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Na sintonia do golpe: o papel da mídia na crise política

Em 2016, as gerações nascidas nas décadas de 1990 e 2000 defrontaram-se, talvez pela primeira vez de forma mais aberta, com a ação incisiva e determinada dos grandes conglomerados midiáticos, no sentido de moldarem, à sua imagem e semelhança, o sistema político do país.

Texto: Helena Martins | Colaboraram: Iara Moura, Mônica Mourão e Elizângela Araújo

O afastamento da presidenta Dilma Rousseff, por meio de um golpe que envolveu decididamente o Legislativo, o Judiciário e os meios de comunicação, trouxe à tona e exigiu que fosse incluída na agenda de debates da sociedade a problemática do papel da mídia para a construção – ou o desmonte – da democracia. Na memória de um país que não enfrentou abertamente a história da ditadura civil-militar (1964-1985), restavam quase apagados casos de como o escândalo Proconsult, uma tentativa de fraude, encobertada pela Rede Globo, que objetivava impossibilitar a vitória de Leonel Brizola, em 1982, ao governo do Rio de Janeiro. A apresentação pela emissora do maior comício das Diretas Já, em São Paulo, em 1984, como uma festa em comemoração ao aniversário da capital paulista, ou a determinante edição debate televisivo entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Melo, candidatos à Presidência da República em 1989, às vésperas da eleição, pareciam fatos datados e cuja repetição seria improvável no tempo presente, dada a possibilidade de circulação de narrativas diferentes daquelas apresentadas pelos oligopólios.

Muito embora a criminalização, o silenciamento e a distorção de fatos envolvendo movimentos sociais e outros grupos progressistas sejam uma constante na história do sistema de comunicação brasileiro, a sociedade acostumou-se a ver uma mídia complacente com o poder central e seu projeto, ao longo dos governos de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990. No campo acadêmico, vimos o deslocamento do olhar sobre o poder dos conglomerados para as práticas de resistência e reelaboração de significados pelos receptores, bem como a difusão de entusiasmados estudos que decretaram o fim da comunicação massiva com o advento da internet.

No início dos anos 2000, após a eleição de Lula, apesar da ausência de enfrentamento do poder midiático por parte do governo, os oligopólios mudaram de postura. No contexto da Ação Penal 470, apelidada pela própria mídia como “mensalão”, em 2005, eles passaram ao que a professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Liziane Guazina, afirma ser uma postura adversária aos políticos e à política, conforme demonstrou na tese de doutorado “Jornalismo em Busca da Credibilidade: a cobertura adversária do Jornal Nacional no Escândalo do Mensalão”. Professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Luís Felipe Miguel aponta que, a partir de então, houve “um processo de regressão da ação política da mídia brasileira”. Ele avalia que, do fim do período ditatorial até as eleições presidenciais de 2002, a grande imprensa parecia ter aprendido a conviver com o pluripartidarismo. Ela “parou de agir tão ostensivamente em favor de tal ou qual candidato e passou mais a exigir, de todos, compromissos básicos com certos interesses, o que se alinha às formas dominantes de intervenção política da mídia nas democracias liberais. Não é ausência de interferência, é uma interferência que se dá mais em termos de limitação do debate legítimo e menos como tentativa de induzir a opção eleitoral. Como o PT havia abandonado as partes de seu programa que podiam ser consideradas antissistêmicas, parecia possível uma acomodação dentro desse modelo”, explica.

A defesa aberta do golpe contra a democracia

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Manifestantes contrários ao impeachment da presidenta Dilma denunciam estratégia golpista da Rede Globo. Imagem: Mídia Ninja

No dia 13 de arço de 2016, o regresso tornou-se nítido. Se, em 1964, O Globo usou seu editorial do dia 2 de abril para proclamar que a nação vivia “dias gloriosos”, porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a

democracia, a lei e a ordem”, e saudou o golpe como um movimento não partidário, do qual participaram “todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”, em 2016, foi a vez do Estado de S. Paulo usar o principal espaço de opinião do jornal para inflamar as milhares de pessoas que saíram às ruas, naquele dia de domingo, para protestar contra a presidenta Dilma Rousseff.

Após afirmar que “a maioria dos brasileiros, conforme atestam há tempos as pesquisas de opinião, exige que a petista Dilma Rousseff deixe a Presidência da República”, dispara: “a oportunidade de expressar concretamente essa demanda e, assim, impulsionar a máquina institucional responsável por destituí-la, conforme prevê a Constituição, será oferecida hoje, nas manifestações populares programadas Brasil afora. Chegou a hora de os brasileiros de bem, exaustos diante de uma presidente que não honra o cargo que ocupa e que hoje é o principal entrave para a recuperação nacional, dizerem em uma só voz, em alto e bom som: basta! Que as famílias indignadas com a crise moral representada por esse desgoverno não se deixem intimidar pelo rosnar da matilha de petistas e agregados, cujo único interesse na manutenção de Dilma na Presidência é preservar a boquinha à qual se habituaram desde que o PT chegou ao poder”[1].

Nos dois textos, há o apelo às famílias “indignadas com a crise moral”; o tom odioso com que trata o PT e a esquerda, em sentido amplo; a apresentação dos críticos à presidenta como não partidários e legítimos representantes da maioria dos brasileiros, além da adoção de uma postura convocatória por parte do jornal, justificada pela suposta defesa da democracia. Do mesmo modo, assim como no contexto do golpe de 1964, essa postura abertamente golpista foi combinada com a construção cotidiana de percepções sobre a crise política.

Na avaliação de Luís Felipe Miguel, “a mídia foi crucial para produzir o clima de opinião favorável ao golpe. Produziu-se uma narrativa manipulada e unilateral, de criminalização do governo, do PT e da esquerda em geral. Além disso, a mídia tem colaborado num processo mais de longo prazo, de desconstrução do discurso dos direitos e produção de uma representação do mundo social focada na competição e sem espaço para a solidariedade, isto é, de esvaziamento dos pressupostos da narrativa da esquerda”.

Se a construção da hegemonia depende, como detalhou o filósofo italiano Antonio Gramsci, da combinação entre coerção, portanto uso da força, e consenso, era – e tem sido – fundamental produzir sentidos comuns sobre os fatos e, inclusive, acerca das possíveis saídas que deveriam ser adotadas. Isso foi feito através de enquadramentos favoráveis aos protestos em defesa do impeachment; exclusão do contraditório da cobertura jornalística dos principais veículos de comunicação; repetição incessante de argumentos e outros mecanismos de manipulação.

Desequilíbrio: a gente vê por aqui

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Manchete de capa de O Globo no dia 14 de março de 2015. Imagem: site O Globo

Em março, mês decisivo para a definição dos rumos da crise política, diversas análises produzidas pelo Intervozes buscaram captar o posicionamento dos veículos vinculados

às grandes corporações, bem como a relação com as instituições que deveriam zelar pela democracia. Os textos mostram que, desde o início daquele mês, uma sucessão de episódios que revelaram a articulação íntima entre mídia e Judiciário foi, aos poucos, convencendo parte expressiva dos brasileiros a apoiar o impeachment de Dilma como uma solução final à crise política brasileira.

A edição especial do Jornal Nacional sobre a Operação Aletheia (fase da Lava Jato que culminou com a condução coercitiva do ex-presidente Lula) foi praticamente toda dedicada ao fato de, de relevância inegável. Os números, porém, mostram a ausência de equilíbrio. Nos primeiros quatro blocos do jornal do dia 4 de março, embora tenham sido veiculados 21 minutos de matérias sobre o tema, apenas 50 segundos foram ocupados com a posição da defesa. No segundo, novos 15 minutos de reportagens e apenas 20 segundos com a posição do ex-presidente e outros 20 segundos com fala de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. A defesa dos empresários envolvidos no caso foi lida pelos apresentadores na bancada, totalizando pouco mais de um minuto e meio. Na matéria sobre o tríplex do Guarujá, foram sete segundos para citar a nota do Instituto Lula em 2 minutos e 50 segundos de reportagem.

Lula falou a primeira vez quando já haviam se passado 40 minutos de jornal. Dilma entrou na sequência, com fala de 1 minuto e 15 segundos. Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores, teve direito a 16 segundos. Na matéria sobre as repercussões no Congresso, a oposição ocupou 1 minuto, ao passo que o PT, 30 segundos. No vídeo, o repórter divulgou, por 2 minutos, informações de como a direita pretendia paralisar o Parlamento até o impeachment sair.

Quando promotores de São Paulo pediram a prisão preventiva de Lula, no dia 10, o Jornal Nacional apresentou os fatos sem citar as críticas feitas por juristas, especialistas e inúmeros membros do Ministério Público à peça jurídica. No sábado 12, o principal telejornal do país destinou sete minutos para negar o pedido de direito de resposta do Instituto Lula em relação à cobertura daquele fato. A emissora se disse “surpreendida” por ser chamada a cumprir uma lei em vigor no Brasil – que tem o objetivo, exatamente, de garantir o princípio constitucional do equilíbrio jornalístico e o direito de não ser ofendido nos meios de comunicação. Em vez de atender o pedido, veiculou editorial defendendo-se e reiterando as acusações. Invertendo a lógica das coisas, a empresa utilizou-se do discurso de defesa da liberdade de imprensa para seguir sua atuação autoritária, avessa à pluralidade de pensamento no país.

No dia 13 de março, quando foi registrado o maior número de protestos favoráveis ao impeachment, a Globo-News cobriu, por mais de 12 horas, as manifestações. Ao longo do dia, repórteres e comentaristas se revezaram para enaltecer os protestos, repetir à exaustão, a cada cidade noticiada, os motivos que já estavam claros para os telespectadores, e jogar sobre os atos um peso decisivo sobre o processo de mudanças no comando do governo federal. Duas frases sintetizam a narrativa hegemônica: “um desfecho com a Dilma não agrega… O Brasil está perdendo o bonde da história”, afirmou a jornalista Cristiana Lôbo. Já Renata Lo Prete asseverou: “podemos chegar ao final do dia sem a ideia de que o país está dividido”.

Na Globo, o tradicional filme das tardes de domingo foi suspenso para dar espaço à cobertura ao vivo do que se passava na Avenida Paulista, em São Paulo. “Agora há pouco a gente presenciou o momento mais emocionante das manifestações. A FIESP jogou balões verdes e amarelos contra o número de impostos que os brasileiros pagam. Foi um movimento muito forte, as pessoas aplaudiram, foi uma emoção aqui”, declarou um repórter. Outra jornalista não conteve o entusiasmo e arrematou: “está linda a festa”.

O mesmo enquadramento foi repetido no programa nobre do domingo, o Fantástico. Em trinta e cinco minutos de programa, coube ao PT apenas 45 segundos de fala; à secretaria de Comunicação da Presidência da República, 30 segundos; e, aos protestos pró-governo, que também haviam sido realizados, menos de 2,5 minutos. A reportagem de abertura do programa, que teve 17 minutos de giro nacional e internacional sobre os atos, não teve qualquer contraponto.

O bloco sobre as manifestações foi encerrado com mais de 6 minutos sobre novas táticas e descobertas da operação Lava Jato, selando um domingo nada plural – e triste – para o jornalismo brasileiro. Nos dias seguintes, vazamento de conversas envolvendo Lula e, inclusive, a presidenta da República, que bem poderiam ser compreendidas como ataques à Segurança Nacional, ganharam destaque. Os apresentadores do JN, William Bonner e Renata Vasconcelos, chegaram a protagonizar uma vergonhosa leitura teatral das conversas – grampos ilegais que tiveram o sigilo derrubado pelo juiz Sérgio Moro. Buscando ocultar a parcialidade, o jornal apresentou respostas de Dilma, bem como protestos contrários ao afastamento – além, claro, daqueles favoráveis que se multiplicaram enquanto o JN ainda estava no ar.

Postura diversa foi adotada na cobertura dos atos em defesa da democracia, com destaque para aqueles realizados no dia 18 de março. Repetidos à exaustão, os números inferiores destes protestos em relação aos marcados pelo verde e amarelo passado foram também um elemento central para deslegitimá-los. Reiterando o argumento, o Jornal Nacional apresentou, no dia seguinte, uma reportagem somente sobre o comparativo das presenças. Outras duas diferenças foram notórias: a menor intensidade da cobertura e a presença do contraditório. A frase de Eliane Catanhede dispensa grandes explicações:

“a manifestação de hoje mostra que quem está indo pra rua é a militância. Não é o conjunto do povo brasileiro”, disse a comentarista. Assim, a Globo buscou levar o telespectador a não se enxergar naquelas pessoas “de vermelho” e “petistas”, como tantas vezes foram tachadas, numa ocultação de toda a diversidade de posicionamentos políticos de pessoas e grupos que denunciaram o golpe.

Capas do O Globo não deixam dúvidas acerca dessa estratégia. “Brasil vai às ruas contra Dilma e Lula e a favor de Moro”, estampou o periódico no dia 13 de março. “Aliados de Dilma e Lula fazem manifestação em todos os estados”, resumiu no dia 18.

Os casos deixaram nítida a midiatização da política e das ações do próprio Judiciário, bem como as estratégias de manipulação adotadas pela Globo, no que foi seguida por boa parte da imprensa brasileira. A seletividade das acusações, especialmente das denúncias de corrupção; a confirmação da relevância de determinados fatos e posicionamentos, aos quais foi atribuído caráter nacional; a utilização de números e imagens que conferiam legitimidade à argumentação e a fixação de argumentos por meio da repetição e da eliminação do contraditório foram os elementos da estratégia. Para não correr riscos, a Globo, especialmente, valeu-se de falas editorializadas ao longo de toda a cobertura, ao passo que a emissora praticamente dispensou a presença de comentaristas externos. A opinião pública era, afinal, a opinião dos próprios jornalistas do grupo.

Diante desse quadro e garantido o enraizamento social de tal posicionamento, não foi preciso abusar da inteligência dos analistas de mídia durante a cobertura da aprovação do afastamento, acompanhada, ao vivo, em todo o Brasil. Registros dos atos e de declarações de deputados foram abundantes. Não se viu, contudo, apuração, investigação, contextualização e problematização do processo em curso. Os argumentos que embasam o pedido de impeachment não foram apresentados, muito menos os de sua defesa. Nenhum convidado externo – nem mesmo um “especialista” alinhado ao posicionamento da Globo – foi convidado a discutir a situação do país. A postura motivou diversas críticas por parte da imprensa internacional, que denunciou o papel de políticos como Eduardo Cunha em todo o processo, as fragilidades jurídicas e mesmo os riscos à democracia. A crítica também foi direcionada aos conglomerados midiáticos. A tentativa de imprimir outras leituras à crise política e de denunciar as artimanhas que levariam ao impeachment coube aos veículos alternativos e também às emissoras públicas, em especial à TV Brasil. Também, por isso, apontam jornalistas da casa, a empresa sofreu forte retaliação logo que Temer assumiu.

Quando do episódio de demissão do diretor-presidente da EBC, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos, Edson Lanza, destacou que “o desenvolvimento de um sistema de meios de comunicação público em nível nacional, com garantias de independência em sua gestão e mecanismos de participação para a sociedade civil constitui um esforço positivo para a promoção do pluralismo de vozes nos meios de comunicação do Brasil”.

Os fundamentos da ataque da mídia à democracia

Pesquisador da relação entre mídia e democracia, o professor aposentado da UnB, Venício Lima, critica a postura adotada pela grande mídia no contexto da atual crise política. Para ele, ela expressa “continuidades históricas no comportamento da mídia que são fundamentalmente antidemocráticas e que são construtoras de uma cultura política que acaba sendo a cultura política dominante, independente de, por exemplo, uma nova geração que não necessariamente se utiliza de uma velha mídia”.

A partir da leitura de diversos estudos sobre o tema, Lima aponta três elementos-chave desse comportamento dos meios de comunicação. O primeiro é a adoção de um conceito de opinião pública “publicista”. Exemplificando o termo a partir da ação da mídia contra o presidente João Goulart, ele explica que os meios “assumiam que o papel da mídia era um papel de formação da opinião pública, mas ao mesmo tempo era um papel de representação e expressão dessa opinião pública”, o que era feito também com a desqualificação de outras instituições, como partidos, sindicatos e o próprio Congresso.

Em sentido semelhante, outra continuidade que pode ser percebida é a construção de um discurso adversário em relação à democracia, que é expresso na crítica permanente à política e aos políticos. Um olhar sobre as consequências dessa argumentação, para o professor, pode ajudar a explicar a eleição de candidatos que se apresentam como “apolíticos” nas eleições deste ano.

O perfil conservador desses políticos pode estar associado ao terceiro elemento destacado por Lima: o fato de a grande mídia ter adotado o discurso da vulgata neoliberal e, obviamente, refratário à esquerda. “Se você analisar o conjunto de palavras que fazem parte de um léxico neoliberal que vão sendo introduzidas no cotidiano das

pessoas, e como a mídia passou a criar uma linguagem pública usando esse léxico, é impressionante. E, no contexto dessa vulgata neoliberal, há também uma linguagem que favorece a intolerância e o ódio”, opina.

A cobertura oficialesca das medidas de Temer

O programa neoliberal adotado sem mediações por Michel Temer encontra na mídia um grande aliado. Medidas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que propõe o congelamento dos gastos públicos por vinte anos, ou a Reforma da Previdência têm sido apresentadas como ações imprescindíveis para que o país obtenha melhoras em seus índices econômicos. O discurso sobre a PEC, repetido à exaustão, buscava simplificar o problema e ocultar propostas concretas de saídas para a crise que não apenem os trabalhadores, como a auditoria da dívida pública e a taxação das grandes fortunas. No dia 30 de novembro, data da votação da Proposta no Senado, milhares de pessoas de todo o país foram a Brasília protestar contra a aprovação da medida que é considerada como um marco do fim do pacto constitucional firmado em 1988. O objetivo delas era chamar a atenção da sociedade e pressionar os parlamentares. Não obstante, a agenda midiática foi alterada devido ao acidente aéreo que vitimou 71 pessoas na Colômbia, a maior parte formada por integrantes do clube Chapecoense e profissionais da imprensa.

A tragédia ocupou todos os noticiários, de forma praticamente ininterrupta e sensacionalista. Enquanto os movimentos protestavam na Esplanada dos Ministérios, às casas de milhares de pessoas não chegavam informações sobre o que ocorria em Brasília. O silêncio fora rompido apenas quando o conflito já estava instaurado no local. Então, era útil à imprensa defensora da PEC apontar os atos de “vandalismo” – sem criticar, claro, a violência policial. Na madrugada, a Câmara dos Deputados também aproveitou o envolvimento dos brasileiros com a tragédia para alterar e votar o pacote de medidas contra a corrupção. Nos dias que se seguiram, enquanto a PEC não ganhava destaque em jornais como o Bom Dia Brasil e o Jornal Nacional, duas das principais fontes de informação de milhares de pessoas, a cobertura sobre o Chapecoense dava lugar apenas à discussão sobre as medidas de combate à corrupção.

Nos dias seguintes, as políticas propostas pelo governo Temer continuaram a ter o apoio da grande mídia, mas o discurso em relação ao presidente ganhou inflexões. Após oanúncio do acordo firmado pela cúpula da Odebrecht com o Ministério Público Federal (MPF), reportagens críticas passaram a ser mais recorrentes. No dia 9 de dezembro, o Jornal Nacional revelou o acordo de Cláudio Melo Filho, ex-diretor da empreiteira. Na abertura, citou o nome de Temer após destacar os de vários políticos da cúpula do governo. Na sequência, foi feito o anúncio de denúncia contra o ex-presidente Lula e seu filho e, em seguida, da redução da inflação – “a menor do mês de novembro em 18 anos”. A primeira notícia do jornal foi exatamente sobre a pauta positiva do dia: a redução da inflação. A segunda tratou da prisão do prefeito de Embu das Artes, na Grande São Paulo. A terceira, da identificação de suspeitos de matar um turista italiano, no Rio de Janeiro. A quarta, do anúncio do novo técnico da Chapecoense. Uma matéria sobre a situação dos sobreviventes do acidente foi apresentada na sequência.

Do acidente, o JN passou a um tema internacional, o relatório do Unicef sobre crianças que vivem em áreas de conflito ou são afetadas por desastres naturais. No segundo bloco, ganhou espaço a reforma da previdência, tema de duas reportagens seguidas. Até mesmo a previsão do tempo já havia sido anunciada quando, aos 25 minutos e 30 segundos, foi ao ar a matéria sobre a delação.

O destaque dado foi à denúncia contra Geraldo Alckmin. Embora o nome de Temer tenha sido pronunciado nas chamadas do jornal, inclusive na escalada, o caso envolvendo o presidente só foi detalhado aos 43 minutos e 10 segundos, por meio de link com um jornalista posicionado em Brasília. Isso é, não precisou de edição ou algo mais complexo do ponto de vista técnico. O texto passou longe de ser personalista. O nome de Temer foi apresentado em meio a muitos outros. E mais. Foi um dos últimos a ser citado. A “atuação indireta” de Temer, que teria pedido doações pessoalmente em uma ocasião, foi explicitada. No dia 10, o depoimento dele veio à tona. Na lista de 51 políticos, o próprio Temer – citado 43 vezes na delação premiada. O tom adversário verificado em momentos anteriores, contudo, não foi reprisado.

Na longa chamada inicial do Jornal Nacional, o nome do presidente sequer foi citado. A matéria sobre o capítulo dedicado por Cláudio Melo Filho a Temer começou assim: “as delações da Lava Jato, que já tinham atingido em cheio o grupo político do PT, e que ainda podem atingir mais nas próximas revelações, voltam-se agora contra para o núcleo do PMDB e políticos do PSDB”. O nome de Temer é citado quando a reportagem alcança o primeiro minuto. Destaca trecho da delação em que o empresário diz que Temer atuava de “maneira muito mais indireta”. O tratamento da denúncia de pedido de R$ 10 milhões foi bastante sutil, sobretudo se compararmos com a postura adotada em delações que envolveram Dilma Rousseff. No Jornal das 10, na Globo News, o tradicionalmente ácido Merval Pereira teve que fazer uma ginástica argumentativa para criticar o vazamento das delações. Merval chegou a concordar com a postura da Procuradoria- Geral da República, que decidiu abrir investigação para apurar o vazamento do conteúdo de delações.

A fragilidade do governo abriu espaço para a disputa entre setores da burguesia, que se reflete também no comportamento da mídia. Os jornais impressos deram destaque ao envolvimento do atual presidente, inclusive O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, que deram exclusividade, na chamada principal, à referência a Temer. A disputa pela ocupação do poder dependerá do resultado da pressão popular diante das novas denúncias e do avanço das propostas conservadoras, como a PEC 55 e a reforma da previdência. Este capítulo da história está aberto. E a posição da mídia, mais uma vez, poderá ser definidora. Conforme visto, embora os canais privados resguardassem entre si algumas divergências editoriais e formais, a narrativa geral que culminou no estabelecimento do impeachment de Dilma e com a chegada ao poder de Temer seguiu um caminho coerente e uníssono em seu objetivo geral. O governo Temer encontra na grande mídia uma aliada no que diz respeito ao apoio às medidas neoliberais mais polêmicas.

A falta de pluralidade de opiniões remonta à própria estrutura que organiza os meios de comunicação no Brasil regidos por uma lógica estritamente comercial. Além disso, a posse dos canais de rádio e TV por grupos religiosos e/ou políticos, conforme veremos, também garante a ressonância de um discurso hegemônico condizente com os interesses das elites políticas nacionais.

[1] Fonte: opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,chegou-a-hora-de-dizer-basta,10000020896

A fala de Dilma, a votação do impeachment e o mundo paralelo da mídia

Os últimos dias do julgamento da Presidenta no Senado foram marcados, novamente, por um discurso legitimador da derrubada de Dilma pelos grandes meios

Por Bia Barbosa*

O impeachment foi aprovado e a presidenta Dilma Rousseff foi definitivamente afastada. Ao longo dos últimos meses, analisamos por diversas vezes o papel que os maiores meios de comunicação desempenharam na legitimação deste impedimento, na desconstrução e negação dos argumentos da defesa de Dilma e na formação de uma parcela da opinião pública contra o governo legitimamente eleito nas urnas.

Nas últimas 48 horas, tal postura não se alterou, consolidando uma linha editorial que já rendeu livros e certamente será objeto de muitas pesquisas no futuro. Uma vez mais na história brasileira, a urgência da democratização dos meios, de diversidade e pluralidade midiática se confirmou, sem as quais nossa democracia seguirá em permanente risco. Explicamos por quê.

A censura ao depoimento de Dilma

Diferentemente do que ocorreu quando da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados, a reta final da votação no Senado, incluindo o depoimento inicial da presidenta, não foi transmitida ao vivo pela TV aberta. Não se suspendeu a transmissão de novelas, cultos nem mesmo de programas de entretenimento.

Enquanto Dilma fazia seu discurso, a principal emissora do país considerou mais relevante ensinar dotes culinários à população. A transparência ao debate exporia as fragilidades da acusação, explicitaria e confirmaria a essencialidade do julgamento político, “pelo conjunto da obra” – e não jurídico – pelos senadores.

Assim, a imensa maioria do povo brasileiro, que não tem acesso à TV por assinatura, não teve seu direito de acesso à informação garantido para que pudesse, livremente, formar sua opinião sobre o interrogatório de Dilma. Teve que se contentar com a seleção discricionária e com a narrativa editada pelos meios daquilo que havia ocorrido ao longo de 14 horas no dia 29 de agosto.

Nem mesmo a TV Brasil, emissora pública de comunicação, retransmitiu a íntegra das discussões. O princípio constitucional que rege o funcionamento das concessões públicas de rádio e TV foi, assim, também uma vez mais, violado.

A edição da reta final dos debates no Senado

O depoimento de Dilma foi considerado firme e consistente por dezenas de juristas, advogados, jornalistas. Nos corredores do Congresso, cresceu o receio por parte da oposição de que a fala da presidenta aumentasse as chances da defesa conseguir votos contra o impedimento. Coube então, à imprensa, reforçar a tese dos opositores de Dilma de que ela não havia “respondido aos questionamentos” da acusação.

No Jornal Nacional da noite do dia 29, os trechos escolhidos para “resumir” o dia foram os pouquíssimos em que a depoente foi menos clara e objetiva em suas respostas. A jornalista Zileide Silva, ao vivo do plenário, reforçou que a presidente não havia acrescentado nada de novo nem respondido às perguntas.

Na GloboNews, Renata LoPrete chegou a afirmar que “os senadores perguntam maçã e ela responde banana”, “martelando a tese do golpe”. Chegou-se a comparar a presidenta Dilma com Rolando Lero, personagem humorístico que inventava respostas quando questionado por um professor. O escárnio não teve limites.

A capa do jornal O Estado de S.Paulo, do dia 30, mostra uma presidenta derrotada sob a manchete “Juízo final”, quando a imagem que todos os que acompanharam as 14 horas de depoimento foram de uma presidente convicta de sua posição e de seus atos. As imagens se repetiram em O Globo.

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Jornal O Estado de S.Paulo, 30/08/16: foto contradiz depoimento de Dilma e reforça derrota da Presidenta.

Inúmeros comentaristas preferiram destacar que “o discurso de Dilma foi apenas um registro histórico para o documentário” sobre o impeachment que está sendo gravado, desqualificando os argumentos da defesa e a importância das respostas da presidenta para o julgamento ainda em curso.

O jogo do fato consumado

A maior parte da imprensa não apenas comprou o discurso da acusação e de partidos como o PSDB de que a Constituição foi desrespeitada nos atos do governo Dilma. Num contexto em que um número de senadores ainda suficiente para evitar o impeachment não havia declarado sua posição final, os comentaristas dos canais por assinatura seguiram jogando água num dos lados do moinho, afirmando que o impedimento estava definido e chegando a fazer chacota da busca, pela defesa, da mudança de voto de alguns parlamentares.

“Este já ganhou um cargo, não tem mais perigo de mudar de lado”, afirmou um apresentador da mesma GloboNews. Na emissora, Gerson Camarotti ressaltou que o processo não teria reversão. Num contexto em que muitos senadores, independentemente do mérito, querem votar com o lado “vencedor” da disputa, o discurso midiático de que o jogo está definido contribui, sim, para a própria definição desses votos.

A agenda econômica no meio do julgamento

A utilização da crise e dos indicadores econômicos atuais na sustentação dos argumentos dos senadores pró-impeachment foi constante, mesmo que tais questões não sejam provas para comprovar a acusação de crime de responsabilidade por parte da presidenta Dilma. No Parlamento, a retórica cabe. Mas a imprensa também ajudou para isso.

Ao longo dos últimos dias, toda a cobertura do julgamento foi permeada por matérias e comentários de jornalistas que, por um lado, destacaram os problemas econômicos do país desde 2014 e as perspectivas de melhora na economia numa gestão Michel Temer.

No canal por assinatura do principal grupo de comunicação, a expressão “mundo paralelo” foi usada à exaustão para caracterizar as respostas de Dilma aos questionamentos dos senadores. “A percepção dela sobre causas e consequências é invertida em relação à maioria dos analistas”, afirmou Dony De Nuccio. “Dilma não fez o dever de casa. Todos os economistas já alertavam e acabou levando a isso. É uma realidade paralela”, completou Camarotti.

No Bom Dia Brasil, Alexandre Garcia chegou a repetir os argumentos de Janaína Paschoal e afirmar que é a elite econômica que está defendendo o governo Dilma, citando a senadora Katia Abreu e o presidente da CNI. Nenhum analista econômico com visão diversa foi convidado a opinar sobre o tema.

A criminalização permanente

Como não foi possível invisibilizar os inúmeros protestos e atos em defesa da democracia que seguiram ocupando as ruas nos últimos dois dias – ao contrário das manifestações pró-impeachment, que desapareceram –, os principais canais de TV optaram por mostrar os atos que resultaram em “confronto” com as forças de segurança.

O destaque foi para as manifestações em São Paulo, fortemente reprimidas pela Polícia Militar do governo Alckmin e que geraram imagens “de violência” nas ruas. As dezenas de outros atos pelo país receberam flashes quase instantâneos, pois teriam sido “bem menores que as anteriores”.

O noticiário, assim, ratificou sua tese criminalizadora dos movimentos sociais, tratados sempre com “baderneiros e arruaceiros”, como definiu o senador Aloysio Nunes em seu discurso no dia 30.

A cereja criminalizadora veio com o encadeamento, sempre presente, da notícia sobre a suspensão da isenção de imposto do Instituto Lula pela Receita Federal, reforçando o clima de indignação contra o Partido dos Trabalhadores e a tese do impeachment como mecanismo de combate à corrupção. “É um crime continuado”, sentenciou Merval Pereira.

Nenhuma referência às investigações contra Eduardo Cunha, iniciador do processo de impeachment, e contra Michel Temer, seu direto beneficiário, foram constatadas.

Lá fora, outro jornalismo

Esta semana, os editoriais do Le Monde (França) e The Guardian (Inglaterra) foram explícitos ao denunciar a farsa vivenciada no Brasil. No El País (Espanha), foram diversos os artigos explicando o por que da acusação de golpe. Nesta quarta, o The New York Times (Estados Unidos) cravou: “O impeachment mudará o governo e não a política”.

A imprensa internacional, como fez ao longo dos últimos meses, seguiu mostrando fatos e opiniões diferentes, silenciadas na mídia brasileira. Nenhum mérito nisso. Trata-se de ética jornalística, algo que passou longe da cobertura do impeachment.

Chegamos ao final deste processo histórico com inúmeras consequências e danos à nossa democracia. Os retrocessos serão muitos, inclusive no campo das comunicações, para a continuidade de um sistema público de mídia, para a existência dos meios populares e comunitários, para a gestão com base no interesse público dos serviços de telecomunicações, internet e radiodifusão.

Na parte que nos cabe deste debate, seguiremos defendendo mais diversidade e pluralidade, mais liberdade de expressão. Enquanto ela não for para todos, novos e tristes episódios como este poderão se repetir, com o apoio também daqueles – incluindo a grande mídia – que, definitivamente, escolheram um lado para estar.

* Bia Barbosa é jornalista, integrante da coordenação do Intervozes e secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Colaboraram Ramênia Vieira, Raquel Dantas, Ana Cláudia Mieke, Mônica Mourão e Eduardo Amorim, todos jornalistas e integrantes do Intervozes.

Entidades cobram mais transparência e participação social no Congresso

Entidades da sociedade civil estiveram reunidas nesta quarta-feira, dia 24, na Câmara dos Deputados, em Brasília, para apresentar ao presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), uma carta com propostas de inovação institucional que promovam o aperfeiçoamento dos instrumentos de acompanhamento das atividades da Câmara pela sociedade civil. As entidades também reivindicaram a adoção de sistemas que promovam uma maior participação social nas decisões.

A carta entregue define pontos essenciais para que se alcance a transparência desejada pela sociedade civil organizada. Na reunião desta quarta-feira, as entidades destacaram a necessidade de criação de um mecanismo oficial e público de contagem das sessões ordinárias da Câmara para que se possa fazer o acompanhamento dos prazos de análise de projetos de lei nas comissões temáticas. “Desta forma, o deputado poderá ser cobrado no cumprimento de entrega dos projetos que estão sob sua responsabilidade. E, em caso de descumprimento do prazo, esse projeto seja encaminhado para outro parlamentar”, ponderou Paula Johns, diretora-executiva da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT).

Outros temas que foram ressaltados pelas entidades na reunião: a criação de um sistema de busca e classificação temática de novos projetos de lei e dos pareceres apresentados durante a tramitação; justificativa de voto dos parlamentares por meio da Lei de Acesso à Informação; e o chamado “Amicus Legis”, que é um mecanismo de contribuição oficial das organizações da sociedade civil nas propostas legislativas. Maia designou o deputado Carlos Sampaio (PSDB/SP) para trabalhar juntamente com a Diretoria-Geral da Câmara no estudo das propostas.

Audiência Pública

Após a reunião, as entidades participaram de uma audiência pública sobre o tema: “Por mais transparência e participação social”. No debate, Cristiano Ferri, servidor da Câmara, apresentou aos presentes o Laboratório Hacker, que também serve como ferramenta de transparência. Segundo Ferri, o laboratório “é um espaço para promover o desenvolvimento colaborativo de projetos inovadores em cidadania relacionados ao Poder Legislativo”.

Outro instrumento de interação com o cidadão apresentado foi o e-democracia, que é uma ferramenta de participação popular no processo legislativo. “Essa ferramenta é muito utilizada quando o relator de um projeto quer ideias e opiniões para aperfeiçoamento deste projeto”, destacou Ferri.

Para Pétala Brandão, da Rede Conectas, as propostas são fruto do trabalho legítimo e bem articulado de entidadesque representam o interesse público. “Diante da atual conjuntura, precisamos garantir que não haja retrocessos no  campo dos direitos humanos”, afirmou.

Estiveram presentes nas atividades as seguintes entidades: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação; Aliança de Controle  de Tabagismo e de Promoção da Saúde (ACT);Transparência Internacional; Rede Justiça Criminal e Conectas Direitos Humanos; Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE); Instituto Sou da Paz; Avaaz e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Exclusão dos debates eleitorais impõe restrições à democracia

Na semana em que candidatos expressivos das duas maiores cidades do país ficam fora dos debates, vemos que este espaço está longe de ser democrático

Por Ana Claudia Mielke*

Em 2015, um dos temas sobre o que mais se falou neste país foi a tal da “reforma politica”. Feita às pressas – para atender aos interesses imediatos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e seus cúmplices –, e em fatias – limitando-se a alterar questões pontuais da legislação até então em vigor –, a reforma não alterou questões centrais no modo de fazer campanha no país e ainda impôs restrições importantes ao debate democrático.

Uma das alterações diz respeito aos debates promovidos pelas emissoras abertas de rádio e TV. De acordo com a legislação em vigor, os debates são facultativos, ou seja, não existe obrigatoriedade em realizá-los.

Até 2014, ao optar por realizar debate entre os concorrentes, as emissoras estariam obrigadas a convidar todos que estivessem disputando a eleição, desde que o partido do candidato possuísse representação na Câmara dos Deputados. E isto valia tanto para debates relacionados aos cargos majoritários (executivos municipal, estadual, federal e senadores) quanto para cargos proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais).

Com a aprovação da Lei nº 13.165/2015, que dá nova redação a lei anterior, as emissoras passaram a ser obrigadas a convidar apenas os candidatos cujos partidos tenham representação na Câmara superior a nove deputados federais.

Aos demais, o convite ao debate é facultativo e, mesmo que seja feito tal convite, a participação dos demais candidatos depende de acordo prévio realizado entre a emissora/entidade e o conjunto dos concorrentes naquela eleição específica, com aprovação de 2/3.

O parágrafo 5º do art. 46 da nova lei, cuja redação diz “[…] para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional”.

Este detalhe, bastante específico, cria um ambiente inóspito às negociações que são feitas para viabilizar a participação de todos nos debates, uma vez que põe nas mãos dos concorrentes a decisão final por manter ou retirar um candidato do debate.

É o que já aconteceu nesta semana, em São Paulo, com a exclusão da candidata Luiza Erundina, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do debate promovido pela Band, na segunda-feira (22) e acontecerá hoje no Rio de Janeiro, com a exclusão de Marcelo Freixo (PSOL) também de debate realizado pela Band. Erundina está em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e Marcelo Freixo, em segundo.

No caso paulista, a emissora não tardou em jogar a responsabilidade pela exclusão no colo de Marta Suplicy (PMDB), João Doria (PSDB) e Major Olímpio (Solidariedade), que não assinaram o documento proposto pela emissora que previa a participação de todos os candidatos no debate. Na disputa pela prefeitura carioca, a participação de Freixo foi barrada pelos votos dos candidatos Flávio Bolsonaro (PSC), Pedro Paulo Carvalho (PMDB) e Indio da Costa (PSD).

Luiza Erundina
A candidata à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Luiza Erundina, excluída do primeiro debate

Em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, o candidato a prefeito Eliseu Amarilho (PSDC) ameaçou retirar sua candidatura ao descobrir que não teria a oportunidade de participar do debate eleitoral que será realizado dia 29 de setembro pela TV Morena, afiliada da Globo no estado. Com ele, são 8 dentre os 15 candidatos oficializados que devem ficar de fora do debate eleitoral na capital sul mato-grossense.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) se pronunciou na terça-feira (23), dizendo que “não procedem as notícias recentemente veiculadas de que 2/3 dos candidatos aptos poderiam determinar a exclusão de candidatos de pequenos partidos (não aptos), à revelia das emissoras”. Sim, é verdade. Os candidatos não podem decidir isso sozinhos, precisam da anuência da rádio, TV ou entidade jurídica que pretende realizar o debate. Acontece que, tradicionalmente, as maiores interessadas em excluir candidatos dos debates políticos sempre foram a emissoras.

A regra que permite o impedimento da participação dos candidatos está em votação no Supremo Tribunal Federal (STF) e é contestada por partidos como Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Partido da República (PR), além do já citado PSOL. Neste processo, o advogado da Abert Gustavo Binenbojm tem usado como argumentos que a limitação do número de candidatos corrige uma anomalia do próprio sistema partidário, marcado pela fragmentação de siglas, e permite que os debates sejam mais profícuos e informativos. A liberdade de escolha deve ser, para a Abert, das emissoras.

Em ano eleitoral, as grandes emissoras comercias – Globo, Band e Record – realizam inúmeras reuniões prévias de negociação dos debates das quais participam diretores das rádios e TVs, assessores dos “grandes” candidatos e representantes dos candidatos “menores”. Além das regras do próprio debate (sorteio de ordem e de perguntas, tempo de resposta, possibilidades de réplica e tréplica, etc), estas reuniões sempre tiveram um objetivo claro: diminuir o número de candidatos participantes.

O motivo para limitar o número de candidatos nos debates é, quase sempre, estético, afinal, “não fica bonito mais do que quatro candidatos debatendo na TV” – como ouvi, em 2008, de um dos diretores da TV Globo, responsável por conduzir as negociações. Já naquele ano, a oferta que se fazia era: “Damos a vocês, que aceitarem ficar fora do debate, um tempo a mais em cobertura diária das ações de campanha e uma entrevista de 3 minutos no jornal do meio dia”.

Muitos candidatos acabavam aceitando a proposta, abrindo mão de participar do confronto direto. Os que mantinham a determinação de participar quase sempre eram incluídos na última hora – depois de finalizadas todas as tentativas de assédio, digo, negociação por parte das emissoras. Naquele ano de 2008, a TV Globo SP decidiu não fazer o debate entre os candidatos à prefeitura no primeiro turno porque o então candidato pelo PSOL, deputado Ivan Valente, apesar da pressão, não aceitou fazer o acordo.

A legislação, por seu lado, garantia aos partidos menores o direito a esta participação, pois não a condicionava a um número de representantes na Câmara Federal – o PSOL naquele ano tinha três representantes – nem tampouco submetia a decisão final aos concorrentes. É óbvio, portanto, que numa situação em que a emissora queira diminuir o número de participantes – por questões técnicas e estéticas, como se costuma justificar – ela jogará aos concorrentes a responsabilidade por tomar este tipo de decisão – não poderia ser mais cômodo para Globo, Band, Record e, obviamente, para a Abert.

Direito à participação

Um dos pilares da democracia é o direito à participação. Este direito, por sua vez, está condicionado a outros também necessários e fundamentais, como a liberdade de expressão. Não existe democracia de fato sem participação, e não existe participação sem que sejam construídas condições que permitam a livre expressão das ideias e opiniões políticas, com isonomia entre os pretensos participantes. No Brasil, por outro lado, dois fenômenos em curso desvirtuam o direito à participação.

O primeiro ocorre quando se condiciona liberdade de expressão exclusivamente à liberdade de imprensa, como se tal direito fosse apenas das empresas comerciais de comunicação de dizer o que querem sem intervenção estatal, e não um direito de todos os cidadãos e cidadãs de serem bem informados quando abordados, em suas casas, por estas mesmas empresas de mídia.

O segundo, aparentemente, revela uma tentativa de privilegiar os que detêm maior poder de barganha política – isso inclui tempo no horário eleitoral “gratuito” na TV e no rádio – e soterrar aqueles que, limitados pelo tempo de existência ou pelo número de zeros na conta corrente, dependem de maior visibilidade para ter suas ideias e ideais conhecidos pelo grande público.

Se a concentração midiática brasileira é causa e consequência do primeiro fenômeno, seria razoável dizer que uma tradição oligárquica na política estaria na base do segundo. A nova lei eleitoral, portanto, aprovada por um congresso liderado por Eduardo Cunha, é apenas a expressão disto, posto que não garante a isonomia necessária para a participação de todos ao tratar com benefícios os maiores e retirar direito dos partidos ditos menores.

Embora os exemplos trazidos no texto sejam em sua maioria do PSOL, que atualmente tem seis deputados federais atuando na Câmara, na prática, partidos como PHS, com sete deputados, Partido Popular Socialista (PPS), que possui oito deputados, Partido Republicano da Ordem Social (PROS), com sete deputados, Partido Verde (PV), que tem seis deputados, Rede Sustentabilidade (REDE), com quatro deputados, Partido da Mulher Brasileira (PMB), com dois deputados, Partido Republicano Progressista (PRP) e Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), ambos com apenas um deputado também sofrerão as consequências desta política de exclusão.

“Gratuito” entre aspas

Tem gente que não gosta, acha chato, banal ou mesmo engraçado, mas o horário eleitoral gratuito nas emissoras de rádio e TV ainda é um meio de alcançar uma ampla parcela da população. Num país com as dimensões do Brasil, trata-se de um instrumento de alcance importante, sem o qual uma parcela da população, talvez, sequer soubesse das eleições.

É justamente visando a este alcance informativo sobre o processo eleitoral que a Lei nº 9504/1997 instituiu este instrumento, sendo um programa em bloco, que vai ao ar duas vezes por dia (manhã e meio dia no rádio; meio dia e noite na TV), e inserções ao longo da programação.

O problema é que de gratuito este horário não tem nada, uma vez que o Estado brasileiro ressarce as emissoras abertas pela veiculação da propaganda partidária. Segundo o site Contas Abertas, o governo federal deverá ressarcir às emissoras, por meio de dedução tributária direta, cerca de R$ 576 milhões no ano de 2016. O valor ressarcido é equivalente a 80% do que as emissoras ganhariam vendendo publicidade naquele mesmo período da grade da programação – cálculo que se dá pelo horário nobre, diga-se de passagem.

Levando em conta que as emissoras em questão são concessões públicas – possuem o direito de uso do espectro radioelétrico pertencente à União por um tempo determinado para a transmissão de programação e aferição e lucro sobre isso – a dedução do imposto de renda pela exibição do horário eleitoral é, na verdade, um engodo jurídico, pois quem está pagando pelo horário é o cidadão, que abre mão do valor citado para que as empresas possam veicular o horário. As emissoras, embora reclamem, não querem abrir mão disso, afinal, é um dinheiro que entra (ou deixa de sair) independente da variação da audiência.

Neste ano, o tempo do programa em bloco no rádio e na TV foi diminuído, de 45 para 35 dias (começando nesta sexta-feira, 26, e indo até o dia 29 de setembro), assim como diminuiu de 30 para 10 minutos o tempo do bloco para os cargos de prefeitos. Já para os cargos proporcionais, valem apenas as inserções ao longo da programação, cujo tempo aumentou de 30 para 70 minutos por dia.

Aos grandes partidos, segue o vale tudo das coligações pragmáticas, que visam a aumentar o tempo de aparição na TV. Afinal, 90% dos programas em bloco são distribuídos proporcionalmente aos partidos com maior número de representantes na Câmara e os demais 10% são distribuídos igualitariamente entre todos.

Já aos chamados “pequenos partidos”, segue valendo a militância, o ciberativismo, o corpo-a-corpo nas ruas e alguma criatividade para dar visibilidade às propostas. Como vimos, ainda vivemos num país em que informação, liberdade de expressão e direito à participação seguem sendo privilégios de poucos.

* Ana Claudia Mielke é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Coletivo Intervozes

Jean Wyllys assume coordenação da Frente Pela Liberdade de Expressão

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) foi empossado como o novo coordenador da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom) nesta terça-feira, 23, na Câmara dos Deputados.

A Frentecom é uma iniciativa lançada em 2011 por entidades da sociedade civil e pela deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) com o objetivo de acompanhar os debates sobre direito à comunicação e à liberdade de expressão no Brasil. Conforme a deputada, a Frentecom inovou ao contar com uma presença ativa e constante por parte da sociedade civil. “As entidades sempre tiveram inciativa em pautar a frente e manter a luta pela democratização da comunicação”, destacou ela durante a solenidade.

Ao enfatizar a luta coletiva, a parlamentar lembrou também o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Todos têm o direito à liberdade de opinião e de expressão. “Este direito inclui a liberdade para ter opiniões sem interferência e para procurar, receber e dar informação e ideias através de qualquer meio de comunicação, sem importar as fronteiras”, apontou Erundina, ressaltando a importância da Frentecom para que se possa barrar os retrocessos que estão ocorrendo nesta área no país.

Ao transmitir o cargo, Erundina reforçou a atuação ativa e relevante do deputado Jean Wyllys nas redes sociais e refletiu sobre o desejo dele de mudar o mundo. “Um jovem parlamentar dará uma nova energia para continuarmos construindo esse sonho e utopias que não cabem na vida de uma única pessoa”, afirmou.

Jean Wyllys, que recebe a missão de suceder a deputada Luiza Erundina na coordenação da frente parlamentar em meio a um processo de ruptura democrática e de perdas de direitos, criticou a postura do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cuja gestão criou a figura do secretário de Comunicação Social – cargo que dá ao parlamentar que o ocupa o poder de gestão sobre os meios de comunicação da Casa. “Essa atitude é antidemocrática e partidariza um órgão do Legislativo que deveria ser plural e servir aos interesses da sociedade”, frisou Wyllys.

O deputado também provocou os deputados presentes no sentido de que ofereçam seu apoio para a criação de uma coordenação colegiada, formada por deputados de diferentes partidos e tendências, a qual ficaria responsável por acompanhar a comunicação realizada pela Câmara. Desta forma, na sua avaliação, se estaria trabalhando pela democratização e pelo respeito aos interesses públicos. Essa coordenação colegiada substituiria a figura do deputado-secretário de Comunicação criada por Cunha.

O deputado ainda destacou seu interesse em fortalecer a relação da Frentecom com outras frentes parlamentares que visem a democratização da internet e a defesa de direitos humanos, assim como o diálogo com outros atores da sociedade civil que não estão organizados em instituições, mas que também são ativistas do direito à comunicação e à liberdade de expressão. “O diálogo e articulação com essas frentes serão fundamentais para não retrocedermos em pautas que já representaram avanços para a sociedade”, ponderou.

Agenda para 2016-2017
As prioridades de atuação da Frentecom para o período 2016-2017 foram apresentadas no evento. Os eixos centrais serão a defesa da comunicação pública, o combate à perseguição de blogueiros e ativistas de comunicação e a defesa da internet livre, aberta e neutra. “Precisamos defender o caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e de uma programação que contenha a participação das múltiplas vozes e segmentos que compõem a diversidade da sociedade brasileira”, afirmou.

Especificamente em relação ao acesso livre à internet, Wyllys lembrou que a própria Frentecom visa “a ampliação e a democratização do acesso à internet e a promoção de uma maior democratização da comunicação, aproveitando as novas tecnologias”, e que o acesso livre à rede mundial de computadores é o melhor caminho para se atingir os objetivos da Frente Parlamentar.

Saiba mais sobre a Frentecom
Criada em 2011 a partir de um grande debate entre parlamentares e entidades da sociedade civil, a Frentecom pretende acompanhar as questões pertinentes ao direito à comunicação e à liberdade de expressão no Brasil, especialmente as pautas em tramitação na Comissão de Ciências e Tecnologias, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) e Ministério das Comunicações.

É um espaço para que a sociedade civil possa se posicionar em defesa de seus interesses, a partir da articulação para a promoção de audiências públicas, proposição de projetos de lei e garantia de espaços efetivos para a participação e o interesse popular nas decisões tomadas no âmbito da Câmara no que se refere ao setor de comunicação.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação