Arquivo da tag: Regulação da radiodifusão

Encontro Nacional reunirá defensores da Liberdade de Expressão e do Direito à Comunicação

Evento acontece entre os dias 26 e 28 de maio, em Brasília e qualquer pessoa interessada nos temas de direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento

O 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC), promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, acontece entre os dias 26 e 28 de maio, na Universidade de Brasília (UnB). O 3º ENDC chega esse ano com o objetivo de estabelecer redes e fortalecer os mais diversos movimentos que lutam pelo direito à comunicação, potencializando o espectro de ação dos diversos atores e a capacidade de intervir na formulação de políticas públicas.

A abertura do encontro será marcada por um Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia, durante o ato o FNDC pretende denunciar a escalada de violência contra as manifestações populares, censura privada e judicial na internet e nos meios de comunicação, violência contra comunicadores e cerceamento de liberdade da mídia alternativa. O ato será aberto ao público sem necessidade de inscrição prévia, mas sujeita à lotação do espaço, que será realizado no Centro Cultural da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), no Campus Darcy Ribeiro da UnB, às 19h do dia 26.

Na programação do 3ENDC também estão previstas conferências e atividades que abordarão temas como violações à liberdade de expressão, construção de um marco regulatório democrático para a mídia brasileira, defesa da comunicação pública, políticas de internet (liberdade de expressão e direito à privacidade), políticas de inclusão digital, entre outros, incluindo a participação de convidados nacionais e internacionais referenciais em cada tema.

Qualquer pessoa interessada no debate sobre direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento. A taxa de inscrição não inclui hospedagem, mas a comissão organizadora fechou convênios para descontos em hotéis e alojamentos. A taxa também inclui alimentação (almoço e coffee-break) nos dias 27 e 28. No dia 26, será servido um coffee-break durante o Ato Político pela Liberdade de Expressão, que será o momento de abertura oficial do evento, à noite. As inscrições serão feitas exclusivamente pela internet, no site www.doity.com.br/3endc, com valor de R$ 65,00 (cartão de crédito, boleto bancário ou débito bancário).

Como parte da programação do 3º ENDC, o FNDC também realizará sua 20ª Plenária Nacional, no dia 28 de maio. Entidades nacionais filiadas e comitês regionais do FNDC poderão indicar delegados e delegadas, de acordo com as regras gerais aprovadas pelo Conselho Deliberativo da entidade.

Confira a programação oficial

Sexta-feira 26 de maio
19h/22h – Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia
Local: Centro Cultural da Associação de Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

Sábado 27 de maio
9h/12h – Conferência: Internet, liberdade de expressão e privacidade

Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Dafne Plou – Associação para o Progresso das Comunicações (APC) | Argentina
Murilo Ramos – professor Faculdade de Comunicação da UnB
Joana Varon – Coding Rights
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

12h30/13h30 – Almoço

14h/16h – Painéis temáticos – Parte 1
1 – O papel da mídia no avanço da pauta conservadora e o discurso de ódio
Márcia Tiburi – Professora de Filosofia da UniRio e Universidade Mackenzie.
Paulo Henrique Amorim – Blog Conversa Afiada e TV Record
Cynara Menezes – Blog Socialista Morena

2 – Desnacionalização da economia na área de telecomunicações
Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Márcio Patusco – Clube de Engenharia do Brasil
Marcos Dantas – Professor titular da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

3 – A mídia e a luta contra a LGBTfobia e a discriminação de gênero
Ana Veloso – Professora de jornalismo na UFPE | Centro das Mulheres do Cabo
Elen Geraldes – Professora de Comunicação na UnB e uma das organizadoras do livro “Mídia, Misoginia e Golpe”
Julian Rodrigues – Associação Nacional LGBTI
Charô Nunes – Coordenadora do portal Blogueiras Negras

4 – Políticos donos da mídia
Bia Barbosa – Coordenadora nacional do coletivo Intervozes e secretária-geral do FNDC
Suzy Santos – Professora da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ
Artur Romeu – Coordenador de comunicação da Repórter Sem Fronteiras
Deborah Duprat – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF) – (a confirmar)

5 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários
Roni Anderson – Secretário nacional de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Raimunda Gomes (Doquinha) – Secretária nacional de comunicação da Central de Trabalhadores de Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Paulo Kliass – Doutor em Economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental

6 – Comunicação e cultura na mira do golpe
Sérgio Mamberti – Ator, diretor e roteirista, ex-secretário nacional do Ministério da Cultura
Dríade Aguiar – Gestora de comunicação do coletivo Fora do Eixo | Mídia Ninja
Dácia Ibiapina – Cineasta, professora e pesquisadora da UnB

16h30/18h30 – Painéis temáticos – Parte 2

7 – O desmonte da comunicação pública
Rita Freire – Jornalista | presidenta cassada do Conselho Curador (CC) da EBC
Venício Lima – Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) | Pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros do DCP-FAFICH-UFMG | conselheiro cassado do CC da EBC
Fernando Paulino – Professor e Diretor da Faculdade de Comunicação da UnB
Richard Santos – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira)

8 – Os desafios da radiodifusão comunitária
Geremias dos Santos – Coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço)
Jerry de Oliveira – Movimento Nacional de Rádios Comunitárias de Paulo (MNRC) | Diretor da Rádio Comunitária Noroeste FM (Campinas/SP)
Taís Ladeira – Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil)
Beto Almeida – Diretor da TV Comunitária de Brasília

9 – A mídia e a luta contra o racismo
Nilza Iraci – Instituto Geledés
Joelzito Araújo – cineasta, pesquisador e escritor
Jacira Silva – Coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU)

10 – O papel do jornalismo e da mídia alternativa na disputa informativa
Laura Capriglione – Jornalistas Livres
Renato Rovai – Diretor da Revista Fórum
Altamiro Borges – Presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Maria José Braga – Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)

11 – Transparência, acesso à informação e proteção de dados pessoais
Janara Sousa – Professora e pesquisadora da FAC/UnB
Danilo Rothberg – Professor e pesquisador da Unesp
José Antônio Moroni – Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Joana Varon – Coding Rights

12 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos sociais
Representante da Frente Brasil Popular (FBP)
Representante da Frente Povo Sem Medo (FPSM)
Juliana Acosta – conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
Gilson Reis – Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Locais: anfiteatro 10 (ICC Sul), anfiteatro 8 (ICC Sul), anfiteatro 9 (ICC Sul), auditório Pompeu de Souza (Faculdade de Comunicação/FAC), sala 12 (FAC) e sala 13 (FAC).

18h30/20h – Atividades Livres

Domingo 28 de maio
9h/11h30 – Conferência: Meios de comunicação, regulação e democracia

Aleida Calleja – jornalista mexicana, coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom)
Renata Mielli – Coordenadora-geral do FNDC e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
César Bolaño – professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Cynthia Ottaviano – jornalista e professora | ex-defensora do público pela Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina

Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

11h45 – Abertura da 20ª Plenária Nacional do FNDC e aprovação da Carta de Brasília
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)
12h30/13h30 – Almoço

13h30 – Deliberações 20ª Plenária Nacional do FNDC
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

15h30 – Encerramento

 

UNESCO publica relatório sobre concentração de mídia e liberdade de expressão

Documento, que abrange a situação nas Américas, foi lançado nesta quarta-feira, 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

Foi lançado nesta quarta-feira, 3 de maio, na cidade de Assunção, Paraguai, o relatório “Concentração de Propriedade de Mídia e Liberdade de Expressão: Padrões e Implicações Globais para as Américas”, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

O ato faz parte da celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa na América Latina e no Caribe, que começou nesta quarta e segue até sexta, dia 5 de maio. O relatório representa uma importante contribuição da UNESCO e de vários parceiros nos esforços para desenvolver padrões de comunicação que ultrapassem a barreira do exercício da liberdade de expressão, de forma a alcançar um ambiente de mídia diversificado e pluralista.

O documento elaborado por Toby Mendel, Angel Garcia Castillejo e Gustavo Gómez, especialistas mundiais na área da regulação dos meios de comunicação e em questões relacionadas à liberdade de expressão, mostra que há um esforço mundial para normatizar estas questões nos últimos 70 anos.

O relatório aborda a dupla proteção dos direitos à liberdade de expressão, do “falante” e do “ouvinte”, e apresenta ações para regular o mercado de mídia, com base no direito internacional. Este elemento proporciona a base jurídica do conceito de diversidade de meios de comunicação, o que pressupõe a colocação de obstáculos à concentração indevida da propriedade destes meios.

Neste contexto, a publicação pretende lançar luz sobre a regulamentação internacional dos meios de comunicação, bem como analisar as várias abordagens em nível nacional para fazer implementar essas normas.

A primeira parte do relatório dá exemplos de como a concentração indevida da propriedade e controle dos meios de comunicação afeta o livre fluxo de informações e ideias na sociedade, que em última análise representa o núcleo do direito à liberdade de expressão.

Na segunda parte, é apresentada uma visão geral das mais importantes normas internacionais sobre a concentração, bem como a jurisprudência apresentada pelos principais tribunais internacionais em relação ao assunto. A terceira parte, do anti-monopólio da mídia, relata o que têm sido implementado em algumas democracias consolidadas pelo mundo, a fim de atenuar a concentração da propriedade dos meios de comunicação, e são analisadas as consequências destas iniciativas. A quarta parte descreve as principais tendências na América Latina sobre a questão.

A quinta e última parte apresenta um conjunto de conclusões e recomendações que devem servir como orientações para os poderes políticos e a quem possa decidir sobre o tema.

Os principais conteúdos do relatório foram previamente discutidos pelos autores durante o seminário internacional “Mídias livres e independentes em sistemas midiáticos plurais e diversos”, ocorrido na cidade de Bogotá, Colômbia, em 18 e 19 de novembro de 2015, quando jornalistas, acadêmicos, gestores e representantes da mídia de mais de 25 países na América e Europa tiveram a oportunidade de discutir este e outros temas relacionados.

Confira o relatório disponível em Espanhol e Inglês.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia (OBSERVACOM)

Temer mandou, a imprensa obedeceu: cobertura não fala ou foca na greve

No dia em que milhões de trabalhadores pararam o país contra as reformas da previdência e trabalhista o jornalismo brasileiro não falou em greve geral

Por Bia Barbosa e Mônica Mourão*

Manda quem pode, obedece quem tem juízo, diz a sabedoria popular. Bastou a primeira greve no país desde que assumiu ilegitimamente o governo para se perceber que a relação entre a imprensa comercial e Michel Temer é de servidão ou sintonia.

O posicionamento oficial do governo, divulgado através de nota do Presidente e em entrevista do ministro da Justiça Osmar Serraglio, estava no mesmo tom da cobertura feita nesta sexta (28) pelos principais veículos do país. A ordem era não falar em “greve geral”, mas sim em “dia de protestos” e, no máximo, “paralisações”.

E isso foi o difundido para a população brasileira.

Segundo a BandNews, o que houve no Rio de Janeiro “não foi uma greve. […] Foi um dia de muitos problemas, de muito caos para as pessoas que seguiam para o trabalho, que queriam tocar a vida”. No Jornal Hoje, da Globo, foram ao ar 40 minutos de matérias sobre a greve sem que a palavra fosse usada. Falou-se em “paralisação de 24 horas chamada pelos sindicatos”. Na Record, nada da expressão “greve geral”. O tom da cobertura deu ênfase para as depredações e nenhuma explicação das motivações do movimento.

Nos bastidores do jornalismo, circulou a notícia de que essa foi uma orientação das chefias em diferentes veículos, de grupos de mídia diversos. Mas aí não houve coincidência, e sim uma orquestrada combinação entre governo e corporações midiáticas, que os jornalistas – também trabalhadores – tiveram que seguir.

Palavras são arma sem pólvora e, quando apontadas para o mesmo lado, têm um grande poder de destruição de certas ideias e construção de outras. Afinal, o que se espera de uma greve e qual a diferença entre ela e protestos de rua?

A greve é justamente um momento chave na consciência da classe trabalhadora, que se nega a vender o único bem que possui para a economia: sua força de trabalho. O que se espera de uma greve é, portanto, o esvaziamento do comércio, das escolas, repartições, escritórios. Justamente o contrário de um “dia de protestos”, cujo sucesso pode ser medido por ruas cheias, tomadas por manifestantes. Embora também houvesse atos de rua marcados para 28 de abril, reduzir a data a isso e “esquecer” de mencionar ou adotar o termo “greve geral” (ou mesmo “greve”) faz com que a população não tenha acesso ao básico para compreender o que aconteceu no dia de ontem – e o que está em curso no país.

Definir a sexta-feira como “dia de protestos”, como também fez a GloboNews durante todo o dia, não só distorceu o que de fato ocorria como legitimou as declarações da gestão Temer de que “tudo não passou de vias interditadas”. A parceria Planalto-grande mídia continua firme.

O foco nos transtornos e na violência, o silêncio dos manifestantes

“Protesto de centrais afeta transportes e tem violência” (O Globo), “Greve afeta transporte e comércio e termina com atos de vandalismo” (O Estado de S. Paulo), “Greve afeta transporte e termina em vandalismo” (Correio Braziliense), “Greve atinge transportes e escolas em dia de confronto” (Folha de S. Paulo).

As manchetes dos jornais deste sábado (29) não conseguiram mais omitir o termo vetado durante o dia de ontem. Mas mostram, uma vez mais, que a mídia pratica o velho “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”. Enquanto publica matérias sobre como a criatividade brasileira pode nos tirar da crise, segue com a mesma velha fórmula em coberturas de manifestações: foco nos transtornos gerados nos transportes para quem quis trabalhar (sem ouvir se essa escolha de fato existia) e na violência dos “vândalos”.

Ao longo da sexta-feira, o Intervozes acompanhou a cobertura jornalística dos principais noticiários do Brasil, na televisão (Globo, GloboNews, Record), na internet (Uol, R7, G1, Correio, Veja, Portão Estadão) e no rádio (BandNews, CBN e Agência Brasil). Com algumas sutilezas, em especial no Jornal Nacional, o tom foi o mesmo das manchetes de hoje. E a cobertura foi abundante, durante todo o dia, ao contrário do silêncio sobre as mobilizações registrado na véspera da greve. Mesmo sendo de conhecimento público que ela estava programada para aquele dia, a mídia preferiu não anunciá-la.

Na Globo, o Jornal Nacional foi o único a falar sobre o conteúdo das reformas trabalhista e da previdência. Em cerca de 4 minutos, ao final das reportagens sobre as manifestações, apresentou as principais propostas de cada uma. Dos 50 minutos totais de programa, toda a primeira parte do jornal, de 20 minutos, foi dedicada à greve geral. O termo acabou sendo usado pelos apresentadores, depois de ter sido evitado ao longo do dia. Foram entrevistadas 16 pessoas (entre elas Paulinho da Força Sindical, o presidente da CUT Wagner Freitas e o ministro da Justiça Osmar Serraglio) e lida a nota de Michel Temer. O JN tentou equilibrar as opiniões sobre a greve, ao contrário dos outros telejornais da emissora.

Pela manhã, no Bom Dia Brasil, a culpabilização dos sindicatos foi gritante. Segundo Alexandre Garcia, “o movimento sindical não quer deixar de receber o valor de um dia de trabalho do assalariado com a contribuição sindical, ainda tira mais um dia de trabalho do país que precisa produzir, voltar a crescer e gerar emprego”. A pauta reduziu-se a uma tentativa de se manter “privilégios” desse grupo.

No Jornal da Record, foi entrevistado um advogado que disse: “Nunca vi sindicato pagar multa, nunca vi sindicato fazer uma prestação de contas em relação aos seus sindicalizados do movimento e nunca vi o sindicato obedecer ordem judicial”. O mesmo tom seria depois repetido na fala do ministro da Justiça Osmar Serraglio, mostrando mais uma vez a orquestração da mídia com o governo.

No rádio, a Agência Brasil, agora com sua independência cerceada pelas mudanças na lei da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) feitas via Medida Provisória, veiculou notas do governo e defendeu amplamente as reformas trabalhista e da previdência. No CBN Brasil, só foram lidos os comentários de ouvintes contrários à greve. A propaganda da previdência privada do Bradesco, veiculada várias vezes durante o programa, explica bem os interesses em jogo.

Enquanto se ouviu muito sobre transtornos e vandalismo, o silenciamento dos principais atores da mobilização foi brutal. O Jornal da Record conseguiu não dar voz sequer a um manifestante ou sindicalista, enquanto deu espaço para Temer e seu ministro da Justiça. No Jornal Hoje, da Globo, sindicatos só foram citados ao mencionar os números de adesão à greve. Em 40 minutos de cobertura, foram reservados menos de 10 segundos para ouvir um manifestante e um sindicato. A primeira fala de uma central sindical na programação da GloboNews foi veiculada, pasmem, às 22h18 – e não durou um minuto.

A velha tática de mostrar cenas de violência para colocar a população contra as manifestações também se repetiu. Na GloboNews, quatro horas praticamente ininterruptas (das 16h30 às 20h30) mostrando a ação de black blocs. Como não se indignar com o movimento? Na internet, durante todo o dia, as fotografias que representavam a greve mostravam pneus queimados, policiais enfileirados e armados, confronto entre manifestantes e polícia. Houve muito destaque para as falas de João Doria, prefeito de São Paulo (que chamou os grevistas de “vagabundos”), do ministro da Justiça e, no final da noite, de Temer. O foco das coberturas em tempo real era a divulgação dos serviços em funcionamento e notícias sobre o trânsito. De novo, nada sobre as cerca de 100 categorias que pararam neste dia 28. E quase nada sobre as propostas de reforma em tramitação no Congresso.

Repórteres no chão: as sutilezas da manipulação midiática

Não se pode dizer que a mídia não aprendeu com as manifestações dos últimos anos, especialmente do emblemático 2013. Depois de a grande imprensa ter sido confrontada principalmente pela cobertura em tempo real da Mídia Ninja, a GloboNews resolveu incorporar seu modus operandi. Nesta sexta, jornalistas da emissora estiveram no chão, em meio às manifestações, e não cobrindo apenas a partir do helicóptero da empresa. Fizeram transmissões ao vivo com imagens de baixa qualidade técnica, ficaram sufocados com gás lacrimogêneo, correram ofegantes.

Assim, as denúncias de parcialidade (já que estariam “mostrando tudo” em “tempo real”) poderiam ser rebatidas. No Estudio I, uma das comentaristas falou claramente que não se podia criminalizar os movimentos. Mas até que ponto, vale perguntar, com o espaço para as divergências sendo tão residual, essa suposta “reaproximação” com os fatos não seria mais uma estratégia de marketing para ampliar o público (como já fez com a criação do aplicativo Na Rua) e para se sintonizar com uma audiência privilegiada (apenas 32% têm TV por assinatura no Brasil) que têm acesso a outras fontes de informação?

Novamente, a diferença na cobertura internacional

Se o discurso arquitetado politicamente na imprensa nacional garantiu que a maior parte da população brasileira passasse o dia desinformada sobre a greve que de fato ocorria no país, uma vez mais os leitores de outros países tiveram mais chances de compreender o que aconteceu neste 28 de abril.

O The New York Times não teve dúvidas: afirmou “Brasil imobilizado por greve geral contra medidas de austeridade”. Pode-se até divergir do discurso sobre a austeridade, mas o primeiro parágrafo do texto fazia, de cara, a relação das paralisações também com os escândalos de corrupção do governo Temer e dava voz a um cidadão que declarou: “Temer odeia os trabalhadores. Este é o pior governo que o Brasil já teve”. Mais adiante, a reportagem explicava as medidas propostas pelas reformas previdenciária e trabalhista, apresentava os baixíssimos índices de popularidade de Temer (apenas 4%) – que não foram mencionados por nenhuma emissora de TV em sua cobertura da greve – e falava das denúncias de propina contra o próprio presidente.

“Seus principais assessores denunciaram a greve, com o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, fazendo pouco caso dela e taxando a mobilização de “nonsense” e de “baderna generalizada” em uma entrevista. Mas com os membros do Congresso tentando preservar os benefícios de sua generosa aposentadoria, a elite política parece mesmo ignorar o humor das ruas”, criticou o NYT.

O francês Le Monde chamou a greve de “histórica”, relatando os diversos setores e categorias que cruzaram os braços. O foco, ao contrário do dado pela imprensa brasileira, ficou longe dos transtornos da greve nos transportes. Falaram de bancos, correios, escolas públicas e privadas, comércio e do setor de saúde, divulgando a estimativa, dos sindicatos, de 40 milhões de trabalhadores parados. E como direito trabalhista é algo que a França costuma valorizar, o Le Monde também explicou as propostas inclusas nas reformas em debate no Congresso – algo que os veículos nacionais não acharam importante fazer nesta sexta. Tampouco as definiram como “modernização na legislação”, como orienta a cartilha do Planalto.

A BBC destacou que esta foi a “primeira greve geral em duas décadas” no Brasil. E achou jornalisticamente relevante – porque de fato é – informar que diversas denominações religiosas tenham apoiado a paralisação. Ouviu o porta-voz da igreja anglicana, que explicou a posição de encorajar seus seguidores a participarem do movimento “porque entende a situação política” atual e as condições de vida do povo.

Os exemplos mostram que, se quisesse fazer bom jornalismo nesta cobertura, seria muito fácil. A imprensa alternativa fez, com destaque para a intensa cobertura da equipe do jornal popular Brasil de Fato. Mas os tradicionais veículos brasileiros mais uma vez passaram bem longe disso. Um dia, a fatura chegará.

*Bia Barbosa e Mônica Mourão são jornalistas e integram o Conselho Diretor do Intervozes. Colaboraram: Alex Pegna Herzog, Eduardo Amorim, Olívia Bandeira, Ramênia Vieria e Raquel Dantas, todos integrantes do Intervozes. 

Audiência com Kassab tem muito blá blá blá e pouco debate

Ministério ignorou informações sobre a privatização de satélite que foi comprado com finalidade de universalização da banda larga no país

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática promoveu, nesta quarta-feira, dia 26, audiência pública com o ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab. Ele compareceu à audiência junto com os presidentes da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), Telebrás, Agência Espacial Brasileira (AEB), Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e todos os secretários do ministério, mas falou menos de 20 minutos do total de 3h30 de duração da atividade. O restante foi utilizado pelos secretários e representantes das estatais, além de deputados da base aliada.

Especificamente em relação aos Correios, Kassab afirmou que o atual governo “é contra a privatização” e que trabalha para fortalecer a empresa. Porém, o ministro destacou que o governo não irá transferir recursos do Tesouro Nacional para os Correios, pretendendo resolver problemas financeiros da instituição a partir da gestão.

A posição do governo é questionada pelo deputado Adelmo Carneiro Leão (PT-MG), para quem o não investimento de recursos nos Correios, neste momento de situação financeira difícil, coloca a empresa em risco. O que é confirmado pela fala do próprio presidente dos Correios, Guilherme Campos, que informou que, por conta da crise financeira, as férias dos trabalhadores da empresa estão suspensas por um ano.

Intervenção

No que diz respeito às telecomunicações, Gilberto Kassab declarou que o governo vai editar nos próximos dias uma medida provisória (MP) com as regras de intervenção na empresa de telefonia e banda larga Oi, que está em recuperação judicial. Segundo o ministro, a carta redigida pelos conselheiros da Anatel indicando a necessidade de intervenção soou como alerta para o ministério.

Em 2008, a Anatel e o Governo Federal mudaram o Plano Geral de Outorgas (PGO) com a publicação do Decreto nº 6.654/2008, o que permitiu a compra da Brasil Telecom pela Oi. Assim, a Oi tornou-se concessionária de telefonia fixa em 26 estados do país – à exceção de São Paulo, onde operava a Telefônica, atualmente Vivo.

O antigo PGO (Decreto nº 2.534/1998) proibia a compra de uma empresa de telefonia fixa por outra que atuasse em região diferente, entre outros motivos, para impedir que a atuação destas se estendessem a grandes regiões. Com a compra da Brasil Telecom, a Oi assumiu obrigações de universalização da telefonia fixa nas áreas menos lucrativas de praticamente todo o país, enquanto a Telefônica se concentrou no estado de São Paulo (como referido acima).

A Oi opera apenas no Brasil ao mesmo tempo em que concorre com empresas globais de telecomunicações, que sendo autorizadas a ofertar o serviço, não têm as mesmas obrigações de cobertura. Ao longo do tempo, a Oi não só acumulou dívidas para manter o nível de investimento no país como para pagar dividendos aos acionistas. Além, de receber série de multas que a operadora da Anatel pelo não cumprimento das obrigações de universalização da telefonia fixa e outras, negociadas em substituição/troca das primeiras.

Satélite

Durante a audiência, foi informado que o lançamento do primeiro Satélite Geoestacionário Brasileiro ocorrerá no dia 4 de maio, o que permitirá o aumento da cobertura de banda larga no território nacional. Segundo o secretário de Telecomunicações do ministério, André Muller Borges, com o satélite, “em poucos meses não haverá uma região do país que não possa ser atendida com banda larga, e em algumas localidades até com competição”.

Porém, a realidade não é tão bonita como quer o secretário. O projeto, que recebeu investimento de 2,7 bilhões de reais e cujo objetivo era levar banda larga às escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, etc., deve ser leiloado pelo Governo Federal para grandes operadoras que não têm interesse em levar conexão a locais de baixa densidade demográfica ou de baixa renda.

No projeto original do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), 70% da capacidade do satélite estaria vinculada à implementação de políticas públicas. Mas, após as mudanças implementadas pela gestão atual, 80% da capacidade do satélite destinada para uso civil será privatizada.

O edital de venda não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço prestado. Exige apenas “cumprir as metas do PNBL”. Aliás, o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) já foi considerado um fracasso exatamente porque as operadoras não cumpriram com sua parte no acordo de oferecer velocidade mínima por um preço mínimo, permitindo assim o acesso da população com baixa renda.

TV digital

Gilberto Kassab anunciou também a publicação de uma portaria adiando para o segundo semestre o desligamento do serviço de TV analógica e a implantação definitiva da TV digital em algumas cidades. O Grupo de Implantação do Processo de Distribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (Gired) havia proposto o adiamento do processo para quatro agrupamentos de municípios: Fortaleza (CE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG) e parte do interior de São Paulo. Inicialmente, o desligamento do sinal analógico nestas cidades ocorreria até julho.  

A secretária de Radiodifusão do ministério, Vanda Bonna Nogueira, afirmou que tudo tem corrido dentro do esperado e que o desligamento do sinal na cidade de São Paulo foi um sucesso, não havendo reclamações sobre o assunto. Ela ignora, porém, que, com o desligamento do sinal analógico, a distribuição dos canais digitais abertos por parte das operadoras de TV por assinatura passou a depender de autorização a ser dada pelas emissoras de sinal aberto. Como não houve acordo das operadoras de TV por assinatura com SBT, Record e Rede TV!, os paulistas perderam o acesso a estes canais na TV paga, gerando sim uma série de reclamações e pedidos dos clientes de diminuição do valor do pacote – já que os três canais não estavam mais disponíveis. Portanto, se não houver acordo entre emissoras e operadoras, outras cidades podem enfrentar o mesmo problema à medida que o desligamento analógico for sendo realizado.

Fust e Fistel

Autor do requerimento para realização da audiência, o deputado Sandro Alex (PSD-PR) pediu o uso efetivo do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel) e do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) para seus fins, deixando de ser utilizados para outros fins pelo governo.

O deputado sugeriu que seja elaborado pelo governo, em conjunto com os parlamentares, um cronograma para pôr fim ao contingenciamento desses recursos. Kassab concordou com a proposta e disse que será sugerido um cronograma de desbloqueio gradativo, alcançando-se o desbloqueio total em 2020. Quase a totalidade do dinheiro dos dois fundos vão atualmente para os cofres do Tesouro Nacional, sem ser aplicados na finalidade para a qual foram criados.

De qualquer forma, a audiência, que poderia esclarecer aos deputados alguns assuntos relacionados à privatização do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) e dos Correios, acabou virando uma reunião de apresentação da pasta e uma confraternização junto à base aliada do governo. Os representantes do ministério utilizaram tanto espaço para suas falas que houve tempo apenas para que um deputado da oposição conseguisse se manifestar, inviabilizando qualquer possibilidade de debate. O que era exatamente a estratégia do governo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Governo usa verba de publicidade como premiação para veículos que defenderem a Reforma da Previdência

Veículos de comunicação receberão verbas federais de publicidade se decidirem abordar o assunto sob um “ponto de vista positivo”

Para atrair apoio à Reforma da Previdência, o governo Temer decidiu usar as verbas federais de publicidade em veículos de comunicação, principalmente em rádio e TVs.

De acordo com notícia divulgada na edição desta terça-feira, dia 11, do jornal Estadão, a “estratégia do Palácio do Planalto para afastar as resistências à reforma é fazer com que locutores e apresentadores populares, especialmente no Nordeste, expliquem as mudanças sob um ponto de vista positivo. Os veículos de comunicação que aderirem à campanha terão direito à publicidade federal.”

Essa medida mostra claramente que o atual governo trata a comunicação como moeda de troca, uma estratégia muito usada no Brasil e bem conhecida desde os tempos da ditadura militar. “A relação incestuosa e ilegal de políticos que se beneficiam de espaços públicos, como as concessões de rádio e TV, para angariar votos e capital político é uma violação do direito à comunicação e um atentado à democracia”, aponta Iara Moura, jornalista e integrante do conselho diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O ato é muito criticado por se assemelhar à prática de compra de votos. Vale lembrar que, ao mesmo tempo que distribui verbas de publicidade para a mídia fazer campanha “pró-reforma”, o governo adquire apoio entre os parlamentares. “Com a estratégia, o presidente ilegítimo angaria, ao mesmo tempo, apoio no Congresso Nacional, uma vez que muitos deputados e senadores ignoram a Constituição Federal e são eles próprios donos de rádios e TVs que serão beneficiadas com o agrado do governo”, relata Iara.

O cientista político e professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha faz análise semelhante. “A ofensiva do governo Temer de abrir o canal da publicidade para veículos que tenham ‘cobertura simpática’, ou ‘agenda positiva’, parece uma tentativa um tanto desesperada de negociar apoios. Por um lado, soa como uma forma de explicitar a relação política a partir das piores tradições da atividade no Brasil; por outro, soa como um sintoma de fraqueza, um anúncio de que caso não consiga implantar o pacote de leis regressivas, seu governo pode vir a enfraquecer-se ao ponto de não ter retorno”, afirma ele.

Para Bruno, a matéria do Estadão sobre a troca de apoio publicitário por respaldo político evidencia que “nem em seu estado de origem e nas entranhas da classe dominante de São Paulo, Michel Temer consegue operar como um balizador de interesses e árbitro de conflitos no andar de cima. A tendência é o país entrar em uma paralisia decisória, onde quase todas as ações de governo sejam contestadas em sua legitimidade. O fato de angariar apoio da opinião publica vai neste sentido”.

Recursos de R$ 180 milhões
O orçamento desta campanha governamental pró-Reforma da Previdência tem recursos da ordem de R$ 180 milhões para serem repassados a rádios, TVs, jornais e internet, sem incluir as campanhas de utilidade pública. Recursos estes que não comprarão espaço publicitário, mas a opinião de articulistas, apresentadores e repórteres que puderem explicar a reforma a partir do ângulo que interessa apenas ao governo.

A medida deixou vários parlamentares eufóricos, pois justo eles serão os responsáveis pela indicação da mídia que receberá a verba. Essa euforia mira a eleição de 2018, já que, ao conseguirem esses recursos para “suas indicadas”, deputados e senadores ganham também espaço para aparecer.

A tática de despejar recursos federais em publicidade tem sido muito utilizada por Michel Temer desde que ele assumiu o cargo de presidente na condição de interino. A verba publicitária do governo federal teve um aumento de mais de 100% no mês de dezembro de 2016, se comparada com o mesmo período do ano anterior. Alguns meios receberam acréscimo inéditos em suas receitas com publicidade federal, como nos casos das revistas Veja, que recebeu um aumento de 400% nestas verbas, e da Istoé, que teve um aumento de mais de 800% de um ano para o outro.

Propaganda enganosa
Em março de 2017, a 1ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a suspensão da veiculação de publicidade relacionada ao programa de Reforma da Previdência por parte do governo federal. A decisão da juíza Marciane Bonzanini se deu em resposta a uma ação civil pública de autoria de nove sindicatos de trabalhadores do Rio Grande do Sul. No pedido, os sindicatos disseram que se trata de publicidade enganosa, com mensagens “alarmistas”, e que a campanha do governo federal “difundiu mensagens com dados que não representam de forma fidedigna a real situação financeira do sistema de Seguridade Social brasileiro e que podem induzir à formação de juízos equivocados sobre a eventual necessidade de alterações nas normas constitucionais previdenciárias”.

A juíza analisou os conteúdos disponibilizados no site do governo federal e concluiu que “a campanha publicitária retratada neste feito não possui caráter educativo, informativo ou de orientação social, como exige a Constituição em seu art. 37, parágrafo 1º. Ao contrário, os seus movimentos e objetivos, financiados por recursos públicos, prendem-se à mensagem de que, se a proposta feita pelo partido político que detém o poder no Executivo federal não for aprovada, os benefícios que compõem o regime previdenciário podem acabar”.

A decisão judicial ainda apontou o “uso inadequado de recursos públicos” e “desvio de poder que leva à sua ilegalidade”. Ao fundamentar a decisão, a magistrada disse, também, que “não há normas aprovadas que devam ser explicadas para a população; não há programa de governo que esteja amparado em legislação e atos normativos vigentes. Há a intenção do partido que detém o poder no Executivo Federal de reformar o sistema previdenciário e que, para angariar apoio às medidas propostas, desenvolve campanha publicitária financiada por recursos públicos”.

Porém, a decisão da magistrada foi suspensa com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relatório da presidente da corte, Cármen Lúcia Antunes Rocha, que derrubou a liminar a pedido do governo. Para o jornalista e professor Venício Artur de Lima, é justamente o STF que sustenta um governo sem legitimidade reconhecida por boa parte da população. “A partir do momento que o Supremo garante sua legitimidade, ele recebe autorização para atuar desta forma, se valendo do direito e o dever de tornar públicas suas ações, o governo joga dinheiro público nos veículos para endossar seus projetos”, frisa.

Segundo o relatório da ministra Carmen Lúcia, “a suspensão da campanha causa mal maior que sua continuidade, nada obstando que venha a sofrer, no futuro, restrição pontual em peça publicitária na qual venha a ser detectada propagação de informação inverídica sobre o tema”. Conforme ela, é de competência da presidência do STF “determinar providências buscando evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspendendo a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada quando a questão tenha natureza constitucional”.

Porém, Venício alerta para a diferença entre essa ação de distribuição de verba publicitária e outras semelhantes já realizadas em outros governos. “Essa ação não se limita apenas a divulgar, ela destaca a posição do governo sobre uma ação legislativa, uma matéria controversa e sobre a qual existem estudos de vários especialistas contradizendo as questões levantadas pelo governo. Não me lembro disso em nenhum outro momento na história do país pós-ditadura”, destaca o professor. Para ele, a partilha da verba publicitária a partir das indicações de parlamentares justifica o ingresso de ação legal em defesa do interesse público.

Preço do golpe
O preço do golpe, pago aos meios de comunicação, vem sendo cada vez mais alto. No último mês de março, o governo decidiu alterar o marco regulatório do setor através de uma Medida Provisória, a MP 747, em benefício das empresas. Foram excluídos do texto da lei a previsão de cumprimento de “todas as obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público” como requisitos para o direito à renovação das outorgas.

De acordo com avaliação feita por Bia Barbosa, jornalista e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a MP do governo buscava “oficializar o uso e exploração privada e particular das outorgas por meio do mercado, reduzindo as obrigações que os concessionários devem respeitar, anistiando todos aqueles que não tiveram a mínima capacidade de solicitar a renovação de suas licenças dentro dos prazos e legalizando um verdadeiro balcão de negócios das concessões de rádio e TV”.

Michel Temer joga com tudo para continuar obtendo apoio da mídia para seus projetos. Sabendo que não tem os votos necessários à aprovação de sua proposta de previdência, ele também joga com o ponto fraco dos parlamentares, que é justamente sua exposição pública. Estes, preocupados com a repercussão negativa que a votação da Reforma da Previdência pode trazer em ano eleitoral, sabem da relevância de manter uma relação vantajosa com os meios de comunicação para sustentarem uma boa imagem. Assim, o círculo de horrores está completo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação