PLC que altera a LGT é enviado para sanção sem debate no Senado, mas volta por “inexatidão material”

Renan Calheiros enviou para sanção presidencial o PLC 79/16, que altera lei das telecomunicações a revelia do regimento da Casa e de orientação anterior do Supremo

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), enviou à sanção presidencial o Projeto de Lei 79/2016, que altera a Lei Geral das Telecomunicações, na terça-feira, dia 31, – seu último ato na presidência do Senado. Entidades de defesa da comunicação, e ativistas pela internet livre denunciaram aos senadores que a medida é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira.

Senadores de oposição ao projeto acusaram o ato de Calheiros como uma afronta às normas regimentais da Casa e questionaram a decisão através de medida cautelar incidental.

O projeto prevê que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje sob o regime de concessão, seja modificada para oregime de autorização e entrega para empresas privadas um patrimônio público avaliado pelo Tribunal de Contas da União em mais de 100 bilhões.

Entenda o caso
A nova legislação modificaria as regras do setor, permitindo a migração de concessões de telefonia fixa para regime de autorização, transformando bens reversíveis em “investimentos” e concedendo espectro perpétuo. Segundo a Agência Nacional das telecomunicações (Anatel), as licenças poderão ser renovadas indefinidamente, de espectro para redes móveis e satelitais.

A proposta de alteração da lei foi votada de maneira terminativa (sem necessidade de passar pelo plenário) em 6 de dezembro de 2016 na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional. A oposição apresentou recursos contra a tramitação acelerada e sem o amplo debate que seria necessário para o tema.

Senadores de oposição ao projeto ingressaram então com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar a tramitação do projeto. A ação havia sido delegada ao ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em 19 de janeiro. Agora, aguarda a indicação do novo relator.

De plantão durante o recesso Judiciário, a presidente do STF, Cármen Lúcia, não acatou o pedido de urgência paraanalisar o tema, pois recebeu a informação de Calheiros de que não havia nenhuma posição sobre o projeto e que ele não seria enviado antes do recesso parlamentar. Naquele momento a magistrada entendeu não existir motivos para uma decisão cautelar visto a posição do Senado.
Os senadores contrários às mudanças na lei foram pegos de surpresa, pois havia um acordo de discutir o projeto após a eleição do novo presidente da Casa, porém em uma medida unilateral e provavelmente pressionado por agentes externos, Renan deu seguimento no projeto na noite do último dia como presidente do senado.

Para a senadora Vanessa Grazziotin existem dois problemas sérios nesse processo, o primeiro é a falta de ética ao descumprir acordo estabelecido entre os senadores para que o projeto fosse debatido em plenário e o segundo odesrespeito a uma orientação do Supremo Tribunal Federal. “No despacho da presidente do STF, feito depois de ter recebido os recursos, é importante destacar um trecho  ‘o eventual encaminhamento do projeto antes do término do recesso parlamentar configura na forma e com conteúdo exposto nas informações prestadas fraude contra a jurisdição passível de punição’, dia 31 ainda estávamos em recesso parlamentar o que contraria a orientação do Supremo”, declara Grazziotin.

Mobilização da sociedade
Nesta quarta, dia 01, ativistas de direitos na internet reunidos pela Coalizão Direitos na Rede estiveram mobilizados no Congresso Nacional para defender os direitos dos usuários e cobrar de deputados e  senadores a defesa dos direitos dos cidadãos e solicitar medidas que pudessem reverter a situação.
Para Bia Barbosa, secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, e integrante da Coalizão Direitos na Rede, esse é um caso de lesa-pátria. “A rede que está sendo entregue para essas operadoras é a mesma rede que passa toda estrutura de internet banda larga no Brasil, além de toda estrutura física que formam um patrimônio de mais de 100 bilhões que é do povo brasileiro”.

Ela questiona a forma acelerada que o projeto passou pela Câmara dos Deputados e também pelo Senado, e neste último o fato do presidente do então presidente da Casa, Renan Calheiros, de ignorar o recurso da liderança da minoria que deveria ser acatado automaticamente por ter o número mínimo de assinaturas exigidas pelo regimento. “Durante todo o processo foram descumprido os prazos regimentais, inclusive os que assegurariam que os parlamentares apresentassem emendas ao projeto”, destaca.
A Coalizão defende que o dinheiro pago em impostos pela população brasileira seja usado para a melhoria das condições de vida do povo e não para “socorrer empresas mal geridas e que, sistematicamente, desrespeita, os direitos dos consumidores”.

“É incrível que no contexto de crise do qual estamos passando o governo decida por entregar todo esse patrimônio para as empresas privadas, sem que haja nenhum retorno ao povo brasileiro. Cortam na saúde, na educação, na previdência, mas não cortam nos privilégios dos empresários”, afirma Bia.

Melhorias na Banda Larga, mas não para todos

Além do problema da entrega dos bens reversíveis da União existe outro que preocupa ainda mais os ativistas por uma internet livre e de qualidade. A possível precarização dos serviços em localidades mais distantes e sem atrativos econômicos para investimento do setor de telecom.

O projeto não estabelece nenhuma obrigação para que haja investimento na universalização dos serviços de banda larga. A mudança de regime de concessão para autorização acabará acarretando menos direitos aos consumidores, com um custo mais alto nos serviços.

Em julho do ano passado, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) se posicionou a respeito da mudança na lei, ressalvando que, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – ou seja, disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter tarifas dentro dos critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar, o que resultaria em significativa perda de qualidade do serviçode telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacou à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O Idec defendeu no estudo uma ampla revisão da Lei Geral de Telecomunicações, a fim de garantir a expansão dos serviços prestados e o respeito aos direitos dos usuários e usuárias, e não mudanças pontuais na legislação que objetivam apenas beneficiar as empresas concessionárias.
 
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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