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PLC que altera a LGT é enviado para sanção sem debate no Senado, mas volta por “inexatidão material”

Renan Calheiros enviou para sanção presidencial o PLC 79/16, que altera lei das telecomunicações a revelia do regimento da Casa e de orientação anterior do Supremo

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), enviou à sanção presidencial o Projeto de Lei 79/2016, que altera a Lei Geral das Telecomunicações, na terça-feira, dia 31, – seu último ato na presidência do Senado. Entidades de defesa da comunicação, e ativistas pela internet livre denunciaram aos senadores que a medida é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira.

Senadores de oposição ao projeto acusaram o ato de Calheiros como uma afronta às normas regimentais da Casa e questionaram a decisão através de medida cautelar incidental.

O projeto prevê que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje sob o regime de concessão, seja modificada para oregime de autorização e entrega para empresas privadas um patrimônio público avaliado pelo Tribunal de Contas da União em mais de 100 bilhões.

Entenda o caso
A nova legislação modificaria as regras do setor, permitindo a migração de concessões de telefonia fixa para regime de autorização, transformando bens reversíveis em “investimentos” e concedendo espectro perpétuo. Segundo a Agência Nacional das telecomunicações (Anatel), as licenças poderão ser renovadas indefinidamente, de espectro para redes móveis e satelitais.

A proposta de alteração da lei foi votada de maneira terminativa (sem necessidade de passar pelo plenário) em 6 de dezembro de 2016 na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional. A oposição apresentou recursos contra a tramitação acelerada e sem o amplo debate que seria necessário para o tema.

Senadores de oposição ao projeto ingressaram então com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar a tramitação do projeto. A ação havia sido delegada ao ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em 19 de janeiro. Agora, aguarda a indicação do novo relator.

De plantão durante o recesso Judiciário, a presidente do STF, Cármen Lúcia, não acatou o pedido de urgência paraanalisar o tema, pois recebeu a informação de Calheiros de que não havia nenhuma posição sobre o projeto e que ele não seria enviado antes do recesso parlamentar. Naquele momento a magistrada entendeu não existir motivos para uma decisão cautelar visto a posição do Senado.
Os senadores contrários às mudanças na lei foram pegos de surpresa, pois havia um acordo de discutir o projeto após a eleição do novo presidente da Casa, porém em uma medida unilateral e provavelmente pressionado por agentes externos, Renan deu seguimento no projeto na noite do último dia como presidente do senado.

Para a senadora Vanessa Grazziotin existem dois problemas sérios nesse processo, o primeiro é a falta de ética ao descumprir acordo estabelecido entre os senadores para que o projeto fosse debatido em plenário e o segundo odesrespeito a uma orientação do Supremo Tribunal Federal. “No despacho da presidente do STF, feito depois de ter recebido os recursos, é importante destacar um trecho  ‘o eventual encaminhamento do projeto antes do término do recesso parlamentar configura na forma e com conteúdo exposto nas informações prestadas fraude contra a jurisdição passível de punição’, dia 31 ainda estávamos em recesso parlamentar o que contraria a orientação do Supremo”, declara Grazziotin.

Mobilização da sociedade
Nesta quarta, dia 01, ativistas de direitos na internet reunidos pela Coalizão Direitos na Rede estiveram mobilizados no Congresso Nacional para defender os direitos dos usuários e cobrar de deputados e  senadores a defesa dos direitos dos cidadãos e solicitar medidas que pudessem reverter a situação.
Para Bia Barbosa, secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, e integrante da Coalizão Direitos na Rede, esse é um caso de lesa-pátria. “A rede que está sendo entregue para essas operadoras é a mesma rede que passa toda estrutura de internet banda larga no Brasil, além de toda estrutura física que formam um patrimônio de mais de 100 bilhões que é do povo brasileiro”.

Ela questiona a forma acelerada que o projeto passou pela Câmara dos Deputados e também pelo Senado, e neste último o fato do presidente do então presidente da Casa, Renan Calheiros, de ignorar o recurso da liderança da minoria que deveria ser acatado automaticamente por ter o número mínimo de assinaturas exigidas pelo regimento. “Durante todo o processo foram descumprido os prazos regimentais, inclusive os que assegurariam que os parlamentares apresentassem emendas ao projeto”, destaca.
A Coalizão defende que o dinheiro pago em impostos pela população brasileira seja usado para a melhoria das condições de vida do povo e não para “socorrer empresas mal geridas e que, sistematicamente, desrespeita, os direitos dos consumidores”.

“É incrível que no contexto de crise do qual estamos passando o governo decida por entregar todo esse patrimônio para as empresas privadas, sem que haja nenhum retorno ao povo brasileiro. Cortam na saúde, na educação, na previdência, mas não cortam nos privilégios dos empresários”, afirma Bia.

Melhorias na Banda Larga, mas não para todos

Além do problema da entrega dos bens reversíveis da União existe outro que preocupa ainda mais os ativistas por uma internet livre e de qualidade. A possível precarização dos serviços em localidades mais distantes e sem atrativos econômicos para investimento do setor de telecom.

O projeto não estabelece nenhuma obrigação para que haja investimento na universalização dos serviços de banda larga. A mudança de regime de concessão para autorização acabará acarretando menos direitos aos consumidores, com um custo mais alto nos serviços.

Em julho do ano passado, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) se posicionou a respeito da mudança na lei, ressalvando que, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – ou seja, disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter tarifas dentro dos critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar, o que resultaria em significativa perda de qualidade do serviçode telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacou à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O Idec defendeu no estudo uma ampla revisão da Lei Geral de Telecomunicações, a fim de garantir a expansão dos serviços prestados e o respeito aos direitos dos usuários e usuárias, e não mudanças pontuais na legislação que objetivam apenas beneficiar as empresas concessionárias.
 
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Comunicação apresenta agenda de lutas na Assembleia dos Povos em Resistência

No terceiro dia do Fórum Social das Resistências aconteceu a tradicional Assembleia dos Povos em Resistência, realizada no auditório Araújo Vianna em Porto Alegre, quinta-feira dia 19. A atividade apresentou o resultado de treze plenárias que aconteceram pela manhã e abrangeram os temas: de Comunicação e Cultura Urbana, Direito Humanos, Defesa dos Serviços e Servidores Públicos, Saúde e Defesa do SUS, Tribunal dos Povos e Matriz Africana, Mulheres em Resistência, Juventude, Democracia, Reforma no Sistema Político e Cidades Sustentáveis, Educação – Escola sem Mordaça e os velhos e novos sistemas de resistências econômicas. O objetivo da assembleia é apresentar as reflexões feitas nas plenárias, que foram orientadas por três perguntas: contra o que e contra quem nós resistimos; quais os valores que nossa luta/causa oferecem para um outro mundo possível e; qual a agenda que propomos para para 2017.

As pautas da comunicação foram apresentadas na assembleia por Bia Barbosa, secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e por Cristina Charão, jornalista da TVE – emissora pública vinculada a Fundação Cultural Piratini e que passa por um processo de desmonte promovido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul.

Charão convocou as entidades representadas no evento a se somarem a luta em defesa da Empresa Brasil de Comunicação e das emissoras públicas nos estados. “Precisamos que a comunicação pública seja percebida pela sociedade como um direito e manter um compromisso com aprofundamento desse modelo de comunicação, que é um projeto em construção, e que começou a engatinhar nos últimos anos e vem sofrendo ataque nos últimos meses. Comunicação pública não é apenas um tema, é um fundamento”, reforçou.

Bia Barbosa, que tem acompanhado a pauta nacional, informou que uma agenda conservadora tem sido aprovada a “toque de caixa” no Congresso Nacional. “Essa agenda é o preço do golpe que está sendo pago pela população aos grandes meios de comunicação e de telecomunicações do país que ajudaram a consolidar o impeachment”, afirmou.
Barbosa destaca dois temas principais nessa linha: O projeto de lei que altera a lei geral das telecomunicações (LGT), que entrega cerca de 100 bilhões em infra-estrutura pública para as operadoras de telecom sem contrapartida das empresas. E a possível limitação do acesso à internet fixa, anunciada pelo ministro das comunicações, Gilberto Kassab, na semana passada. “Sabemos o impacto que essas duas medidas podem ter, no caso da limitação de dados ela amplia a exclusão digital, isso quando sabemos que metade da população ainda não tem acesso. A medida também limitar o acesso de quem usa a internet como ferramenta de mobilização e organização política no nosso país”, frisou.

Outra questão levantada por ela são as violações de direitos e principalmente de liberdade de expressão que vem acontecendo no Brasil nos últimos meses. Bia apresentou a Campanha “Calar Jamais!” e convidou as entidades a se somarem e fortalecer a campanha que visa denunciar as violações de direitos à liberdade de expressão no país.

Conheça a Campanha “Calar Jamais!”

A liberdade de expressão é um direito fundamental, base de toda sociedade democrática. Não à toa, em tempos de avanço do conservadorismo e de ruptura democrática em nosso país, as violações à liberdade de expressão têm se intensificado. Da repressão aos protestos de rua à censura privada ou judicial a conteúdo nas redes sociais, passando pela violência contra comunicadores, pelo desmonte da comunicação pública e pelo cerceamento de vozes dissonantes dentro das redações, nossa diversidade de ideias, opiniões e pensamentos tem sido sistematicamente calada.

Para chamar a atenção da sociedade para a seriedade de tais violações, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, em parceria com diversas organizações da sociedade civil, lança a campanha “Calar jamais!”. A plataforma recebe denúncias de violações que ocorrem em todo o país.

3º Encontro Nacional de Comunicação

O FNDC está organizando o 3º Encontro Nacional de Direito à Comunicação que deve acontecer entre os dias 5 a 7 de Maio em Brasília. “Será o momento de mobilização de exercício do direito à liberdade de expressão, quando iremos estruturar uma agenda de luta mais aprofundada em torno da comunicação”, destacou convidando a todos para o evento.

A plenária de comunicação ainda solicitou que o conselho internacional do Fórum Social Mundial entenda a comunicação como uma agenda estratégica dos movimentos e garanta infraestrutura para que esse espaços funcione. “Para que mídia livristas, comunicadores, ativistas e militantes da comunicação que venham participar do FSM tenham como fazer o seu trabalho e que o que é produzido saia daqui para o mundo. Nós falamos sobre isso há 15 anos que é importante construir uma rede internacional de comunicação contra-hegemônica e entendemos que o espaço do Fórum Social Mundial pode ser o embrião para o nascimento dessa rede”, desabafou Barbosa.

Os pontos levantados pela plenária de comunicação serão discutidos junto com os outros temas e será elaborado um relatório das causas e a agenda de lutas propostas pelo Fórum das Resistências, que será apresentado no dia 21, no encerramento do evento.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Fundação Piratini retoma trabalhos na TVE e FM Cultura com mudanças na programação

Após a decisão judicial que determinou que a Fundação Cultural Pircom os respectivos sindicatos seja concluída, conforme divulgou a Justiça do Trabalho na quinta-feira da semana passada, a direção da Fundação anunciou que TVE e FM Cultura retornariam à programação local.

Os funcionários das emissoras estavam afastados desde o dia 26 de dezembro, após a aprovação da extinção da Fundação Piratini pela Assembleia Legislativa. Durante esse período a grade estava sendo ocupada pela reprodução de programas de arquivo e retransmissão das redes TV Brasil e TV Cultura.

Logo no retorno da programação local da FM Cultura, na terça-feira, dia 03, ao meio-dia, a locutora do programa “Cultura na Mesa”, Lena Kurtz, leu uma nota explicando os motivos pelos quais a programação própria estava fora do ar e que os funcionários da Fundação voltaram ao trabalho em razão de liminar obtida na Justiça. “Os trabalhadores da comunicação pública do Rio Grande do Sul agradecem o apoio de ouvintes e telespectadores durante todo o processo de discussão e votação do projeto no Parlamento e contam com a continuidade da mobilização para preservação das emissoras”, diz a nota lida no ar.

Na quarta, 04, foi a vez da TVE retomar a sua produção. Porém, ao invés de 30 minutos, o jornal passou a ter só 15 minutos, como foi anunciado pela direção da Fundação que gere tanto a FM Cultura quanto a TVE.

O segundo jornal local da TVE, que roda à noite, também terá a mesma redução. O horário do Segunda Edição será das 19h às 19h15min. Os funcionários, assim como da FM Cultura, voltaram ao trabalho ontem. Mas, como a televisão demanda mais tempo para a produção de conteúdo, retornou um dia depois.

De acordo com a jornalista Marta Kroth, não haverá mais operações de jornalistas no turno da noite ou em plantões de fim de semana. Ela classifica o clima geral como otimista durante esta “volta de resistência” do jornalistas, garantindo que há confiança na justiça em defesa das instituições. “Nossa luta não é pela manutenção do emprego; ele é uma consequência da não extinção dos canais de comunicação”, afirmou em entrevista para o jornal SUL21.

Nesse momento, os principais prejudicados serão os programas apresentados por profissionais com contratos encerrados no dia 31 de dezembro de 2016, como o Radar, que não serão mais transmitidos ou passarão por um remanejo de profissionais. Outra grande mudança é a diminuição da duração dos telejornais, que passarão a ter apenas 15 minutos em cada uma de suas edições – garantindo apenas a cota de programação local exigida pelo Ministério das Comunicações.

A Fundação Piratini teve extinção aprovada pela Assembleia Legislativa gaúcha no último dia 21, a pedido do governador José Ivo Sartori, que ainda precisa sancionar a medida para ter validade. Cinco dias após a extinção, a Justiça do Trabalho determinou que a Fundação Piratini suspenda qualquer demissão antes de abrir negociações coletivas junto a trabalhadores da TVE e da FM Cultura. A decisão foi referendada pelo Tribunal Regional do Trabalho. A legislação aprovada na Assembleia sobre a extinção das fundações permite que o governo demita todos os servidores da Piratini que não tenham estabilidade. A ação promovida pelo Sindicatos dos Radialistas e dos Jornalistas do Estado do Rio Grande do Sul (Sindjors) garantiu uma esperança de dialogo para tentar garantir o futuro da comunicação pública. Caso a ordem não seja cumprida, a organização é penalizada com multa diária de R$ 10 mil por servidor dispensado.

Na terça, 03, o procurador-geral do Estado, Euzébio Ruschel, em entrevista à Rádio Gaúcha, afirmou que o Estado não pretende recorrer da decisão e que grupos de trabalho devem ser criados, a partir da sanção da lei, para tratar do tema das demissões dos servidores das fundações.

Proposta fere a Constituição Federal

A proposta de extinção da empresa pública fere a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 223, que diz: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. A extinção da fundação cria um desequilíbrio aos sistemas de comunicação e deixa um vazio para as manifestações culturais no estado, que estavam fortemente representadas nos espaços oferecidos pela TVE e FM Cultura.

Os defensores da radiodifusão pública admitem que o papel que essas emissoras cumprem, em complementariedade aos sistemas privados e estatais, conforme estabelece a Constituição, ainda não são muito claros para a sociedade em geral. O jornalista Luciano Alfonso, funcionário da TVE há 28 anos, ressalta que a comunicação pública tem um ”papel voltado para a sociedade e que abraça causas que a TV privada não abraça, pois não é feita pra ganhar lucro”.

Governo fala em crise mais gasta muito com publicidade

Alexandre Leboutte, funcionário da TVE, contesta a suposta economia gerada. Ele apresenta dados do Portal da Transparência para mostrar que, até novembro, a Fundação Piratini havia gasto R$ 23,5 milhões, de um orçamento anual previsto de R$ 34,1 milhões. Leboutte afirma que, se o governo diminuísse o número de cargos de confiança (CCs) e o investimento em publicidade, já garantiria a manutenção dos funcionários de carreira das fundações. Citando editais de publicidade para 2016, o servidor chama atenção para o volume de recursos disponibilizados pelo Poder Executivo em propaganda, que chegam a R$ 80,6 milhões.

Destes recursos, R$ 3,5 milhões foram aplicados pelo governo em uma campanha publicitária somente para informar sobre a tal crise financeira do estado. Boa parte deste dinheiro foi para emissoras de rádio e TV privadas. Enquanto o governo repassava mais de R$ 80 milhões para publicidade a qualificação dos sinais de cobertura da TVE e da FM Cultura recebeu apenas R$ 156.760,92, enquanto a qualificação dos recursos humanos na administração contou com R$ 10.350,52.

Ainda segundo o portal Transparência, somadas as áreas de qualificação de assentamentos, dos sinais de cobertura da TVE e FM Cultura e de recursos humanos, elas receberam juntas R$ 539.911,00, menos do que o jornal Zero Hora que recebeu R$ 583.185,21 entre janeiro e novembro de 2016, enquanto o Correio do Povo ficou com R$ 222.655,28 no mesmo período.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Governo do Rio Grande do Sul fere a Constituição e extingue a Fundação Cultural Piratini

A base do governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori, na Assembleia Legislativa aprovou na madrugada de hoje, 21, o Projeto de Lei 246/2016, que propõe a extinção de seis fundações públicas, entre elas a Fundação Piratini (TVE/FM Cultura), após quase 12 horas de discussão. A aprovação ocorreu por 30 votos a favor e 23 contrários.

A Assembleia Legislativa foi cercada por policiais, que restringiram a entrada e impediram que os servidores acompanhassem de perto a votação de medidas que afetam diretamente suas vidas. O dia foi marcado pela tensão dentro e fora do prédio, localizado em frente à Praça da Matriz. Ali, houve confrontos entre a Brigada Militar e os trabalhadores. O Movimento dos Servidores da TVE e FM Cultura recebeu apoio de ouvintes, telespectadores, acadêmicos, jornalistas e da classe artística.

A proposta de extinção da empresa pública fere a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 223, que diz: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. A extinção da fundação cria um desequilíbrio aos sistemas de comunicação e deixa um vazio para as manifestações culturais no estado, que estavam fortemente representadas nos espaços oferecidos pela TVE e FM Cultura.

Os defensores da radiodifusão pública admitem que o papel que essas emissoras cumprem, em complementariedade aos sistemas privados e estatais, conforme estabelece a Constituição, ainda não são muito claros para a sociedade em geral. O jornalista Luciano Alfonso, funcionário da TVE há 28 anos, ressalta que a comunicação pública tem um ”papel voltado para a sociedade e que abraça causas que a TV privada não abraça, pois não é feita pra ganhar lucro”.

Trabalhadores da Fundação Piratini mantiveram-se mobilizados em defesa da manutenção da comunicação pública no estado. Desde a semana passada, decidiram por fazer uma greve e acordaram com a direção da fundação a manutenção de uma escala mínima do setor de operações para manter o sinal das emissoras de televisão e rádio no ar.

Segundo informações de funcionários, um acordo entre a presidente da Fundação Piratini, Isara Marques, e os delegados sindicais indicou que os programas de jornalismo nas emissoras seriam suspensos e que na rádio se manteriam no ar apenas os programas que não dependem de funcionários concursados, pois são apresentados por funcionários terceirizados. Na TV, o acordo previa a entrada direto do sinal da TV Assembleia durante as sessões de votação do pacote do governo do estado.

Esse acordo vigorou té o final da tarde desta terça, dia 20, quando os cargos comissionados que estavam dentro da fundação pediram a todos os funcionários terceirizados que deixassem a fundação. Na mesma noite, os delegados sindicais foram atê a sede da fundação e souberam pelo pessoal da segurança que a ordem era não deixar ninguém entrar. Desde a nova orientação por parte da direção da fundação, formada pelos ocupantes de cargos comissionados, a TVE está retransmitindo a programação da TV Cultura e da TV Brasil, enquanto a FM Cultura está tocando listas musicais pré-programadas.

Falsa Economia

Eleito sem apresentar propostas durante a campanha e com a manutenção do slogan (apartidário) ”meu partido é o Rio Grande”, o governador Sartori está propondo um desmonte do estado em áreas como pesquisa, cultura, comunicação, tecnologia e meio ambiente. Em um pronunciamento em novembro, quando anunciou o pacote encaminhado agora à Assembleia, ele justificou que o estado estava em crise financeira e não tinha recursos para investir em saúde, educação e segurança. A solução encontrada pelo governo está na demissão de cerca de 1.200 funcionários de fundações e autarquias e no desmantelamento da estrutura dos órgãos. O pacote ainda prevê a privatização de companhias como as de energia elétrica, mineração e gás, entre outras medidas.

Alexandre Leboutte, funcionário da TVE, contesta a suposta economia gerada. Ele apresenta dados do Portal da Transparência para mostrar que, até novembro, a Fundação Piratini havia gasto R$ 23,5 milhões, de um orçamento anual previsto de R$ 34,1 milhões. Leboutte afirma que, se o governo diminuísse o número de cargos de confiança (CCs) e o investimento em publicidade, já garantiria a manutenção dos funcionários de carreira das fundações. Citando editais de publicidade para 2016, o servidor chama atenção para o volume de recursos disponibilizados pelo Poder Executivo em propaganda, que chegam a R$ 80,6 milhões.

Destes recursos, R$ 3,5 milhões foram aplicados pelo governo em uma campanha publicitária somente para informar sobre a tal crise financeira do estado. Boa parte deste dinheiro foi para emissoras de rádio e TV privadas. Estes dados fazem parte de um dossiê elaborado pelo movimento de preservação das fundações, e que foi usado como argumento numa tentativa de diálogo com os deputados que iriam votar o pacote. Infelizmente, não produziu os efeitos esperados.

Enquanto o governo repassava mais de R$ 80 milhões para publicidade, políticas públicas como a qualificação de assentamentos agrários recebiam apenas R$ 372.801,60 dos cofres públicos em 2016. Já a qualificação dos sinais de cobertura da TVE e da FM Cultura recebeu modestos R$ 156.760,92, enquanto a qualificação dos recursos humanos na administração contou com míseros R$ 10.350,52.

Ainda segundo o portal Transparência, somadas as áreas de qualificação de assentamentos, dos sinais de cobertura da TVE e FM Cultura e de recursos humanos, elas receberam juntas R$ 539.911,00, menos do que o jornal Zero Hora abocanhou dos cofres públicos. O jornal ZH recebeu R$ 583.185,21 entre janeiro e novembro de 2016, enquanto o Correio do Povo ficou com R$ 222.655,28 no mesmo período.

Apoio à comunicação pública

Desde a divulgação do projeto de extinção da Fundação Piratini, vários atores culturais e agentes da comunicação criticaram a proposta e se manifestaram em defesa da comunicação pública gaúcha. “A extinção da TVE e da FM Cultura deixará um vazio na cultura do Rio Grande do Sul”, disse a jornalista e professora universitária Christa Berger. Para ela, ao incluir a Fundação Piratini entre as fundações que não são prioridade para o governo, o governador Sartori explicita uma visão de mundo mercantilista e avessa à cultura. Para Christa, interromper uma programação já consolidada “silencia as vozes de várias pessoas que não têm espaço nas emissoras comerciais”.

A jornalista da TVE Angélica Coronel, agraciada com o segundo lugar e a menção honrosa na categoria Telejornalismo Reportagem Geral na 58ª edição do Prêmio ARI/Banrisul de Jornalismo, no último dia 19, criticou a atuação de parte da imprensa gaúcha que não exerceu sua função social ao ignorar os argumentos dos funcionários da empresa. “Enquanto estamos aqui, o futuro da fundação está sendo decidido do outro lado da praça. Nós temos que lembrar as aulas que tivemos ainda no primeiro semestre de Jornalismo, ‘ouçam os dois lados da história’. Foram poucos os veículos que sequer ouviram o nosso lado”, reforçou ela. Angélica chamou a atitude do governo de vergonhosa, por não reconhecer a importância da comunicação pública. “A comunicação pública tem que coexistir com a privada e a estatal. Isso é a Constituição que diz. Não nos dê preço, nos dê valor”, afirmou.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão do Rio Grande do Sul protocolaram uma representação no Ministério Público do Trabalho (MPT) na segunda-feira, 19, contra as demissões dos servidores da Fundação Piratini. O documento ressalta que os funcionários foram admitidos em concurso e as contratações estão submetidas aos princípios da administração pública, embora a Secretaria de Comunicação do Estado (Secom-RS) confirme que, mesmo concursados, os servidores foram contratados com regime de CLT e, caso a extinção da entidade seja aprovada, mais de 200 pessoas deixarão seus cargos.

O texto pontua que as demissões foram decididas e anunciadas de forma unilateral, sem negociação coletiva. “Não há como se admitir tal conduta. Há, claramente, um procedimento soberbo, violador da cidadania, da dignidade humana, da proteção ao emprego e do papel social da propriedade. Em verdade, a postura viola gravemente os princípios e direitos fundamentais inscritos na Constituição da República”, destaca a representação.

O Sindicato defende, ainda, que, ao não representar medida administrativa que tenha potencial para resolver os problemas financeiros do Estado, a extinção da fundação fere o princípio da razoabilidade da Carta Magna. “A extinção de um órgão de comunicação social de natureza claramente pública imporá enormes restrições, rejeitadas por nossa ordem constitucional, à liberdade de manifestação e à integridade cultural da comunidade do Estado”. Por meio da representação, as entidades solicitam que sejam tomadas providências e seja feita audiência entre os sindicatos requerentes e o governo do Estado.

Outra entidade que se posicionou contrária à extinção da fundação foi Associação Riograndense de Imprensa – ARI que divulgou a nota: Em defesa da TVE e da FM Cultura

assinada por ex-presidentes da Fundação Piratini, que presidiram em situações conjunturais diversas. Somadas, suas gestões abarcam cerca de 18 anos, no período compreendido entre 1973 e 2014.

A jornalista e funcionária da TVE, Cristina Charão, reforça que o governo deu sinais truncados sobre qual será o destino dado a TVE e FM Cultura.  “O secretário de comunicação Clóvis Bevenhu dava declarações que as duas emissoras seguiriam sobre gestão da secretaria de comunicação funcionando, mas não explicava como, nem porquê. Já que a concessão pública é da fundação e não do governo do estado”, questiona.

Ela ainda ressalta a entrevista dada pelo vice-governador, que é apontado como o articulador das propostas de desmonte do estado com os setores empresariais,  afirmando que “não é função do Estado manter TV e rádio”. Charão ainda relembra que o processo de digitalização do sinal das emissoras foi interrompido no primeiro dia do governo Sartori. “A gente não tem transmissão ainda em sinal digital porque as únicas coisas que faltavam era um transmissor de Porto Alegre funcionando plenamente e as retransmissoras do interior que custa muito pouco para o governo, mas eles não quiseram dar seguimento”.

Para ela o governo nunca teve nenhum plano para comunicação pública e nem mesmo para comunicação estatal, essa posição dificultou a construção de diálogo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Legislação deve proteger dados pessoais, reivindicam entidades

Excesso de informações para adesão a serviços e acesso a arquivos sem relação com a finalidade dos dispositivos contratados são alguns dos problemas constatados

Representantes de entidades da sociedade civil consideram que o Projeto de Lei 5276/2016, do Poder Executivo, possui uma melhor definição para proteção de dados pessoais do que o Projeto de Lei (PL) 4060/2012. O primeiro é resultado de um amplo debate público promovido de forma on-line pelo Ministério da Justiça, que teve duração de quase seis meses e recebeu mais de 1.100 contribuições. Ambos os projetos tramitam de forma apensada na Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais da Câmara dos Deputados.

Segundo Bruno Bioni, do grupo de pesquisa em políticas públicas de acesso à informação da Universidade de São Paulo (Gpopai/USP), a definição apresentada no PL 4060/2012 é reducionista, pois só considera como informação pessoal os dados exatos e únicos sobre a pessoa. “É preciso entender que fragmentos de dados agregados também podem identificar uma pessoa. Essa é uma definição expansionista que é utilizada por conselhos em todo o mundo com uma preocupação real de defender os dados pessoais do cidadão”, afirma.

O pesquisador cita o artigo 13 do PL 5276/2016 como imprescindível na definição de dados anônimos que devem ser protegidos. “Pedaços de informações que, quando unificados, passam a ter rosto e endereço não podem ser ignorados na proteção de dados. Esse é um conceito de segurança jurídica aliado à inovação”, frisa Bruno.

Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entende que a proteção dos dados pessoais é fundamental e que o Brasil carece desse debate. “Existe uma mercantilização brutal do uso de dados. Precisamos passar por um processo educativo. A legislação precisa reequilibrar a relação entre mercado e usuário. A maior parte da população nem sabe que seus dados são coletados”, destaca. Bia, Bruno e outros representantes de entidades da sociedade civil participaram no dia 14 de uma audiência pública de debate sobre os projetos em tramitação.

A coordenadora lembra que a legislação da maioria dos países europeus traz elementos que favorecem aos usuários tomarem conhecimento de quais dados estão sendo compartilhados. “Essas legislações trabalham para garantir ao cidadão esse entendimento e, assim, assegurar o consentimento livre, informado, inequívoco e expresso” deste usuário sobre o compartilhamento de informações a seu respeito.

Acesso desnecessário a dados dos usuários
Bia Barbosa critica as táticas usadas por algumas empresas para colher dados dos usuários, citando como exemplo os aplicativos que pedem acesso a vários arquivos de dispositivos móveis (celulares, tablets, etc) que não são necessários para suas funcionalidades. Ela defende que o titular seja informado sobre a coleta e o uso que será feito dos dados. Também enfatiza que o usuário deve ter poder de decisão quanto à eliminação dos dados no momento da rescisão do contrato.

A coordenadora do Intervozes destaca que a inclusão de alguns termos deve ser assegurada na legislação, entre os quais:
– o entendimento de que as atividades contratadas têm boa fé;
– o princípio da finalidade (os dados recolhidos devem ter uma função específica declarada para a realização do serviço);
– a granulação de acesso aos dados, de forma que haja níveis de permissão na utilização de um serviço e o usuário possa decidir se quer ou não permitir acesso em alguma pasta de seu aparelho;
– a garantia de que as aplicações trabalharão com uma coleta mínima de dados;
– a possibilidade do titular dos dados se opor, retificar, corrigir e revogar as informações;
– a destruição dos dados a partir da decisão do usuário de rescindir o contrato.

Agente regulador independente X autorregulação
Para Rafael Zanatta, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o PL 4060/2012 desmonta tudo o que se avançou na proteção de dados nos últimos anos. Ainda assim, ele acredita que é possível dialogar com empresários para definir uma melhor solução para o consumidor.

“Temos alinhamento e acordo em algumas questões, como a regulação por uma autoridade independente, que irá garantir a segurança jurídica, expertise técnica e implementação das políticas públicas, mas divergimos no que se trata ao conceito limitado de dados pessoais e dados sensíveis. Também divergimos sobre a falta de responsabilização das empresas sobre lesões, fraudes, etc., como defendem estas empresas”, ressalta Rafael.

Ainda sobre o agente regulador, as entidades que estiveram presentes na audiência pública defendem que o mesmo seja criado a partir do Estado, pois a autorregulação – que é defendida pelos empresários – só regula o setor privado. E o setor público também faz uso da coleta de dados. Para as entidades, essa autoridade deve ser independente para garantir a privacidade e segurança dos dados pessoais.

Os representantes da sociedade civil reforçam que o projeto de lei de proteção de dados que está em discussão na comissão especial da Câmara dos Deputados não pode excluir a responsabilidade das empresas que recolhem os dados, quando houver um vazamento de informação por uma terceira parte. Na forma como se encontra, o PL 4060/2012 fere o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e jurisprudências já firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação