Criação de órgão regulador autônomo é defendida por painelistas em audiência sobre proteção de dados pessoais

Comissão especial da Câmara analisa propostas que regulamentam a proteção de dados pessoais. Criação de agência independente é consenso entre os setores

No Brasil, a falta de uma legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que as informações pessoais registradas por empresas e bancos de dados sejam utilizadas de qualquer forma, seja para atender a interesses econômicos privados ou até mesmo para discriminar. Esta lacuna legislativa motivou a criação na Câmara dos Deputados da Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais – Projeto de Lei (PL) 4060/2012, apensado ao PL 5276/2016, do Executivo. Nesta quarta-feira, dia 31, ocorreu a 7ª audiência pública agendada pela comissão, sobre o tema “Modelo Regulatório: órgão, agência e autorregulamentação”.

Entre os palestrantes presentes, houve concordância sobre o fato de que somente a criação de uma estrutura de alcance nacional seria capaz de dar segurança jurídica a quem fornece os dados e a quem pretende utilizá-los, evitando assim o excesso de ações judiciais (judicialização) existente hoje. Outra questão reforçada na audiência pública foi a necessidade de autonomia do órgão regulador, que deverá ter liberdade para formular regras próprias e para atuar.

O texto do PL 5276/2016 sugere a criação de órgão centralizado, no modelo das agências reguladoras, com independência financeira e custeado por multas ou taxas específicas. Já o PL 4060/2012 sugere um modelo de autorregulação, que não é bem visto pelos especialistas. É o que destaca Beatriz Kira, coordenadora da Área de Conjuntura do InternetLab. Para ela, a proteção de dados envolve tanto o setor privado quanto o público. Por isso, não cabe na autorregulação. “É necessário que exista um órgão federal no modelo de agência, independente e capaz de responder às mudanças no setor, que possua regras e normas sólidas e que atue nos setores público e privado. Sem isso, sempre haverá insegurança jurídica”.

Kira reforça que este órgão tem que ter autonomia e liberdade para fiscalizar e aplicar sanções, permitir cooperação Internacional, uniformizar os padrões de proteção, incentivar as boas práticas e a produção de pesquisa, além de promover a educação e conscientização das pessoas sobre a importância da preservação dos dados na internet. “Para isto, é necessário que seja uma estrutura com corpo diretor independente, com servidores que garantam a institucionalização, corpo técnico especializado e, principalmente, que essa direção tenha um mandato específico para não haver interferências no trabalho.”

Cíntia Rosa Pereira Lima, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em direito eletrônico, o órgão de fiscalização deveria ser multissetorial, semelhante ao Comitê Gestor da Internet (CGI). “Um órgão capaz de aprovar regras específicas em diálogo constante com vários setores da sociedade, tendo assim legitimidade”, ponderou.

O diretor do sindicato de operadoras de telefonia (SindiTelebrasil), Alexandre Castro, disse ser favorável à fiscalização, mas sugeriu que a questão fosse ajustada no texto, “assegurando que a liberdade seja a regra”. Ele também propôs retirar do órgão regulador a competência de definir o tempo de proteção do dado, uma vez que seu uso seja autorizado pelo usuário. “Os dados estão no centro da revolução digital e devem ser tratados como ativos das empresas”.

É essencial que sejam obedecidas duas regras na elaboração da lei: proteger o usuário e servir ao mercado de forma segura e transparente. Quem afirma é Gabriel Reis Carvalho, diretor-substituto do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. “Uma lei de proteção de dados vai servir para que o consumidor tenha um pouco mais de controle sobre as suas informações que serão utilizadas”, declarou.

O relator dos projetos na Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP), diz que a lei deverá tratar também da matéria infralegal. “Ela deverá ser principiológica e não pode ser abstrata. Se for genérica, não atenderá ao que se pretende”, finalizou.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras.

Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras. O direito à privacidade, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados.

Os projetos de lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados, tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). O relator da comissão especial, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), comprometeu-se a apresentar seu parecer sobre um projeto definitivo ainda neste mês de junho.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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