Procuradoria-Geral da República defende que políticos não podem ter participação na radiodifusão

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) com parecer favorável à ação que questiona a possibilidade de políticos com mandato eletivo serem beneficiados com a outorga de concessão de emissoras de rádio e televisão, afirmando que políticos não podem ter participação, mesmo que indireta, em empresas de radiodifusão. Para Janot, essa participação “confere poder de influência indevida sobre a imprensa”.

O posicionamento responde à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 379, protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em dezembro de 2015 e relatada pelo ministro Gilmar Mendes. O partido defende que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que parlamentares sejam sócios de concessionárias de rádio e televisão, tendo em vista a liberdade de expressão e o direito à informação. Viola também o artigo 54 da Constituição, que proíbe a deputados e senadores “firmar ou manter contrato com (…) empresa concessionária de serviço público”.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se também pela concessão da cautelar, já que há realização periódica de eleições no país, “com sucessiva renovação do quadro de lesão a preceitos fundamentais”.

Na Ação Penal 530, o STF já havia se posicionado sobre o assunto. A ministra Rosa Weber afirmou, em seu voto, que “a proibição específica de que parlamentares detenham o controle sobre empresas de (…) radiodifusão” visou evitar o “risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir para o livre debate e informação, fosse utilizado apenas em benefício do parlamentar, deturpando a esfera do discurso público”.

Segundo a ministra do STF, “democracia não consiste apenas na submissão dos governantes à aprovação em sufrágios periódicos. Sem que haja liberdade de expressão e de crítica às políticas públicas, direito à informação e ampla possibilidade de debate de todos os temas relevantes para a formação da opinião pública, não há verdadeira democracia”. Continua Rosa Weber: “para garantir esse espaço livre para o debate público, não é suficiente coibir a censura, mas é necessário igualmente evitar distorções provenientes de indevido uso do poder econômico ou político”.

Na manifestação dirigida ao STF, Janot ainda pede que a Presidência da República e o Ministério das Comunicações não outorguem ou renovem concessões, permissões e autorizações de radiodifusão a políticos. O pedido se estende ao Congresso Nacional, para que se abstenha de aprovar as outorgas, e também ao Judiciário, para não que não diplome políticos que participem desse tipo de empresa. Segundo o procurador-geral, a prática viola a isonomia, o pluralismo político e a soberania popular. Atualmente, conforme dados cruzados da Agência Nacional de Telecomunicações e do Tribunal Superior Eleitoral, cerca de 30 deputados federais e oito senadores são sócios de pessoas jurídicas que exploram atividades de radiodifusão.

Para Janot, a radiodifusão é essencial para efetivar a liberdade de expressão e o direito à informação. Segundo ele, quem controla canal de radiodifusão tem poder de exercer influência sobre a opinião pública. Sendo assim, a manifestação aponta “potencial risco da utilização de canais de radiodifusão para defesa de interesses próprios ou de terceiros”.

Serviço público

No documento, o procurador-geral ainda menciona que a Constituição Federal e o STF reconhecem a radiodifusão como serviço público. A Constituição estabelece que deputados e senadores, desde o momento em que são diplomados, não podem firmar ou manter contrato com empresa concessionária de serviço público. No momento da posse, os parlamentares também não podem ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que usufrua de favor decorrente de contrato com o poder público. Além disso, é vedado que os parlamentares sejam sócios de pessoas jurídicas prestadoras ou exploradoras de serviço público de radiodifusão.

Desta forma, com todas as vedações e jurisprudências apresentadas no parecer, o procurador-geralconclui que a participação direta ou indireta de titulares de mandato eletivo como sócios ou associados de pessoas jurídicas concessionárias, permissionárias ou autorizatárias de radiodifusão, viola a Constituição.

“Pessoas jurídicas controladas ou compostas por detentores de mandato parlamentar podem interferir, e de fato interferem, na medida do interesse de seus sócios e associados, na divulgação de opiniões e de informações, e impedem que meios de comunicação cumpram seu dever de divulgar notícias e pontos de vista socialmente relevantes e diversificados e de fiscalizar o exercício do poder público e as atividades da iniciativa privada”, destacou Janot.

No relato, o procurador-geral ainda lembra que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania daCâmara dos Deputados, em 2011, aprovou 38 concessões de radiodifusão e a renovação de outras 65 em apenas três minutos, com apenas um deputado no Plenário. Outra situação grave é a de que os parlamentares votem pela aprovação de suas próprias outorgas e renovações, havendo, nesta caso, conflito entre os interesses público e privado.

Em pesquisa realizada em 2013 pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo DataPopular, apesar de 35% das pessoas ouvidas acharem que a concessão a parlamentares é permitida, 63% dos entrevistados se mostraram contrários à propriedade de meios por políticos. O mesmo estudo mostrou que 69% consideram que ser dono de TV ou rádio dá mais chances para que o candidato seja eleito. O estudo também revela que 44% da população não sabe que, para se ter uma emissora de rádio ou televisão, é necessária a autorização do Estado.

Confira abaixo a relação dos 40 deputados federais e senadores sócios de empresas prestadoras de serviços de radiodifusão que aparecem no Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Anatel:

Deputados Federais

  1. Adalberto Cavalcanti Rodrigues, PTB-PE
  2. Afonso Antunes da Motta, PDT-RS
  3. Aníbal Ferreira Gomes, PMDB-CE
  4. Antônio Carlos Martins de Bulhões, PRB-SP
  5. Átila Freitas Lira, PSB-PI
  6. Bonifácio José Tamm de Andrada, PSDB-MG
  7. Carlos Victor Guterres Mendes, PMB-MA
  8. César Hanna Halum, PRB-TO
  9. Damião Feliciano da Silva, PDT-PB
  10. Dâmina de Carvalho Pereira, PMN-MG
  11. Domingos Gomes de Aguiar Neto, PMB-CE
  12. Elcione Therezinha Zahluth Barbalho, PMDB-PA
  13. Fábio Salustino Mesquita de Faria, PSD-RN
  14. Felipe Catalão Maia, DEM-RN
  15. Felix de Almeida Mendonça Júnior, PDT-BA
  16. Jaime Martins Filho, PSD-MG
  17. João Henrique Holanda Caldas, PSB-AL
  18. João Rodrigues, PSD-SC
  19. Jorginho dos Santos Mello, PR-SC
  20. José Alves Rocha, PR-BA
  21. José Nunes Soares, PSD-BA
  22. José Sarney Filho, PV-MA
  23. Júlio César de Carvalho Lima, PSD-PI
  24. Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, PMDB-SP
  25. Luiz Gionilson Pinheiro Borges, PMDB – AP
  26. Luiz Gonzaga Patriota, PSB-PE
  27. Magda Mofatto Hon, PR-GO
  28. Paulo Roberto Gomes Mansur, PRB-SP
  29. Ricardo José Magalhães Barros, PP-PR
  30. Rodrigo Batista de Castro, PSDB-MG
  31. Rubens Bueno, PPS-PR
  32. Soraya Alencar dos Santos, PMDB-RJ

Senadores

  1. Acir Marcos Gurgacz, PDT-RO
  2. Aécio Neves da Cunha, PSDB-MG
  3. Edison Lobão, PMDB-MA
  4. Fernando Affonso Collor de Mello, PTB-AL
  5. Jader Fontenelle Barbalho, PMDB-PA
  6. José Agripino Maia, DEM-RN
  7. Roberto Coelho Rocha, PSB-MA
  8. Tasso Ribeiro Jereissati, PSDB-CE

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do JOTA.

Entidades cobram mais transparência e participação social no Congresso

Entidades da sociedade civil estiveram reunidas nesta quarta-feira, dia 24, na Câmara dos Deputados, em Brasília, para apresentar ao presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), uma carta com propostas de inovação institucional que promovam o aperfeiçoamento dos instrumentos de acompanhamento das atividades da Câmara pela sociedade civil. As entidades também reivindicaram a adoção de sistemas que promovam uma maior participação social nas decisões.

A carta entregue define pontos essenciais para que se alcance a transparência desejada pela sociedade civil organizada. Na reunião desta quarta-feira, as entidades destacaram a necessidade de criação de um mecanismo oficial e público de contagem das sessões ordinárias da Câmara para que se possa fazer o acompanhamento dos prazos de análise de projetos de lei nas comissões temáticas. “Desta forma, o deputado poderá ser cobrado no cumprimento de entrega dos projetos que estão sob sua responsabilidade. E, em caso de descumprimento do prazo, esse projeto seja encaminhado para outro parlamentar”, ponderou Paula Johns, diretora-executiva da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT).

Outros temas que foram ressaltados pelas entidades na reunião: a criação de um sistema de busca e classificação temática de novos projetos de lei e dos pareceres apresentados durante a tramitação; justificativa de voto dos parlamentares por meio da Lei de Acesso à Informação; e o chamado “Amicus Legis”, que é um mecanismo de contribuição oficial das organizações da sociedade civil nas propostas legislativas. Maia designou o deputado Carlos Sampaio (PSDB/SP) para trabalhar juntamente com a Diretoria-Geral da Câmara no estudo das propostas.

Audiência Pública

Após a reunião, as entidades participaram de uma audiência pública sobre o tema: “Por mais transparência e participação social”. No debate, Cristiano Ferri, servidor da Câmara, apresentou aos presentes o Laboratório Hacker, que também serve como ferramenta de transparência. Segundo Ferri, o laboratório “é um espaço para promover o desenvolvimento colaborativo de projetos inovadores em cidadania relacionados ao Poder Legislativo”.

Outro instrumento de interação com o cidadão apresentado foi o e-democracia, que é uma ferramenta de participação popular no processo legislativo. “Essa ferramenta é muito utilizada quando o relator de um projeto quer ideias e opiniões para aperfeiçoamento deste projeto”, destacou Ferri.

Para Pétala Brandão, da Rede Conectas, as propostas são fruto do trabalho legítimo e bem articulado de entidadesque representam o interesse público. “Diante da atual conjuntura, precisamos garantir que não haja retrocessos no  campo dos direitos humanos”, afirmou.

Estiveram presentes nas atividades as seguintes entidades: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação; Aliança de Controle  de Tabagismo e de Promoção da Saúde (ACT);Transparência Internacional; Rede Justiça Criminal e Conectas Direitos Humanos; Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE); Instituto Sou da Paz; Avaaz e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Exclusão dos debates eleitorais impõe restrições à democracia

Na semana em que candidatos expressivos das duas maiores cidades do país ficam fora dos debates, vemos que este espaço está longe de ser democrático

Por Ana Claudia Mielke*

Em 2015, um dos temas sobre o que mais se falou neste país foi a tal da “reforma politica”. Feita às pressas – para atender aos interesses imediatos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e seus cúmplices –, e em fatias – limitando-se a alterar questões pontuais da legislação até então em vigor –, a reforma não alterou questões centrais no modo de fazer campanha no país e ainda impôs restrições importantes ao debate democrático.

Uma das alterações diz respeito aos debates promovidos pelas emissoras abertas de rádio e TV. De acordo com a legislação em vigor, os debates são facultativos, ou seja, não existe obrigatoriedade em realizá-los.

Até 2014, ao optar por realizar debate entre os concorrentes, as emissoras estariam obrigadas a convidar todos que estivessem disputando a eleição, desde que o partido do candidato possuísse representação na Câmara dos Deputados. E isto valia tanto para debates relacionados aos cargos majoritários (executivos municipal, estadual, federal e senadores) quanto para cargos proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais).

Com a aprovação da Lei nº 13.165/2015, que dá nova redação a lei anterior, as emissoras passaram a ser obrigadas a convidar apenas os candidatos cujos partidos tenham representação na Câmara superior a nove deputados federais.

Aos demais, o convite ao debate é facultativo e, mesmo que seja feito tal convite, a participação dos demais candidatos depende de acordo prévio realizado entre a emissora/entidade e o conjunto dos concorrentes naquela eleição específica, com aprovação de 2/3.

O parágrafo 5º do art. 46 da nova lei, cuja redação diz “[…] para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional”.

Este detalhe, bastante específico, cria um ambiente inóspito às negociações que são feitas para viabilizar a participação de todos nos debates, uma vez que põe nas mãos dos concorrentes a decisão final por manter ou retirar um candidato do debate.

É o que já aconteceu nesta semana, em São Paulo, com a exclusão da candidata Luiza Erundina, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do debate promovido pela Band, na segunda-feira (22) e acontecerá hoje no Rio de Janeiro, com a exclusão de Marcelo Freixo (PSOL) também de debate realizado pela Band. Erundina está em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e Marcelo Freixo, em segundo.

No caso paulista, a emissora não tardou em jogar a responsabilidade pela exclusão no colo de Marta Suplicy (PMDB), João Doria (PSDB) e Major Olímpio (Solidariedade), que não assinaram o documento proposto pela emissora que previa a participação de todos os candidatos no debate. Na disputa pela prefeitura carioca, a participação de Freixo foi barrada pelos votos dos candidatos Flávio Bolsonaro (PSC), Pedro Paulo Carvalho (PMDB) e Indio da Costa (PSD).

Luiza Erundina
A candidata à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Luiza Erundina, excluída do primeiro debate

Em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, o candidato a prefeito Eliseu Amarilho (PSDC) ameaçou retirar sua candidatura ao descobrir que não teria a oportunidade de participar do debate eleitoral que será realizado dia 29 de setembro pela TV Morena, afiliada da Globo no estado. Com ele, são 8 dentre os 15 candidatos oficializados que devem ficar de fora do debate eleitoral na capital sul mato-grossense.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) se pronunciou na terça-feira (23), dizendo que “não procedem as notícias recentemente veiculadas de que 2/3 dos candidatos aptos poderiam determinar a exclusão de candidatos de pequenos partidos (não aptos), à revelia das emissoras”. Sim, é verdade. Os candidatos não podem decidir isso sozinhos, precisam da anuência da rádio, TV ou entidade jurídica que pretende realizar o debate. Acontece que, tradicionalmente, as maiores interessadas em excluir candidatos dos debates políticos sempre foram a emissoras.

A regra que permite o impedimento da participação dos candidatos está em votação no Supremo Tribunal Federal (STF) e é contestada por partidos como Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Partido da República (PR), além do já citado PSOL. Neste processo, o advogado da Abert Gustavo Binenbojm tem usado como argumentos que a limitação do número de candidatos corrige uma anomalia do próprio sistema partidário, marcado pela fragmentação de siglas, e permite que os debates sejam mais profícuos e informativos. A liberdade de escolha deve ser, para a Abert, das emissoras.

Em ano eleitoral, as grandes emissoras comercias – Globo, Band e Record – realizam inúmeras reuniões prévias de negociação dos debates das quais participam diretores das rádios e TVs, assessores dos “grandes” candidatos e representantes dos candidatos “menores”. Além das regras do próprio debate (sorteio de ordem e de perguntas, tempo de resposta, possibilidades de réplica e tréplica, etc), estas reuniões sempre tiveram um objetivo claro: diminuir o número de candidatos participantes.

O motivo para limitar o número de candidatos nos debates é, quase sempre, estético, afinal, “não fica bonito mais do que quatro candidatos debatendo na TV” – como ouvi, em 2008, de um dos diretores da TV Globo, responsável por conduzir as negociações. Já naquele ano, a oferta que se fazia era: “Damos a vocês, que aceitarem ficar fora do debate, um tempo a mais em cobertura diária das ações de campanha e uma entrevista de 3 minutos no jornal do meio dia”.

Muitos candidatos acabavam aceitando a proposta, abrindo mão de participar do confronto direto. Os que mantinham a determinação de participar quase sempre eram incluídos na última hora – depois de finalizadas todas as tentativas de assédio, digo, negociação por parte das emissoras. Naquele ano de 2008, a TV Globo SP decidiu não fazer o debate entre os candidatos à prefeitura no primeiro turno porque o então candidato pelo PSOL, deputado Ivan Valente, apesar da pressão, não aceitou fazer o acordo.

A legislação, por seu lado, garantia aos partidos menores o direito a esta participação, pois não a condicionava a um número de representantes na Câmara Federal – o PSOL naquele ano tinha três representantes – nem tampouco submetia a decisão final aos concorrentes. É óbvio, portanto, que numa situação em que a emissora queira diminuir o número de participantes – por questões técnicas e estéticas, como se costuma justificar – ela jogará aos concorrentes a responsabilidade por tomar este tipo de decisão – não poderia ser mais cômodo para Globo, Band, Record e, obviamente, para a Abert.

Direito à participação

Um dos pilares da democracia é o direito à participação. Este direito, por sua vez, está condicionado a outros também necessários e fundamentais, como a liberdade de expressão. Não existe democracia de fato sem participação, e não existe participação sem que sejam construídas condições que permitam a livre expressão das ideias e opiniões políticas, com isonomia entre os pretensos participantes. No Brasil, por outro lado, dois fenômenos em curso desvirtuam o direito à participação.

O primeiro ocorre quando se condiciona liberdade de expressão exclusivamente à liberdade de imprensa, como se tal direito fosse apenas das empresas comerciais de comunicação de dizer o que querem sem intervenção estatal, e não um direito de todos os cidadãos e cidadãs de serem bem informados quando abordados, em suas casas, por estas mesmas empresas de mídia.

O segundo, aparentemente, revela uma tentativa de privilegiar os que detêm maior poder de barganha política – isso inclui tempo no horário eleitoral “gratuito” na TV e no rádio – e soterrar aqueles que, limitados pelo tempo de existência ou pelo número de zeros na conta corrente, dependem de maior visibilidade para ter suas ideias e ideais conhecidos pelo grande público.

Se a concentração midiática brasileira é causa e consequência do primeiro fenômeno, seria razoável dizer que uma tradição oligárquica na política estaria na base do segundo. A nova lei eleitoral, portanto, aprovada por um congresso liderado por Eduardo Cunha, é apenas a expressão disto, posto que não garante a isonomia necessária para a participação de todos ao tratar com benefícios os maiores e retirar direito dos partidos ditos menores.

Embora os exemplos trazidos no texto sejam em sua maioria do PSOL, que atualmente tem seis deputados federais atuando na Câmara, na prática, partidos como PHS, com sete deputados, Partido Popular Socialista (PPS), que possui oito deputados, Partido Republicano da Ordem Social (PROS), com sete deputados, Partido Verde (PV), que tem seis deputados, Rede Sustentabilidade (REDE), com quatro deputados, Partido da Mulher Brasileira (PMB), com dois deputados, Partido Republicano Progressista (PRP) e Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), ambos com apenas um deputado também sofrerão as consequências desta política de exclusão.

“Gratuito” entre aspas

Tem gente que não gosta, acha chato, banal ou mesmo engraçado, mas o horário eleitoral gratuito nas emissoras de rádio e TV ainda é um meio de alcançar uma ampla parcela da população. Num país com as dimensões do Brasil, trata-se de um instrumento de alcance importante, sem o qual uma parcela da população, talvez, sequer soubesse das eleições.

É justamente visando a este alcance informativo sobre o processo eleitoral que a Lei nº 9504/1997 instituiu este instrumento, sendo um programa em bloco, que vai ao ar duas vezes por dia (manhã e meio dia no rádio; meio dia e noite na TV), e inserções ao longo da programação.

O problema é que de gratuito este horário não tem nada, uma vez que o Estado brasileiro ressarce as emissoras abertas pela veiculação da propaganda partidária. Segundo o site Contas Abertas, o governo federal deverá ressarcir às emissoras, por meio de dedução tributária direta, cerca de R$ 576 milhões no ano de 2016. O valor ressarcido é equivalente a 80% do que as emissoras ganhariam vendendo publicidade naquele mesmo período da grade da programação – cálculo que se dá pelo horário nobre, diga-se de passagem.

Levando em conta que as emissoras em questão são concessões públicas – possuem o direito de uso do espectro radioelétrico pertencente à União por um tempo determinado para a transmissão de programação e aferição e lucro sobre isso – a dedução do imposto de renda pela exibição do horário eleitoral é, na verdade, um engodo jurídico, pois quem está pagando pelo horário é o cidadão, que abre mão do valor citado para que as empresas possam veicular o horário. As emissoras, embora reclamem, não querem abrir mão disso, afinal, é um dinheiro que entra (ou deixa de sair) independente da variação da audiência.

Neste ano, o tempo do programa em bloco no rádio e na TV foi diminuído, de 45 para 35 dias (começando nesta sexta-feira, 26, e indo até o dia 29 de setembro), assim como diminuiu de 30 para 10 minutos o tempo do bloco para os cargos de prefeitos. Já para os cargos proporcionais, valem apenas as inserções ao longo da programação, cujo tempo aumentou de 30 para 70 minutos por dia.

Aos grandes partidos, segue o vale tudo das coligações pragmáticas, que visam a aumentar o tempo de aparição na TV. Afinal, 90% dos programas em bloco são distribuídos proporcionalmente aos partidos com maior número de representantes na Câmara e os demais 10% são distribuídos igualitariamente entre todos.

Já aos chamados “pequenos partidos”, segue valendo a militância, o ciberativismo, o corpo-a-corpo nas ruas e alguma criatividade para dar visibilidade às propostas. Como vimos, ainda vivemos num país em que informação, liberdade de expressão e direito à participação seguem sendo privilégios de poucos.

* Ana Claudia Mielke é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Coletivo Intervozes

Jean Wyllys assume coordenação da Frente Pela Liberdade de Expressão

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) foi empossado como o novo coordenador da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom) nesta terça-feira, 23, na Câmara dos Deputados.

A Frentecom é uma iniciativa lançada em 2011 por entidades da sociedade civil e pela deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) com o objetivo de acompanhar os debates sobre direito à comunicação e à liberdade de expressão no Brasil. Conforme a deputada, a Frentecom inovou ao contar com uma presença ativa e constante por parte da sociedade civil. “As entidades sempre tiveram inciativa em pautar a frente e manter a luta pela democratização da comunicação”, destacou ela durante a solenidade.

Ao enfatizar a luta coletiva, a parlamentar lembrou também o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Todos têm o direito à liberdade de opinião e de expressão. “Este direito inclui a liberdade para ter opiniões sem interferência e para procurar, receber e dar informação e ideias através de qualquer meio de comunicação, sem importar as fronteiras”, apontou Erundina, ressaltando a importância da Frentecom para que se possa barrar os retrocessos que estão ocorrendo nesta área no país.

Ao transmitir o cargo, Erundina reforçou a atuação ativa e relevante do deputado Jean Wyllys nas redes sociais e refletiu sobre o desejo dele de mudar o mundo. “Um jovem parlamentar dará uma nova energia para continuarmos construindo esse sonho e utopias que não cabem na vida de uma única pessoa”, afirmou.

Jean Wyllys, que recebe a missão de suceder a deputada Luiza Erundina na coordenação da frente parlamentar em meio a um processo de ruptura democrática e de perdas de direitos, criticou a postura do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cuja gestão criou a figura do secretário de Comunicação Social – cargo que dá ao parlamentar que o ocupa o poder de gestão sobre os meios de comunicação da Casa. “Essa atitude é antidemocrática e partidariza um órgão do Legislativo que deveria ser plural e servir aos interesses da sociedade”, frisou Wyllys.

O deputado também provocou os deputados presentes no sentido de que ofereçam seu apoio para a criação de uma coordenação colegiada, formada por deputados de diferentes partidos e tendências, a qual ficaria responsável por acompanhar a comunicação realizada pela Câmara. Desta forma, na sua avaliação, se estaria trabalhando pela democratização e pelo respeito aos interesses públicos. Essa coordenação colegiada substituiria a figura do deputado-secretário de Comunicação criada por Cunha.

O deputado ainda destacou seu interesse em fortalecer a relação da Frentecom com outras frentes parlamentares que visem a democratização da internet e a defesa de direitos humanos, assim como o diálogo com outros atores da sociedade civil que não estão organizados em instituições, mas que também são ativistas do direito à comunicação e à liberdade de expressão. “O diálogo e articulação com essas frentes serão fundamentais para não retrocedermos em pautas que já representaram avanços para a sociedade”, ponderou.

Agenda para 2016-2017
As prioridades de atuação da Frentecom para o período 2016-2017 foram apresentadas no evento. Os eixos centrais serão a defesa da comunicação pública, o combate à perseguição de blogueiros e ativistas de comunicação e a defesa da internet livre, aberta e neutra. “Precisamos defender o caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e de uma programação que contenha a participação das múltiplas vozes e segmentos que compõem a diversidade da sociedade brasileira”, afirmou.

Especificamente em relação ao acesso livre à internet, Wyllys lembrou que a própria Frentecom visa “a ampliação e a democratização do acesso à internet e a promoção de uma maior democratização da comunicação, aproveitando as novas tecnologias”, e que o acesso livre à rede mundial de computadores é o melhor caminho para se atingir os objetivos da Frente Parlamentar.

Saiba mais sobre a Frentecom
Criada em 2011 a partir de um grande debate entre parlamentares e entidades da sociedade civil, a Frentecom pretende acompanhar as questões pertinentes ao direito à comunicação e à liberdade de expressão no Brasil, especialmente as pautas em tramitação na Comissão de Ciências e Tecnologias, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) e Ministério das Comunicações.

É um espaço para que a sociedade civil possa se posicionar em defesa de seus interesses, a partir da articulação para a promoção de audiências públicas, proposição de projetos de lei e garantia de espaços efetivos para a participação e o interesse popular nas decisões tomadas no âmbito da Câmara no que se refere ao setor de comunicação.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

 

As Olimpíadas, o zika e a farsa na imprensa nacional

Enquanto sobram promessas e repelentes na Vila Olímpica no Rio, as mulheres pobres de Pernambuco seguem sem proteção. A mídia silencia uma vez mais

Por Marina Pita*

A epidemia do zika já contabiliza 1.638 casos confirmados de bebês com microcefalia como provável resultado da infecção pelo vírus e mais 3.061 bebês sob investigação. Foram confirmados 87 óbitos fetais ou neonatais por microcefalia e/ou alteração no sistema nervoso central em função do zika e 184 casos seguem sob investigação.

O ministro da Saúde interino foi à TV dizer que estava preparando uma ação para proteger os cidadãos brasileiros e estrangeiros de uma infecção pelo vírus. Sob os holofotes das Olimpíadas 2016 e para acalmar os estrangeiros, Ricardo Barros se reuniu com os embaixadores de todos os países que contariam com delegações de atletas no Rio.

Em junho, Barros anunciou o investimento de R$ 64 milhões para combater o zika durante as Olimpíadas. Contou aos correspondentes estrangeiros que pretendia comprar testes rápidos que pudessem ser feitos durante os Jogos e repelentes para as delegações – para as grávidas de baixa renda brasileiras também, acrescentou.

A promessa de distribuir insumos básicos para proteção das grávidas mais pobres é, entretanto, antiga, indo dos anticoncepcionais e camisinhas para não-engravidar ou não contrair a infecção do companheiro aos tão falados repelentes. Em dezembro de 2015, o governo já havia declarado que negociava a produção de repelentes com o exército brasileiro. Em janeiro deste ano, a imprensa também repercutiu o anúncio de que o governo negociava com a indústria de higiene e limpeza a compra dos tais repelentes para as beneficiárias do Bolsa Família.

Em abril, Dilma Rousseff assinou um decreto que instituiu o programa de prevenção e proteção individual de gestantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica contra o Aedes aegypti. Em julho, o Senado aprovou uma Medida Provisória que liberou R$ 420 milhões para ações de combate à microcefalia. Desse total, R$ 300 milhões seriam direcionados à compra de repelentes para grávidas do Bolsa Família.

Acontece que, já em novembro, a alteração do padrão de ocorrências de microcefalias no País levou o Brasil a decretar Emergência em Saúde Pública de Situação Nacional. Tal estado, segundo a Lei 8.666/1993, dá ao governo autorização para comprar insumos que assegurem a saúde dos cidadãos sem licitação. A mesma medida foi utilizada, por exemplo, para contratar serviços e comprar equipamentos sem licitação à época da Copa do Mundo de 2014.

Mas ninguém da imprensa lembrou do ocorrido e pensou em questionar o governo brasileiro sobre a não necessidade de uma medida provisória ou um decreto para que a compra de repelentes para as mulheres carentes deixasse de ser um discurso e se efetivasse na prática, rapidamente. Ficaram, todos os veículos, na repercussão das declarações de boas intenções das fontes oficiais.

Repelentes nas Olimpíadas

Chegamos a agosto – portanto, dez meses após instaurado o estado de emergência em saúde pública – e a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde de Pernambuco (um dos estados mais afetados pela tríplice epidemia de zika, dengue e chikungunya), questionada por esta jornalista, informa que não há recursos adicionais para a compra de repelentes.

Enquanto isso, preservativos e os mesmos repelentes são distribuídos em pontos de circulação de turistas no Rio de Janeiro. A informação é a de que sobram repelentes distribuídos gratuitamente na Vila Olímpica. E a imprensa brasileira com isso? Se limita a repercutir releases e a replicar novas promessas.

Um exemplo ocorreu com a divulgação, pelo governo de São Paulo, de que o teste de zika seria oferecido para grávidas no estado. O próprio governador Geraldo Alckmin foi à TV dizer que São Paulo seria o primeiro a ter o exame disponível para no sistema de saúde público. Mas em maio esta jornalista questionou pessoalmente o chefe da Coordenadoria de Controle e Doenças do Estado de São Paulo, Marcos Boulos, que alegou que o teste sorológico para o zika, que seria eficiente em grávidas, ainda não estaria à disposição por apresentar reações cruzadas com a dengue.

A imprensa seguiu sem questionar Alckmin e ignorando o fato de que a Anvisa tem pelo menos quatro testes sorológicos para a infecção por zika aprovados, todos eles à disposição do Ministério da Saúde.

Quando a Agência Nacional de Saúde (ANS) obrigou as operadoras de saúde a incluírem em seus planos dois exames de diagnóstico do zika, nenhum jornal lembrou de dizer que apenas 30% dos brasileiros têm planos de saúde. Tampouco lembraram os gestores públicos, que seguem fingindo que não é obrigação do Estado garantir o exame sorológico para as mulheres de baixa renda.

A própria Empresa Brasil de Comunicação (EBC) teve de rever sua cobertura sobre a epidemia e ir além das fontes oficiais, após ser cobrada por meio de seus canais de interlocução com o público. Hoje, a empresa pública de comunicação produz spots de rádio educativos sobre o tema, para distribuição gratuita em todas as emissoras do País.

Dedetização
Técnicos fazem dedetização em Brasília (Andre Borges/Agência Brasília)

Mas praticamente nada se problematiza sobre o direito ao aborto. Pelo contrário, a mídia se esforça em mostrar casos de adultos com microcefalia que vivem próximos à “normalidade”, ignorando que os problemas que se desenvolvem num bebê que nasce com a Síndrome Congênita do zika são muito diversos.

A Folha de S. Paulo fez uma pesquisa questionando o direito ao aborto no caso da grávida ser infectada pelo zika. O título da reportagem informou que a maioria dos brasileiros ainda não é favorável ao abortamento nesses casos. O jornal, porém, não destacou que 10% a mais da população defendem o direito da mulher a interromper a gravidez por conta da epidemia de zika.

O sujeito da epidemia

Tanto a ausência de políticas públicas de prevenção minimamente adequadas quanto a cobertura superficial e enviesada dos meios de comunicação tem a ver com o sujeito desta epidemia de zika: mulheres pobres, em sua maioria negras e nordestinas

São elas que não têm acesso a métodos contraceptivos via SUS, mas que ouvem declarações de gestores públicos e profissionais de saúde à imprensa dizendo que elas não deveriam engravidar.

São elas que não podem pagar por repelentes e não têm acesso a eles por meio do sistema público de saúde. São elas que estão sem saber se a gravidez pode gerar crianças com a Síndrome Congênita porque não há exames adequados; que não têm acesso ao aborto em caso de má formação; que após terem bebês notificados com microcefalia esperam meses por uma resposta sobre o diagnóstico.

São elas que podem ter suas vidas transformadas em cuidadoras em um país sem estrutura, em meio uma doença cujos desdobramentos ainda são desconhecidos.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patricia Galvão revelou que as mulheres grávidas sabem que epidemias causadas por mosquitos não se resolvem com a simples retirada da água acumulada nos vasos das plantas. Os especialistas em epidemiologia também o sabem.

No Brasil, falta coleta de lixo universal e regular e saneamento básico com água encanada para todos, para que não seja necessário estocar esta água. Cerca de 76% das mulheres pesquisadas acreditam que o governo põe a culpa na população pela dificuldade em combater o zika, mesmo onde não há coleta de lixo e água encanada.

Mesmo assim, a comunicação oficial continua gastando recursos com foco nos sujeitos, no vasinho de planta, na limpeza da caixa d’água. É quase dinheiro jogado fora.

A mesma pesquisa do Patrícia Galvão aponta que 90% das mulheres gostariam de fazer um exame para saber se tiveram infecção por zika. Mas a imprensa segue ignorando a falta de testes na rede pública. A realidade enfrentada pelas brasileiras que utilizam o sistema público não aparece.

A verdade é que momentos de epidemia como este evidenciam problemas estruturais e estruturantes do País. Para além das deficiências do SUS, do machismo e do racismo institucional por trás da não priorização a essas mulheres, o zika vírus joga na nossa cara a ausência de uma mídia que cumpra o seu papel de cobrar do poder público a garantia de direitos a todos os cidadãos e cidadãs.

A (não) cobertura do problema do zika coloca assim, em evidência, a urgência da democratização dos meios de comunicação e a construção de uma imprensa de fato plural e diversa em nosso país.

*Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.