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STF discute bloqueio do WhatsApp e Marco Civil da Internet

Cofundador do WhatsApp, Brian Acton reafirmou que a criptografia de ponta a ponta é inviolável, sendo que nem mesmo a empresa tem acesso aos conteúdos das mensagens

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou nos dias 2 e 5 de junho, sexta e segunda-feiras, audiência pública para discutir dispositivos do Marco Civil da Internet e as decisões judiciais que têm impedido por períodos específicos o funcionamento do aplicativo WhatsApp. Na condição de presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia abriu a audiência afirmando que o tema merece um amplo debate devido aos novos conhecimentos e à especificidade do assunto. “Esse tema diz respeito ao direito de informar, aos limites da atuação do juiz e à própria situação de novas formas de atuar na vida digital. Por isso, [há] a necessidade de debater exaustivamente o quanto necessário”, ponderou ela.

Os assuntos debatidos na audiência pública são abordados na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5527, que tem na relatoria a ministra Rosa Weber, e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, relatada pelo ministro Edson Fachin. Ambos os magistrados ficaram responsáveis por conduzir a audiência pública nos dois dias de funcionamento.

A ministra Rosa Weber falou sobre a ADI 5527, na qual o Partido da República (PR) questiona dispositivos da norma que preveem sanções a empresas do setor. “A ADI sob a minha relatoria tem como objeto três dispositivos da Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, que veio colocar o Brasil em posição de vanguarda no que rege à proteção dos direitos e à previsão dos deveres dos usuários da rede mundial de computadores”, destacou ela.

Polícia e Ministério Público Federal

A primeira instituição a se manifestar na audiência pública foi a Polícia Federal (PF). Para o delegado Felipe Leal, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) é imprescindível, além de reconhecido internacionalmente. Para ele, os artigos 11 e 13 da lei demonstram um cenário legislativo e jurídico que justificam “a necessidade de que essas empresas de comunicação tenham um registro de dados”. A posição da PF se baseia na avaliação de que não há investigação policial que não se depare com ações criminosas que em algum momento se utilizem de aplicativos de comunicação. “Hoje temos um cenário livre na criminalidade”, afirmou ele.

O perito criminal da PF Ivo de Carvalho Peixinho frisou a importância de que as empresas forneçam metadados para a elucidação de crimes, como os de pornografia infantil ou de pedofilia na internet, já que, na sua avaliação, as empresas dispõem dessas informações, “uma vez que todo tráfego de mensagens passa pelo aplicativo WhatsApp”.

Por sua vez, a coordenadora do Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), Neide Cardoso de Oliveira, posicionou-se a favor da improcedência das ações em trâmite no STF que apontam a inconstitucionalidade dos bloqueios judiciais do WhatsApp. Segundo ela, a suspensão temporária de um aplicativo que, de forma “contumaz descumpre a legislação brasileira, não viola os direitos à comunicação e à liberdade de expressão garantidos por outros meios”. Ela argumentou que “os diretos à comunicação e à liberdade de expressão não são absolutos. Eles podem ser modulados para a proteção de outros direitos igualmente importantes, como o direito à vida, à dignidade, à proteção integral da criança, à privacidade, entre outros, que são protegidos em investigações de crimes graves”.

Criptografia e direito à privacidade

Para Fernanda Domingos, integrante do Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos, questões envolvendo criptografia e fornecimento de conteúdo de metadados são subjacentes ao descumprimento de decisões judiciais que determinam os bloqueios do WhatsApp. Conforme ela, a empresa afirma usar tecnologia que gera novas chaves de criptografia a cada mensagem enviada, o que tornaria inviável a tentativa de quebra do código. “Não sabemos ao certo se essa tecnologia é empregada mesmo, porque não houve auditoria nos sistemas do WhatsApp, e talvez nem seja possível auditar”.

Vladimir Aras, secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR), argumentou que, “aparentemente, o que se tenta apresentar como um dos valores mais importantes do serviço do WhatsApp é a proteção dos dados pessoais, mas, infelizmente, esses serviços também são utilizados por criminosos”. Para o secretário, não se pode imaginar criar no Brasil, a partir do julgamento das duas ações em trâmite no Supremo, “um paraíso digital, em que criminosos possam cometer infrações penais, violando direitos fundamentais tão importantes quanto o direito à privacidade”.

Vladimir afirmou que instrumentos como o WhatsApp foram criados por homens e, portanto, “podem ser desenhados de forma diferente para que, quando seja necessário, haja a possibilidade que dados possam ser compartilhados, independentemente de cooperação internacional”.

Segurança para todo mundo ou para ninguém

Engenheiro e cofundador do WhatsApp, Brian Acton reafirmou na audiência pública que a criptografia de ponta a ponta usada pelo aplicativo é inviolável, sendo que nem mesmo a empresa tem acesso aos conteúdos das mensagens dos seus usuários. Brian explicou que, com mais de 120 milhões de pessoas usando o WhatsApp atualmente, o Brasil é um dos principais mercados do aplicativo, representando cerca de 10% do total mundial de usuários – algo em torno de 1,2 bilhão de pessoas, todas enviando e recebendo mensagens com criptografia de ponta a ponta.

Na avaliação dele, a criptografia de ponta a ponta faz com que esse 1,2 bilhão de pessoas se comunique sem medo em todo o mundo, razão pela qual o aplicativo teria investido no melhor sistema disponível na atualidade. Brian Acton declarou que as chaves que integram o sistema não podem ser interceptadas e apresentou um diagrama para demonstrar como funciona a criptografia de ponta a ponta em uma conversa. “As chaves relativas a uma conversa são restritas aos interlocutores dessa conversa. Ninguém tem acesso, nem o WhatsApp”, reforçou.

O engenheiro ainda explicou qual seria a única maneira possível de desativar a criptografia do app. “Não há como tirar [a criptografia] para um usuário específico, a não ser que se inutilize o WhatsApp para ele. Ou é seguro para todo mundo ou não é seguro para ninguém”, atestou, dizendo que teria que desativar a criptografia para todos, o que tornaria o WhatsApp vulnerável para que um hacker pudesse ter acesso a bilhões de conversas caso isso ocorresse.

Segundo Brian, já existe uma cooperação da empresa com a polícia em todos os países. “As informações a que o aplicativo tem acesso já são compartilhadas com as autoridades – a lista inclui número telefone, nome de usuário, a data e o horário da última vez em que a pessoa esteve online no app, a primeira vez em que utilizou o serviço, o sistema operacional usado, grupos dos quais participa, entre outras”.

Criptografia protege autoridades

Bruno Magrani, diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Facebook Brasil, também defendeu a importância da criptografia na troca de mensagens. “A criptografia é benéfica e complementar ao trabalho das autoridades, pois permite uma conversa segura entre elas. É uma ferramenta usada por diversos governos em situações de segurança nacional”, reiterou. Para ele, a criptografia faz parte do dia a dia das pessoas quando utilizam o e-mail, fazem compras online e realizam saques em caixas eletrônicos, por exemplo. Ele ainda destacou que a ferramenta também é importante para a economia, pois muitas atividades dependem dela e é um forte diferencial competitivo.

A criptografia é essencial para a defesa da privacidade e da liberdade de expressão e comunicação, porque dá eficácia a esses direitos constitucionais ao permitir a comunicação livre, aberta, sem que terceiros tenham acesso”, assegurou Bruno. O representante do Facebook Brasil afirmou ainda que a cooperação da empresa em investigações policiais, às vezes, é invisível, mas que o Facebook mantém um órgão especialmente voltado para a colaboração com autoridades em todo mundo.

Criptografia é um direito e não uma ameaça

Para Demi Getschko, presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), a criptografia é uma tecnologia de segurança da informação que permite que somente as pontas de um processo comunicacional compreendam as mensagens. “A criptografia é instrumental aos direitos humanos da privacidade e da liberdade de expressão. Ela e outras novas tecnologias de segurança da informação devem ser incentivadas e não restringidas. As plataformas que disponibilizam tecnologias de segurança de informação não devem ser penalizadas pelos usos ilícitos de seus usuários”, enfatizou.

Segundo ele, a internet é uma rede de controle, por isso não há motivo de pânico sobre a violação da privacidade. “Nossa preocupação é evitar que a rede vire um espaço de monitoramento geral de todo o mundo o tempo todo. Privacidade e segurança não são coisas contrapostas, são convergentes”. Demi também esclareceu que a criptografia não inviabiliza a coleta de dados para persecução criminal, pois a internet deixa rastros, tendo outras ferramentas úteis e efetivas para investigações e repressão de crimes. Ele ilustrou que a criptografia da informação possui três eixos: atributos da informação (confidencialidade, integridade e disponibilidade), medidas de segurança (tecnologia, fatores humanos e políticas e práticas) e situação da informação (transmissão, armazenamento e processamento).

Espionagens industrial e política

O último expositor do dia foi o professor Anderson Nascimento, da University of Washington/Tacoma e especialista em criptografia, que afirmou o uso de Signal, ou criptografia forte, é consenso na comunidade científica mundial e “universalmente aceito”. O professor mostrou trecho de uma carta assinada por 150 especialistas de vários países e encaminhada ao então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, defendendo o uso desta tecnologia para a segurança na troca de dados e mensagens.

Segundo Anderson, a criptografia sempre será usada, “não há como impedir isso por decreto”, e os órgãos de segurança pública têm que estar preparados para esse cenário.

Entretanto, mesmo com o uso de dados criptografados em trocas de mensagens, o professor concorda que é possível, no âmbito de investigação criminal, se obter muitas informações sobre investigados a partir de rastros deixados por eles na internet. Dados que poderiam ser armazenados, como as pessoas que conversaram com o suspeito, por quanto tempo, qual endereço de IP foi usado, quantidade de dados transmitidos e localização. Além disso, para ele, seria inviável ao WhatsApp compartilhar suas chaves de criptografia com autoridades policiais, pois o armazenamento de tais informações sigilosas poderia ser comprometido por organizações criminosas ou mesmo por corporações privadas e governos.

Anderson lembrou casos famosos como o da Telecom Itália, que, entre 1996 e 2006, espionou mais de 6 mil pessoas em vários países, entre líderes políticos, magistrados, presidentes de corporações e jornalistas. Citou ainda as interceptações telefônicas ilegais feitas contra o alto escalão do governo da Grécia entre 2004 e 2005, além de outros ataques de hackers. Para ele, não há solução simples, e qualquer que seja a decisão as consequências existirão e serão seríssimas. O professor ainda apresentou um trecho do relatório especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), segundo o qual “a criptografia possibilita que indivíduos exerçam seus direitos, a liberdade de opinião e a expressão na era digital e, como tal, merece nossa proteção”.

O professor ainda apresentou um trecho do relatório especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), segundo o qual “a criptografia possibilita que indivíduos exerçam seus direitos, a liberdade de opinião e a expressão na era digital e, como tal, merece nossa proteção”. E concluiu afirmando que “isso é particularmente importante numa era em que Estados, Nações interferem politicamente no processo democrático de outras Nações”.

O também professor Diego de Freitas Aranha, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reforçou que inserir uma falha intencional ao protocolo de segurança de aplicativos torna os sistemas menos seguros e mais caros de se manter e banir a criptografia dos sistemas de comunicação é inócuo e ineficaz.

Bloqueio de aplicativos por descumprimento de ordem judicial

A inconstitucionalidade de bloqueios de aplicativos quando fundamentados no descumprimento de ordens judiciais foi tema da explanação feita por Dennys Marcelo Antonialli, representante da Associação InternetLab de Pesquisa em Direito e Tecnologia que observou, no entanto, que nos casos em que a ordem visa atividades ilícitas, o bloqueio é constitucional.

Ele destacou que o InternetLab monitora todos os casos publicamente conhecidos de bloqueios na Internet, desde o primeiro, em 2007, relativo a um vídeo da modelo Daniela Ciccarelli no Youtube. De lá para cá, foram cerca de 11 casos, a maioria proibindo o funcionamento de aplicações com finalidades lícitas, diante do descumprimento de ordem judicial para a entrega de dados.

No entanto sete dos 11 mapeados pelo InternetLab, são o do bloqueio como sanção a aplicações cuja atividade-fim, na avaliação de Dennys, expressam exercício de direitos, como o do Whatsapp.

Já o advogado e pesquisador Ronaldo Lemos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio) afirmou que juízes de primeiro grau não têm jurisdição para abranger toda a infraestrutura da Internet no país. “A intervenção direta na infraestrutura é prática típica de países autoritários”, frisou.

Lemos lembrou que a Internet tem duas camadas uma de estrutura e outra de conteúdo. Para ele o bloqueio de serviços diretamente na estrutura não encontra qualquer amparo legal nem no Marco Civil nem em outros dispositivos legais.

Destacando que esse tipo de interferência não é compatível com a Constituição e viola vários princípios fundamentais, como o da liberdade de comunicação e expressão, da pessoalidade da pena e da livre iniciativa, além de violar instrumentos internacionais do qual o Brasil é signatário, como a Convenção Americana de Direitos Humanos.

O bloqueio de um aplicativo só seria justificado em casos extremos, que envolvessem segurança nacional. Fora dessas situações, nenhuma entidade ou indivíduo pode deter, no Estado Democrático de Direito, o poder de interferir”, reforçou.

Confira aqui como foi o segundo dia do debate.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do STF

Avança na Câmara projeto que proíbe franquia na banda larga fixa

Comissão de Defesa do Consumidor é favorável ao texto, mas usuários devem permanecer alertas, pois pressão das operadoras pode terminar em “acordão”.

Por Marina Pita*

A Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o parecer do deputado Rodrigo Martins (PSB-PI) favorável ao PL 7182/2017, que proíbe a franquia de dados na internet fixa.

A aprovação é considerada uma vitória de todos os usuários e usuárias de internet que, ao longo do último ano, se mobilizaram contra mais este ataque das operadoras de telecomunicações ao acesso pleno à rede. A polêmica já dura mais de um ano.

O Brasil atravessava a crise política do processo de impeachment de Dilma Rousseff quando, no início de 2016, as grandes prestadoras de serviço de conexão à internet deram início a um movimento para limitar o volume de dados na banda larga fixa, já adotado na telefonia móvel.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o já novo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, sob o comando de Gilberto Kassab, ensaiaram uma defesa da proposta, mas foram pressionados e a Agência, em abril de 2016, proibiu temporariamente a franquia na rede fixa.

Revoltados com a medida, usuários de internet de todo o país conseguiram frear o processo. Entre maio e junho de 2016, enquete realizada pelo DataSenado resultou em 99% de um total de 608.470 internautas consultados contrários à limitação. “Façam todo o tipo de baixaria, mas não toquem na minha conexão fixa”, era o tom de memes e demais conteúdos que circularam na web contra a iniciativa das teles.

Assim, em raro momento, o Legislativo ouviu a maior parte da sociedade brasileira, que entende que a franquia vai de encontro às necessidades de desenvolvimento social e econômico e ao próprio exercício da liberdade de expressão da população. Em março passado, o Senado aprovou o projeto que agora tramita na Câmara.

Mas a novela, infelizmente, não acabou. A estratégia das operadoras, interessadas apenas no lucro, mostra-se viva. Um grupo de deputados, atendendo à pressão das empresas, ainda pode impedir que o projeto de lei seja aprovado na Casa. Propõem um “acordo” para reduzir o “dano” das teles.

Em entrevista ao site especializado Teletime, o deputado Celso Russomano (PRB-SP) afirmou que o projeto “engessa o setor de telecomunicações”. Para ele, os planos de franquia de internet podem existir se as empresas de telecomunicações oferecerem um serviço de qualidade. Sim, em um mundo ideal e inexistente, as operadoras ofereceriam o serviço a preços módicos e todos os brasileiros teriam acesso à web em seus domicílios. Não é o que acontece. Cerca de metade da população brasileira segue sem acesso domiciliar à rede.

Russomano, conhecido por defender os direitos dos consumidores, agora está propondo que usuários que supostamente consomem grande volume de dados (os chamados heavy users, no jargão técnico), como jogadores online, tenham que contratar planos com franquia limitada.

Vale ressaltar que, até o momento, não há qualquer relatório que comprove, com evidências, o argumento das operadoras de que uma internet vendida apenas por velocidade estaria sobrecarregando a infraestrutura existente. Em audiência pública realizada no último dia 23 de maio, os representantes das teles adoraram a possibilidade de negociar em torno da proposta de limitar os heavy users.

Será preciso então retomar a mobilização se não quisermos que mais esse ataque à internet livre se consolide.

Por que a franquia de dados não faz sentido, especialmente na internet fixa?

Impedir que a franquia de dados seja estabelecida na banda larga fixa é fundamental para a garantia de direitos.

Conforme lembrou o autor do projeto de lei que proíbe a prática, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), em sua justificativa ao texto, diversos aspectos do exercício da cidadania dependem hoje da internet, como ensino à distância, declaração do imposto de renda e pagamento de obrigações tributárias.

Assim, não é razoável limitar o tráfego de dados na rede. Tal prática, inclusive, prejudicaria a parcela mais pobre da população, que muitas vezes se conecta em redes wi-fi abertas em espaços públicos ou privados – prática que certamente acabaria se vingasse a limitação de dados nas conexões fixas. Quem compartilharia sua rede se isso resultasse num pagamento maior às operadoras?

Na já citada audiência pública do dia 23, a associação de consumidores Proteste afirmou que limitar a franquia de dados na banda larga fixa é ilegal, pois a conexão à internet é considerada um serviço essencial pelo Marco Civil da Internet. Desta forma, cortar a internet por um motivo que não seja a inadimplência é algo que viola a legislação.

Na avaliação da associação, a permissão para que prestadoras imponham a franquia na banda larga fixa significaria, ainda, dar carta branca para que as teles reduzam os investimentos em rede, especialmente em redes modernas, como a de fibra óptica. Ou seja: seria dar um passo na direção contrária às necessidades do Brasil.

Vale lembrar que o modelo de franquia na banda larga – universalmente adotado na oferta de conexão móvel – tem gerado um volume gigantesco de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor.

Os usuários não conseguem controlar o uso de dados e, invariavelmente, são lesados por cobranças pouco claras. Tampouco as prestadoras de serviços de conexão móvel têm conseguido responder às necessidades dos consumidores fortalecendo formas de controle e acompanhamento de seu pacote de dados contratado.

A própria Anatel está investigando as operadoras brasileiras e seus parceiros por abusos na cobrança de serviços de valor agregado, que são aqueles que consomem os dados. A medida responde ao número de reclamações na agência, nos Procons e no Judiciário feitas por consumidores que dizem ser cobrados por serviços nunca contratados.

As investigações, que começaram no ano passado, apontam para diferentes práticas abusivas, como desrespeito à necessidade de confirmar duas vezes a contratação de serviço, falha nas informações básicas prestadas ao usuário e descumprimento do código de defesa do consumidor.

Por último, a ideia de que quem consome mais dados deve pagar mais por ele não tem qualquer embasamento material. Os dados, diferentemente da energia elétrica, não são finitos, não têm custo de criação para as operadoras. O que as operadoras querem é conseguir cobrar mais de quem já assina um serviço de conexão à internet em vez de expandir o acesso à rede no Brasil.

A solução é democratizar, não limitar

Enquanto as empresas dizem que precisam cobrar mais pelo acesso à internet para cobrir os custos de manutenção e ampliação da rede, nós dizemos que é preciso aumentar o número de usuários e discutir seriamente um modelo de universalização do acesso adequado para a população. Deveríamos, por exemplo, avançar na prestação do serviço de conexão à Internet em regime público, com garantia de modicidade tarifária e possibilidade de uso dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para a ampliação das redes.

Também o Estado deve agir para garantir infraestrutura em localidades de baixo retorno financeiro e oferecer a rede à iniciativa privada, principalmente pequenos provedores de conexão, conforme propõe a Campanha Banda Larga É Direito Seu.

Por último, mas de forma alguma menos importante, projetos para melhorar a infraestrutura de telecomunicações como um todo, reduzindo os custos e garantindo a qualidade do acesso, como os desenvolvidos pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br) – como a disseminação de pontos de troca de tráfego e a criação de redes de entrega de conteúdo em todo o Brasil – são respostas democráticas às necessidades reais de redes mais eficientes.

Impedir a franquia de dados na internet fixa, com a aprovação do PL não garantirá tudo isso. Mas é um primeiro e fundamental passo para barrar os impulsos de quem acha que o acesso pleno às redes deve ser algo exclusivo de quem pode pagar por isso. O texto aprovado esta semana vai agora para as comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Depois, passa ainda pelo plenário da Câmara, antes de ir para sanção da Presidência da República.

*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Intervozes.

Criação de órgão regulador autônomo é defendida por painelistas em audiência sobre proteção de dados pessoais

Comissão especial da Câmara analisa propostas que regulamentam a proteção de dados pessoais. Criação de agência independente é consenso entre os setores

No Brasil, a falta de uma legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que as informações pessoais registradas por empresas e bancos de dados sejam utilizadas de qualquer forma, seja para atender a interesses econômicos privados ou até mesmo para discriminar. Esta lacuna legislativa motivou a criação na Câmara dos Deputados da Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais – Projeto de Lei (PL) 4060/2012, apensado ao PL 5276/2016, do Executivo. Nesta quarta-feira, dia 31, ocorreu a 7ª audiência pública agendada pela comissão, sobre o tema “Modelo Regulatório: órgão, agência e autorregulamentação”.

Entre os palestrantes presentes, houve concordância sobre o fato de que somente a criação de uma estrutura de alcance nacional seria capaz de dar segurança jurídica a quem fornece os dados e a quem pretende utilizá-los, evitando assim o excesso de ações judiciais (judicialização) existente hoje. Outra questão reforçada na audiência pública foi a necessidade de autonomia do órgão regulador, que deverá ter liberdade para formular regras próprias e para atuar.

O texto do PL 5276/2016 sugere a criação de órgão centralizado, no modelo das agências reguladoras, com independência financeira e custeado por multas ou taxas específicas. Já o PL 4060/2012 sugere um modelo de autorregulação, que não é bem visto pelos especialistas. É o que destaca Beatriz Kira, coordenadora da Área de Conjuntura do InternetLab. Para ela, a proteção de dados envolve tanto o setor privado quanto o público. Por isso, não cabe na autorregulação. “É necessário que exista um órgão federal no modelo de agência, independente e capaz de responder às mudanças no setor, que possua regras e normas sólidas e que atue nos setores público e privado. Sem isso, sempre haverá insegurança jurídica”.

Kira reforça que este órgão tem que ter autonomia e liberdade para fiscalizar e aplicar sanções, permitir cooperação Internacional, uniformizar os padrões de proteção, incentivar as boas práticas e a produção de pesquisa, além de promover a educação e conscientização das pessoas sobre a importância da preservação dos dados na internet. “Para isto, é necessário que seja uma estrutura com corpo diretor independente, com servidores que garantam a institucionalização, corpo técnico especializado e, principalmente, que essa direção tenha um mandato específico para não haver interferências no trabalho.”

Cíntia Rosa Pereira Lima, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em direito eletrônico, o órgão de fiscalização deveria ser multissetorial, semelhante ao Comitê Gestor da Internet (CGI). “Um órgão capaz de aprovar regras específicas em diálogo constante com vários setores da sociedade, tendo assim legitimidade”, ponderou.

O diretor do sindicato de operadoras de telefonia (SindiTelebrasil), Alexandre Castro, disse ser favorável à fiscalização, mas sugeriu que a questão fosse ajustada no texto, “assegurando que a liberdade seja a regra”. Ele também propôs retirar do órgão regulador a competência de definir o tempo de proteção do dado, uma vez que seu uso seja autorizado pelo usuário. “Os dados estão no centro da revolução digital e devem ser tratados como ativos das empresas”.

É essencial que sejam obedecidas duas regras na elaboração da lei: proteger o usuário e servir ao mercado de forma segura e transparente. Quem afirma é Gabriel Reis Carvalho, diretor-substituto do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. “Uma lei de proteção de dados vai servir para que o consumidor tenha um pouco mais de controle sobre as suas informações que serão utilizadas”, declarou.

O relator dos projetos na Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP), diz que a lei deverá tratar também da matéria infralegal. “Ela deverá ser principiológica e não pode ser abstrata. Se for genérica, não atenderá ao que se pretende”, finalizou.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras.

Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras. O direito à privacidade, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados.

Os projetos de lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados, tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). O relator da comissão especial, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), comprometeu-se a apresentar seu parecer sobre um projeto definitivo ainda neste mês de junho.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Encontro Nacional reunirá defensores da Liberdade de Expressão e do Direito à Comunicação

Evento acontece entre os dias 26 e 28 de maio, em Brasília e qualquer pessoa interessada nos temas de direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento

O 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC), promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, acontece entre os dias 26 e 28 de maio, na Universidade de Brasília (UnB). O 3º ENDC chega esse ano com o objetivo de estabelecer redes e fortalecer os mais diversos movimentos que lutam pelo direito à comunicação, potencializando o espectro de ação dos diversos atores e a capacidade de intervir na formulação de políticas públicas.

A abertura do encontro será marcada por um Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia, durante o ato o FNDC pretende denunciar a escalada de violência contra as manifestações populares, censura privada e judicial na internet e nos meios de comunicação, violência contra comunicadores e cerceamento de liberdade da mídia alternativa. O ato será aberto ao público sem necessidade de inscrição prévia, mas sujeita à lotação do espaço, que será realizado no Centro Cultural da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), no Campus Darcy Ribeiro da UnB, às 19h do dia 26.

Na programação do 3ENDC também estão previstas conferências e atividades que abordarão temas como violações à liberdade de expressão, construção de um marco regulatório democrático para a mídia brasileira, defesa da comunicação pública, políticas de internet (liberdade de expressão e direito à privacidade), políticas de inclusão digital, entre outros, incluindo a participação de convidados nacionais e internacionais referenciais em cada tema.

Qualquer pessoa interessada no debate sobre direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento. A taxa de inscrição não inclui hospedagem, mas a comissão organizadora fechou convênios para descontos em hotéis e alojamentos. A taxa também inclui alimentação (almoço e coffee-break) nos dias 27 e 28. No dia 26, será servido um coffee-break durante o Ato Político pela Liberdade de Expressão, que será o momento de abertura oficial do evento, à noite. As inscrições serão feitas exclusivamente pela internet, no site www.doity.com.br/3endc, com valor de R$ 65,00 (cartão de crédito, boleto bancário ou débito bancário).

Como parte da programação do 3º ENDC, o FNDC também realizará sua 20ª Plenária Nacional, no dia 28 de maio. Entidades nacionais filiadas e comitês regionais do FNDC poderão indicar delegados e delegadas, de acordo com as regras gerais aprovadas pelo Conselho Deliberativo da entidade.

Confira a programação oficial

Sexta-feira 26 de maio
19h/22h – Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia
Local: Centro Cultural da Associação de Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

Sábado 27 de maio
9h/12h – Conferência: Internet, liberdade de expressão e privacidade

Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Dafne Plou – Associação para o Progresso das Comunicações (APC) | Argentina
Murilo Ramos – professor Faculdade de Comunicação da UnB
Joana Varon – Coding Rights
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

12h30/13h30 – Almoço

14h/16h – Painéis temáticos – Parte 1
1 – O papel da mídia no avanço da pauta conservadora e o discurso de ódio
Márcia Tiburi – Professora de Filosofia da UniRio e Universidade Mackenzie.
Paulo Henrique Amorim – Blog Conversa Afiada e TV Record
Cynara Menezes – Blog Socialista Morena

2 – Desnacionalização da economia na área de telecomunicações
Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Márcio Patusco – Clube de Engenharia do Brasil
Marcos Dantas – Professor titular da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

3 – A mídia e a luta contra a LGBTfobia e a discriminação de gênero
Ana Veloso – Professora de jornalismo na UFPE | Centro das Mulheres do Cabo
Elen Geraldes – Professora de Comunicação na UnB e uma das organizadoras do livro “Mídia, Misoginia e Golpe”
Julian Rodrigues – Associação Nacional LGBTI
Charô Nunes – Coordenadora do portal Blogueiras Negras

4 – Políticos donos da mídia
Bia Barbosa – Coordenadora nacional do coletivo Intervozes e secretária-geral do FNDC
Suzy Santos – Professora da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ
Artur Romeu – Coordenador de comunicação da Repórter Sem Fronteiras
Deborah Duprat – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF) – (a confirmar)

5 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários
Roni Anderson – Secretário nacional de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Raimunda Gomes (Doquinha) – Secretária nacional de comunicação da Central de Trabalhadores de Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Paulo Kliass – Doutor em Economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental

6 – Comunicação e cultura na mira do golpe
Sérgio Mamberti – Ator, diretor e roteirista, ex-secretário nacional do Ministério da Cultura
Dríade Aguiar – Gestora de comunicação do coletivo Fora do Eixo | Mídia Ninja
Dácia Ibiapina – Cineasta, professora e pesquisadora da UnB

16h30/18h30 – Painéis temáticos – Parte 2

7 – O desmonte da comunicação pública
Rita Freire – Jornalista | presidenta cassada do Conselho Curador (CC) da EBC
Venício Lima – Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) | Pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros do DCP-FAFICH-UFMG | conselheiro cassado do CC da EBC
Fernando Paulino – Professor e Diretor da Faculdade de Comunicação da UnB
Richard Santos – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira)

8 – Os desafios da radiodifusão comunitária
Geremias dos Santos – Coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço)
Jerry de Oliveira – Movimento Nacional de Rádios Comunitárias de Paulo (MNRC) | Diretor da Rádio Comunitária Noroeste FM (Campinas/SP)
Taís Ladeira – Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil)
Beto Almeida – Diretor da TV Comunitária de Brasília

9 – A mídia e a luta contra o racismo
Nilza Iraci – Instituto Geledés
Joelzito Araújo – cineasta, pesquisador e escritor
Jacira Silva – Coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU)

10 – O papel do jornalismo e da mídia alternativa na disputa informativa
Laura Capriglione – Jornalistas Livres
Renato Rovai – Diretor da Revista Fórum
Altamiro Borges – Presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Maria José Braga – Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)

11 – Transparência, acesso à informação e proteção de dados pessoais
Janara Sousa – Professora e pesquisadora da FAC/UnB
Danilo Rothberg – Professor e pesquisador da Unesp
José Antônio Moroni – Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Joana Varon – Coding Rights

12 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos sociais
Representante da Frente Brasil Popular (FBP)
Representante da Frente Povo Sem Medo (FPSM)
Juliana Acosta – conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
Gilson Reis – Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Locais: anfiteatro 10 (ICC Sul), anfiteatro 8 (ICC Sul), anfiteatro 9 (ICC Sul), auditório Pompeu de Souza (Faculdade de Comunicação/FAC), sala 12 (FAC) e sala 13 (FAC).

18h30/20h – Atividades Livres

Domingo 28 de maio
9h/11h30 – Conferência: Meios de comunicação, regulação e democracia

Aleida Calleja – jornalista mexicana, coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom)
Renata Mielli – Coordenadora-geral do FNDC e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
César Bolaño – professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Cynthia Ottaviano – jornalista e professora | ex-defensora do público pela Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina

Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

11h45 – Abertura da 20ª Plenária Nacional do FNDC e aprovação da Carta de Brasília
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)
12h30/13h30 – Almoço

13h30 – Deliberações 20ª Plenária Nacional do FNDC
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

15h30 – Encerramento

 

Câmara Federal debate proliferação de grupos nas redes sociais com o tema “Baleia Azul”

Para especialista, “a internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos” pela sociedade

Em seminário promovido nesta terça-feira, dia 16, por quatro comissões temáticas da Câmara dos Deputados, ganhou espaço para debates a séria questão dos possíveis casos de mortes de adolescentes provocadas por influência de jogos virtuais. Organizada pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Legislação Participativa; de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, a atividade foi motivada pela proliferação, nas redes sociais, de grupos de jovens interessados no tema “Baleia Azul”, jogo apontado como incentivador de situações de risco de vida entre adolescentes.

Alguns deputados destacaram a “valorização da família” para evitar que ocorram novos casos de mortes por influência de jogos virtuais. Há casos relatados de suicídio e automutilação de jovens que estão sendo relacionados ao jogo Baleia Azul, surgido em redes sociais russas e caracterizado por uma série de desafios impostos ao jogador, que só consegue passar de fase se obedecer às orientações que vão desde o isolamento social até a automutilação. A comunicação com os jogadores é feita somente em comunidades fechadas. Nestas conversas, os participantes são instigados a cumprirem as etapas propostas pelos criadores do jogo. Há casos investigados de até mesmo suicídios entre estes participantes.

Para Demi Getschko, integrante do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI-BR), a internet é espelho da sociedade, nos mostrando ações, atividades e mazelas espalhadas pelo mundo. “A internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos. Quebrar o termômetro não resolve nada”, avaliou. “Se temos muita chuva, podemos ter um desbarrancamento, e a solução não é impedir a chuva, e sim prevenir o desbarrancamento. Defendo o Marco Civil da Internet por ser um exemplo de equilíbrio entre os extremos e por proteger provedores de conteúdo, e não os autores. Há que se caçar quem cria o jogo, não quem hospeda”, ponderou ele, em seguida.

A terapeuta familiar Elisabete Comparini destacou que a adolescência é um período de muitas mudanças e dificuldades e que diversos fatores podem levar um jovem a sentir o desejo de “sumir”. Entre os casos de suicídio, ela ressalta que cerca de 90% envolvem alguma situação de transtorno mental, como depressão. “É um período de passagem, de crise, de transformação. O adolescente está na busca da pertença, para sentir que faz parte. Ele precisa ser ouvido, acolhido, direcionado”, enfatizou.

A psicóloga Marisa Lobo acredita que a maioria desses jovens sofrem bullying na escola e querem a aceitação dos colegas, além daqueles que enfrentam problemas em casa, como a separação dos pais, ou as cobranças em excesso. Para ela, a atenção dos pais é indispensável. Por isso, ela recomenda que escutem mais seus filhos e demonstrem afeto. “Vivemos a geração do menor digital abandonado. Crianças e adolescentes estão crescendo sob os cuidados da internet, sem a presença dos pais em suas vidas. Temos, nessa cultura vigente, a família como algo dispensável”, frisou.

A psiquiatra Fernanda Benquerer, representante da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), apontou que a prevenção do suicídio deveria ser trabalhada também nas escolas, e de forma contínua. “É na escola que podemos identificar estudantes em risco e encaminhá-los a tratamento. Para isso, todo um trabalho deve ser feito também com os profissionais da educação”. Na sua avaliação, a mídia também pode ser um risco para quem apresenta vulnerabilidades a comportamento suicida. Neste sentido, os casos de suicídio não devem ser alardeados ou glamourizados. “Esse tema deve ser abordado de forma responsável e com indicação de onde buscar ajuda”, ponderou.

Em 2000, o tema do suicídio foi abordado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio de um guia, com recomendações para o tratamento da questão pela mídia e sugestões de formas de atuação em prol da prevenção. Uma das recomendações refere-se justamente ao perigo da veiculação de imagens, trechos de conversas, cartas e outros conteúdos que possam apontar caminhos e formas de cometer suicídio para pessoas que estão vulneráveis. A publicação conclui afirmando que a solução seria educar jovens e adultos para a mídia, e não apenas para o uso de recursos digitais.

Durante suas participações no seminário, os representantes do Google e do Facebook, Marcelo Lacerda e Bruno Magrani, respectivamente, demonstraram as ações que ambas as empresas para manter a segurança na internet e evitar a divulgação de conteúdos perigosos em plataformas como a da fanpage e o YouTube. Entre estas ações foram citadas a possibilidade de denúncia de conteúdo impróprio por parte dos usuários e o redirecionamento das pessoas afetadas para organizações de ajuda, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), além de campanhas de conscientização.

Thiago Tavares, presidente da organização SaferNet, apoiou as propostas legislativas que promovam a efetiva implementação das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, propostas há mais de dez anos pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 1.876/06). A SaferNet também lançou recentemente uma campanha nas redes sociais que atingiu quatro milhões de usuários e, em parceria com o Centro de Valorização da Vida e o Facebook, preparou um guia com dicas sobre como identificar sinais de que um amigo pode estar enfrentando sofrimento emocional.

Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), um dos autores do requerimento para a realização do seminário, é necessário ter cautela no tratamento do assunto, a fim de que a Câmara dos Deputados não iniba por meio de leis o acesso à internet, “o meio mais democrático de expor opiniões”, segundo ele.

Projetos em tramitação
Durante o seminário, o deputado Aureo (SD-RJ) disse que é preciso aumentar as penas para quem induzir ao suicídio com uso de tecnologia da informação e de comunicação. Uma modificação nesse sentido, considerou, deveria ser feita no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40). Também os deputados Flávia Morais (PDT-GO), Josi Nunes (PMDB-TO) e Vitor Valim (PMDB-CE) apresentaram sugestões para alterar o Código Penal. Esses textos tramitam apensados ao PL 6989/2017, de autoria do deputado Odorico Monteiro (Pros-CE), que prevê alterações no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14).

Entidades de defesa dos direitos na internet criticam o Projeto de Lei 6989/2017. De acordo com Marina Pita, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Marco Civil da Internet garante que, em caso de divergência de análise – entre o denunciante e o moderador da empresa -, a rede social em questão terá a Justiça como mediadora para afirmar se deve derrubar o conteúdo, explica Pita.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação