Acordo garante aprovação do Marco Civil da Internet na Câmara

Após quase três anos de tramitação na Câmara, finalmente foi aprovado na noite desta terça-feira (25/3) o texto do Marco Civil da Internet. O projeto de lei foi construído de forma colaborativa, por meio de consulta pública, e a redação final é considerada pela sociedade civil em boa medida fiel àquilo que foi discutido durante o processo de elaboração. A matéria encontrava-se estacionada por força de pressões políticas e econômicas, trancando a pauta já havia quase cinco meses.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha, defensor do interesse das empresas multinacionais de telecomunicação no Congresso, conseguiu mobilizar a oposição e parte da base aliada nos últimos meses para arrancar uma negociação com o governo. Especula-se nos bastidores que a aprovação por quase unanimidade (só o PPS votou contra) pode ter saído após um acordo entre os líderes das bancadas que passa pelo interesse em destrancar a pauta, por modificações pontuais no texto, pela oferta de alguns cargos e pelo apoio à aprovação de algumas matérias, como a da Medida Provisória 627/2013, que versa sobre tributação (como a entrada de multinacionais e bancos no Programa de Restituição Fiscal – Refis) e tem como relator o líder do “motim” pemedebista.

O projeto que segue agora para o Senado se mantém em regime de urgência constitucional e, caso não seja votado em até 45 dias, passa a trancar a pauta da Casa. Se for aprovado sem alterações, será enviado diretamente para a sanção da presidenta. Na ocorrência de modificações, volta para a Câmara, que irá apreciar as alterações.

Mudanças

Na apresentação do acordo feito entre as lideranças, o relator do projeto de lei, Alessandro Molon (PT-RJ), explicou as últimas modificações textuais que justificaram o entendimento entre as bancadas. Assegurou em sua fala que a neutralidade de rede seria mantida.

A obrigatoriedade de que as empresas estrangeiras mantivessem centros de armazenamento de dados no Brasil foi retirada, sob a justificativa de que acarretaria custos e afugentaria investimentos. Em contrapartida foi incluída a redação que afirma que para a proteção de dados de brasileiros será aplicada a legislação brasileira, “independente de onde os dados estejam armazenados”.

A regulamentação da neutralidade da rede, conforme o texto proposto pelo Ministério da Justiça, ficou à cargo da Presidência da República, que deve dispor do assessoramento do Comitê Gestor da Internet e da Agência Nacional da Telecomunicações. As medidas devem se restringir a requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações e dar prioridade a serviços de emergência.

Além disso, foram acrescentados dispositivos contra o chamado “pornô de vingança” (divulgação de conteúdo sexual sem autorização do participante), classificado como violação da intimidade, e em defesa do controle do conteúdo acessado por crianças e adolescentes por seus pais.

Balanço

Para Luiz Moncau , pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS/FGV), o saldo das disputas em torno do projeto de lei do Marco Civil da Internet é bastante positivo. “Certamente não é o texto que a sociedade civil elaboraria e aprovaria para ser entregue como um projeto de lei, mas por ter passado por um Congresso conservador e resultado no que resultou, está muito bom”, afirma.

A advogada do Instituo de Defesa do Consumidor (Idec), Veridiana Alimonti considera que a versão aprovada pela Câmara garante em boa medida a proteção dos três princípios fundamentais do Marco Civil da Internet. Ela destaca, porém, que, em relação à privacidade, o estabelecido em relação ao armazenamento e tratamento dos registros de acesso a aplicações (redes sociais, email, sites de busca etc.) “não está a altura da proteção que se dá a outros princípios (neutralidade de rede e liberdade de expressão)”.

O tratamento escolhido para o armazenamento dos registros de acesso poderia inclusive ser um obstáculo para a promoção de iniciativas que possuem posturas mais radicais em relação à defesa da privacidade quanto ao uso das informações pessoais produzidas pela navegação na rede. Segundo Alimonti, “obrigar a guarda de registro para provedores de aplicação em alguns casos pode inclusive ferir a filosofia de alguns grupos”.

O coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da USP, Pablo Ortellado, postou em seu perfil no Facebook sua preocupação com o fato de que  “as proteções trazidas pelo Marco Civil não vão impedir que o Estado tenha acesso a dados cadastrais, seja de provedores de conexão, seja de provedores de serviço”.

As empresas de telecomunicação, por meio do seu sindicato, se declaram também satisfeitas com o resultado da votação do Marco Civil. “O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) recebeu de forma positiva a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei do Marco Civil da Internet”, afirmou em nota.

Entre os descontentes, ficou o deputado Eduardo Cunha. " Minha concepção pessoal é que seria melhor não ter regulamento para a internet. Mas o PMDB vai acompanhar os demais partidos e votar a favor do Marco Civil com essas modificações feitas pelo relator", afirmou, pouco antes da votação.

Artistas defendem aprovação do Marco Civil da Internet

Artistas, pensadores e o criador da Web participam nesta semana de uma campanha na qual declaram o seu apoio ao Marco Civil da Internet. Personalidades como o ator Wagner Moura, o cantor Gilberto Gil, o filósofo Pierre Levy, o empreendedor Tim Berners-Lee, entre outros, pedem a aprovação da lei no Brasil que defende princípios fundamentais como a neutralidade de rede, a privacidade e a liberdade.

“O Marco Civil está do nosso lado e existe pra nos proteger”, diz o ator Gregório Duvivier, integrante do grupo Porta dos Fundos. “O Brasil está na vanguarda. O Marco Civil da Internet é muito bom e o melhor é que ele foi feito de forma colaborativa”, defende o filósofo francês Pierre Lévy.

Com pouco mais de 18 anos no Brasil, a internet até hoje não tem qualquer regulamentação. O uso das informações de acesso à web, dados pessoais coletados em redes sociais e em outros sites, é feito livremente por empresas, sem qualquer penalidade ou garantia de privacidade.

Computadores, tablets, smartphones e eletrodomésticos, como a televisão e até mesmo a geladeira, conectam as pessoas à rede mundial de computadores, onde elas trocam informações, fazem compras, assistem a vídeos, filmes e entram em contato com outros internautas.
Preocupado com a falta de regulação desse novo ambiente, o governo propôs ao Legislativo a aprovação do Marco Civil da Internet. A expectativa é que a proposta seja aprovada nesta semana pela Câmara e depois encaminhada à apreciação do Senado.

Entre os principais pontos da proposta estão: a garantia do direito à privacidade dos usuários, especialmente à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela internet; os provedores não poderão fornecer a terceiros as informações de acesso a usuários, a não ser que haja consentimento do internauta; os registros constantes de sites de buscas, os e-mails, entre outros dados, só poderão ser armazenados por seis meses.

Também consta do projeto o princípio da neutralidade de rede, que impede discriminações de tráfego em função do conteúdo que transita na internet. Ou seja, os provedores de conexão não poderão tratar de forma diferente os conteúdos acessados ou enviados. O texto garante ainda a possibilidade de os provedores venderem planos com velocidades de acesso diferentes, como já é feito.

Outro ponto do projeto é o que isenta os provedores de conexão à internet de serem responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros. Isso só ocorrerá se, após ordem judicial específica, o provedor não tomar as providências para retirar o conteúdo da rede.

A campanha pode ser vista na página do Intervozes no Facebook.

*Com informações da Agência Brasil – EBC

Internet patrocinada: o começo do fim

Por Pedro Ekman*

Na semana passada, um pequeno fato foi noticiado pela imprensa especializada em tecnologia. Pela primeira vez no Brasil, uma empresa vai pagar para que um usuário acesse determinado conteúdo. O Bradesco fechou um acordo com as operadoras de telecomunicações para que seus clientes possam usar o internet banking (no browser ou aplicativos) sem que o volume de dados consumido nas operações seja descontados dos pacotes de dados. Parece lindo, né? Mas o preço que se paga é o fim da internet como conhecemos hoje, aberta e plural.

Em janeiro, a AT&T já havia anunciado que passaria a trabalhar com esse modelo de negócio, o chamado acesso patrocinado. A partir daí, começou uma grande discussão sobre a possibilidade de a liberação de um conteúdo ser entendida como quebra de neutralidade da rede. A discussão se deu publicamente, mas apenas em sites especializados. A TheVerve, por exemplo, foi assertiva: disse que agora começa a era do controle das operadoras sobre a internet. O argumento faz algum sentido.

Vamos voltar no tempo, quando, em 2005, o YouTube foi criado por três pioneiros do PayPal. Nessa mesma época, a Google havia criado seu próprio serviço de vídeo. Na competição pelos usuários, venceu o YouTube, a invenção do ano, vendida para o Google em 2006. Agora, vamos imaginar que o acesso patrocinado já existisse. Daí então, o Google, com maior poder econômico, poderia pagar para que os usuários acessassem seu serviço e ganharia apenas com os anúncios. Neste cenário, a competição não se daria nos parâmetros “o que fizer maior sucesso com o consumidor”, mas sim de acordo com o maior poder econômico: Pay to play, como os americanos estão chamando. O mesmo pode ocorrer agora se e quando surgir uma nova rede social para concorrer com o Facebook. Ela terá que desbancar uma aplicação que permite o acesso sem desconto no pacote, já que, no Brasil, a Claro, a Oi e o Facebook mantêm um acordo de ‘acesso patrocinado’.

O acesso patrocinado basicamente cria uma nova barreira ao acesso à internet como meio de veiculação. O capitalismo informacional derrubou um conjunto de barreiras à replicação dos produtos, mas, para proteger os investimentos, esse processo pode estar sendo revertido e as barreiras de entrada reerguidas, conforme tem apontado análises do professor da Escola de Comunicação da UFRJ Dr. Marcos Dantas. Isso significa que o nível de inovação tende a cair, pois os empreendedores não precisarão apenas criar um aplicativo que valha a pena e que possa se tornar popular, precisarão garantir que uma concorrente de peso e que possa patrocinar o acesso não o faça.

Obviamente, dizer que a nova forma que as teles arrumaram de ganhar dinheiro, sugando um pouco as empresas que estão bem da vida como o Facebook, o Google e outras, não é algo que vai lhe trazer a simpatia das poderosas corporações. Mas esse debate pode ser ainda mais importante de ser travado por aqui. Este é um país onde ainda apenas 40% da população tem internet em casa. 20% desses acessos é feito via modem, conforme pesquisa do IPEA Sistema de Indicadores de Percepção Social dos Serviços de Telecomunicações 2014, um serviço tradicionalmente vendido com limitação de franquia de dados. Ainda, 38% dos domicílios brasileiros têm, ao menos, uma pessoa que acessa a internet pelo celular, serviço que também conta com limite de franquia. Ou seja, há muito mais apelo ao modelo de acesso patrocinado e muita gente pode passar a acessar apenas a internet sob o controle das corporações.

Por hora, apenas o Bradesco avançou neste sentido. Para as instituições financeiras, esse tipo de contrato com as teles faz sentido porque reduz custos com call center, agências e etc, uma vez que mais gente pode fazer as transações online sem apoio de um funcionário. Ou seja, compensa financeiramente. Mas as próprias operadoras já veem o modelo sendo replicado em outras áreas: lojas de e-commerce já se interessaram, por exemplo. Há rumores de que o Netflix negociaria um acordo com as operadoras para que ofereçam os streamings de vídeo com melhor qualidade.

A prática pode chegar até a imprensa. Um dos profissionais de uma grande operadora, que negociou o acordo com o Bradesco, afirma que vê muito potencial em um modelo de venda de assinatura de conteúdo já atrelado ao acesso. Na prática, seria a Folha de S. Paulo ou as Organizações Globo pagarem às teles para que os assinantes não precisem ter pacotes de dados. Há aí o potencial para a nova verticalização do modelo de negócio do jornalismo, que desde o surgimento da internet viu a concorrência com blogs e conteúdos independentes crescer rapidamente. O que a internet fez foi diminuir a barreira de entrada (não precisava mais de prensa, ou de sistema de complexos e caros sistemas de distribuição para divulgar um texto). Agora, isso pode mudar.

Para as teles, é o sonho realizado. Há anos elas reclamam que todo o lucro da internet ficava com as empresas que trabalham na camada de aplicações e que estava cada vez mais difícil continuar investindo na infraestrutura. Na verdade, muitas avançaram para a camada de conteúdo e tentam a sorte com o lançamento de redes sociais, serviços de mensagem instantânea Over-The-Top e até sistemas de segurança. Agora, os ânimos apaziguaram e empresas que atuam na camada de conteúdo e operadoras começam a se olhar com menos desconfiança. Todo mundo vai poder ficar com uma parte desse bolo de dinheiro criado com a internet.

Resta saber o que acontece com a diversidade de informação, com a inovação e o empreendedorismo. Alguns dizem que a porta está se fechando. Os Estados Unidos criaram as suas megacorporações da internet. A Europa conta com as remessas de lucros das teles, que dependem muito dos negócios na América Latina. Mas o governo brasileiro, assim como boa parte dos países da região, engatinha em uma política de estímulo ao desenvolvimento de aplicativos e de empresas de tecnologia. Em breve, ricos e pobres terão acesso à internet – o que é um belo slogan de campanha – resta saber a qual internet. O apartheid digital, antes disfarçado pelas promessas de democratização, é o começo do fim.

* Pedro Ekman é coordenador do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Seminário debate Mídia e Educação em Direitos Humanos

Redação – Intervozes

Nos próximos dias 4 e 5 de abril, o Intervozes realiza, em Brasília, o seminário "Mídia e Educação em Direitos Humanos". Fruto de uma parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o seminário terá como principal objetivo debater o papel dos meios de comunicação para a promoção e valorização dos direitos humanos e definir caminhos para o enfrentamento às violações de direitos praticadas pela mídia.

Serão discutidos temas como a realidade brasileira sob as perspectivas de órgãos públicos e de entidades da sociedade civil, experiências internacionais de combate e denúncia à violação de direitos nos meios de comunicação e as alternativas e possibilidades de mecanismos previstos na legislação brasileira. Também será lançado um guia sobre o assunto, voltado a jornalistas.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas clicando aqui .
Confira neste link a programação geral do evento , que acontece na Câmara dos Deputados.
Para saber mais sobre o projeto "Mídia e Educação em Direitos Humanos", clique aqui .

Brasil terá Observatório da Violência contra Comunicadores

O Brasil pode em breve ter um Observatório da Violência contra Comunicadores. A proposta foi apresentada no dia 11 de março pelo Grupo de Trabalho Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil, vinculado ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República.

A criação do observatório tem por objetivo monitorar casos de violência, de ameaça e a extensão dos programas de proteção a comunicadores vítimas de agressões pelo exercício de suas atividades. O órgão terá uma unidade de recebimento de denúncias, além de mecanismos de proteção aos comunicadores e acompanhamento das investigações, para assegurar punição aos criminosos.

A proposta do observatório é apenas uma dentre aquelas que estão contidas no relatório final apresentado pelo Grupo de Trabalho. O documento é produto de um esforço de um ano, no qual foram discutidas em audiências públicas e internamente formas de se combater a violência contra comunicadores.

O observatório será uma iniciativa que irá contar com a cooperação entre a Organização das Nações Unidas (ONU), o Ministério da Justiça e a SDH. Segundo membros do GT, o processo se encontra adiantado, tendo sido iniciado o envio dos ofícios e tratativas para a implementação do órgão.

Nos últimos oito anos, foram registrados 321 casos de violência contra comunicadores, dos quais 18 resultaram em morte. Sabe-se que em algumas situações as ocorrências envolvem grupos de extermínio, autoridades e crime organizado.

“Nós não podemos ver a impunidade dos crimes contra comunicadores como algo recorrente”, afirmou a ministra Maria do Rosário, responsável pela SDH, durante o lançamento do relatório do GT. Uma audiência no Senado para discutir os casos de violência contra comunicadores havia sido marcada para a última segunda-feira (17), mas foi adiada com o propósito de garantir a presença do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Rosário informou também que o Ministério da Justiça deve editar, em breve, uma diretriz para todas as polícias determinando que não podem ser apreendidos os equipamentos de trabalho dos profissionais de comunicação. Isso inclui câmeras fotográficas, gravadores, telefones, cartões de memórias, entre outros.

Uma versão resumida do relatório final pode ser acessada clicando aqui .