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Brasil é medalhista olímpico em violação do direito à comunicação

A empolgação com os esportes não apaga o “legado negativo” dos Jogos Olímpicos. Além da repressão policial e das remoções, o cerceamento à liberdade de expressão e a concentração midiática marcaram a Rio 2016

Texto: Iara Moura e Mônica Mourão |Colaborou: Eduardo Amorim, Yuri Leonardo, Caio Barbosa, Camila Nobrega e Cinco de Terra

As Olimpíadas de 2016 encerram quase dez anos em que diversas cidades do Brasil viveram as mudanças causadas por um megaevento esportivo. Desde a preparação para os Jogos Pan-Americanos de 2007, bilhões foram investidos em gastos feitos a partir de parcerias público- privadas (PPP) em diferentes áreas. A comunicação é uma delas. O International Broadcast Center (IBC), centro de mídia para a transmissão dos Jogos, faz parte de uma PPP que inclui também o Main Press Center (MPC) e o Hotel de Mídia. O custo total do complexo é estimado em R$ 1,68 bilhão, dos quais R$ 1,15 bilhão vem de recursos privados e R$ 528 milhões da prefeitura do Rio de Janeiro. Após os Jogos Olímpicos, o “legado” ficará sob a responsabilidade da Concessionária Rio Mais, formada pelas empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken, responsáveis pela construção.

“Saber que a prefeitura do Rio gastou todo este dinheiro para um centro de mídia que vai funcionar apenas durante os megaeventos é ter certeza de que a prefeitura e o governo do estado do Rio têm suas preferências no que investir. Este é mais um exemplo para mostrar também que esta cidade está virando uma cidade apenas para turistas, para ricos, para alguns”, afirmou a jornalista, comunicadora popular e moradora do Complexo da Maré Gizele Martins. No contexto dos megaeventos realizados na cidade do Rio de Janeiro, cerca de 250 mil pessoas sofreram remoções, segundo dados da Articulação Nacional dos
Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (Ancop). É certo que o grande público e as comunidades afetadas com as remoções e a violência policial pouco ficou sabendo das violações de direitos relacionadas ao Pan, à Copa e às Olimpíadas, até porque os direitos de transmissão das competições também ficaram nas mãos de poderosos grupos de mídia no Brasil e o acesso à informação e o direito à livre manifestação de pensamento foram violados durante os Jogos.

Segundo a mareense Gizele Martins, “se todo o dinheiro [investido no IBC] fosse dividido entre os inúmeros meios de comunicação comunitária e populares de favelas, ocupações, bairros pobres, estaríamos equipados, nos organizaríamos para fazer muito melhor a nossa própria comunicação. Estaríamos contando o histórico escravista e racista do nosso país, disputando as opiniões”. Ela lembra que, durante os 15 anos que atua com comunicação comunitária nas favelas do Rio de Janeiro, foram poucas as formas de incentivo público para a comunicação não comercial. A cobertura da grande mídia, que, em geral, não pauta as violações de direitos cometidas em nome dos Jogos Olímpicos, tem relação direta com o interesse privado de transmissores e patrocinadores do evento. “As Olimpíadas são um produto. A Globo vendeu cotas multimilionárias,

então os megaeventos deixam de ser uma pauta e passam a ser um produto para a empresa”, explicou Mário Campagnani, integrante do comitê organizador da jornada Rio 2016 – Os Jogos da Exclusão, que realizou atividades de denúncia ao desrespeito aos direitos humanos nas Olimpíadas.

Público ou privado?

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Durante os jogos, o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas organizou, no Rio, a jornada Jogos da Exclusão, denunciando as violações de direitos, dentre elas o direito a manifestação. Imagem: Caio Barbosa

No dossiê de candidatura para ser cidade-sede dos Jogos, apresentado em 2008, o valor estimado do evento era de R$ 28,8 bilhões. Com a mais recente atualização da Matriz de Responsabilidade, em janeiro de 2016, este valor passou para R$ 39 bilhões nos dados oficiais, superando em quase R$ 14 bilhões os custos da Copa do Mundo de

2014 e chegando a quase dez vezes os R$ 3,7 bilhões gastos com o Pan-Americano de 2007. Na versão atual da Matriz, houve um aumento da participação do poder público de 36%, em agosto de 2015, para 40% do montante total.

As altas cifras contrastam com o cenário de destruição da comunidade vizinha ao Parque Olímpico. A Vila Autódromo, onde moravam cerca de 600 famílias e hoje resistem apenas 20, é um símbolo das prioridades de investimentos feitos pelo poder público a serviço do interesse privado. Essa mesma lógica rege também a comunicação. Os serviços de telefonia e internet, que deveriam ser um direito de todos, foram alvo de grandes investimentos para garantir a transmissão dos jogos, enquanto comunidades ao lado das arenas seguem sem acesso à internet banda larga. Uma força-tarefa foi feita para que o Brasil oferecesse, ainda na Copa das Confederações, em 2013, uma internet com a qualidade que o país nunca conseguiu implantar. Essa possibilidade, inclusive, foi a justificativa para que as empresas que fossem oferecer esses serviços tivessem isenções fiscais (IPI, PIS e Cofins). Além disso, foram feitas modificações na legislação

para facilitar a instalação de antenas necessárias para a disponibilização da rede 4G. Para a Copa de 2014, a Telebras investiu R$ 89,4 milhões na implantação de infraestrutura, o que equivale ao investimento anual para a implantação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). A expectativa do Plano era conectar 35 milhões de domicílios à internet fixa até o ano de realização do Mundial. No entanto, segundo dados de 2015 do Ministério das Comunicações, apenas 23,5 milhões de locais têm banda larga fixa. Quando se olha para fora dos centros urbanos, os números diminuem ainda mais.

Direitos de transmissão

Em dezembro de 2015, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou que o Grupo Globo comprou os direitos dos Jogos Olímpicos até 2032 para tevê aberta, por assinatura, internet e celular, mas o valor é mantido em segredo. A título de comparação, sabe- que, nos Estados Unidos, um acordo semelhante entre o COI e a NBCU (conglomerado de mídia daquele país) custou R$ 7,6 bilhões. A falta de transparência repete erros de anos passados, já que a empresa brasileira também não revela os gastos para detenção dos direitos sobre a Copa do Mundo de 2014. O que se sabe é que a Rede Globo tem como anunciantes nos Jogos: Claro, Coca Cola, Fiat, Bradesco, P&G e Nestlé. Segundo informações da revista Meio & Mensagem, cada cota de patrocínio foi vendida a R$ 255 milhões. Ou seja, a Globo deverá ter um faturamento de pelo menos R$ 1,53 bilhão com o evento.

A emissora da família Marinho repassa direitos e certamente lucra também sobre o faturamento da Rede Record e da Bandeirantes. A Record, do bispo Edir Macedo, fechou quatro patrocinadores e, se cada cota tiver sido vendida por R$ 126 milhões, deve faturar cerca de R$ 760 milhões com os jogos. Já a Band vendeu quatro cotas de patrocínios, cada uma no valor de R$ 310 milhões, segundo o site Conexão TV.

A concentração da transmissão pela mídia privada não é uma regra universal. Albert Steinberger, jornalista freelancer que trabalha para o canal público alemão Deutsche Welle, aponta as diferenças nas transmissões de grandes eventos esportivos quando se compara o caso do Brasil com o Reino Unido e a Alemanha, por exemplo. Nesses países, as emissoras públicas BBC e Channel 4, no primeiro, e ARD e ZDF, no segundo, transmitem, entre outros, Copa, Olimpíadas e Paralimpíadas. Mas alguns campeonatos nacionais, como a Bundesliga e a Premier League, têm suas transmissões restritas às TVs privadas. “Aqui também se questiona muito se vale a pena gastar milhões em acordos de direitos de transmissão”, apontou Steinberger.

“Um caso para mim que foi super interessante foi a cobertura da BBC durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Eles realmente abriram todos os sinais e disponibilizaram na internet. Ou seja, era possível assistir a qualquer tipo de esporte que tivesse acontecendo ao vivo e de graça. Se o direito tivesse sido comprado por uma TV privada, obviamente o modelo de tomada de decisão seria diferente. Seria priorizado o lucro, afinal de contas, o investimento inicial é muito alto”, analisa o jornalista.

No caso brasileiro, o direito de transmissão das Paralimpíadas, que atrai menos público e, portanto, desperta menos interesse comercial, foi comprado pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). De acordo com o plano de trabalho de 2016 da empresa pública, o orçamento total previsto para as Olimpíadas e as Paralimpíadas é de R$ 1,9 milhão de reais, sendo que R$ 450 mil foram usados para a transmissão das Paralimpíadas na televisão, quase 17 vezes menos o valor que a NBCU pagou ao COI para os Jogos Olímpicos de 2020 a 2032.

O resto do montante foi distribuído entre transmissão dos Jogos Olímpicos no rádio (R$ 600 mil), custos para viagens jornalísticas (R$ 350 mil), gastos adicionais no satélite (R$ 220 mil) e compra de espaço no IBC (R$ 280 mil). O mesmo IBC do complexo de mídia que recebeu mais de R$ 500 milhões de investimentos da prefeitura e será gerido por um grupo de empresas privadas.

Acesso à informação

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Falta de respostas e acesso negado foram os principais retornos à consulta sobre obras olímpicas/ Reprodução relatório Artigo 19

 

Segundo aponta relatório da organização Artigo 19, no Brasil dos megaeventos esportivos, estamos muito longe de garantir a transparências das informações públicas. O orçamento detalhado e os impactos das obras olímpicas, como a do BRT (Bus Rapid Transit) Transolímpica no Rio de Janeiro, não estão ao alcance de todas as cidadãs e cidadãos como determina a Lei de Acesso à Informação (12.527/11). Os ônibus articulados que trafegam em corredores exclusivos foram uma das principais promessas de legado das Olimpíadas para a cidade do Rio de Janeiro. De acordo com o relatório, foram feitos 13 pedidos específicos de informações sobre remoções causadas pelas obras do BRT, com base na LAI.

Ao todo, 54 solicitações foram feitas para diferentes órgãos, como o Portal Cidade Olímpica, o Portal Transparência Carioca, o Portal Transparência da Mobilidade e o

Portal da Controladoria Geral do Município, além do Instituto Estadual do Ambiente. Apenas 7% dos pedidos foram atendidos. Foram três meses de busca que levou à conclusão de que o direito à informação não é respeitado e que é praticamente impossível para a população ter acesso à caixa preta das obras preparatórias para as Olimpíadas 2016. “Se não há informação, fica comprometida a efetiva participação popular no debate sobre o tema e, portanto, qualquer possibilidade real de incidência no processo decisório”, conclui a pesquisa.

A falta de transparência também abrange os investimentos para infraestrutura de telecomunicações durante os Jogos. Segundo matéria da Agência Brasil, o valor dos investimentos para possibilitar as conexões 3G e 4G não pode ser divulgado por exigência contratual do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Comitê Olímpico do Brasil (COB). O acordo foi firmado com o Grupo América Móvil, que engloba as marcas Claro, NET e Embratel. Mais uma vez, recursos públicos foram usados para beneficiar empresas privadas. Apesar dos investimentos feitos pelo Grupo América Móvil, coube à Embratel fornecer a rede de fibra ótica para captar os sinais de transmissão entregues ao IBC. Além disso, o site oficial dos Jogos e a venda de ingressos estão hospedados nos data centers da Embratel.

Liberdade de expressão

A violação do direito à comunicação durante as Olimpíadas também se deu através da repressão a manifestações políticas nos locais dos jogos. Responsáveis pela Rio 2016 retiraram dos estádios Mané Garrincha, em Brasília, Mineirão, em Belo Horizonte e no Sambódromo, no Rio de Janeiro, torcedores que se manifestaram contra o governo interino de Michel Temer.

No último sábado (20), o pai de um jovem morto pela Polícia Militar do Rio de Janeiro foi impedido de abrir uma bandeira de protesto no Maracanã. Segundo o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, Carlos da Silva Souza, pai de Carlos Eduardo, um dos cinco jovens assassinados por policiais do 41º Batalhão da Polícia Militar em novembro de 2015, teve cerceado seu direito à manifestação. Tais ações repressivas estão respaldadas pela Lei Geral das Olimpíadas. O inciso IV do artigo 28 estabelece como condição para o acesso e permanência nos locais oficiais, por exemplo, “não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”. O inciso X do mesmo artigo determina ainda que não se pode “utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável”.

São puníveis com prisão de até um ano a produção e distribuição de produtos que imitem símbolos oficiais da competição, mas também a mera modificação de qualquer símbolo, ainda que seu objetivo seja, por exemplo, a realização de uma paródia. Em abril deste ano, diversas entidades da sociedade civil repudiaram a Lei das Olimpíadas e Paralimpíadas, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, por seu caráter autoritário.

A coordenadora do Centro de Referência Legal da ONG Artigo 19, Camila Marques, mostrou-se preocupada com a repressão à liberdade de expressão que marcou os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. “Com apenas uma semana do início do evento, já vimos o aumento da ocupação na Maré, no Complexo do Alemão e de uma forma geral. Cada vez mais o Estado está se aprimorando no seu aparato de repressão, através da compra de equipamentos, e esse legado é o que realmente vai ficar dos megaeventos no Brasil”, considera Camila Marques.

Sangue no chão

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Pai de jovem assassinado pela polícia é impedido de abrir uma bandeira de protesto no Maracanã/ FOTO: Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas

A comunicação independente, alternativa e comunitária segue pulsante, apesar de todas as dificuldades impostas pela repressão cotidiana que se acirra no contexto dos megaeventos. As articulações de comunicadoras e comunicadores em favelas e bairros periféricos do Rio de Janeiro levaram à criação, por exemplo, de páginas no Facebook para denunciar violências cometidas pela polícia, prefeitura, governo do Estado e Forças Armadas – que ocuparam o Complexo da Maré durante a Copa de 2014. Mas, além de canal de denúncia, as redes sociais têm sido um meio para perseguir comunicadores. Gizele Martins, da Maré, já recebeu até ameaças de estupro e avisos de que deve “calar a boca”. No Complexo do Alemão, outro conjunto de favelas cariocas, Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, também é alvo de perseguição. Em abril deste ano, Santiago denunciou para a mídia e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Alemão têm abordado moradores perguntando se o conhecem.

O Papo Reto atua principalmente na denúncia à violência policial, através de redes sociais e de conteúdo audiovisual. Os riscos de fato são grandes para quem defende os direitos humanos no Brasil. Segundo a organização internacional Front Line Defenders, o país está em primeiro lugar na lista mundial de defensores assassinados em 2016, ao todo, 24, entre janeiro e abril. A disputa de narrativas sobre os megaeventos e seu impacto, especialmente nas comunidades mais pobres ou periféricas, certamente incomoda as instituições violadoras de direitos. Para Gizele Martins, “com a mídia comercial ao lado da prefeitura e do governo, eles sabem que vão alienar, silenciar, apagar a história e mentir dizendo ao mundo que este é um exemplo de cidade e que durante os Jogos tudo aconteceu perfeitamente, sem qualquer sangue no chão”.

 

 

STF volta a julgar constitucionalidade da Classificação Indicativa

Considerada fundamental para a proteção dos direitos da criança, Classificação Indicativa entra na pauta do STF no dia 8

Por Helena Martins*

Imagine acordar, ligar a TV e encontrar cenas de violência extrema em todos os programas veiculados por veículos de radiodifusão. Isso poderá ocorrer se a Classificação Indicativaperder sua capacidade de orientar a organização da grade de programação das emissoras. A Classificação Indicativa é um instrumento que indica horários para a exibição de conteúdos que contenham também cenas de sexo ou drogas, a partir da avaliação sobre impactos da exposição de crianças e adolescentes a eles.

Desde 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2404, que pretende revogar o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual prevê sanções às emissoras que veiculem conteúdo em horário diferente do recomendado, desrespeitando a Classificação Indicativa.

Na prática, ficaria a cargo apenas das empresas a opção de seguir ou não a indicação. O julgamento, parado desde 2011, foi retomado em novembro do ano passado. Depois de um novo pedido de vistas, feito pelo ministro Teori Zavascki, está previsto para entrar na pauta de votação do STF desta quarta-feira, dia 8.

A situação é perigosa, pois quatro ministros já votaram a favor da ADI, ao passo que apenas um – Edison Fachin – votou pela manutenção do que está previsto em lei.

Diante deste cenário, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) manifestou-se oficialmente sobre o tema e pediu ao STF “que julgue improcedente a ADI, a fim de assegurar o direito à proteção integral da criança e do adolescente”.

Para o colegiado, que reúne órgãos estatais e do governo federal, bem como organizações populares, a política regulamenta o que está previsto na Constituição Federal, já que esta estabelece que a União deve “exercer a Classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão” (art. 21, XVI).

Tendo em vista não haver análise prévia de conteúdo nem veto à produção e circulação de programas, o CNDH criticou o argumento, em geral utilizado por grupos empresariais contrários à regulação, de que a Classificação cerceia a liberdade de expressão.

“Este Conselho entende, no entanto, que os direitos não são absolutos e que apenas se for tomada como tal é que a liberdade de expressão pode ser considerada atingida pela Classificação Indicativa. Isso porque a restrição promovida pela Classificação é mínima, relacionada exclusivamente ao horário de exibição dos programas, não à livre produção e circulação deles”, diz o texto, que também elenca diversos tratados internacionais que legitimam a política adotada no Brasil desde 2006.

Em um contexto de avanço do pensamento conservador, materializado, por exemplo, na proposta de redução da maioridade penal e na defesa do punitivismo como forma de resolução do problema da violência, o Conselho fez um apelo para que a sociedade defenda os direitos de crianças e adolescentes.

O pedido foi reforçado por outros órgãos que defendem os direitos humanos em um seminário sobre a Classificação Indicativa, realizado em março deste ano, em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e diversas entidades da sociedade civil.

“Classificação Indicativa não é censura. De modo algum ela interfere na produção de conteúdo. Ela cria um sistema mínimo de proteção aos direitos das crianças. Flexibilizá-la será abrir uma porteira para revogar todos os mecanismos de proteção previstos no ECA”, afirmou o então procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios, também conselheiro do CNDH.

Já o presidente do Conanda, Fábio Paes, destacou: “A Classificação Indicativa é um espaço para assegurar que as crianças não sejam violentadas em seu direito ao desenvolvimento integral”.

A fim de ampliar a mobilização da sociedade em torno da garantia da política e informar sobre os impactos psicossociais que podem ser gerados com a fragilização dela, organizações da sociedade civil encampam a campanha “Programa adulto em horário adulto”.

Por meio de uma parceria com o Avaaz, a petição online intitulada “STF: Proteja a infância, não derrube a Classificação Indicativa!”, uma das iniciativas da campanha, tem sido enviada para milhares de e-mails, a fim de fortalecer o apoio popular à política. Além de coletar assinaturas, a plataforma permite também que sejam enviadas mensagens para cada um dos ministros do Supremo pedindo o apoio deles à continuidade da Classificação.

No site da campanha, coordenada pela Andi – Comunicação e Direitos, Artigo 19, Instituto Alana e pelo Intervozes, também estão disponíveis informações sobre o funcionamento da Classificação Indicativa, o debate jurídico em torno do tema no STF, o posicionamento de organizações e, claro, peças para a agitação da campanha nas redes sociais.

Agora, é a hora de cada um e cada uma assumir o seu papel nesse jogo e mobilizar suas redes de amigos, familiares e parceiros na defesa da Classificação. Temos pouco tempo para isso.

Sabemos, claro, que esse é apenas um instrumento para a garantia de uma mídia que promova e não viole direitos. Como relembrou o procurador Domingos Dresch, no seminário citado, “a existência de uma mídia eletrônica hegemônica, onipresente e pouco regulada é algo perverso para a democracia”.

Não obstante, até para conquistarmos avanços na pauta da regulação da mídia, é necessário dialogar com a sociedade sobre a importância dos mecanismos já existentes e desvelar os equívocos constantes em ataques feitos a eles, como no caso dos argumentos que relacionam qualquer mecanismo de regulação à censura.

Além disso, é preciso apontar os sucessos de políticas como a Classificação Indicativa. Construída e analisada frequentemente de forma participativa, baseada nas melhores práticas de países com maior tradição nessa área, como França e Canadá, ela rapidamente tornou-se conhecida e elogiada por boa parte da população.

Como aponta pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, em cooperação com a UNESCO, em 2012 (a pedido do Ministério da Justiça), 97% dos pais ou responsáveis por crianças de 4 a 16 anos consideram muito importante ou importante que emissoras de TV aberta respeitem a limitação de horário vinculada à Classificação Indicativa. E 94% consideram que deve existir multa para emissoras que desrespeitarem as regras. Mais informações aqui.

Infelizmente, esses dados não serão apresentados pelos veículos de comunicação que querem, a todo custo, vender produtos e impor modos de vida às audiências, sem se preocuparem com os impactos no orçamento das famílias, na autoestima das crianças ou no impacto de seus conteúdos na construção da personalidade delas. Eles, contudo, sabem que o debate sobre a regulação da mídia no Brasil avança, a duras penas, mesmo no Judiciário.

Exemplo disso foi a decisão tomada pelo Supremo Tribunal e Justiça (STJ), em março, deproibir a publicidade voltada à criança. Embora essa vedação já conste no Código de Defesa do Consumidos, de 1990, e tenha sido objeto de resolução do Conanda, de 2012, que trata de publicidade abusiva, esse era mais um tabu existente no Brasil.

Não à toa, o ministro do STJ que julgou a ação, movida pelo Instituto Alana contra a Bauducco por conta de uma ação de oferta de relógio em troca de embalagens de biscoitos, Herman Benjamin, classificou o julgamento como “histórico”.

“O STJ está dizendo: acabou e ponto final. Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais”, disse o relator em seu voto.

Diante disso, dos riscos que cercam a política da Classificação Indicativa e de tantos outros ataques, é preciso mostrar ao Judiciário e à sociedade em geral que o interesse público deve guiar nossas instituições e a democracia. Já passou da hora de afirmarmos que queremos mais (e não menos) direitos, também nos meios de comunicação.

Antes de sair do nosso blog, não se esqueça de assinar e divulgar a petição em defesa da Classificação Indicativa. Basta clicar aqui.

*Helena Martins é jornalista e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos.

A mídia tradicional e a negação do projeto de direito de resposta

Por Bia Barbosa*

Não é fácil admitir que nós, jornalistas, também erramos. E que nosso erro pode fazer muito mal aos outros. Nos bancos das faculdades de comunicação, muito pouco se debate, com profundidade, sobre ética jornalística, sobre a responsabilidade que os meios de comunicação de massa devem ter ao divulgar fatos e dados. Muito menos sobre o direito que o outro, de quem falamos ou escrevemos, tem de ser ouvido e tratado com igual respeito.

Essa sensação de poder só se reforça quando chegamos às redações. Ali, o culto ao absolutismo da liberdade de imprensa é martelado cotidianamente em nossas cabeças pelos colegas “mais experientes”, pelos chefes e pelos donos do veículo. Qualquer restrição à atuação do jornalista – incluindo a necessidade de dar voz a todos os lados envolvidos numa história – é rapidamente tachada de censura.

Esta semana, uma vez mais, os tradicionais veículos de comunicação do país se levantaram contra um direito fundamental, consagrado internacionalmente muito antes da própria Constituição brasileira incorporá-lo em nosso ordenamento jurídico, alegando “risco à liberdade de expressão”. Liberdade de quem?

Depois de três anos tramitando no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 20, o PL 6446, que regulamenta a garantia do direito de resposta. Desde a revogação total, pelo Supremo Tribunal Federal, em 2009, da Lei de Imprensa, o dispositivo constitucional não conta com uma lei específica que detalhe como os meios de comunicação devem proceder em caso de erro ou ofensa praticada contra qualquer cidadão.

Por conta disso, são inúmeros os casos de pessoas que não conseguem exercer seu direito de resposta contra o mau jornalismo, mesmo que a Constituição o garanta. O texto, modificado, ainda voltará ao Senado, mas já vem sendo alvo de críticas contundentes daqueles que não querem respeitar qualquer regra para operar seu negócio (no caso, vender jornal e revista ou lucrar com os anúncios publicitários no rádio e na TV).

Em editorial do último domingo, o Estadão afirma que o projeto é um “verdadeiro instrumento de coação a quem queira se manifestar”. Isso porque, para o jornal, só teria direito de resposta aquele que fosse vítima de uma informação errada de um veículo, e não quem também fosse ofendido pela imprensa.

Acontece que a nossa legislação em vigor já garante que um veículo ou jornalista possa ser processado por injúria, calúnia ou difamação – condutas que, como se sabe, vão bem além da veiculação de informações comprovadamente inverídicas, e se enquadram nos chamados “crimes contra a honra”, que existem em todo o mundo.

O que não existe, aqui no Brasil, e o PL 6446/13, de autoria do senador Roberto Requião, propõe restabelecer, é um rito para que o direito de resposta seja garantido, e não dependa do bel prazer dos veículos de comunicação. Ao contrário do que afirma o Estadão, os Códigos Civil e Penal do país não tem assegurado a reparação de danos advindos da atividade jornalística. Muito pelo contrário. Há casos que estão há mais de cinco anos à espera de um posicionamento da Justiça – que, aliás, nem precisaria ser acionada, caso os veículos fossem capazes de admitir seus erros e abrir espaço para o contraditório em suas páginas ou programas na TV e no rádio.

Caso o projeto venha a ser aprovado no Senado, o juiz poderá se manifestar nas 24 horas seguintes à citação, já determinando a data e demais condições para a veiculação da resposta. Ou seja, será garantida agilidade nos processos e, assim, efetividade na resposta do cidadão ofendido. Afinal, de que adianta um direito de resposta concedido cinco anos depois do dano causado? Muito pouco…

Além do prazo, o projeto também garante a resposta ou retificação na mesma proporção do agravo, com divulgação gratuita. Ou seja, não vale mais dar uma notinha no rodapé da última página do jornal para retratar um erro cometido em uma manchete de primeira página. Nem ler duas frases no telejornal para retificar uma reportagem de cinco minutos. Muito menos corrigir um erro cometido em horário nobre na programação da madrugada.

E isso é democrático; fundamental para estimular o exercício da boa prática jornalística, para um retorno à credibilidade da imprensa pela sociedade e para equilibrar minimamente o poder de divulgação dos meios de comunicação com os direitos dos cidadãos e cidadãs, reforçando a importância de uma mídia democrática e plural no país.

Lobby midiático

Não é só agora, pós-votação do projeto na Câmara, que os meios de comunicação estão se posicionando sobre o texto. Durante toda a tramitação do PL, as associações que representam os veículos impressos e de radiodifusão no país pressionaram fortemente os partidos políticos e parlamentares para que o direito de resposta continuasse desregulamentado. Além de prorrogar a votação do projeto, que estava pronto há meses para ser apreciado pelo plenário, os donos da mídia convenceram parte importante dos deputados contra o texto.

Durante a votação, o deputado Miro Teixeira (Rede/RJ) chegou a declarar que os homens públicos já têm acesso aos meios de comunicação para responder aos erros e ofensas publicados, seja por meio de notas ou pela convocação de entrevistas coletivas. Mas e o cidadão comum, deputado, faz como? Para o deputado Sandro Alex (PPS/PR), a projeto é um retrocesso, e representa a censura, “o controle da mídia”. Como assim, se o direito de resposta só será veiculado após a publicação de um fato inverídico ou ofensa e depois de uma decisão judicial equilibrada?

É exatamente o contrário. Na prática, a regulamentação do direito de resposta garante mais diversidade de opiniões e mais pluralidade – e não menos. Nenhum jornalista ou veículos será impedido de investigar o que quiser e de publicar suas opiniões. Somente deverá abrir espaço para outros lados e para correções caso já não faça isso no próprio exercício de suas funções ou publique informação mentirosa. Do contrário, tudo continua como está.

O lobby midiático conquistou ainda os votos do DEM e do PSDB contrários ao projeto. E conseguiu alterar, na Câmara, um dos aspectos do texto que saiu do Senado: a possibilidade do próprio cidadão ofendido se pronunciar, pessoalmente, no rádio ou na TV para exercer sua resposta. Na versão que passou na Câmara, são os profissionais do veículo que devem divulgar a resposta. Por conta disso, a aprovação da lei foi prorrogada uma vez mais, tendo o PL que passar novamente pelo Senado.

Mas a medida deve ser celebrada. Em plena Semana Nacional pela Democratização da Comunicação – que aconteceu em 14 estados da federação, entre os dias 14 e 21 de outubro, com debates, atos culturais e audiências públicas sobre o tema –, o Congresso Nacional deu uma boa notícia para a sociedade brasileira. A de que os princípios constitucionais relacionadas à área da comunicação devem ser regulamentados, para se tornarem prática.

Agora só falta fazer o mesmo com os artigos que proíbem o monopólio dos meios de comunicação e a concentração de meios no setor privado (prevendo sua complementaridade com os canais públicos e estatais) e os dispositivos que garantem espaço para a programação regional e independente nos meios. A pressão contrária dos grandes meios continua, obviamente. Mas a aprovação do PL do direito de resposta, numa Câmara dos Deputados presidida por Eduardo Cunha, mostra que nem tudo está perdido.

* Bia Barbosa é jornalista, integrante da Coordenação Executiva do Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Comunicações: moeda de troca evidencia falta de política

Por Jonas Valente*

Na última sexta-feira (2/10), a Presidenta Dilma Rousseff anunciou o que chamou de “reforma administrativa”, conjunto de medidas que teve como novidade uma reforma ministerial para reduzir pastas, ampliar a presença do PMDB na Esplanada e acomodar aliados. Entrou na lista de oferta a partidos da base o Ministério das Comunicações.

Ricardo Berzoini, até então no comando da área, foi colocado em uma turbinada Secretaria de Governo, que passa a reunir funções da Secretaria-Geral e da Secretaria de Relações Institucionais. O seu posto foi oferecido ao PDT, que escolheu o líder do partido na Câmara e deputado federal André Figueiredo (CE) para ocupar a pasta.

O uso do Minicom (como também é conhecido o Ministério pelos agentes do setor) como moeda de troca não é novo na história dos governos pós redemocratização. Mas após a gestão de um quadro forte do PT na pasta como Berzoini, que chegou com promessas de avanços, a retomada desse caráter para a pasta sinaliza novo retrocesso no setor.

O PDT volta a dirigir o órgão depois de 11 anos. O partido foi o primeiro a ocupar a vaga no governo Lula, em 2003, com o então deputado Miro Teixeira, que recentemente integrou o bonde de migrações para a Rede, de Marina Silva.

Teixeira teve mandato apagado na pasta, com algumas exceções, como o decreto que fixava diretrizes para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Em 2004, deu lugar a Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que também não disse a que veio e foi substituído pelo então senador Hélio Costa (PMDB-MG).

Costa imprimiu a agenda dos radiodifusores no Minicom, implantando o sistema de TV Digital nos moldes do que as Organizações Globo queriam, represando a entrada de novas emissoras no espectro e minando o aproveitamento de potencialidades como a interatividade que a nova tecnologia poderia trazer. Costa permaneceu na pasta praticamente todo o segundo mandato de Lula, saindo no fim para concorrer ao governo de Minas.

No primeiro governo Dilma, se o Ministério não foi usado para acomodar outros partidos, serviu de abrigo para um nome chave que teve de deixar pastas do núcleo do governo: Paulo Bernardo. A gestão do paranaense, que havia ocupado o Ministério do Planejamento, foi marcada pelo abandono de duas agendas ensaiadas no último ano do governo Lula:

1. A elaboração de um anteprojeto de novo marco regulatório das comunicações, iniciada por um grupo de trabalho então comandado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins,

2. O Plano Nacional de Banda Larga, a partir da Telebrás e do uso da infraestrutura de fibra sob controle do governo e das estatais.

O resultado do grupo de Martins foi colocado em uma gaveta e fechado a sete chaves. No segundo caso, o Ministério não só não deu continuidade aos planos de Lula de tirar o Brasil do atraso na oferta de banda larga como implementou políticas na linha do que os empresários defendiam: desonerações e recursos públicos para que as operadoras fizessem o básico, ou seja, investissem na oferta do serviço à população. A negociação para a venda de um “plano popular”, que alavancaria os acessos, foi um fracasso, e a ampliação do acesso se deveu ao crescimento da telefonia móvel 3G e 4G.

No segundo governo Dilma, sopraram, se não ventos, brisas de mudança. Ricardo Berzoini também era um quadro do núcleo político do PT, mas mais próximo aos movimentos sociais. Passou a, ao menos, apresentar publicamente a importância de um novo marco regulatório para a radiodifusão, que tirasse do papel os princípios previstos para o setor na Constituição Federal.

Mas nada se concretizou, e a agenda parece enterrada em meio ao cenário de crise política. Medidas que não dependem de mudanças legais (como a fiscalização e a punição de emissoras que violam a lei em diversos aspectos) também não foram implementadas. O programa “Banda Larga para Todos”, espécie de PNBL 2.0, também não prosperou e entrou nos cortes orçamentários. Nem mesmo o diálogo com as organizações da sociedade civil ocorreu dentro do que se esperava.

Incógnita

A chegada de André Figueiredo ao Ministério das Comunicações sinaliza um retrocesso, com a volta do uso da pasta como moeda de troca para a chamada governabilidade. Também repete a lógica de entregar o Ministério a quadros sem conhecimento da área. A falta total de contato do deputado com o tema instaura ainda um clima de incógnita quanto ao seu mandato.

As condições, definitivamente, não são boas. Um governo acuado, um PMDB cada vez mais empoderado e os grupos de comunicação operando como lideranças políticas do processo de desgaste são uma mistura temerária para uma agenda progressista. Soma-se a isso a movimentação do governo, incluindo aí a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para tentar destruir, do setor de telecom, a lógica de obrigações de universalização, continuidade e controle tarifário criada após as privatizações nos anos 90 – com a possibilidade da entrega de mais de R$ 100 bilhões em bens do então Sistema Telebrás às concessionárias de telefonia fixa. O cenário não é animador.

Isso, no entanto, não justifica negar a necessidade de uma agenda neglicenciada nos últimos 13 anos. Sem uma atuação firme, as operadoras de telecomunicação seguem oferecendo serviços caros, inacessíveis e de baixa qualidade.

Sem um marco regulatório democrático e moderno para a radiodifusão, a democracia brasileira segue refém do poder político dos grandes grupos de comunicação e a população continua tendo acesso a uma programação centrada no eixo Rio-São Paulo e marcada por constantes violações de direitos humanos (neste sentido, a sociedade civil tem dado contribuição fundamental para o debate por meio do Projeto de Iniciativa Popular da Lei da Mídia Democrática).

Por isso, mesmo em momento de crise, é urgente e necessária uma agenda que tire o Ministério das Comunicações do imobilismo. O simples cumprimento dos dispositivos constitucionais e da legislação já seria um avanço importante, como no caso do respeito aos limites de anúncios publicitários, percentuais mínimos de conteúdos educativos e jornalísticos, proibição do controle de emissoras por políticos e punição por abusos na programação.

Da mesma forma, também se mostram essenciais o fortalecimento da comunicação pública e da Empresa Brasil de Comunicação e a desburocratização, descriminalização e o fortalecimento das rádios comunitárias. Nas telecomunciações, o cenário de cortes não pode sepultar a urgência de medidas robustas que garantam acesso barato, universal e de qualidade à banda larga. As tarefas não são poucas nem simples, mas o novo ministro André Figueiredo aceitou encará-las. Vamos ver se conseguirá cumpri-las.

* Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela UnB e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

LEIS DE ARGENTINA E URUGUAI DEMOCRATIZAM A MÍDIA E IRRITAM MONOPÓLIOS

Motivo de insônia para os barões da mídia no continente, as leis aprovadas na Argentina e no Uruguai para regular a radiodifusão – comumente referidas como ‘Ley de Medios’ – foram discutidas e esmiuçadas por Nestor Busso, do Conselho Federal de Comunicações da Argentina, e Sergio de Cola, do Conselho de Telecomunicações do Uruguai. O debate, ocorrido neste sábado (19), em São Paulo, integrou a programação do Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas.

Apesar de promoverem a liberdade de expressão e ‘desmontarem’ os monopólios midiáticos em seus países, as legislações enfrentam a reação das grandes empresas privadas de comunicação: em ambos os países há um processo de constante judicialização da lei, criando entraves para a sua implementação.

Conforme explica Busso, a luta pela aprovação da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual argentina remete a 2004, quando diversos setores populares se unificaram em torno da pauta da mídia. “Tínhamos uma lei imposta pela ditadura militar, em 1978, que além de defasada, era conveniente apenas ao poder econômico”, diz. “A Argentina sempre teve uma forte concentração de meios. Só o Clarín contava com 270 serviços de rádio e TV, além de jornais e outros investimentos empresariais”.

Somado ao monopólio dos direitos de transmissão dos jogos de futebol, dominados pelo Clarín e transmitidos apenas na TV paga, o cenário levou a sociedade a apresentar “21 pontos básicos pelo direito à comunicação” à presidenta Cristina Kirchner. “O importante”, avalia Busso, “foi sair do mundo da comunicação, das organizações do setor, para ascender ao conjunto da sociedade. A questão do futebol foi fundamental no despertar da sociedade para o debate”.

Cristina levou a discussão ao Congresso em 2008 e se antes a mídia silenciava e interditava o debate, passou a acusar o governo de impor uma ‘lei da mordaça’. Apesar da campanha midiática contra a iniciativa de regulação, 15 mil argentinos marcharam rumo ao Congresso para levar o anteprojeto de lei, produto de fóruns públicos com participação social. A votação terminou em 147 a 3, no dia que ficou marcado pelo mote “um gol da democracia”.

Entre audiências públicas e mudanças no projeto, a população continuou a apoiar a lei: 40 mil argentinos concentraram-se em frente ao Senado para acompanhar o debate sobre ela. “A lei teve grande legimidade e respaldo popular, mas na mídia sempre aparecia como ‘a lei K’, de Kirchner, como se fosse imposta pelo governo”, comenta Busso. “Não é uma lei de meios, como gostam de chamar. Ela apenas regulamenta o uso do espectro radioelétrico e define regras para a sua exploração”, esclarece.

No fim de 2009, a lei entra em vigência e, imediatamente, é judicializada pelo Clarín. Foram quatro anos até a Corte Suprema declará-la constitucional. A pressão popular, avalia Busso, foi fundamental para a conquista – 50 mil pessoas marcharam do Congresso até Tribunales para cobrar que a Justiça colocasse a lei em vigência.

“O resultado deste processo é uma lei com legitimidade, devido à participação popular e aprovação com ampla maioria, e qualidade institucional, por contar com controles e participação popular”, pontua. “A lei é uma conquista do povo argentino, pois trata a comunicação como direito humano e não como um simples negócio”. O maior desafio para a implementação, alerta Busso, é o atrelamento do Poder Judiciário ao poder econômico.

Uruguai: em ‘stand by’

A legislação aprovada no Uruguai, também batizada Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual, enfrenta uma situação semelhante a do país vizinho: apesar de ter sido aprovada em dezembro de 2013, o governo aguarda a Suprema Corte de Justiça dar seu parecer quanto ao recurso protocolado pelos grandes empresários do setor.

O cenário anterior à lei, conforme explica Sergio de Cola, também era parecido com o argentino. “A legislação era antiga e também criada durante a ditadura militar”, diz. “Além da concentração, também sofríamos com a debilidade dos meios públicos e com a falta de transparência quanto às concessões públicas de rádio e televisão”.

Cola, que participou do processo de elaboração da lei, argumenta que ela estabelece a regulação básica para a prestação de serviços de radiodifusão e comunicação audiovisual. “Para além do conceito clássico de rádio e TV, compreendemos comunicação audiovisual em diversos suportes tecnológicos, não apenas o espectro radioelétrico”, afirma. “Comunicação audiovisual é um serviço cultural ou cultural e econômico, nunca um serviço meramente econômico. E como esses serviços compreendem valores e significados, não devem ser considerados apenas por seu valor comercial”.

O processo que culminou na aprovação da lei teve início em 2010, sob o governo de Pepe Mujica, destaca Cola. “Foi constituído um comitê técnico consultivo, reunindo diversos setores, como academia, organizações da sociedade civil e empresários, para discutir os conteúdos da lei”.

De acordo com o uruguaio, a lei garante independência e liberdade editorial aos meios e liberdade de expressão aos cidadãos. “A lei promove a diversidade e a pluralidade informativa, o acesso universal aos meios, a proteção à infância e à adolescência e a transparência em relação à outorga de concessões públicas, que agora ocorrem por concurso público”, ressalta.

Como a discussão do projeto se arrastou até a véspera do ano eleitoral de 2014, houve limitações no texto final, que gerou preocupação aos movimentos sociais. Um exemplo é a proibição da criação de cargos devido à proximidade do pleito. “Com a transição de governo, Tabaré assumiu a responsabilidade de finalizar a regulamentação da lei”, diz. “Esta história, portanto, continuará”.

Escrito por Felipe Bianchi
para Barão de Itararé