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SMP ou SCM móvel. A dúvida da Anatel para o WiMAX

O formato do edital de licitação do WiMAX já está bem adiantado dentro da Anatel. Mas se a agência já decidiu que essa tecnologia poderá ser usada para a mobilidade, a dúvida, agora, é definir qual a licença de serviço será outorgada. A decisão da mobilidade foi referendada em novembro do ano passado, quando o Brasil apoiou o acordo aprovado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), que reconheceu o WiMAX como uma das tecnologias do UMTS.

Duas são as as hipóteses em estudo: usar a outorga do Serviço Móvel Pessoal (SMP) ou a do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Nos dois casos, há muito o que ponderar. Conceder novas licenças de SMP para o WiMAX trará mais implicações para o mercado, reconhecem técnicos da agência, pois, pelas regras atuais, só poderia haver, no máximo, cinco empresas de telefonia móvel no país. Embora a Anatel tenha eliminado o regulamento que estabelecia um número máximo de prestadoras de SMP, o problema não é regulatório, mas, sim, de modelo de negócios.

A outra vertente, que seria adotar o SCM como o serviço a comportar a tecnologia WiMAX, teria um menor impacto no mercado, pois, embora existam mais de mil empresas que têm essa licença, elas atuam em nichos. Mas provocaria uma maior alteração regulatória, já que o SCM é um serviço que pode fazer quase tudo, mas não pode prestar o serviço móvel nem o de TV por assinatura.

Para adotar o SCM como o serviço do WiMAX móvel seria preciso fazer uma ampla mudança no regulamento do SCM, o que implicaria aceitar a mobilidade para outras tecnologias que estão por vir. Outra alternativa seria criar um novo serviço, o SCM Móvel, o que iria na contramão da tendência mundial de convergência e da licença única.

Se essas não são questões simples de serem equacionadas, alguns princípios já estão consolidados na Anatel. E o mais importante deles é que a mobilidade do WiMAX não será permitida de imediato. Será estipulado um prazo para que as empresas que adquirirem essas freqüências possam partir para a mobilidade. A razão para isso chamase “estabilidade regulatória”.

As regras valerão para todos, o que significa que as empresas que compraram freqüências de WiMAX na primeira licitação, quando ninguém ainda falava dessa tecnologia — entre elas a Embratel, que comprou banda para todo o país —, também terão que cumprir o prazo probatório para a mobilidade. Outra questão já definida refere-se à modelagem para a oferta de serviço. O Brasil será dividido em 67 áreas de registro (correspondentes aos DDDs dos estados, como 11, 12, 21, etc.), e as aquisições poderão ser feitas em cada uma dessas áreas. Essa divisão repete o edital lançado em 2006, que estimulou a presença de 102 empresas na entrega de propostas. Mas a licitação acabou paralisada pelo TCU e as concessionárias fixas conseguiram, na Justiça, o direito de comprarem freqüências em suas áreas de concessão, o que era proibido pela Anatel.

Ao contrário da licitação passada, no novo edital, a Anatel pretende estabelecer metas de cobertura, mas de uma forma calibrada, de maneira a fazer com que o WiMAX seja um instrumento de competição, além de ferramenta de universalização de serviço.

Certificação

O primeiro documento a ser publicado, que faz parte desse conjunto de medidas que precisam ser tomadas, é o regulamento de certificação dos equipamentos, cuja consulta pública, lançada no ano passado, provocou uma reação contrária da indústria. Na época, a Anatel queria estabelecer restrição à mobilidade na própria tecnologia que seria certificada. A norma irá incorporar a nova orientação: manterá a limitação do alcance da tecnologia para a telefonia fixa, mas apontará para a mobilidade, quando ela for permitida.

Dois rádios digitais: um ótimo e outro ruim

Vivi duas experiências interessantes sobre rádio digital, em viagem recente aos Estados Unidos: uma ótima e outra ruim. Comecemos pela boa experiência. É provável que o leitor tenha conhecimento dos serviços de rádio digital por assinatura via satélite. Há duas empresas que exploram esses serviços e operam nos Estados Unidos, desde 2003. A primeira é XM, com 170 canais, programação totalmente diversificada, com música pop, jazz, clássico, ópera, notícias, esportes, serviços e outros. A segunda é a Sirius, com 193 canais.

Meu primeiro contato com o rádio digital via satélite ocorreu há dois anos, numa viagem de carro, na Califórnia. Há duas semanas repeti a experiência, comprovando a evolução dos serviços, com canais regionais exclusivos para orientação dos viajantes, informações sobre a situação das estradas, sobre eventuais acidentes, localização de postos de gasolina, restaurantes e hotéis.

Os serviços da XM e Sirius passaram a ser rentáveis no ano passado, especialmente depois que a indústria automobilística decidiu apoiar o projeto, incorporando o receptor de rádio via satélite aos carros novos de melhor padrão. Ambas operadoras cobram uma mensalidade de US$ 12,95, sem qualquer limitação de uso.

No pequeno receptor acoplado ao rádio do carro, são mostradas informações sobre a música, autor e intérprete. A qualidade de som equivale à dos melhores CDs. Nenhuma interferência, tudo límpido, para satisfazer até o ouvinte mais exigente de música clássica.

Para alcançar massa crítica e reduzir custos, XM e Sirius decidiram fundir-se e aguardam a aprovação do negócio pela Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês).

O Rádio Aberto 

Muito menos positiva foi minha experiência com o rádio digital das emissoras abertas, em AM e FM, com o uso do padrão In Band on Channel (Iboc) ou HD Radio, criado pela empresa Ibiquity. Nesse padrão, o mesmo programa é transmitido simultaneamente, no mesmo canal, tanto no modo analógico quanto no digital.

O maior problema do padrão Iboc é a sua falta de estabilidade ou homogeneidade. Ironicamente, alguns radiodifusores dizem que “ele é ótimo, quando funciona”. Ouvindo algumas emissoras americanas, pude comprovar que o melhor resultado ocorre nas cidades pequenas, em regiões planas e sem grandes obstáculos. No entanto, várias emissoras de AM desligam o sistema digital à noite para evitar interferências.

Em FM, ocorre, entre outros, o problema do atraso (delay) de 8 segundos do sinal digital, em relação ao analógico. Como o alcance do sinal digital é menor do que o analógico, nos limites de sua propagação, a sintonia oscila entre um e outro, com grande desconforto para o ouvinte.

É bom lembrar que, das quase 15 mil emissoras de rádio dos Estados Unidos, apenas 10% aderiram ao sistema híbrido Iboc, quase 6 anos após sua introdução naquele país. Muito menor ainda é a proporção de usuários que decidiram adquirir um receptor digital, cujo menor preço oscila entre US$ 130 e US$ 150.

No Mundo 

A introdução do rádio digital tem sido um desafio em todo o mundo. Para que a tecnologia pudesse produzir o melhor resultado seria necessário criar uma faixa de freqüência exclusiva para as transmissões digitais. Essa estratégia exigiria a troca de todos os receptores analógicos por digitais.

A idéia de usar o mesmo canal para transmissões analógicas e digitais, adotada pela empresa Ibiquity, parecia ser, em princípio, a grande saída. Mas essa tecnologia ainda não está madura e apresenta os problemas descritos aqui. Na Europa, são propostas novas faixas de freqüência exclusivas para o rádio digital, o que, no entanto, obriga à troca geral dos receptores. Conclusão: ainda temos de esperar uma solução melhor que as disponíveis no mundo atual.

Justiça

Para finalizar, uma notícia que diz respeito a esta coluna. A Justiça Federal rejeitou pelo mérito a ação movida pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, contra este colunista. Por sentir-se ofendido com as críticas feitas em artigo aqui publicado, na edição de 4 de fevereiro do ano passado, especialmente quanto ao processo de escolha do padrão de TV digital, o ministro ingressou com queixa-crime na Justiça Federal. E o fez mesmo depois de utilizar espaço equivalente, de meia página, cedido pelo Estado, para sua resposta, na edição do domingo seguinte (11/2/2007). Ao julgar o mérito da ação, a juíza Janaína Rodrigues Valle Gomes, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, acaba de rejeitá-la por falta de justa causa.

Em sua sentença, a juíza recorda que, conforme a lei, “não constituem abusos de liberdade de expressão a crítica a atos do Poder Executivo e seus agentes, bem como a crítica inspirada pelo interesse público”, e que, na referida coluna, “não se intentou ofender a dignidade” ou o decoro da autoridade, “mas desqualificar sua gestão e atuação como ministro de Estado, tendo o artigo ressaltado expressamente que a vida pessoal do cidadão Hélio Costa não interessava”. Da sentença ainda cabe recurso.

Comunicações no Brasil: conhecimento, por onde começar?

Qual resposta você daria se confrontado(a) com a pergunta: que leitura introdutória recomenda para que se tenha uma visão de conjunto sobre as comunicações no Brasil? Apesar de simples e recorrente, essa não é uma pergunta de fácil resposta.

Seria possível ter um único livro que desse conta do recado, talvez uma coletânea de textos que servisse de introdução à história, à legislação, à economia política, ao mercado, aos principais atores, à convergência tecnológica, à política pública, à programação etc. etc., do setor?

Acredito que o locus primeiro para a produção de um eventual livro como esse deveria ser os cursos de Comunicação, sobretudo aqueles que funcionam junto a programas de pós-graduação que, necessariamente, estão vinculados a linhas e projetos de pesquisa. Embora tentativas nesse sentido já tenham sido feitas, algo tem impedido que elas floresçam no diversificado ambiente acadêmico da Comunicação . O que poderia ser indicado provisoriamente para introduzir alguém na problemática do setor tem surgido em outros endereços.

Evidente ilegalidade

Dois exemplos recentes – nem livro, nem journal acadêmico – são o Informativo da ONG Intervozes sobre "Concessões de Rádio e TV – Onde a democracia ainda não chegou" (novembro de 2007, disponível aqui) e a Revista da Adusp, a associação sindical dos docentes da Universidade de São Paulo, sobre "Mídia no Brasil" (nº 42, janeiro 2008, disponível aqui).

No Informativo escrito pelo coletivo Intervozes, 12 textos e uma lista de propostas tratam da questão crítica das concessões públicas de rádio e televisão. A história da (des)regulamentação da área, os critérios de renovação das concessões, o coronelismo eletrônico, as programações predominantemente comerciais e/ou religiosas, as concessões de emissoras educativas, a venda de concessões e os processos de digitalização do rádio e da televisão são discutidos do ponto de vista da democratização e do direito à comunicação.

Dois desses temas, nem sempre tratados na literatura disponível, merecem ser lembrados aqui: os "supermercados eletrônicos" e a "invasão" das religiões nas telas de TV. Selecionei breves passagens dos textos que revelam quais questões são tratadas – e como. No primeiro, "No vale tudo, vende-se tudo", afirma-se:

"A legislação brasileira é clara: o limite de publicidade para as emissoras de televisão é de 25% do tempo de programação (art. 28, Decreto 52.795). Apesar disso, como qualquer brasileiro ou brasileira pode facilmente notar, alguns canais veiculam exclusivamente programas cuja intenção é vender produtos. Por meio destas emissoras, vendem-se tapetes, brincos, anéis, carros, casas e apartamentos, material de construção, roupas e instrumentos de culinária… Quem nunca viu a chapa do ex-boxeador norte-americano George Foreman sendo testada `ao vivo´? A lista é grande. Além da evidente ilegalidade no abuso do limite de conteúdo publicitário, tais concessionários exploram um bem público (o ar por onde trafegam os sinais de rádio e TV) sem que a contrapartida estabelecida pela legislação brasileira seja cumprida."

Informações sobre faturamento

Já no segundo, "O Show da fé", discute-se a presença de algumas religiões nas emissoras de TV. O texto diz:

"A presença das religiões na televisão é um tema complexo (…). Por um lado, é preciso considerar que a religião é, em certa medida, uma manifestação cultural. Isso, em tese, faz com que sua presença na televisão seja justificável. Por outro lado, trata-se de uma manifestação essencialmente privada, o que faz com que as outras pessoas tenham o direito de que este conteúdo não invada a sua casa. A questão se torna ainda mais complexa quando lembramos que a Constituição define o Estado brasileiro como laico, ou seja, não-religioso. Sendo as concessões de radiodifusão públicas, outorgadas pelo Estado, em tese elas não poderiam ser utilizadas para o proselitismo religioso. (…) Algumas religiões, com ampla maioria para os evangélicos e católicos, possuem suas próprias emissoras ou compram horário na grade de programação de outras. Tal ocupação é possível graças ao poder político de algumas destas religiões (que conseguem pressionar o Estado a conceder as outorgas) ou ao seu poder econômico (que permite a compra de horário em outros canais). Desta forma, as religiões desprovidas destes poderes não conseguem ocupar o espaço televisivo. (Religiões) de matrizes africanas, por exemplo, estão fora das telas."

A Revista da Adusp nº 42, por outro lado, está organizada em torno de quatro subtemas: a mídia na economia; mídia, poder e cultura; nós e a rede mundial (web) e jornalismo e democracia, compreendendo 11 textos que oferecem um painel bastante amplo dos principais problemas do setor. Destaco três desses textos:

** O primeiro, "Terra de Gigantes", assinado por Antonio Biondi e Cristina Charão, traz um levantamento básico (e que precisa sempre estar sendo atualizado) sobre os principais grupos que controlam as comunicações no país: sua composição, seu faturamento, sua participação no mercado e quem são seus donos. A pesquisa nessa seara não é fácil por um motivo simples: a maioria das informações não está disponível. E agora não foi diferente. Dizem os autores:

"A edição 2007 de `Valor Grandes Grupos´, anuário do jornal Valor Econômico, lista os grupos Sílvio Santos (na 97ª posição), Abril (105ª), RBS (178ª) e Estado (183ª). Outros dois gigantes, Organizações Globo e Grupo Folha – exatamente os que compartilham a propriedade de Valor Econômico – não são citados no anuário, e conseguir informações sobre o faturamento de ambos não é tarefa fácil, apesar de se organizarem como sociedades anônimas (S/A), o que teoricamente exige transparência nos balanços financeiros. Só foi possível localizar informações da Folha pelo noticiário. Às vezes, do próprio grupo. Já a Globo, apesar de fechar o acesso a seus relatórios financeiros, foi mais solícita e enviou seu último balanço."

Bom proveito

Um segundo texto que vale a pena mencionar discute "Os desafios da governança da internet". Nele, Gustavo Gindre nos lembra que:

"Ao contrário do que o senso comum indica, a internet não é uma rede anárquica e sem controle. De fato, existe um complexo, multifacetado e muitas vezes contraditório sistema internacional que garante a chamada `governança da internet´. Este modelo se constituiu historicamente mediante processos que ocorreram em paralelo, alguns em âmbito nacional (em especial nos Estados Unidos) e sem coordenação entre si. Os desdobramentos desta governança determinarão como será aquilo que as futuras gerações chamarão pelo nome de internet."

E, finalmente, vale mencionar o texto de Bernardo Kucinski que faz "Um balanço da campanha pela democratização da informação" e sugere uma agenda mínima factível em torno da qual se deveria pautar a luta por uma nova regulação democrática das comunicações, independente da forma como se complete a atual transição tecnológica. Essa agenda teria os seguintes pontos:

"(a) controle público do processo de concessões do espectro;

(b) abertura do espectro a entidades da sociedade civil;

(c) impedir por normas claras o monopólio regional e o monopólio cruzado;

(d) subordinar a concessão à apresentação de projetos editoriais harmônicos com políticas públicas previamente acordadas em fóruns legítimos e democráticos;

(e) regras claras de operação, limitando tempo de propaganda, obrigando tempo mínimo de noticiário e taxa mínima de ocupação com produção nacional e regional."

Como se vê por essa pequena amostra, embora a pergunta inicial continue sem resposta, existem algumas poucas publicações externas ao ambiente acadêmico da Comunicação que podem servir de introdução às comunicações no Brasil. Até que se tenha uma referência consolidada, é a elas que devemos nos recorrer.

Para aqueles que estiverem interessados, bom proveito.

Cursos de Jornalismo: o difícil caminho da “sociedade da informação”

A propósito do Fórum Econômico Mundial em Davos, é curiosa, para se dizer o mínimo, a informação de que um jornal financeiro suíço tenha ouvido e repercutido declarações "quentes" do escritor Paulo Coelho. Certo, o "mago" literário e financeiro é habitué do Fórum. Desta vez, porém, ele aventa uma hipótese deveras interessante: o esoterismo seria melhor para prever o futuro da economia do que os especialistas. "Diante do desencontro dos especialistas e dos erros de previsão, os rituais esotéricos têm capacidade de atuar até com mais eficácia do que medidas técnicas", conforme relata o jornalista Merval Pereira, citando Coelho (O Globo, 24/1/2008).

Os "especialistas" constituem, em Davos, uma elite internacional de 2.500 altos empresários, políticos e economistas. Haveria entre eles um consenso manifesto quanto à incapacidade do Federal Reserve – o banco central norte-americano, outro reduto de grandes "especialistas" ou economistas – em detectar a atual crise das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos, com suas alarmantes perspectivas de estagflação. É verdade que o noticiário subseqüente atribui a um desses economistas a previsão, desde o ano passado, da crise. Seu discurso, porém, é tão especulativo quanto o de um esotérico, com metáforas nosológicas: os EUA estariam financeiramente gripados, com risco de pneumonia.

O jornal esquiva-se de assinalar o evidente mal-estar cognitivo subjacente a tudo isso, que bem poderia suscitar uma questão de fundo sobre a inteireza da "ciência" econômica. O que dizer, assim, das faculdades de excelência, dos luminares de econometria, dos Prêmios Nobel de Economia? Valeria para a Economia a afirmação, por muitos repetida acerca da Comunicação, de que talvez devessem ser fechadas as escolas de formação dos jornalistas?

Paradigma compreensivo

Esta introdução parece-nos oportuna para retomar a temática dos cursos de Jornalismo, recentemente abordada neste Observatório por Carlos Castilho a propósito de um comentário que sugeria o fechamento da maioria das escolas diante da precariedade da demanda do mercado e da suposta ineficiência da formação (ver "O que fazer com as escolas de jornalismo?"). Castilho, que conheço de há muito tempo no ambiente profissional, é um dos muito bons jornalistas brasileiros, alguém capaz de aliar competência técnica a uma visão político-humanista. Em seu artigo no OI, mesmo reconhecendo a realidade do desemprego para os formandos, ele contorna as intenções, digamos, terminais do querelante, com o argumento de que está emergindo uma realidade nova no campo jornalístico:

"É necessário perceber que o jornalismo começa a ganhar novas funções num ambiente informativo onde as pessoas comuns, os cidadãos, estão ocupando espaços cada vez maiores na produção e publicação de notícias. Este é um fato novo que está mudando a história da comunicação atual, da mesma forma que a invenção dos tipos móveis por Johanes Gutemberg revolucionou a transmissão de informações e conhecimentos a partir do século 15. E esta nova conjuntura está sendo olimpicamente ignorada pelas faculdades de Jornalismo, com honrosas exceções não apenas aqui como noutros países".

Castilho tem razão, em parte. Isto porque, há muito tempo, é uma espécie de lugar-comum nos cursos em pauta o reconhecimento – histórico, sociológico, antropológico e filosófico – da conjuntura que leva a sociedade contemporânea a ser chamada de "sociedade da informação", na medida em que se ampliou, com meios de produção e dispositivos inéditos, a circulação do conhecimento. Esta ampliação se estende do jornalismo até a infra-estrutura tecnológica que sustenta a globalização em curso.

Em todo este complexo, o jornalismo – que, no início do século passado, parecia justificar toda uma "ciência" – é apenas uma das práticas "logotécnicas", ao lado das audiovisuais, da documentação, do tratamento de dados, da interpretação de textos e imagens. E por maior que seja a diversidade dos discursos e das práticas, subjaz a tudo isso um paradigma compreensivo, a que se vem dando o nome de comunicação.

O que está em jogo

Ora, é precisamente esse paradigma que fundamenta uma nova episteme (formas particulares de produção e circulação do conhecimento, uma nova mentalidade) para a sociedade contemporânea, movida a informação. Quando se diz "sociedade da informação", em vez de algo como "sociedade das informações", está sendo implicitamente reconhecido que informação não é o mesmo que um dado fragmentado, e sim um processo de amplitude social e cultural. Desde o século 19 até meados do século 20, o modelo a ser descrito era uma sociedade constituída, cujos fatos relevantes eram comunicados ao público por jornalistas. Agora, o complexo intitulado "mídia" molda também a sociedade.

O jornalismo é uma das práticas técnicas (importantíssima, aliás, para o moderno capítulo das liberdades civis) no interior desse complexo, mas é preciso pensá-lo como parte de um todo e deixar de lado o fundamentalismo corporativo inerente a alguns profissionais, jovens e velhos. A comunicação é o marco compreensivo para os horizontes de significação, ao mesmo tempo sócio-técnicos e epistêmicos, que se dispõem como um verdadeiro ecossistema informativo.

As escolas de comunicação surgiram e se irradiaram como uma febre na esteira desse paradigma. As profecias tecnológicas do canadense Marshall McLuhan, o crescimento exponencial das novas modalidades de consumo e o aparecimento acelerado das novas tecnologias de informação contribuíram em muito para o marketing acadêmico do fenômeno comunicacional. Em princípio, muito mais atraente do que a mera aprendizagem de técnicas (jornalismo, publicidade, radialismo, televisão etc.) seria a "imersão" no ambiente cognitivo capaz de esclarecer o que está em jogo nesse novo universo.

Tecnologias do espírito

Numa realidade educacional concebida como praça de mercado, seria inevitável que instituições de ensino de toda ordem aderissem ao açodamento da oferta de cursos fáceis de montar. Inevitável também seria a decepção subseqüente dos jovens com o estreitamento do mercado tradicional, assim como a indisposição ou o ressentimento dos jornalistas estabelecidos para com os jovens egressos de uma realidade acadêmica distante da prática das redações. Na verdade, se esquece que nenhuma faculdade oferece realmente gente imediatamente pronta para uma profissão. Ninguém sai médico de uma escola de medicina, por exemplo, já que a prática médica é dada pela "residência" posterior, que pode levar vários anos. Na escola, aprende-se a aprender; a prática se adquire ali, onde a produção acontece.

Evidentemente, são diferentes os níveis de ensino e diversa a capacidade dos estudantes de bem se disporem cognitivamente para o exercício de uma profissão. Os formandos de uma escola de alto nível podem ser disputados por empresas. Mas isto, quando acontece, se dá em áreas tecnológicas de grande porte. Na área social, ou "humana", a coisa muda de figura: o prestígio dos cursos tem muito a ver com a sua proximidade para com os aparelhos de Estado ou com a tecnoburocracia de planejamento. Só que não há neles nenhuma "cientificidade" maior do que o que se transmite em cursos de comunicação. Estes são apenas os "caçulas" do estamento universitário. E, apesar dos óbices, seus egressos povoam hoje as diversas modalidades de mídia.

Mas Carlos Castilho tem plena razão quando afirma que os cursos ainda não atentaram para as possibilidades de oferta de orientação e capacitação de receptores-leitores na nova ordem comunicacional. Em outras palavras, a esfera acadêmica não deve atrelar-se à mera produção de profissionais para o mercado, e sim, voltar-se também para a formação crítica. É uma sugestão brilhante, em especial quando se considera que as novas tecnologias da informação – a internet, basicamente – ensejarão cada vez mais protocolos de leitura ativos e interativos por parte de consumidores. Não é impossível que venha a sair de tudo isso um discurso social de estreita afinidade entre a reflexão das ciências humanas e a informação pública.

É mesmo concebível que, na conjuntura de uma verdadeira "informação formativa", os perplexos com o áleas (o acaso, o imponderável) da economia – esses "especialistas" apanhados em meio ao descontrole do mercado financeiro, tão pouco scholars quanto os crupiês de um cassino – vm a recorrer a jornalistas (saudades do Aloísio Biondi…) para tornar mais claras as coisas. Pessoalmente, nada contra o saber que os filósofos orientais chamam tecnologias do espírito, mas esse esoterismo de faturamento, francamente…

Current TV: uma televisão participativa e contemporânea

Recentemente, assisti aos vídeos promocionais da Current TV, emissora gerenciada por Joel Hyatt e ideologicamente comandada pelo ex-candidato à presidência dos EUA e prêmio Nobel da Paz Al Gore. A empresa foi criada há dois anos e se tornou no ano passado o veículo mais jovem a vencer um Emmy (o principal prêmio da TV americana).

Fiquei muito bem impressionado com o foco, aparentemente acertado, da programação. Porque a Current é uma televisão contemporânea. Utiliza a internet para se alimentar e alimenta a internet com sua produção. Um terço do que exibe provém dos próprios internautas, em algo que eles chamam de VC2 (Viewer Created Content – "telespectador criou o conteúdo").

Fascinou-me, por exemplo, ver a contraposição de vídeos extraídos do site gerando um diálogo virtual de pessoas que nem sequer se conhecem pelo cyberespaço, apenas "freqüentam" a mesma mídia. Um rapaz posta um vídeo dizendo algo. Uma garota refuta com outro vídeo. Tudo online. E tudo isso vai parar na grade de programação participativa e interativa da emissora.

Funcionamento

A Current opera em duas mãos. Tem um site 2.0 e um canal de Broadcast tradicional, o qual o cliente acessa por meio de assinatura (DTH ou cabo) nos Estados Unidos e no Reino Unido. O plano, no entanto, é expandir o trabalho para todo o planeta.

Seu público é o que eles chamam de Young Adults (jovens adultos). Ou seja: pessoas entre 18 e 34 anos. Não é o mesmo público que a MTV ou a Play TV no Brasil, voltados para teenagers ou old teens (pessoas que esqueceram que a adolescência um dia acaba). Isso faz da Current um produto bastante raro no mercado de comunicação.

Além disso, eles desenvolveram estratégias para obtenção de publicidade menos invasivas que as tradicionais, inspirados pelos ads da internet (um mecanismo que aproxima a oferta e a demanda). Também optaram por se relacionar com as marcas por meio de patrocínios à programação. Como é interessante estar na Current, o mercado topou.

No fim do ano, por exemplo, o Radiohead, a banda que é sinônimo de inovação (principalmente depois de ter lançado seu último disco inteiro pela internet para que os fãs pudessem baixar suas músicas pelo preço que bem entendessem) fez uma apresentação exclusiva para a Current. O Robertão Carlos Especial deles é o Radiohead. Isso dá a dimensão de quem eles querem atrair para suas ondas digitais.

No Brasil, o projeto da FIZTV da Editora Abril propõe sistema semelhante. Não chega aos pés, mas caminha nesse sentido, de capturar conteúdos na web, produzidos pelos interatores, e levá-los ao broadcast.

Esse é um dos caminhos possíveis para a fusão internet-TV, mas na minha avaliação não é o que irá sobreviver no cenário de convergência total. De qualquer forma, a inovação passa por aí.

Um exemplo bem legal

Em um dos vídeos promocionais aos quais tive acesso, a Current exibe um trabalho como o exemplo mais bem acabado da interação entre a emissora e os interatores. É o clipe All Eyes on The Shins, produzido por Alex simmons e Douglas Caballero, durante o Austin City Limits Festival.

De fato, eles usaram muito do que a net pode oferecer para fazer um trabalho colaborativo.

Veja o filme aqui.

Depois que você assistiu ao filme, explico como eles fizeram isso:

1. Eles propuseram à banda The Shins que os fãs pudesses filmar uma das músicas de seu show. Os caras não só autorizaram a brincadeira como disseram que iam fazer campanha pela idéia.

2. Eles iniciaram, então, por meio de panfletagem durante o festival e distribuição de camisetas, a divulgar a idéia entre o público. Também fizeram uma campanha por meio do My Space, a rede social que é sinônimo de música nos dias de hoje.

3. O pedido ao público era bem simples: você, fã, use seu celular, câmera fotográfica, filmadora, o que for, para filmar a apresentação do The Shins. Depois, deposite seu filme no site da Current. A contrapartida? Participar da brincadeira.

4. Para pôr mais tempero no cozido, o The Shins ofereceu uma música inédita, Phantom Limb. Puseram no roda o primeiro single do novo álbum, que nem sequer fora lançado.

5. No dia marcado, na hora marcada, os músicos conclamaram os fãs a ligarem seus aparelhos e gravarem a apresentação. Quem quis, e pôde, fez isso.

Resultado: mais de 200 vídeos foram enviados à Current. Eles deram origem a um clipe editado por Simmons e Caballero. Pelo menos um frame de cada vídeo enviado pelo público foi utilizado na colagem feita pela emissora. Além disso, todos os trabalhos permanecem no site à disposição dos usuários.

A convocatória no corpo-a-corpo real e virtual mais a credibilidade do veículo forjaram ou não forjaram uma equação bem interessante? O que seria possível fazer com um método desses? Quais são as pontes para interligar TV e web de forma eficiente e atraente para o público de hoje em dia? Que experiências semelhantes a essa serão desenvolvidas no Brasil? O que é preciso para uma experiência dessa dar certo?