Comissão aprova mudanças na Lei de Telecomunicações, mesmo com posição contrária do TCU

A Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) aprovou nesta terça-feira, 6, alterações na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), a Lei 9.472/1997. O projeto com as modificações (PLC 79/2016), de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), permite a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização. Segundo Vilela, o projeto tem o “objetivo de estimular os investimentos em redes de suporte à banda larga, eliminar possíveis prejuízos à medida que se aproxima o término dos contratos e aumentar a segurança jurídica dos envolvidos no processo de prestação de serviços de telecomunicação”.

O projeto determina que os bens reversíveis da União ficarão agora em poder das empresas privadas de telefonia fixa, que, em “contrapartida”, deverão investir em redes de banda larga. Também cria a licença perpétua de frequência. A lei atual permite apenas uma prorrogação. A mesma alteração passa a valer para as autorizações, que têm hoje prazo de 20 anos, e para a exploração de satélites, que têm prazo atual de 15 anos. Com as alterações na lei, não há mais limite máximo de tempo. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se limita a avaliar que o novo modelo “vai atrair investimentos em banda larga”. Isso está sujeito à discussão. O que não é discutível é que o projeto de lei apresentado por Vilela favorece as empresas do setor, e não os usuários. E que tais investimentos em benefício privado serão realizados com dinheiro público.

Em julho deste ano, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) já havia se posicionado a respeito do PLC 79/2016, que naquele momento ainda tramitava na Câmara dos Deputados como PL 3.453/2015. Conforme o Idec, no formato atual, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – que significa disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter as tarifas dentro de critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar. O que resultaria em significativa perda de qualidade do serviço de telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacava à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O estudo do Idec também aponta como grave consequência da mudança do regime de concessão para o de autorização o fato de empresas do setor poderem ficar com a infraestrutura instalada por elas para a prestação do serviço de telefonia fixa. Pela legislação atual, tais infraestruturas deveriam ser repassadas à União ao final do período de concessão, em 2025 – a chamada reversibilidade dos bens. Ocorre que as empresas já receberam, e continuam recebendo, uma série de incentivos fiscais para compensar os investimentos feitos. Do que resulta que o projeto de Vilela beneficia duplamente as empresas, que não recolheram os impostos devidos e que ficarão com a propriedade dos imóveis e benfeitorias pagos com recursos públicos (que deixaram de ingressar nos cofres do Estado devido aos incentivos fiscais).

TCU aponta prejuízos ao erário

Na semana anterior, o Tribunal de Contas da União (TCU) retirou o sigilo mantido até então sobre uma auditoria que estava analisando as propostas de mudança do modelo de telecomunicações, com o fim das concessões de telefonia fixa e migração para o serviço privado na forma de autorizações, e elencou uma série de riscos para a sociedade brasileira caso as mudanças propostas no PLC 79/2016 sejam aprovadas.

Entre os riscos mais graves, o TCU apontou: os danos ao erário, caso os cálculos entre o bônus e o ônus da migração do modelo do serviço não sejam refeitos; a judicialização (disputa judicial em torno das alterações propostas), e a consequente insegurança gerada no âmbito da prestação dos serviços; a possibilidade de surgimento de um mercado de revenda de frequências, a partir da perpetuação das mesmas à iniciativa privada. O tribunal indicou ainda a possibilidade de “comprometimento da efetiva inclusão digital”, e alertou a Anatel de que ela deveria mudar a fórmula de modelo do serviço prevista no projeto.

Causa estranheza o fato de a Anatel querer avaliar o fluxo de caixa da concessão dos serviços de telefonia fixa somente a partir da solicitação da migração até o fim efetivo do contrato de concessão, em 2025. Ou seja, a agência que tem por responsabilidade fiscalizar os serviços de telecomunicações optou por ignorar todo o período transcorrido entre a assinatura dos contratos e a data da migração do modelo dos respectivos serviços para a avaliação do fluxo de caixa. O relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas, questionou o fato: ”Se o argumento para revisar o modelo é a insustentabilidade das concessões, era de se esperar que a concessão fosse avaliada como um todo, desde o seu princípio, com todas as receitas, despesas e obrigações associadas.”

Pagamento pela exploração dos serviços

O relatório do ministro Bruno Dantas analisa as propostas formuladas tanto pela Anatel e pelo Poder Executivo quanto pelo anterior PL 3453/2015, e enumera os impactos que devem ser evitados no projeto a ser aprovado. Em relação específica ao cálculo, o TCU entende que, na forma como o assunto está expresso no atual projeto de lei, as concessionárias poderiam deixar de pagar pelo direito de exploração do serviço (hoje, elas pagam pelo este benefício a cada dois anos), provocando ainda mais prejuízos ao Tesouro Nacional.

Diz o relatório do TCU: “Eliminar a cobrança de direito de exploração do serviço, hoje prevista no § 1º do art. 99 da LGT, combinada com a possibilidade de sucessivas renovações, equivale, na prática, a dar a essas empresas um título perpétuo de R$ 2 bilhões anuais. Se aplicarmos uma taxa de 10% ao ano, isso implicaria um valor presente de R$ 20 bilhões em 2025, sem qualquer compensação ao Erário.”

Entre os principais pontos da alteração legal que podem resultar em disputas no Judiciário, o TCU argumenta que poderia ser considerado “ilegal o fato de não haver alguma concessão de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), vez ser exatamente essa a modalidade de serviço de interesse coletivo para a qual a União se compromete a assegurar a existência, universalização e continuidade”.

A partir de agora, caso não haja recursos que peçam sua análise em plenário, o projeto de lei seguirá de forma direta para a sanção presidencial.

Por Ramênia Vieira – repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da Agência Senado e do Instituto Telecom

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