Arquivo da categoria: Análises

Campanha falaciosa: liberdade de escolha para quem?

A ABTA, que reúne as operadoras de tevê paga e tem como principal sócia a Net, lançou uma campanha que afronta a inteligência de quem assiste ao filmete. Para combater o substitutivo do deputado Jorge Bittar (PT/RJ), que estabelece proteção ao conteúdo nacional na nova regulamentação do serviço, a entidade saca da algibeira a tese da liberdade de escolha. "Não deixe que prejudiquem sua liberdade de escolha", diz o locutor de filmete. Em resumo, a idéia é associar a definição de cota obrigatória de conteúdo nacional – 10% da grade de programação, excluídos noticiários, programas esportivos e religiosos – a uma interferência autoritária nas opções do assinante, e conquistar sua simpatia contra o substitutivo.

Só que o tiro tende a sair pela culatra. Todo assinante de tevê paga no Brasil sabe que o serviço não é flexível. Os pacotes são rígidos, e o assinante é obrigado a pagar pelo que não quer para ver o que quer. A não ser que as operadoras estejam preparando uma mudança radical em suas ofertas – e mais dia menos dia vão ter de mudar, pois a novata Telefônica promete um cardápio muito flexível na sua TV Digital –, onde está a liberdade de escolha?

Trata-se, portanto, de um argumento falacioso, nada mais do que cortina de fumaça para esconder o que a ABTA não quer: a obrigatoriedade de investir em conteúdo nacional. E essa exigência é, certamente, um dos maiores acertos do relator do substitutivo. O deputado Bittar aproveitou, com muita propriedade, a oportunidade de regulamentar o novo serviço de tevê por assinatura – ele está sendo chamado de serviço de comunicação audiovisual social eletrônica de acesso condicionado e vai substituir a Lei do Cabo e os regulamentos do MMDS e do DTH -, para definir critérios de estímulo ao conteúdo nacional, a exemplo do que fazem vários outros países.

"O que estamos propondo vai exatamente na contramão do que diz a campanha da ABTA", diz Bittar, que vai aproveitar o recesso parlamentar para analisar atentamente as mais de cem emendas que já recebeu, parte delas inspirada pela entidade das tevês pagas. Ao abrir o mercado para novos atores, especialmente para as empresas de telecom, que poderão distribuir o serviço, o substitutivo cria as condições para ampliar a competição. O que deve provocar a queda dos preços – os preços elevados são os responsáveis pela baixo índice de penetração do serviço. Só 8% dos domicílios brasileiros têm tevê a cabo, contra 54% na Argentina, 25% no Chile, 23% no México e 19% na Venezuela. "Com as medidas propostas, o que estamos fazendo é democratizar o serviço. Vamos sair de uma base dos atuais 5 milhões de assinantes para duas ou três dezenas de milhões nos próximos anos", aposta ele.

Junto com a ampliação da base da tevê paga, o objetivo do substitutivo, com a política de cotas (há obrigatoriedades complementares aos 10% de conteúdo nacional), é criar um mercado efetivo para a produção audiovisual brasileira. Os 10% de conteúdo nacional, que horrorizam as operadoras de tevê paga e os programadores estrangeiros, podem parecer pouco, mas, de acordo com levantamento feito pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), representam o dobro do que é exibido hoje na tevê. E para a cota ser atendida, a produção nacional de obras de arte, de 78 ao ano (num investimento total de R$ 67 milhões), precisa ser ampliada.

Onde buscar os recursos para ampliar essa produção? O substitutivo estabelece que 10% dos recursos hoje recolhidos para o Fistel, o fundo de fiscalização, sejam carreados para um fundo de fomento ao audiovisual, o que representaria R$ 300 milhões ao ano. De outro lado, estimula as próprias operadoras a investirem na produção e programação de conteúdo audiovisual nacional, ao considerar como conteúdo brasileiro, para fins de atendimento da política de cotas, as produtoras e programadoras controladas por capital nacional e com a gestão em mãos de brasileiros – mas elas podem ter até 49,9% de participação de capital estrangeiro ou de uma empresa de telecom.

O substitutivo incomoda porque cria as condições para mudar o status quo. Ao mesmo tempo em que contribui para quebrar os monopólios na tevê paga (Net e Sky detêm juntas 78% do mercado), ele mexe também na lógica da programação e distribuição do conteúdo nacional, que gravita em torno de um único polo, as Organizações Globo. O embate não será fácil, mas é importante defender a política de cotas, que se aplica também ao celular. Ela vai muito além da reafirmação da identidade nacional. Democratiza a produção e a distribuição do conteúdo nacional, impulsiona uma atividade econômica onde o Brasil tem todas as condições de se destacar e cria fontes alternativas de provimento de informação e lazer.

Jornalismo de escândalos

O jornalismo brasileiro, no cenário contemporâneo, sinaliza para uma nova modalidade de especialização, só que distinta da tradicional segmentação em editorias. A cobertura dos escândalos políticos, transformados em espetáculos midiáticos, está institucionalizando um tipo novo de segmentação jornalística que transcende as fronteiras temáticas, porque estabelece princípios de seleção e tratamento da informação baseados em intencionalidades políticas manifestas e uma retórica próxima da propaganda ideológica. Nesse sentido, uma linguagem que deveria ter o compromisso com a referencialidade, tanto temporal quanto espacial, cede terreno cada vez maior para elementos ficcionais, tornando ainda mais complexa a tarefa de definir o que é verossímil ou não.

Não se trata mais de eleger um assunto, e enquadrá-lo nas grandes áreas ou esferas da sociedade, a exemplo da economia, política, cotidiano e cultura, mas de tecer uma trama que muito se equipara às nossas modernas telenovelas, com um enredo multiplicado em vários episódios, personagens e objetos portadores de um poder simbólico intrigante. Fica-se agora à espera da próxima personalidade da política que terá “pecados capitais” revelados, mas nem sempre por uma ação direta de investigação e apuração dos agentes escalados no campo do jornalismo. Pelo contrário, boa parte das denúncias surge como subproduto das disputas pela hegemonia do poder político e econômico. Em seguida, começa um intenso frenesi entre os editores que se propaga pelas redações dos principais conglomerados de mídia, aqueles que são considerados os titãs do jornalismo brasileiro.

Na esfera pública, instala-se um clima de expectativa para saber até que ponto os personagens do escândalo da vez estão implicados, os novos fatos que complicam ainda mais a situação dos acusados numa escala sempre ascendente, e por fim, o desfecho “lógico” e meta narrativo: a punição exemplar, que nem sempre acontece. Para garantir o sucesso da empreitada, capitaneada pelo poder midiático, os seus agentes lançam mão de todos os recursos disponíveis no espectro da linguagem jornalística, desde os mais elementares até os mais sofisticados elementos retóricos, estéticos e visuais.

Os escândalos políticos já entraram para a história da nossa república, deixando rastros de destruição de carreiras até então exitosas, reduzindo a quase zero um imenso patrimônio político e eleitoral, como demonstram os episódios históricos de Getúlio Vargas e Fernando Collor de Melo, só para citar ex-presidentes da república, personagens emblemáticos quando se fala no potencial destrutivo do escândalo para a elite política do país.

Fica evidente que o escândalo é um evento midiático capaz de interferir no equilíbrio do poder político. Resta perguntar: até que ponto e de que forma? Ou seja, a significação concreta que o escândalo político assume em determinadas circunstâncias sociais perante a opinião pública. Recentemente, as coberturas jornalísticas sobre o “Escândalo do Mensalão” e o “Escândalo do Renan Calheiros” mostraram a sua insuficiência para erodir de um modo decisivo o poder simbólico e político dos seus principais implicados, reforçando a descrença na onipotência da mídia.

Proibir biografia é uma violência cultural sem precedentes

Foi um 'erro de digitação'. Essa foi a resposta que o advogado de Roberto Carlos forneceu à Folha ao ser indagado sobre a denúncia de adulteração do conteúdo do livro Roberto Carlos em Detalhes na queixa-crime que seu escritório enviou à Justiça contra mim. Recapitulando: no livro, digo que na jovem guarda havia uma 'combinação de sexo, garotas e playboys'. Pois na página 16 da queixa-crime essa frase é citada com a troca da palavra 'garotas' por 'drogas' e, em seguida, os advogados escreveram: '(…) e por aí vai o querelante, misturando sexo grupal com homicídio, consumo de drogas com corrupçãode menores e bestialismo'.

Ressalte-se que não apenas naquele documento como também em entrevistas o advogado Marco Antônio Campos tem atribuído ao livro frases que não escrevi. À revista Aplauso , por exemplo, ele afirmou que no livro está dito que o cantor 'era assíduo freqüentador da cobertura de Carlos Imperial, onde as festinhas eram regadas a todos os tipos de drogas', e que, 'uma vez, uma menor foi estuprada e morta numa dessas festas'. Ocorre que o livro não fala em drogas ou homicídios na casa de Imperial e muito menos associa Roberto Carlos a isso. Narra, sim,um escândalo que abalou a jovem guarda em 1966, com Imperial e outros artistas acusados de se envolver com garotas menores. No texto, enfatizo que aquilo não atingiu Roberto Carlos. Qualquer um pode confirmar isso no livro, da página 306 até a página 311. Basta ler! É lamentável que Roberto Carlos tenha entrado na Justiça sem ao menos ter lido a sua biografia. 'Fizemos um resumo para ele', confessa Campos. Se o resumo que o advogado fez ao cantor foi o mesmo que está na queixa-crime e propaga em entrevistas, está finalmente explicado por que Roberto Carlos ficou tão furioso com um livro que engrandece a sua vida e a sua arte. E agora também finalmente sabemos a que ele estava se referindo quando, na primeira manifestação contra o livro, disse em entrevista coletiva que nele haveria 'coisas não verdadeiras'. Ou seja, diante de toda a imprensa brasileira, um dos maiores artistas do país desqualifica o trabalho de um profissional apenas baseado num resumo adulterado que lhe foi fornecido por colaboradores.

Campos fala agora em 'erro de digitação'. Roberto Carlos, assim como o presidente Lula, provavelmente vai dizer que nada sabia. E, aí, estamos conversados? Não, não estamos. Como bem afirmou Paulo Coelho meses atrás em artigo aqui mesmo na Folha , o que está em jogo nessa polêmica não é apenas o meu livro, não é apenas o meu caso. É a liberdade de expressão no Brasil, direito adquirido depois de longa luta contra a ditadura. Porque, se valer para outras figuras públicas o que está valendo para Roberto Carlos, ninguém mais poderá escrever a história deste país. Várias personalidades que já leram Roberto Carlos em Detalhes , como Caetano Veloso, Nelson Motta e Ruy Castro, declararam que se trata de um livro carinhoso e positivo para o cantor.

Em recente entrevista à Veja , o renomado jurista Saulo Ramos afirmou que o livro 'é uma biografia perfeita. Não tem um ataque moral contra o Roberto. Ele me consultou e eu o aconselhei a não tomar nenhuma providência. Recusei a causa, e ele procurou outros advogados'. Será que todas essas pessoas estão erradas e apenas os advogados que o cantor procurou estão certos? É óbvio que esses advogados estão fazendo o papel deles, mas daí a tergiversar no processo, adulterar o conteúdo da obra para induzir a Justiça a erro vai uma grande diferença. E,diante disso, não posso e não devo me calar. Pois foi baseado no conteúdo dessa queixa-crime que o juiz Tércio Pires, do Fórum Criminal da Barra Funda (SP), julgou que o livro cometia grande ofensa à honra de Roberto Carlos. Acreditando nisso, por duas vezes esse juiz ameaçou mandar fechar aeditora Planeta durante aquela fatídica audiência, em 27 de abril. Sentindo-se coagida, a editora decidiu aceitar o acordo, me deixando abandonado. Resultado: o livro foi proibido, 10.700 exemplares do estoque foram apreendidos, e outros tantos, recolhidos das livrarias e entregues a Roberto Carlos para serem destruídos.

É uma violência cultural sem precedentes em países sob vigência do Estado democrático de Direito. Para o cantor, esse imbróglio trouxe desgaste de imagem e nenhum sentido prático, pois o conteúdo do livro está na internet. Além disso, o tempo ficou cada vez menor e até agora ele não conseguiu aprontar um novo álbum ou lançar uma ou duas novas músicas — fato que não acontecia desde que gravou seu primeiro disco, há 48 anos. Portanto, 2007 ficará marcado na história de Roberto Carlos como o ano em que ele não lançou nenhum novo CD, mas, ao contrário, tirou de circulação a sua biografia.

TV Brasil: por um debate menos rastaqüera

Tudo avança na implantação da TV Brasil, a nova estrutura de radiodifusão do poder executivo federal, que pretende ser o núcleo de uma futura rede pública de televisão. O conselho curador, composto por personalidades de campos variados da sociedade, foi empossado na sexta-feira (14/12). A diretoria executiva, que tem à frente a jornalista Teresa Cruvinel, já trabalha há meses. A integração da Radiobrás com a Organização Social Roquette Pinto (TVE-Rio e TVE-Maranhão), que resultará na Empresa Brasil de Comunicação, já tem os contornos definidos e está em curso. Escritórios e equipes estão em operação no Rio, em Brasília e São Paulo. O próprio canal já está no ar, com programação provisória, desde 2 de dezembro, quando foi lançado junto com a TV digital. O que falta, então, para a TV Brasil acelerar as turbinas e decolar de vez?

O básico: a segurança legal. Segue ainda em apreciação no Congresso Nacional a Medida Provisória nº 398, de 10 de outubro deste ano, que "institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta, e autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de Comunicação – EBC", conforme explicita seu texto. Mesmo não aprovada ainda, a MP já foi regulamentada pelo decreto-lei nº 6.246, de 24 de outubro, que criou a EBC e aprovou seu estatuto, entre outras providências. Ou seja: da parte da presidência da República e do poder executivo em geral, as cartas estão dadas. Agora cabe ao legislativo decidir se continua ou se mela o jogo.

O problema que se coloca, para a qualidade da decisão a ser tomada, é que o assunto TV Brasil vem merecendo um debate indigente, no meio parlamentar e na opinião pública. A instituição de uma rede pública, para complementar o sistema nacional de televisão (nos termos do Artigo 223 da Constituição Federal), é assunto de considerável complexidade técnica e de enorme impacto político, em sentido amplo, pelo que pode alterar na oferta de produtos culturais na tela, na representação televisiva de grupos sociais e nas posições de mercado das emissoras existentes. Mas vem sendo discutido, no Congresso e na imprensa, em termos absolutamente restritos e insuficientes, de uma suposta tentativa do presidente Lula de criar uma máquina de propaganda para seu governo.

Oportunismo? Que oportunismo?

A tese é contraditória por si só. Os mesmos setores que denunciam essa presumida intenção de Lula são os que apontam a desnecessidade da televisão pública no país, "porque consome recursos e não tem audiência". Ora, se não tem audiência, o que o presidente lucraria em instrumentalizá-la em seu favor? Faria propaganda para quem?

Não lhe seria muito mais útil recorrer aos instrumentos de comunicação de que já dispõe, como a publicidade oficial (mais de 1 bilhão de reais, entre administração direta e indireta), a requisição de horários em cadeia nacional de emissoras para seus pronunciamentos (cessão obrigatória), ou mesmo os programas jornalísticos das redes comerciais, que estão permanentemente ávidos por entrevistar o primeiro mandatário do país? Isso, sem contar o poder amplo da caneta em sua mão. Todos conhecem a histórica disposição das emissoras comerciais em simpatizar com governos que lhes facilitam a vida, com medidas regulatórias favoráveis, isenções fiscais, financiamento barato em bancos estatais e farta publicidade.

Se Lula está criando a TV Brasil para fazer propaganda, só poderá beneficiar-se a longo prazo, porque não será em poucos anos que uma nova rede, e ainda mais de características educativo-culturais, atingirá índices de audiência capazes de rivalizar com os das redes comerciais. Portanto, Lula colherá o fruto – se colher – quando não for mais presidente da República. Não é um estranho tipo de oportunismo, esse que trará o benefício quando ele não for mais necessário?

Avanço importante

Se não justifica qualquer tentação manipulatória de governantes, seja Lula ou qualquer outro, a baixa audiência dos canais públicos existentes serve de argumento econômico aos opositores da TV Brasil. A emissora é desqualificada porque consumiria recursos importantes, desfalcando áreas prioritárias como educação, saúde, abastecimento, segurança e habitação. Outro dia mesmo, o líder dos Democratas no Senado, José Agripino Maia, celebrava o fim da CPMF dizendo que o governo pode muito bem superar o golpe em seu caixa "gastando melhor o que tem e evitando despesas inúteis como a TV pública".

Esse discurso embute a crença de que a televisão comercial atende muito bem às necessidades do país, que não precisaria da televisão pública. A TV comercial já estaria legitimada pelo simples fato de ter audiência maior. Se o telespectador a prefere, é porque encontra nela o que deseja. Logo, é a melhor forma de TV existente e não justifica gastos públicos em canais não-comerciais. Em vez de se criar a TV Brasil, talvez fosse o caso de extinguir todos os canais públicos e estatais existentes.

Não vem ao caso para esses privatistas, é claro, o detalhe de que a TV comercial descumpre quase integralmente os dispositivos constitucionais que determinam à televisão – toda e qualquer – prover entretenimento, educação e informação. Que obrigam à veiculação de programação regional e produção independente. Não vem ao caso, também, que milhões de telespectadores manifestem sua insatisfação com os canais comerciais e que toda pesquisa de opinião sobre seu conteúdo aponte, invariavelmente, que o público deseja mais cultura e educação na tela.

As discussões sobre a TV Brasil e sobre a televisão pública no Brasil articulam-se, mas não se confundem. É pacífico, para quem analisa o assunto de boa fé, que será bom para o país um sistema equilibrado de emissoras comerciais, públicas e estatais – e não apenas porque a Constituição impõe. Será bom porque cada tipo de emissora cumprirá funções específicas, complementando-se para favorecer o crescimento econômico, o desenvolvimento social e o avanço da cidadania. É assim que ocorre nas democracias mais desenvolvidas do mundo. Não há porque ser diferente na nossa.

A TV Brasil, portanto, deve ser analisada pelo que propõe ao país. E é justamente isso que justifica a sua viabilização, a despeito dos erros de condução e das insuficiências de seu projeto, criticados por este escriba há alguns meses. O governo poderia ter feito muito mais pela reforma do campo público da televisão, mas a TV Brasil representa um avanço colossal diante do que temos hoje no país.

Grandeza política

É a única emissora que traz em seu estatuto todos os nobres objetivos constitucionais ignorados pela televisão comercial. É uma emissora que vem para romper a anacrônica verticalização do mercado televisivo, em que as mesmas empresas que transmitem são as que produzem os programas. Vem para desconcentrar o mercado, abrindo-o à produção independente e regional, e fomentando a diversidade cultural. Vem para estimular trocas culturais, no plano audiovisual, entre o Brasil e o resto do mundo, não para atuar como posto de distribuição de filmes, séries e programas norte-americanos, importados sob a ótica estrita de sua rentabilidade.

Há risco da programação, em especial a jornalística, ser parcial e tendenciosa? Sim, claro, mas é o mesmo de qualquer outra emissora, pública ou comercial. Pergunte-se aos adversários dos clãs Sarney, no Maranhão, ou Magalhães, na Bahia, se consideram isento o noticiário da TV Mirante ou da TV Bahia. Pergunte-se aos adversários de Roberto Requião, do Paraná, se consideram inadequada a ação do Ministério Público, que acusa o governador de usar a TVE local para "promoção pessoal e ataques à imprensa e adversários". O poder político sempre tentará usar a televisão em favor de seus interesses, com maior ou menor ênfase, às claras ou manobrando nas sombras. Cabe à sociedade construir mecanismos democráticos que impeçam isso.

Na TV Brasil, o próprio poder que a institui oferece o antídoto para a sua cobiça. A emissora nasce por iniciativa estatal, mas mirando em ser uma estrutura efetivamente pública, sob controle da sociedade, através do conselho curador que lá está para zelar pelo interesse coletivo. Conselho que foi indicado por Lula, mas que renovará a si mesmo, doravante, assegurando a composição minoritária de representantes do governo. Conselho que instalou-se muito convicto de sua missão, já anunciando uma ouvidoria para as queixas do público e uma corregedoria para eventuais abusos internos. Nenhuma emissora comercial tem sequer o ouvidor, quanto mais algum conselho consultivo da sociedade. E mesmo na televisão pública, apenas a TV Cultura de São Paulo tem a autonomia buscada pela TV Brasil.

O Congresso Nacional tem o dever de aprovar a MP 398, legalizando a operação da TV Brasil. Tem de assegurar a ela os recursos necessários à sua implantação, ameaçados que ficaram, como todos os novos investimentos do governo, com a extinção da CPMF. Tem de fazer isso com espírito público e grandeza política, para além das contingências dos duelos partidários e dos embates eleitorais. O que está em jogo é o desenvolvimento do país e o aprofundamento da democracia. Um forte, multifacetado e equilibrado sistema de televisão é ferramenta indispensável a essas metas. Só o atraso tem a perder com ele.

Poucos jornais acompanham o Plano de Desenvolvimento da Educação

No final de novembro, foram divulgados os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como de costume, os jornais dedicaram bastante espaço ao tema, entretanto a cobertura dos resultados de avaliações de desempenho não foge à rotineira elaboração de rankings e comparações entre redes públicas e particular. Assim, priorizaremos a análise de outros assuntos que também foram notícia.

Alguns jornais continuam acompanhando as ações previstas no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O carioca O Globo enviou um repórter para cidades do interior do Nordeste que tiveram baixo desempenho na Prova Brasil em 2005 para acompanhar a aplicação da avaliação este ano. Como explica o texto "a Prova Brasil é um dos dois indicadores que dão origem ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), principal novidade do Plano de Desenvolvimento da Educação lançado em abril passado pelo presidente Lula".

Além de encontrar alunos que desde 2005 continuam na quarta série, a reportagem constata que um dos municípios não possui "supervisores pedagógicos para orientar o ensino", uma secretária de educação, "há 24 anos no cargo, parece pouco familiarizada com a burocracia do MEC" e diretores e professores desconhecem o IDEB de suas escolas.

O cearense Diário do Nordeste dedicou, no dia 21 de novembro, um bom espaço para discutir o ensino público no estado, já que "os indicadores educacionais do Ceará mostram um longo caminho ainda a percorrer". A matéria baseou-se, em grande medida, em entrevista com a secretária estadual de Educação, que discorreu sobre os programas e projetos da pasta, o desempenho dos municípios com melhores IDEB e a cooperação de técnicos do Ministério da Educação. Faltou, porém, informações sobre a adesão às metas do PDE pelo Ceará e os municípios do Estado e os desafios para o seu cumprimento.

Transporte e saúde escolar

Sobre os desafios da relação direta do MEC com os municípios, em Santa Catarina, no dia 23 de novembro, o jornal A Notícia informa que 22 municípios da Grande Florianópolis realizaram um encontro para discutir o Programa Caminho da Escola, que propicia a renovação da frota para o transporte escolar e integra o PDE. "Esta reunião é importante porque a maior parte das administrações municipais desconhece os detalhes do programa. As inscrições, por sinal, foram prorrogadas por falta de interessados", esclarece.

Por último, destacamos a coluna "A doença do silêncio", de Gilberto Dimenstein na Folha de S.Paulo, em 25 de novembro, cujo tema é o alarmante relatório preparado pela Secretaria da Saúde da cidade de São Paulo com base em 11.381 exames médicos realizados em alunos de escolas públicas. "Do total de alunos examinados, 70% tiveram de ser encaminhados para algum tratamento. (…) Naquela amostragem, 80% exibiam problemas dentários, que englobam desde cáries até anomalias mais complexas. Tente prestar atenção a qualquer coisa sentindo dor dente para perceber a dificuldade de uma criança numa sala de aula. Pelo menos 10% dos examinados necessitavam de acompanhamento fonoaudiológico. Não é preciso ser um gênio para calcular o impacto que causa a dificuldade de fala no aprendizado".

O colunista tem o mérito de abordar o tema da condição de saúde dos alunos e relacioná-lo com as dificuldades de aprendizagem das crianças. O PDE possui uma ação chamada Educação e Saúde nas Escolas, objeto de uma portaria interministerial entre as pastas de Educação e Saúde, até agora não abordada pela imprensa.

Educação Penitenciária

Vale constatar que na cobertura da situação do sistema penitenciário brasileiro, evidenciada pelo caso da adolescente que foi presa e violentada em uma cela masculina no interior do Pará, apenas o jornal O Estado de S.Paulo publicou, no dia 26 de novembro, um texto sobre a oferta de educação às pessoas presas. A matéria restringia-se à situação dos jovens internos que cumprem medidas sócio-educativas e informava que "o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) visitou unidades responsáveis por praticar medidas socioeducativas no País, no ano passado. Dessas, 50% não tinham nenhum tipo de programa de profissionalização e em 17% não havia nem proposta para escolarização dos internos".

As violações do direito à educação, entretanto, não são exclusivas dos jovens internos e mostram-se extremamente graves também nas penitenciárias para adultos. Para a população feminina encarcerada, as dificuldades parecem ser ainda maiores.

20 de Novembro

Pelo terceiro ano consecutivo, o Observatório da Educação acompanha o que a imprensa brasileira publica sobre educação das relações étnico-raciais por conta do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. O número de matérias, em geral reduzido, esse ano foi ainda menor. Apenas o Jornal da Tarde e o mineiro Hoje em Dia abordaram o tema.

A coluna diária "Pais e Mestres" do periódico paulista informou que o Ministério da Educação vai destinar R$ 2 milhões para a formação de professores e a elaboração de material didático sobre a cultura afro-brasileira. A matéria aborda as dificuldades para a implementação da lei 10639/03, que incluiu o ensino da história e cultura africanas e afro-brasileiras no currículo, como a falta de empenho de estados e municípios e a falta de previsão orçamentária específica.

Já o Hoje em Dia não fala das políticas públicas para a implementação da lei. Cita um projeto desenvolvido por duas professoras de uma escola municipal de Belo Horizonte cujo objetivo é "fazer com que os alunos se identifiquem e se valorizem como descendentes africanos".