Campanha falaciosa: liberdade de escolha para quem?

A ABTA, que reúne as operadoras de tevê paga e tem como principal sócia a Net, lançou uma campanha que afronta a inteligência de quem assiste ao filmete. Para combater o substitutivo do deputado Jorge Bittar (PT/RJ), que estabelece proteção ao conteúdo nacional na nova regulamentação do serviço, a entidade saca da algibeira a tese da liberdade de escolha. "Não deixe que prejudiquem sua liberdade de escolha", diz o locutor de filmete. Em resumo, a idéia é associar a definição de cota obrigatória de conteúdo nacional – 10% da grade de programação, excluídos noticiários, programas esportivos e religiosos – a uma interferência autoritária nas opções do assinante, e conquistar sua simpatia contra o substitutivo.

Só que o tiro tende a sair pela culatra. Todo assinante de tevê paga no Brasil sabe que o serviço não é flexível. Os pacotes são rígidos, e o assinante é obrigado a pagar pelo que não quer para ver o que quer. A não ser que as operadoras estejam preparando uma mudança radical em suas ofertas – e mais dia menos dia vão ter de mudar, pois a novata Telefônica promete um cardápio muito flexível na sua TV Digital –, onde está a liberdade de escolha?

Trata-se, portanto, de um argumento falacioso, nada mais do que cortina de fumaça para esconder o que a ABTA não quer: a obrigatoriedade de investir em conteúdo nacional. E essa exigência é, certamente, um dos maiores acertos do relator do substitutivo. O deputado Bittar aproveitou, com muita propriedade, a oportunidade de regulamentar o novo serviço de tevê por assinatura – ele está sendo chamado de serviço de comunicação audiovisual social eletrônica de acesso condicionado e vai substituir a Lei do Cabo e os regulamentos do MMDS e do DTH -, para definir critérios de estímulo ao conteúdo nacional, a exemplo do que fazem vários outros países.

"O que estamos propondo vai exatamente na contramão do que diz a campanha da ABTA", diz Bittar, que vai aproveitar o recesso parlamentar para analisar atentamente as mais de cem emendas que já recebeu, parte delas inspirada pela entidade das tevês pagas. Ao abrir o mercado para novos atores, especialmente para as empresas de telecom, que poderão distribuir o serviço, o substitutivo cria as condições para ampliar a competição. O que deve provocar a queda dos preços – os preços elevados são os responsáveis pela baixo índice de penetração do serviço. Só 8% dos domicílios brasileiros têm tevê a cabo, contra 54% na Argentina, 25% no Chile, 23% no México e 19% na Venezuela. "Com as medidas propostas, o que estamos fazendo é democratizar o serviço. Vamos sair de uma base dos atuais 5 milhões de assinantes para duas ou três dezenas de milhões nos próximos anos", aposta ele.

Junto com a ampliação da base da tevê paga, o objetivo do substitutivo, com a política de cotas (há obrigatoriedades complementares aos 10% de conteúdo nacional), é criar um mercado efetivo para a produção audiovisual brasileira. Os 10% de conteúdo nacional, que horrorizam as operadoras de tevê paga e os programadores estrangeiros, podem parecer pouco, mas, de acordo com levantamento feito pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), representam o dobro do que é exibido hoje na tevê. E para a cota ser atendida, a produção nacional de obras de arte, de 78 ao ano (num investimento total de R$ 67 milhões), precisa ser ampliada.

Onde buscar os recursos para ampliar essa produção? O substitutivo estabelece que 10% dos recursos hoje recolhidos para o Fistel, o fundo de fiscalização, sejam carreados para um fundo de fomento ao audiovisual, o que representaria R$ 300 milhões ao ano. De outro lado, estimula as próprias operadoras a investirem na produção e programação de conteúdo audiovisual nacional, ao considerar como conteúdo brasileiro, para fins de atendimento da política de cotas, as produtoras e programadoras controladas por capital nacional e com a gestão em mãos de brasileiros – mas elas podem ter até 49,9% de participação de capital estrangeiro ou de uma empresa de telecom.

O substitutivo incomoda porque cria as condições para mudar o status quo. Ao mesmo tempo em que contribui para quebrar os monopólios na tevê paga (Net e Sky detêm juntas 78% do mercado), ele mexe também na lógica da programação e distribuição do conteúdo nacional, que gravita em torno de um único polo, as Organizações Globo. O embate não será fácil, mas é importante defender a política de cotas, que se aplica também ao celular. Ela vai muito além da reafirmação da identidade nacional. Democratiza a produção e a distribuição do conteúdo nacional, impulsiona uma atividade econômica onde o Brasil tem todas as condições de se destacar e cria fontes alternativas de provimento de informação e lazer.

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