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Pluralismo de fachada

A maioria dos maiores jornais do Brasil não cumpre ao menos uma parte dos seus compromissos com a sociedade. Essa maioria proclama solenemente que pratica o pluralismo de opiniões, mas, nos seus procedimentos habituais, repele a diversidade. Eis aqui um fato simples e irrefutável, que deveria ser assunto prioritário dos editores de jornais mas tem sido apenas ignorado.

Antes de qualquer outra consideração, vamos demonstrar por que esse fato é verdadeiramente simples e irrefutável. Estamos falando aqui dos 154 jornais que estão filiados à Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a elite da imprensa diária no Brasil. Ao todo, existem 684 diários no país (número de 2011), mas os 154 que integram a ANJ concentram aproximadamente 80% da circulação total, que alcançou em 2011 a marca de 8,65 milhões de exemplares por dia, segundo estimativas da própria entidade. Sozinhos, os 154 teriam uma circulação média diária de aproximadamente 7 milhões de exemplares. Que deveriam ser pluralistas.

Por quê? Muito simples. Sendo filiados à ANJ, esses 154 veículos se submetem ao Código de Ética da entidade, um código conciso e muito claro. Em seu artigo 5º diz que os jornais se comprometem a “assegurar o acesso de seus leitores às diferentes versões dos fatos e às diversas tendências de opinião da sociedade”. Aí está o compromisso expresso com o pluralismo, que é reforçado por pelo menos outros dois dispositivos. O artigo 10º, que afirma o dever de “corrigir erros que tenham sido cometidos em suas edições”, e o artigo 6º, que garante “a publicação de contestações objetivas das pessoas ou organizações acusadas, em suas páginas, de atos ilícitos ou comportamentos condenáveis”, complementam e dão mais consistência ao princípio do artigo 5º. Com esses mandamentos, o código afirma que seus jornais estão empenhados em cobrir e refletir as diversas opiniões sobre os fatos, tão empenhados que corrigirão prontamente erros eventuais cometidos pelas reportagens.

Até aqui, tudo ótimo. Não se esperaria outra coisa de um bom diário contemporâneo. Acontece que, segundo um levantamento exposto pelo diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira, durante o 9º Congresso Brasileiro de Jornais, realizado em São Paulo no final de agosto, não é bem isso que encontramos na prática. Para começar, apenas 50 dos 154 adotam em seu cotidiano o princípio de “reconhecimento e publicação de erros”. Isso mesmo, somente 32% dos maiores e mais lidos jornais brasileiros cumprem o artigo 10º do seu próprio Código de Ética. Pedreira mostrou ainda que, embora todos os 154 filiados da ANJ tenham canais de atendimento ao leitor, nem todos veiculam as cartas que recebem: só 96 deles (62%) dizem ter o hábito de publicar as mensagens dos leitores.

Bastam esses dados para escancarar o contraste que existe entre o Código de Ética da associação e a prática rotineira dos filiados. Algo vai mal nesse campo. Em matéria de pluralismo na imprensa, a sociedade ainda tem muito do que reclamar. As preocupações com a ética ainda não se tornaram uma agenda obsessiva – como deveria ser – nas redações. Tanto é assim que apenas uma minoria ínfima, 17% dos 154 diários, elaborou códigos ou manuais de ética para sua administração interna. Somente 25 (ou 16%) mantêm conselhos editoriais – que talvez não sejam uma grande maravilha, mas sempre ajudam na crítica interna. São menos ainda os que mantêm algum conselho de leitores. Tais números desencorajam qualquer leitura otimista.

É claro que ninguém vai cobrar que um veículo informativo seja plural só porque a gente gosta de pluralismo. Existiram e existem publicações abertamente partidárias e nem por isso elas foram ou são desonestas ou de má qualidade. Não se pode exigir, por exemplo, do francês L’Humanité, histórica e abertamente ligado aos comunistas, que abrigue multidões de colunistas de direita, assim como não se vai impor ao jornal L’Osservatore Romano, órgão do Vaticano, que desfralde a bandeira do materialismo histórico. Esses e muitos outros jornais têm uma causa declarada, não a escondem. Nada de errado com eles, embora não sejam exatamente plurais.

Agora, de um órgão de imprensa que se compromete publicamente com o princípio do pluralismo, aí, sim, a sociedade tem o direito de cobrar condutas compatíveis com esse compromisso. Dos jornais filiados à ANJ, o leitor brasileiro tem o direito de demandar uma postura editorial pluralista, seja nas reportagens, seja nas páginas de opinião. Se é isso o que prometem, que seja isso o que entregam. Logo, não se trata de medir o desempenho de veículos informativos segundo uma baliza vinda de outro planeta, mas de cobrar deles o compromisso que eles mesmos dizem abraçar.

Eis aí o problema. Um problemaço! Um problema tão crítico que deveria ser a prioridade nº 1 dos jornais brasileiros. Eles estão em descompasso consigo mesmos e, por extensão, estão em dessintonia com o que a sociedade brasileira espera da imprensa. O cidadão vem aprendendo – finalmente – a exigir transparência dos negócios públicos. Do mesmo modo, exige e exigirá mais transparência dos critérios que governam a imprensa.

Os jornais não têm escolha: ou abrem canais mais eficientes para o leitor reclamar e, mais ainda, participar da confecção do conteúdo editorial, ou ficarão para trás, defasados, não apenas em razão da crise do modelo de negócio – já tão conhecida –, mas principalmente por não estarem à altura da função que a democracia lhes reserva de mediar o debate público. Para acompanhar o tempo eles terão, além de preservar a sua própria independência (artigo 1º do Código de Ética da ANJ), de aumentar o seu nível interno de transparência e radicalizar seu compromisso com o pluralismo.

É pegar – ou ser largado.

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM

Dois rádios digitais: um ótimo e outro ruim

Vivi duas experiências interessantes sobre rádio digital, em viagem recente aos Estados Unidos: uma ótima e outra ruim. Comecemos pela boa experiência. É provável que o leitor tenha conhecimento dos serviços de rádio digital por assinatura via satélite. Há duas empresas que exploram esses serviços e operam nos Estados Unidos, desde 2003. A primeira é XM, com 170 canais, programação totalmente diversificada, com música pop, jazz, clássico, ópera, notícias, esportes, serviços e outros. A segunda é a Sirius, com 193 canais.

Meu primeiro contato com o rádio digital via satélite ocorreu há dois anos, numa viagem de carro, na Califórnia. Há duas semanas repeti a experiência, comprovando a evolução dos serviços, com canais regionais exclusivos para orientação dos viajantes, informações sobre a situação das estradas, sobre eventuais acidentes, localização de postos de gasolina, restaurantes e hotéis.

Os serviços da XM e Sirius passaram a ser rentáveis no ano passado, especialmente depois que a indústria automobilística decidiu apoiar o projeto, incorporando o receptor de rádio via satélite aos carros novos de melhor padrão. Ambas operadoras cobram uma mensalidade de US$ 12,95, sem qualquer limitação de uso.

No pequeno receptor acoplado ao rádio do carro, são mostradas informações sobre a música, autor e intérprete. A qualidade de som equivale à dos melhores CDs. Nenhuma interferência, tudo límpido, para satisfazer até o ouvinte mais exigente de música clássica.

Para alcançar massa crítica e reduzir custos, XM e Sirius decidiram fundir-se e aguardam a aprovação do negócio pela Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês).

O Rádio Aberto 

Muito menos positiva foi minha experiência com o rádio digital das emissoras abertas, em AM e FM, com o uso do padrão In Band on Channel (Iboc) ou HD Radio, criado pela empresa Ibiquity. Nesse padrão, o mesmo programa é transmitido simultaneamente, no mesmo canal, tanto no modo analógico quanto no digital.

O maior problema do padrão Iboc é a sua falta de estabilidade ou homogeneidade. Ironicamente, alguns radiodifusores dizem que “ele é ótimo, quando funciona”. Ouvindo algumas emissoras americanas, pude comprovar que o melhor resultado ocorre nas cidades pequenas, em regiões planas e sem grandes obstáculos. No entanto, várias emissoras de AM desligam o sistema digital à noite para evitar interferências.

Em FM, ocorre, entre outros, o problema do atraso (delay) de 8 segundos do sinal digital, em relação ao analógico. Como o alcance do sinal digital é menor do que o analógico, nos limites de sua propagação, a sintonia oscila entre um e outro, com grande desconforto para o ouvinte.

É bom lembrar que, das quase 15 mil emissoras de rádio dos Estados Unidos, apenas 10% aderiram ao sistema híbrido Iboc, quase 6 anos após sua introdução naquele país. Muito menor ainda é a proporção de usuários que decidiram adquirir um receptor digital, cujo menor preço oscila entre US$ 130 e US$ 150.

No Mundo 

A introdução do rádio digital tem sido um desafio em todo o mundo. Para que a tecnologia pudesse produzir o melhor resultado seria necessário criar uma faixa de freqüência exclusiva para as transmissões digitais. Essa estratégia exigiria a troca de todos os receptores analógicos por digitais.

A idéia de usar o mesmo canal para transmissões analógicas e digitais, adotada pela empresa Ibiquity, parecia ser, em princípio, a grande saída. Mas essa tecnologia ainda não está madura e apresenta os problemas descritos aqui. Na Europa, são propostas novas faixas de freqüência exclusivas para o rádio digital, o que, no entanto, obriga à troca geral dos receptores. Conclusão: ainda temos de esperar uma solução melhor que as disponíveis no mundo atual.

Justiça

Para finalizar, uma notícia que diz respeito a esta coluna. A Justiça Federal rejeitou pelo mérito a ação movida pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, contra este colunista. Por sentir-se ofendido com as críticas feitas em artigo aqui publicado, na edição de 4 de fevereiro do ano passado, especialmente quanto ao processo de escolha do padrão de TV digital, o ministro ingressou com queixa-crime na Justiça Federal. E o fez mesmo depois de utilizar espaço equivalente, de meia página, cedido pelo Estado, para sua resposta, na edição do domingo seguinte (11/2/2007). Ao julgar o mérito da ação, a juíza Janaína Rodrigues Valle Gomes, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, acaba de rejeitá-la por falta de justa causa.

Em sua sentença, a juíza recorda que, conforme a lei, “não constituem abusos de liberdade de expressão a crítica a atos do Poder Executivo e seus agentes, bem como a crítica inspirada pelo interesse público”, e que, na referida coluna, “não se intentou ofender a dignidade” ou o decoro da autoridade, “mas desqualificar sua gestão e atuação como ministro de Estado, tendo o artigo ressaltado expressamente que a vida pessoal do cidadão Hélio Costa não interessava”. Da sentença ainda cabe recurso.