Por Jonas Valente*
Na última sexta-feira (2/10), a Presidenta Dilma Rousseff anunciou o que chamou de “reforma administrativa”, conjunto de medidas que teve como novidade uma reforma ministerial para reduzir pastas, ampliar a presença do PMDB na Esplanada e acomodar aliados. Entrou na lista de oferta a partidos da base o Ministério das Comunicações.
Ricardo Berzoini, até então no comando da área, foi colocado em uma turbinada Secretaria de Governo, que passa a reunir funções da Secretaria-Geral e da Secretaria de Relações Institucionais. O seu posto foi oferecido ao PDT, que escolheu o líder do partido na Câmara e deputado federal André Figueiredo (CE) para ocupar a pasta.
O uso do Minicom (como também é conhecido o Ministério pelos agentes do setor) como moeda de troca não é novo na história dos governos pós redemocratização. Mas após a gestão de um quadro forte do PT na pasta como Berzoini, que chegou com promessas de avanços, a retomada desse caráter para a pasta sinaliza novo retrocesso no setor.
O PDT volta a dirigir o órgão depois de 11 anos. O partido foi o primeiro a ocupar a vaga no governo Lula, em 2003, com o então deputado Miro Teixeira, que recentemente integrou o bonde de migrações para a Rede, de Marina Silva.
Teixeira teve mandato apagado na pasta, com algumas exceções, como o decreto que fixava diretrizes para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Em 2004, deu lugar a Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que também não disse a que veio e foi substituído pelo então senador Hélio Costa (PMDB-MG).
Costa imprimiu a agenda dos radiodifusores no Minicom, implantando o sistema de TV Digital nos moldes do que as Organizações Globo queriam, represando a entrada de novas emissoras no espectro e minando o aproveitamento de potencialidades como a interatividade que a nova tecnologia poderia trazer. Costa permaneceu na pasta praticamente todo o segundo mandato de Lula, saindo no fim para concorrer ao governo de Minas.
No primeiro governo Dilma, se o Ministério não foi usado para acomodar outros partidos, serviu de abrigo para um nome chave que teve de deixar pastas do núcleo do governo: Paulo Bernardo. A gestão do paranaense, que havia ocupado o Ministério do Planejamento, foi marcada pelo abandono de duas agendas ensaiadas no último ano do governo Lula:
1. A elaboração de um anteprojeto de novo marco regulatório das comunicações, iniciada por um grupo de trabalho então comandado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins,
2. O Plano Nacional de Banda Larga, a partir da Telebrás e do uso da infraestrutura de fibra sob controle do governo e das estatais.
O resultado do grupo de Martins foi colocado em uma gaveta e fechado a sete chaves. No segundo caso, o Ministério não só não deu continuidade aos planos de Lula de tirar o Brasil do atraso na oferta de banda larga como implementou políticas na linha do que os empresários defendiam: desonerações e recursos públicos para que as operadoras fizessem o básico, ou seja, investissem na oferta do serviço à população. A negociação para a venda de um “plano popular”, que alavancaria os acessos, foi um fracasso, e a ampliação do acesso se deveu ao crescimento da telefonia móvel 3G e 4G.
No segundo governo Dilma, sopraram, se não ventos, brisas de mudança. Ricardo Berzoini também era um quadro do núcleo político do PT, mas mais próximo aos movimentos sociais. Passou a, ao menos, apresentar publicamente a importância de um novo marco regulatório para a radiodifusão, que tirasse do papel os princípios previstos para o setor na Constituição Federal.
Mas nada se concretizou, e a agenda parece enterrada em meio ao cenário de crise política. Medidas que não dependem de mudanças legais (como a fiscalização e a punição de emissoras que violam a lei em diversos aspectos) também não foram implementadas. O programa “Banda Larga para Todos”, espécie de PNBL 2.0, também não prosperou e entrou nos cortes orçamentários. Nem mesmo o diálogo com as organizações da sociedade civil ocorreu dentro do que se esperava.
Incógnita
A chegada de André Figueiredo ao Ministério das Comunicações sinaliza um retrocesso, com a volta do uso da pasta como moeda de troca para a chamada governabilidade. Também repete a lógica de entregar o Ministério a quadros sem conhecimento da área. A falta total de contato do deputado com o tema instaura ainda um clima de incógnita quanto ao seu mandato.
As condições, definitivamente, não são boas. Um governo acuado, um PMDB cada vez mais empoderado e os grupos de comunicação operando como lideranças políticas do processo de desgaste são uma mistura temerária para uma agenda progressista. Soma-se a isso a movimentação do governo, incluindo aí a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para tentar destruir, do setor de telecom, a lógica de obrigações de universalização, continuidade e controle tarifário criada após as privatizações nos anos 90 – com a possibilidade da entrega de mais de R$ 100 bilhões em bens do então Sistema Telebrás às concessionárias de telefonia fixa. O cenário não é animador.
Isso, no entanto, não justifica negar a necessidade de uma agenda neglicenciada nos últimos 13 anos. Sem uma atuação firme, as operadoras de telecomunicação seguem oferecendo serviços caros, inacessíveis e de baixa qualidade.
Sem um marco regulatório democrático e moderno para a radiodifusão, a democracia brasileira segue refém do poder político dos grandes grupos de comunicação e a população continua tendo acesso a uma programação centrada no eixo Rio-São Paulo e marcada por constantes violações de direitos humanos (neste sentido, a sociedade civil tem dado contribuição fundamental para o debate por meio do Projeto de Iniciativa Popular da Lei da Mídia Democrática).
Por isso, mesmo em momento de crise, é urgente e necessária uma agenda que tire o Ministério das Comunicações do imobilismo. O simples cumprimento dos dispositivos constitucionais e da legislação já seria um avanço importante, como no caso do respeito aos limites de anúncios publicitários, percentuais mínimos de conteúdos educativos e jornalísticos, proibição do controle de emissoras por políticos e punição por abusos na programação.
Da mesma forma, também se mostram essenciais o fortalecimento da comunicação pública e da Empresa Brasil de Comunicação e a desburocratização, descriminalização e o fortalecimento das rádios comunitárias. Nas telecomunciações, o cenário de cortes não pode sepultar a urgência de medidas robustas que garantam acesso barato, universal e de qualidade à banda larga. As tarefas não são poucas nem simples, mas o novo ministro André Figueiredo aceitou encará-las. Vamos ver se conseguirá cumpri-las.
* Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela UnB e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.
Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.
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