Violência policial atenta contra direito à comunicação

A cena vem se tornando corriqueira: jornalistas, fotógrafos, repórteres cinematográficos, midialivistras ou qualquer pessoa, com uma câmera ou smartphone, que presencie ou questione algum ação desproporcional da polícia, tem sido agredida. As ferramentas são inúmeras: spray de pimenta, balas de borracha, ordens de prisão sem justificativa plausível, etc. As justificativas do comando policial também repetem o mesmo script: "a polícia agiu dentro da normalidade", "eventuais exageros serão minuciosamente apurados".

Durante atos realizados em meio às comemorações do 7 de setembro, fui uma das inúmeras pessoas agredidas pelo "crime" de cobrir os eventos. Em Brasília, testemunhei policiais da Tropa de Choque atirarem uma bomba de gás lacrimogêneo contra a cabeça de um manifestante que criticava a ação da polícia. Ao tentar apurar o ocorrido, mesmo me apresentando como repórter, fui agredido por três policiais com spray de pimenta e vários empurrões.

Os policiais claramente queriam evitar que eu identificasse o policial que cometeu a violência. E esse não foi um fato isolado. Colegas de profissão, em várias cidades, também foram atacados/as, o que foi condenado por organizações como a Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Sindicato do Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Até mesmo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) criticou a ação truculenta da polícia (embora não tenha deixado de igualá-la aos atos dos manifestantes).

Os fatos que assistimos tornam ainda mais necessária a discussão sobre a ação dos aparelhos de repressão do Estado, pois são agentes públicos que assumem o papel de violadores de direitos humanos.  Pesa contra o Estado, ainda, a aprovação das ações. Segundo o comandante-geral da Polícia Militar do DF, Jooziel Freire, os ataques decorreram da dificuldade dos "militares distinguirem repórteres na multidão de mascarados. Repórteres sem identificação, usando máscaras e capacetes, podem estar sujeitos à abordagem policial", disse. Para a corporação, parece que a questão se restringe ao uso ou não de equipamentos de proteção, de modo que possam distinguir os profissionais da imprensa dos outros manifestantes.

É, neste ponto, que reside a armadilha. Ao propor este tipo de prática, o aparato de segurança pública objetiva restringir o direito de qualquer cidadão de buscar e difundir informações, princípios basilares do direito à comunicação. Pode-se dizer que a "solução" tem endereço certo: os diferentes grupos de comunicadores, blogueiros e midialivristas que acompanham as manifestações e que fazem um excelente contraponto à cobertura dos grandes meios de comunicação. O que está havendo, portanto, é a banalização da violência, conforme mostra vídeo que circula na Internet, no qual policiais militares aparecem impedindo um grupo de manifestantes de seguir marcha. O integrante do Batalhão de Choque da PM aparece na gravação agredindo os manifestantes com spray de pimenta, sem razão aparente. Perguntado sobre o porquê do feito, responde sorridente, ciente da impunidade: “Porque eu quis. Pode ir lá denunciar”.

Por outro lado, há registros de violência contra profissionais de imprensa praticada por manifestantes, sob o argumento de insatisfação com a forma como as notícias veiculadas pelos grandes veículos. Nestes casos, confundem jornalista com a empresa e descarregam a insatisfação na pessoa. Um tipo de violência que também tem que se repudiada, uma vez que atenta contra trabalhadores que estão exercendo a sua função. Mas que tem que ser percebida desde suas origens: as críticas à cobertura feita pelos meios de comunicação. Isso evidencia a necessidade de se promover mudanças no setor, com vista à democratização da comunicação. Ademais, levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) aponta que, das vinte agressões registradas contra jornalistas nos protestos, 85% foram cometidas pela PM.

Essa situação de violência não se restringe ao contexto das manifestações. Em janeiro, a RSF apresentou um relatório a respeito da liberdade de imprensa. Entre os elementos analisados para avaliar o grau de liberdade dos veículos de imprensa estão a violência contra jornalistas e até a legislação do setor. O levantamento mostra que o Brasil perdeu nove posições no ranking mundial de liberdade de imprensa, em 2013, passando da 99ª posição, em 2012, para a 108ª posição da lista, que é composta por 179 países. Ano passado, o país já havia caído 41 posições em relação a 2011.

Estudo similar realizado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CJP) indica que, em 2012, o Brasil ocupava o terceiro lugar nas Américas, atrás da Colômbia e do México, e o 11º no mundo, no ranking de impunidade de crimes praticados contra jornalistas. São casos como os dos jornalistas Mauri König e André Caramante, que foram obrigados a deixar o país devido às ameaças sofridas no exercício da atividade profissional. Ambos investigavam a participação de agentes de segurança em organizações criminosas.

A situação atenta contra a própria democracia, conforme assevera o Plano de Ação sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, da Organização das Nações Unidas , que advoga que "sem a liberdade de expressão e, particularmente, sem a liberdade de imprensa, é impossível haver uma cidadania informada, ativa e engajada". E essa liberdade deve ser garantida a todos/as: jornalistas profissionais e aqueles/as que querem exercer livremente o direito à comunicação, pois a sociedade não pode ter violado seu direito fundamental de produção e acesso à informação.

Luciano Nascimento é jornalista da Agência Brasil e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

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