Jornalismo de escândalos

O jornalismo brasileiro, no cenário contemporâneo, sinaliza para uma nova modalidade de especialização, só que distinta da tradicional segmentação em editorias. A cobertura dos escândalos políticos, transformados em espetáculos midiáticos, está institucionalizando um tipo novo de segmentação jornalística que transcende as fronteiras temáticas, porque estabelece princípios de seleção e tratamento da informação baseados em intencionalidades políticas manifestas e uma retórica próxima da propaganda ideológica. Nesse sentido, uma linguagem que deveria ter o compromisso com a referencialidade, tanto temporal quanto espacial, cede terreno cada vez maior para elementos ficcionais, tornando ainda mais complexa a tarefa de definir o que é verossímil ou não.

Não se trata mais de eleger um assunto, e enquadrá-lo nas grandes áreas ou esferas da sociedade, a exemplo da economia, política, cotidiano e cultura, mas de tecer uma trama que muito se equipara às nossas modernas telenovelas, com um enredo multiplicado em vários episódios, personagens e objetos portadores de um poder simbólico intrigante. Fica-se agora à espera da próxima personalidade da política que terá “pecados capitais” revelados, mas nem sempre por uma ação direta de investigação e apuração dos agentes escalados no campo do jornalismo. Pelo contrário, boa parte das denúncias surge como subproduto das disputas pela hegemonia do poder político e econômico. Em seguida, começa um intenso frenesi entre os editores que se propaga pelas redações dos principais conglomerados de mídia, aqueles que são considerados os titãs do jornalismo brasileiro.

Na esfera pública, instala-se um clima de expectativa para saber até que ponto os personagens do escândalo da vez estão implicados, os novos fatos que complicam ainda mais a situação dos acusados numa escala sempre ascendente, e por fim, o desfecho “lógico” e meta narrativo: a punição exemplar, que nem sempre acontece. Para garantir o sucesso da empreitada, capitaneada pelo poder midiático, os seus agentes lançam mão de todos os recursos disponíveis no espectro da linguagem jornalística, desde os mais elementares até os mais sofisticados elementos retóricos, estéticos e visuais.

Os escândalos políticos já entraram para a história da nossa república, deixando rastros de destruição de carreiras até então exitosas, reduzindo a quase zero um imenso patrimônio político e eleitoral, como demonstram os episódios históricos de Getúlio Vargas e Fernando Collor de Melo, só para citar ex-presidentes da república, personagens emblemáticos quando se fala no potencial destrutivo do escândalo para a elite política do país.

Fica evidente que o escândalo é um evento midiático capaz de interferir no equilíbrio do poder político. Resta perguntar: até que ponto e de que forma? Ou seja, a significação concreta que o escândalo político assume em determinadas circunstâncias sociais perante a opinião pública. Recentemente, as coberturas jornalísticas sobre o “Escândalo do Mensalão” e o “Escândalo do Renan Calheiros” mostraram a sua insuficiência para erodir de um modo decisivo o poder simbólico e político dos seus principais implicados, reforçando a descrença na onipotência da mídia.

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