundo, no ranking de impunidade de crimes praticados contra jornalistas. São casos como os dos jornalistas Mauri König e André Caramante, que foram obrigados a deixar o país devido às ameaças sofridas no exercício da atividade profissional. Ambos investigavam a participação de agentes de segurança em organizações criminosas.

A situação atenta contra a própria democracia, conforme assevera o Plano de Ação sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, da Organização das Nações Unidas , que advoga que "sem a liberdade de expressão e, particularmente, sem a liberdade de imprensa, é impossível haver uma cidadania informada, ativa e engajada". E essa liberdade deve ser garantida a todos/as: jornalistas profissionais e aqueles/as que querem exercer livremente o direito à comunicação, pois a sociedade não pode ter violado seu direito fundamental de produção e acesso à informação.

Luciano Nascimento é jornalista da Agência Brasil e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Militante é criminalizado pelo Estado por defender rádios comunitárias

Toma corpo, em Campinas, mais um capítulo da criminalização das rádios comunitárias no Brasil. Desta vez, o dirigente da sessão paulista da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), Jerry de Oliveira, pode ser condenado à pena de 5 anos e 2 meses de prisão por resistir à tentativa de apreensão de equipamentos sem mandado e trocar provocações com agentes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) durante uma discussão. O processo encontra-se em andamento, mas pode ter o martelo batido nas próximas duas semanas.

O processo corre na 1ª Vara Criminal da Justiça Federal de Campinas (SP). Oliveira é acusado de resistência, calúnia, ameaça e injúria, após impedir que agentes da Anatel, acompanhados pela polícia, levassem equipamentos de uma emissora comunitária sem ordem judicial e sem o lacre devido que protege o material. Os responsáveis pela operação teriam entrado na residência sem permissão e sido surpreendidos pela moradora, acordada pelo barulho. O representante do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC), avisado sobre o andamento da ação, teria chegado ao local e intercedido a favor da manutenção dos equipamentos no local.

Oliveira teria também procurado o responsável pelas operações da Anatel em Campinas para discutir sobre um caso em que a ação dos agentes teria, por conta da tensão desses procedimentos, induzido um aborto em uma senhora ligada a uma das rádios comunitárias. A discussão teria sido marcada por troca de provocações.

O processo criminal se refere a esses dois momentos, de resistência e de reivindicação de “ajustamento de conduta. O promotor de justiça pede pena máxima para Jerry de Oliveira, o que significa uma condenação com pena de 5 anos e 10 meses de prisão. A ONG Artigo 19, que luta pela liberdade de expressão, afirma que “tratam-se de medidas desproporcionais e antidemocráticas que dão ensejo a autocensura”. Se for julgado como criminoso, ainda que possa responder a pena em liberdade, será retirada a primariedade de Jerry (ele não tem antecedentes criminais), pairando assim sobre ele sempre a ameaça e a intimidação de que uma nova ação possa vir a ser dirigida contra ele, mas a partir de então na condição de reincidente.

Repressão

A forma de atuação do Estado brasileiro contra as rádios comunitárias já vem sendo denunciada há um longo tempo pelo movimento que luta pela democratização da comunicação no país. O exercício da radiodifusão comunitária sem outorga, por exemplo, geralmente é julgado no âmbito penal. No entanto, de acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, as responsabilizações deveriam ser, no máximo, na área civil ou administrativa. Em março deste ano, a ONG Artigo 19 e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) levaram à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) um relatório de violações do direito humano à comunicação no Brasil em que apresentam alguns desses casos.

Em geral, comunicadores populares e entidades que lutam pela democratização da comunicação acusam a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de representar os interesses dos empresários da radiodifusão (TV e rádio), de invadir emissoras (ou mesmo casas) acompanhados de policiais, sem mandado, e apreender equipamentos. Cerca de 11 mil rádios comunitárias foram fechadas nos últimos oito anos.

Os comunicadores populares identificam uma relação direta entre a criminalização das rádios comunitárias e o interesse comercial das empresas de comunicação. Segundo Arthur William, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc-Brasil) “os donos da mídia entendem as rádios comunitárias como concorrência e não como agentes para a consolidação da democracia. Por este motivo, fazem de tudo para calar a voz dos comunicadores populares e garantir seus lucros na contramão dos interesses da sociedade”.

O professor Tarciso Dal Maso Jardim, membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que preside o grupo de trabalho que trata da violência contra comunicadores, considera que a criminalização dos comunicadores populares acontece de forma deliberada. “Existe todo um interesse paralelo tentando coibir esse tipo de atividade”, afirma. Segundo ele, o caso de Jerry já foi encaminhado à ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e deve ser debatida nas próximas reuniões do grupo de trabalho. O GT produzirá um relatório em fevereiro com o objetivo de subsidiar a formulação de políticas públicas que protejam comunicadores de atos de violência.